quinta-feira, fevereiro 15, 2018

Quando a inflação sobe - MARIO MESQUITA

Valor Econômico - 15/02

Dados recentes confirmam que a economia americana está aquecida, provavelmente crescendo além do potencial. A taxa de desemprego, por sua vez, segue abaixo dos níveis geralmente considerados, inclusive pelo Fed (o banco central dos EUA), como consistentes com taxas de inflação estáveis. E o governo está em vias de injetar estímulo fiscal extra na economia.

A possibilidade de um eventual superaquecimento da economia americana, com as consequências naturais sobre as trajetórias de inflação e taxa de juros, está por trás do aumento da volatilidade observado nos mercados financeiros globais nas últimas semanas.

Os EUA, ao contrário do Brasil, têm experiência histórica de inflação baixa. Mas há uma exceção: o período de meados dos anos 60 a meados dos 80, que foi caracterizado por taxas de inflação e juros bastante elevadas. As lições desse episódio, descrito na literatura acadêmica como a Grande Inflação, mostram-se particularmente interessantes na atual conjuntura.

A taxa de inflação (preços ao consumidor) nos EUA saiu de 1,5% em 1959 (variação interanual em dezembro) para 5,9% em 1969, e 13,3% em 1979 - e ainda estava no relativamente elevado patamar de 4,6% em 1989.

A aceleração não foi monotônica, ocorreu em etapas. A inflação no mandato Kennedy-Johnson (1961-1964) teve média anual de 1,2%, que foi também a taxa observada no fim do período. No governo Johnson (1965-1968), a taxa média se elevou para 3,3%, sendo 4,7% no último ano, sob a influência de gastos militares (guerra do Vietnã) e sociais. O desemprego, média de 5,8% na primeira metade dos anos 60, com máxima de 7,1%, em 961, caiu para 3,9% na segunda metade, com piso de 3,4% na virada de 1968 para 1969 - taxa inferior ao então patamar considerado consistente com inflação estável.

O motivo por trás da aceleração inflacionária é claro: expansão fiscal chancelada por uma política monetária acomodatícia, muito influenciada pela ideia de que seria possível assegurar uma redução permanente da taxa de desemprego mediante tolerar uma taxa de inflação maior (seguindo a versão original da Curva de Phillips). Curiosamente, havia resistência entre os economistas do governo e do banco central em aceitar que a aceleração da inflação pudesse ter algo a ver com política econômica; o processo era geralmente associado a fatores idiossincráticos e setoriais (geralmente preços de alimentos de matérias-primas)¹.

O primeiro governo Nixon (1968-1972) foi marcado por forte deterioração da qualidade da política econômica. Após tentativa de estabilização convencional em 1969-1970, o governo optou por sair do regime de Bretton Woods, voltar às políticas expansionistas e tentar conter a inflação mediante controles de preços e salários (inicialmente por 90 dias, a partir de agosto de 1971, e que foram implementados de forma intermitente até 1974). O Fed, sob Arthur Burns, parecia acreditar que não valia a pena conter a demanda para reduzir a inflação.

A economia mundial aquecida e o enfraquecimento das âncoras nominais depois da abandono do regime de Bretton Woods criaram ambiente propício para o choque do petróleo de 1973, que levou a inflação para um novo patamar. De 4,7% ao fim de 1968, a inflação atingiu 8,9% no fim de 1973, e 12,1% um ano depois. Os gestores da economia americana, mostrando evolução frente à década anterior, aceitavam que não seria possível comprar menos desemprego, permanentemente, com um pouco mais de inflação, mas pareciam subestimar a taxa de desemprego neutra e, inicialmente, superestimar o efeito desinflacionário de aumentos do desemprego efetivo em relação ao neutro. Esse otimismo foi drasticamente revisto depois da recessão do início da década, e substituído por um grande pessimismo: a visão de que a política monetária seria incapaz de conter processos inflacionários derivados de pressões salariais.

A inflação seguiu elevada, mesmo com estagnação econômica e alta do desemprego, por toda a década de 70 e atingiria seu auge, perto de 15%, no primeiro trimestre de 1980. Mas a essa altura, a política monetária já estava sob a liderança de Paul Volcker no Fed, e o consenso profissional apoiava o uso ativo de políticas de demanda (e não instrumentos heterodoxos) no controle da inflação. O resto da história é bem conhecido.

As lições do início da Grande Inflação americana são várias. O processo, em si, foi prolongado. Foram precisos cerca de três anos de economia aquecida para levar a inflação de 1-2% (no início de 1966) para 4-5% (início de 1969). O processo foi caracterizado, também, pela adoção, por parte dos responsáveis pela política econômica, seja na Casa Branca ou no Fed, de visões muito otimistas sobre o potencial de crescimento não inflacionário da economia. Depois, quando essas conjecturas se mostraram erradas, foi adotada inicialmente uma postura extremamente negativa quanto à capacidade de a política monetária conter a inflação.

Evidentemente, mudanças na estrutura econômica e institucional (e também demográficas) nos EUA recomendam cautela na extrapolação dessas lições para a conjuntura atual. Talvez a maior lição tenha sido, como enfatizaram Romer e Romer, em trabalho de 2013, que o perigo aumenta quando as autoridades subestimam a relevância e a potência da política monetária². Dado o histórico recente, é de se esperar que o Fed, mesmo após a recente mudança de guarda, não vá enveredar por este caminho.

1 - Christina e David Romer, NBERWP 9274, outubro de 2002.

2 - Christina e David Romer, The Most Dangerous Idea in Federal Reserve History: Monetary Policy Doesn't Matter, AER, 2013.

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