terça-feira, maio 15, 2018

A guerra do sexo - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 15/05

Como esquecer as verdadeiras 'minorias sexuais' que sofrem na solidão dos lençóis?



Só agora conheci o movimento "incel". A culpa é do psicopata canadense que matou 10 pessoas e feriu 15 em ataque terrorista.

O psicopata era membro do clube. E o clube, como o próprio nome indica ("incel", ou seja, "involuntary celibates"), é constituído por legiões de infelizes que, incapazes de arranjarem mulheres, desatam a matar as mulheres dos outros (ou, então, os homens que conseguem conquistá-las).

Estranho mundo: antigamente, quem não conseguia mulheres, militava na extrema-esquerda ou na extrema-direita. Hoje, prefere dedicar-se ao terrorismo, seguindo o exemplo dos jihadistas tradicionais que descarregam o ressentimento e a abstinência na humanidade circundante. Que dizer?

Peço desculpa aos psiquiatras, mas a questão também é política. Sobretudo quando "acadêmicos" vários levam a sério o sofrimento dos "incels".

Escreve Ross Douthat, no New York Times, que o debate rola com vigor no mundo anglo-saxônico (curioso: houve tempos em que a imbecilidade teórica era um exclusivo dos franceses; não mais). E a pergunta que domina os melhores espíritos é esta: se a função de uma sociedade civilizada é distribuir de forma justa a propriedade e o dinheiro, por que não o sexo?

Ou, para usar uma linguagem mais polida, se a justiça social implica que os "bens primários" sejam alocados de forma equitativa, não será o prazer sexual um desses bens? Como defender, com cara séria, que o acesso à alimentação e à habitação são necessidades básicas —mas não o sexo?

O caso se adensa quando falamos das pessoas mais afetadas pela ausência de trepidação. Obesos, deficientes, feios. Toda gente fala em nome das minorias. Mas como esquecer as verdadeiras "minorias sexuais" que sofrem na solidão dos lençóis?

A preocupação não é nova. É velha. São incontáveis os tratados utópicos que, nas suas propostas, contemplam igualmente a satisfação carnal dos seus habitantes. Mas pergunto, de espírito aberto, como instituir uma política sexual "inclusiva" no mundo real?

Primeiro, seria necessário estabelecer quem poderia aceder a essa Bolsa Folia (nome hipotético). Ser feio, só por si, nada significa. Será preciso lembrar que Serge Gainsbourg namorou, por ordem alfabética, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, France Gall, Jane Birkin ou Vanessa Paradis? Desperdiçar "recursos" com um Gainsbourg seria o mesmo que dar o Bolsa Família a Jorge Paulo Lemann.

Seria mais útil, e mais decente, medir a atividade neuronal do candidato quando confrontado com uma foto de corpo inteiro de Gisele Bündchen ou, sei lá, de um João Pereira Coutinho. A massa cinzenta nunca mente.

E os "recursos" propriamente ditos para saciar os famintos?

Sei: a resposta óbvia seria recorrer às profissionais do ofício. Mas a prostituição sempre me pareceu uma degradação das mulheres (e dos homens) que nenhuma sociedade igualitária pode tolerar.

Os robôs sexuais vão pelo mesmo caminho: não são a mesma coisa (dizem, dizem) e, como se viu em Paris neste ano, algumas feministas não toleram a existência de prostíbulos onde os adultos brincam com bonecas e até abusam delas.

Além disso, oferecer simulacros a "celibatários involuntários" seria uma forma trágica de criar novas desigualdades: corpos reais para os privilegiados, robôs sexuais para os excluídos? Pior a emenda que o soneto.

Se todos nós concordamos que a) o sexo é um bem primário e b) todas as pessoas devem ter igual acesso a esses bens, o melhor é não inventar. E seguir um modelo próximo da cobrança de impostos: não existe redistribuição da riqueza pelos mais necessitados sem privar os indivíduos e as famílias de uma parte da sua renda.

Pois bem: se as pessoas já pagam impostos (em dinheiro), talvez o caminho para diminuir a angústia dos "celibatários involuntários" seja pagar outro tipo de imposto (em gêneros). Estou certo que os igualitaristas radicais seriam os primeiros a oferecer os seus serviços.

E para os céticos que tentassem resistir, aconselharia uma primeira abordagem pedagógica (antes da cadeia). Pagamos impostos, não apenas por solidariedade —mas porque esperamos do Estado certas funções sociais de que podemos precisar um dia.

O mesmo vale para o sexo, camaradas: nesta vida, só podemos receber o que estamos dispostos a dar.

João Pereira Coutinho

É escritor português e doutor em ciência política.

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