sábado, janeiro 13, 2018

O Muro de Oprah - GUILHERME FIUZA

O Globo - 13/01

Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que suposto despertar feminista hollywoodiano é show autopromocional



Desta vez Meryl Streep não chorou. Na edição anterior do Globo de Ouro, suas lágrimas roubaram a cena para anunciar o fim do mundo com a derrota eleitoral da companheira Hillary. Os Estados Unidos tinham acabado de cair nas mãos da elite branca egoísta, e a atriz estava inconsolável diante do destino hediondo que colhera a maior democracia do planeta. Um ano depois, o emprego entre negros e hispânicos no país alcançou nível recorde. E o tema deixou de comover Meryl.

Ela e seus colegas preocupadíssimos em defender alguma vítima de alguma coisa mudaram de assunto no Globo de Ouro deste ano. Com a desoladora notícia de que os fracos e oprimidos tinham melhorado de vida no primeiro ano do governo assassino, a brigada salvacionista concentrou-se nos casos de assédio sexual. A convocação da estilista que organizou o protesto dos trajes pretos era uma fofura, tipo “não é uma boa hora para você bancar a pessoa errada e ficar fora dessa”.

Se uma intimação assim viesse do inimigo era assédio moral na certa.

Mas o show tem que continuar, e a butique ideológica foi um arraso. O stand up apocalíptico de Meryl Streep em 2017 deu lugar ao palanque apoteótico de Oprah Winfrey — aclamada, eleita e já empossada como a nova presidente dos Estados Unidos da América. Faltam apenas uns detalhes burocráticos, bobagens da vida real — que só existem para atrapalhar, como mostram os números do emprego. O ideal seria se Oprah pudesse culpar o agente laranja da Casa Branca pela marginalização dos negros, mas a realidade atrapalhou mais uma vez.

Aí ela gritou pela mulher. Coisa linda. Todo mundo chorando de novo, que nem no apocalipse da Meryl. Se Obama ganhou o Nobel da Paz antes de começar a governar, Oprah era capaz de levar o prêmio ainda no tapete vermelho. Aí vieram os estraga-prazeres lembrar a bonita sintonia da apresentadora com o dublê de produtor e predador Harvey Weinstein — sem uma única palavra dela sobre os notórios métodos do selvagem de Hollywood. Ainda veio o cantor Seal, que também é negro, dizer que Oprah é “hipócrita” e “parte do problema”. Impressionante como essa gente não sabe assistir a um happy end em paz.

O governo Oprah deveria começar construindo um muro para os invejosos não secarem mais o Globo de Ouro. Quem viesse com comentários desagradáveis sobre esse impecável espetáculo demagógico seria sumariamente deportado. Não faz o menor sentido você ter um trabalhão montando a coleção outono-inverno do luto sexual para vir um bando de forasteiros rasgar a fantasia e deixar o heroísmo de ocasião inteiramente nu.

Como se não bastasse, aparece Catherine Deneuve para jogar a pá de cal no picadeiro. Mais uma invejosa. Sobe logo esse muro, presidenta Oprah. Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que o suposto despertar feminista hollywoodiano é basicamente um show autopromocional e não ataca o problema real. Estaremos sonhando? Será que finalmente alguém relevante teve a bondade de dizer isso?

Não, não é sonho. E La Deneuve disse mais: essas estrelas falsamente engajadas trazem, na verdade, uma ameaça de retorno à “moral vitoriana”, escondida nessa “febre por enviar os porcos ao matadouro”, nas palavras do manifesto publicado no “Le Monde”. Ou seja: não há nada mais moralista e reacionário que o politicamente correto. Até que enfim.

Claro que a patrulha já caiu em cima, acusando as francesas de complacência com o machismo tirânico. Retocar os fatos, como se sabe, é a especialidade da casa. Abuso de poder para chantagem sexual precisa ser denunciado sempre — não só quando se acendem as luzes do teatrinho, companheira presidenta Oprah Winfrey e grande elenco enlutado. Mas montar uma caça às bruxas fingindo que sedução é agressão — e colecionando banimentos de grandes artistas como troféu — é igualmente abominável. Tão feio quanto abandonar o tema da opressão aos negros quando o script do tapete vermelho é contrariado pela realidade.

Danuza Leão disse que o desfile dos vestidos pretos no Globo de Ouro parecia um velório. Já está sendo devidamente patrulhada, porque não se desmascara os retrógrados moderninhos impunemente (a patrulha não sabe com quem está se metendo). Aguinaldo Silva também anda sendo patrulhado por ser gay e não fazer proselitismo gay — veja a que ponto chegamos. É o ponto em que uns procuradores iluminados resolvem obrigar (repetindo: obrigar) o Santander a remontar a exposição da criança viada para fazer a selfie “heróis da diversidade”. Perguntem a Catherine Deneuve se arbitrariedade promocional faz bem à liberdade sexual.

Chega de dar plateia a esses reacionários trans. Melhor deixá-los a sós discutindo se Anitta na laje é cachorra ou empoderada.


A quinta morte da democracia - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 13/01

O fator preponderante nos retrocessos e rupturas é a falta de convicção das elites



Examinando as condições de atraso econômico e assustadora pobreza na virada do século 19 para o 20, Euclides da Cunha escreveu que o Brasil era um país “condenado à civilização”. Não tínhamos como ficar parados, nem como andar devagar. Precisávamos andar rápido e a direção só poderia ser a do progresso e da paciente edificação de instituições.

Adepto da filosofia positivista, à qual não faltava certo viés autoritário, Euclides não percebeu que uma parte do problema já estava encaminhada desde 1824. É mais que óbvio: insistir no absolutismo herdado do período colonial ou resvalar para o caudilhismo hispânico seria o caminho mais curto para recairmos na fragmentação e na desordem. O Estado constitucional e seu corolário, o sistema representativo de governo, amenizavam as tensões e delineavam um futuro – esse a que hoje denominamos democracia. Na última década daquele século, não fora o gênio de Rui Barbosa, é muito possível que tivéssemos sucumbido a um cenário extremamente destrutivo.

Num breve apanhado retrospectivo, podemos dizer que a morte da democracia representativa foi anunciada pelo menos cinco vezes desde o início da República, e apresso-me a esclarecer que os respectivos argumentos ocorreram em muitos países, inclusive no sul da Europa, e que não os subestimo: não é minha intenção caricaturá-los.

A primeira morte foi concebida como um caso de mortalidade infantil. Os mecanismos institucionais da democracia – eleições, partidos, parlamentos – não se conseguiriam “desprender” do poder privado dos fazendeiros, chefes e mestres da política de campanário. A proveniência desse argumento era basicamente protofascista, mas o próprio Sérgio Buarque de Holanda o situou entre as principais “raízes do Brasil”. Para os povos latinos, ele escreveu, é difícil imaginar normas gerais pairando sobre nossa cabeça. A hidra do passado colonial deglutiria as nascentes democracias tão facilmente como uma sucuri deglute um cachorrinho poodle.

O segundo atestado de óbito veio nos anos 30, agora com uma nítida declaração de origem fascista. A democracia liberal, dizia-se, era plausível enquanto se restringia a rusgas entre partidos – que, afinal, não passavam de pequenos grupos de notáveis provincianos – para decidir quem nomeava o agente local dos correios. Naquela quadra, escreveu Francisco Campos, o solitário autor da Constituição ditatorial de 1937, o liberalismo concebeu o mundo político segundo a imagem da esgrima forense. Mas o advento do capitalismo industrial elevou dramaticamente o nível dos conflitos, transformando-os em enfrentamentos mortais entre o capital e o trabalho. Nessa nova sociedade, sentenciou, só haveria lugar para “governos fortes”.

Depois da 2.ª Guerra Mundial, em todo o mundo a palavra-chave passou a ser “desenvolvimento”. O problema com a democracia seria sua incapacidade de cumprir certos “pré-requisitos”. Ela só seria possível em sociedades que previamente se houvessem adiantado economicamente, que contassem com uma população homogênea e altamente escolarizada, e assentadas sobre um robusto consenso nacional. Pior ainda, a democracia seria incompatível com o “planejamento”, a nova panaceia econômica. Hoje é fácil perceber que essa nova elucubração se esquecia de um pequeno detalhe. A democracia não foi inventada para as sociedades desfrutarem condições ideais após haverem superado cabalmente os seus conflitos, mas para que pudessem (e possam) equacioná-los com o mínimo possível de violência, dentro de um marco institucional justo e acessível a todos os grupos relevantes.

A quarta morte da democracia foi atestada no contexto do conflito Leste-Oeste, principalmente pela voz dos ideólogos marxistas. Sua sentença de morte estaria embutida na rápida ascensão e na superioridade tecnológica da economia planificada de tipo soviético. Até Isaac Deutscher, um homem culto, chegou a escrever isso. Antonio Gramsci fez um arranjo dessa peça para soprano ligeiro: o socialismo triunfará no campo da cultura, sem necessidade de recorrer a uma revolução sangrenta.

Mais complicada, até porque ainda se apresenta de uma forma nebulosa, é a quinta morte. O que se diz atualmente é que a democracia representativa é incompatível com a sociedade de hoje, na qual já não se discernem classes sociais, mas sim uma infinidade ameboide de grupos, movimentos, conselhos, etc. O caos passou a ser a norma. Nesse quadro, o representante não sabe a quem representa e a própria noção de representação perde o sentido.

Ou seja, o mundo atual é um caos permanente, indefinível, cujos contornos ninguém se atreve a tentar descrever. Que tipo de governo conseguirá mantê-lo sob controle? O chinês, no qual o Partido Comunista controla com mão de ferro um capitalismo selvagem? A democracia dita direta, reminiscente do anarquismo, em que a bondade humana substitui a “mão invisível” de Adam Smith? Uma Venezuela em escala cósmica? Ou, quem sabe, uma regressão ao pretorianismo romano, como no reinado de Cômodo, no qual mercenários leiloavam seu apoio ao imperador? Claro, com uma pequena diferença: os mercenários de hoje não portariam precárias adagas como as daquele tempo, e sim vistosos AK-47.

Não subestimo nenhuma dessas hipóteses, mas penso que o problema é bem outro. Na história das democracias, o fator preponderante nos retrocessos e rupturas sempre foi a falta de convicção das elites, sua falta do mais elementar bom senso e sua covardia quando o exercício da autoridade governamental se fez necessário. A República de Weimar e o Brasil de 1961-64 são bons exemplos. Por tudo isso, dói constatar que o Brasil ainda não se livrou em definitivo do populismo e de uma classe política virtualmente desprovida de responsabilidade pública.

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)

Corporações encasteladas - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO 13/01

Manifestações como as da Ajufe revelam corporações que defendem interesses próprios


De acordo com as folhas de pagamento enviadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 71,4% dos magistrados das 27 unidades da Federação recebem remunerações mensais que ultrapassam o teto de R$ 33,7 mil, salário que é pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A situação se repete, em maior ou menor grau, nas demais estruturas do Poder Judiciário. As discrepâncias nos vencimentos pagos no âmbito da Justiça estadual, no entanto, ao invés de ensejarem uma reação de todos em prol do interesse dos contribuintes, geram efeito diametralmente oposto, ou seja, estimulam uma corrida pela equiparação das benesses para todos os servidores da Justiça.

Não se pode olvidar que são servidores que, em razão do alto grau de qualificação que possuem e à natureza do trabalho que exercem, não têm dificuldades para justificar a manutenção de privilégios absolutamente inaceitáveis do ponto de vista da moralidade pública, ainda que criativas interpretações da lei possam, eventualmente, dar-lhes um verniz de legalidade.

“Na Justiça Federal, ninguém ganha mais do que o permitido e está tudo definido: salário, gratificação, benefício. Não há qualquer dificuldade em encontrar esses dados”, afirmou Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

No mesmo sentido, Julianne Marques, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), explica que “existem verbas indenizatórias, diárias de viagem e auxílio-moradia” que não ferem o teto constitucional porque, segundo ela, não podem ser considerados como salário. “Do ano passado (2016) para cá”, prossegue a magistrada, “não tivemos aumentos. O que temos são subsídios previstos em lei. E o resto é indenização.” Ou seja, a suspensão dos aumentos do funcionalismo diante das dificuldades econômicas do País serve, aos olhos de alguns juízes, como subterfúgio para o pagamento de verbas adicionais como uma espécie de compensação.

Estimativas da área técnica do STF dão conta de que há, pelo menos, 40 tipos de verbas incidentes sobre os vencimentos dos magistrados.

Já seria escandaloso por si só o fato de haver uma grande parcela dos juízes do País recebendo acima do teto que lhes é fixado pela Constituição, um texto que os magistrados deveriam ler com a mesma reverência diligente de um religioso diante de seu livro sagrado. Mas estes servidores, reunidos em associações de classe fechadas em si mesmas e alheias à realidade do País a que devem serviço, parecem zombar dos demais brasileiros que vivem em condições socioeconômicas muito diferentes.

Não pode ser interpretada de outra forma a recente mensagem de fim de ano do presidente da Ajufe dirigida a seus pares na Justiça Federal. Nela, Roberto Veloso comemorou o fato de o projeto de lei que acaba com os vencimentos extrateto do funcionalismo público ter passado incólume pela agenda legislativa em 2017, conforme informou a Coluna do Estadão.

Em sua cândida mensagem de Natal aos colegas, o presidente da Ajufe ainda celebrou a manutenção do pagamento do auxílio-moradia, mordomia que custa, aproximadamente, R$ 435 milhões por ano aos cofres públicos, e não conteve o entusiasmo ao comemorar o adiamento da discussão e votação da PEC 287/2016, que trata da reforma da Previdência, medida que, segundo ele, “traria grandes prejuízos aos juízes federais”, convidados por Veloso a se manifestar contra a proposta em 2018. “Apesar de toda campanha para nos atingir financeiramente, não perdemos nada”, disse.

São manifestações como as da Ajufe que revelam ao País que tais corporações parecem encasteladas na defesa de seus próprios interesses, não tendo a menor relevância as condições econômicas do País ao qual, repita-se, devem prestar serviço em troca de uma boa remuneração, muito acima do que sonha um dia ganhar um cidadão brasileiro médio.

Nota rebaixada pode ser apenas o começo - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 13/01


Sem ajuste fiscal, por incompreensões no Legislativo e no Judiciário, é impossível a avaliação do Brasil não piorar, o que deflagra vários outros fatos negativos


A sirene de alerta disparada quinta-feira pelo rebaixamento da nota do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P), maior agência mundial de avaliação de risco, precisa ser ouvida em especial pela classe política. Ao mover o Brasil do nível de “BB” para “BB-”, colocando-o na companhia de Bangladesh e República Dominicana, na verdade os avaliadores da S&P fazem uma convocação à reflexão: o que políticos, magistrados, altos servidores públicos em geral, eleitores querem para o país?

Continuam sendo emitidos sinais de que mais forte que tudo é a cultura da manutenção de privilégios na máquina pública e da ideia ilusória, desinformada, de que o Tesouro é capaz de continuar a bancar custos em elevação na máquina pública, sem consequências. Algo delirante.

Apesar do quadro fiscal assustador, de uma penada, o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski suspendeu medidas necessárias para o ajuste fiscal, como o não reajuste dos servidores federais este ano e o aumento da sua contribuição previdenciária (como vários estados já fizeram e estão fazendo).

Ainda na esfera do Judiciário, anteontem o juiz da 6ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, Cláudio Kitner, criou problemas para a tramitação da privatização da Eletrobras. Percalços desse tipo acompanham também o processo de venda da Cedae ao setor privado.

Assim, interesses corporativistas se impõem à racionalidade, via Judiciário, além de já estarem bem representados no Congresso, que ainda resiste a iniciar a reforma da Previdência, um dos fatores que pesaram na avaliação da S&P.

Não há mesmo como não reduzir notas de risco do Brasil, o que não acontece sem desdobramentos negativos para o país e suas empresas. Ontem, várias foram rebaixadas, além do Rio de Janeiro, estado e cidade.

Não adianta maldizer as agências, mesmo que tenham péssima folha corrida, construída da crise asiática, em fins dos anos 1990, quando não perceberam a fragilidade dos bancos da região, à explosão da bolha imobiliária americana, em 2008/9, estopim de grave recessão mundial, em que foram sócias do embuste do refinanciamento de hipotecas “pobres” por bancos. Não adianta demonizá-las, porque elas continuam balizando grandes investidores (bancos, fundos etc).

A duas semanas e meia da volta dos trabalhos no Congresso, parlamentares podem tentar compreender o que acontece com um país em crise fiscal estrutural e que se recusa ao ajuste: fuga de capitais, consequente elevação do câmbio, volta da inflação elevada, juros em ascensão.

Somando-se tudo, tem-se recessão, desemprego, perda de poder aquisitivo da população. É isto que a falta de sensatez em Casas Legislativas e tribunais semeia.

Infelizmente, o rebaixamento da nota do país pela S&P, a ser seguido por outras agências, pode ser apenas a primeira de uma série de más notícias.

Sucessão de erros - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/01

O mês de janeiro avança, sem perspectiva de se resolver em breve toda a infeliz polêmica provocada pelo decreto do presidente Michel Temer concedendo indulto natalino a significativa parcela da população carcerária do país.

Em si mesmo, o indulto consiste em tradicional iniciativa do Executivo, inspirada por razões humanitárias e pelo princípio —defendido por esta Folha— de que condenados por crimes de menor gravidade, tendo cumprido já parte da pena, não têm por que continuar trancafiados se não oferecem ameaça à segurança física dos cidadãos.

Se o decreto de Temer acompanhou tal lógica, é contudo inegável a sensação de que houve inabilidade e alguma dose de exagero nos critérios adotados desta vez.

Até meados da década passada, o benefício se destinava apenas aos que tinham sido sentenciados a menos de seis anos de prisão e já tivessem cumprido um terço da pena. Em 2010, o limite prolongou-se para 12 anos de prisão.

Nova liberalidade instituiu-se em 2016, quando se aceitou que com um quarto da pena cumprida o preso já seria agraciado.

Em dezembro, Temer diminuiu esse requisito para somente um quinto da pena —e estendeu o indulto para qualquer preso, mesmo os que tivessem recebido sentença superior a 12 anos.

Numa espécie de humanitarismo da conta bancária, também concedeu a benesse para penas de multa, difícil de justificar nos casos de crimes de colarinho branco.

A Procuradoria-Geral da República se insurgiu contra as disposições, contestando-as no Supremo Tribunal Federal. A presidente da corte, Cármen Lúcia, suspendeu artigos do decreto, devendo o caso ainda passar pelo plenário.

Surge então o segundo capítulo de uma desnorteante e indesejável novela jurídica. A PGR invoca argumentos fora de propósito para anular a iniciativa de Temer.

Classifica como intervenção inconstitucional nas atribuições do Judiciário e do Legislativo um mecanismo que, antes do atual presidente, sempre se aplicou sem polêmica —e que consta das prerrogativas do Executivo na Carta de 1988.

É que o clima mudou. Não sem motivos, a atual administração está sob suspeita de querer salvar políticos com problemas na Justiça. Em amplos setores da opinião pública, qualquer absolvição pode parecer tolerância com desmandos.

O indulto de Temer não se volta a réus da Lava Jato, mas a simples menção desse caso vai se tornando uma espécie de fetiche. O STF irá julgar, mais uma vez, com os olhos para uma plateia sedenta de condenações, num ambiente em que a balança da Justiça parece a ponto de perder seu prumo.