quarta-feira, janeiro 24, 2018

Julgamento não é comício - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 24/01

Por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral, o TRF4 não está decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência

Já que Bono Vox não veio, restou aos petistas que se aglomeram em Porto Alegre realizar uma série de atos, setorizados ou multitudinários, na tentativa de demonstrar algum apoio popular – naquela ilusão que enxerga uma suposta adesão da população naquilo que não passa da presença maciça de “movimentos sociais” alinhados ao petismo – ao ex-presidente Lula, que terá seu recurso julgado nesta quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região no caso do tríplex, pelo qual foi condenado a nove anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro. O principal desses atos contou com a presença do próprio Lula, no fim da tarde de terça-feira. O ex-presidente que se gaba de ter feito “o pobre viajar de avião”, motivo pelo qual a “elite” desejaria derrubá-lo, preferiu não testar sua popularidade nos aeroportos e evitou voos comerciais, indo à capital gaúcha em um avião fretado.

Como afirmamos recentemente neste espaço, a estratégia petista é transformar o julgamento em um espetáculo, politizando-ao ao máximo – truque no qual, infelizmente, alguns movimentos contrários ao petismo também caíram, organizando seus próprios eventos de rua como se fosse dia de jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo. A natureza do que ocorrerá dentro da sede do TRF4, no entanto, nada tem de política; por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral de 2018, os desembargadores da 8.ª Turma não estão decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência, mas se a sentença dada por Moro em julho do ano passado está correta ou não – em outras palavras, se Lula é ou não culpado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que lhe são imputados.

O petismo age como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4 

Mas isso é o de menos no discurso petista. Claro, não faltam as afirmações de que Lula é inocente, mas a maioria das manifestações das lideranças petistas se refere à participação do ex-presidente no pleito de outubro, cunhando-se para isso o slogan “eleição sem Lula é golpe”, como se houvesse um direito inalienável à participação na disputa eleitoral deste ano, e que estaria sendo violado caso o ex-presidente, devido a uma condenação judicial proferida por colegiado em processo criminal, ficasse impedido de concorrer. Ora, violação ocorreria se Lula pudesse concorrer mesmo com uma eventual condenação que o tornaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa – mas é exatamente esse o plano dos petistas em caso de decisão desfavorável no TRF4, e isso o partido admite abertamente.

Daí a necessidade de “antecipar” o processo eleitoral – coisa, aliás, que Lula já tem feito, correndo o país em campanha disfarçada de “caravana” –, chamando a militância a Porto Alegre em uma tentativa de contrapor os milhares de manifestantes aos três desembargadores e ao que consta nos autos do processo e na sentença de Moro, como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4 ou como se o julgamento tivesse qualquer relação, em sua essência, com a eleição de outubro. Essa espetacularização, ainda por cima temperada com ameaças de violência física em caso de confirmação da condenação de Lula, também custa caro aos destruídos cofres gaúchos, que terão de bancar um aparato de segurança que seria desnecessário caso os petistas resolvessem simplesmente deixar os magistrados fazerem seu trabalho em paz, “resistindo” às suas decisões apenas com os instrumentos que a lei lhes faculta, como os recursos ao próprio TRF4 e aos tribunais superiores.

Neste 24 de janeiro, a 8.ª Turma do TRF4 fará algo que, para os desembargadores, é costumeiro: analisar um recurso de alguém que foi condenado em primeira instância em um processo criminal. Sim, o réu é um ex-presidente da República, candidato declarado à Presidência em 2018 e ainda capaz de arrastar multidões. João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus sabem disso mais que ninguém, mas esse fato em nada muda a maneira como os desembargadores agirão. A lei é igual para todos e assim deve ser aplicada. Quem pretende outra coisa são os que enxergam Lula como um semideus que não precisa se curvar a irrelevâncias como a lei, a Justiça e o Estado Democrático de Direito, e apostam na força e na pressão para prevalecer.

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