segunda-feira, outubro 09, 2017

Muitos russos enxergam o Ocidente como legião de fracos, sem valores - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 09/10

A Rússia é uma potência. E somos muito ignorantes em relação à sua história e identidade. Ainda a vemos com os olhos da "derrotada na Guerra Fria", derrota esta devido à inapetência da economia socialista em dar conta da vida das pessoas reais. Se o comunismo tardou a quebrar a União Soviética, se deveu, justamente, à riqueza gigantesca da Rússia. Veja que nos demais lugares onde o socialismo se instalou, ele quebrou o país em pouco mais de duas semanas.

Mas a ideia de que os russos se vejam como uns derrotados na Guerra Fria é uma percepção distorcida, ainda fruto da "propaganda americana" das últimas décadas. Não. Muitos russos veem o Ocidente como uma legião de fracos. Voltaremos a esse "olhar russo".

Suspeito de que logo a história enxergará a Revolução Russa como "apenas" um capítulo na história do "messianismo russo da terceira Roma" (Roma, Constantinopla, Moscou).

Recentemente, dois lançamentos editorais nos ajudam a entender essa revolução russa para além dos debates ideológicos, que quase sempre dominaram as tentativas de entender o fenômeno bolchevique.

O primeiro é "História da Guerra Civil Russa 1917-1922", de Jean-Jacques Marie, da editora Contexto. A obra descreve de forma empírica (partindo de uma multiplicidade de fontes) a guerra civil que se instalou na Rússia após a revolução bolchevique. Milhões de mortos. Um dos maiores méritos do trabalho de Marie é nos dar indicações do que "deu errado" no projeto bolchevique entre as mãos de Lênin e Stálin.

A paranoia que destruiu a revolução foi, em muito, fruto dessa guerra civil fratricida. Ela, de certa forma, "nunca acabou", e o regime de terror de Lênin e Stálin (muitos querem salvar a pele do Lênin e pôr a conta toda na mão do Stálin, mas isso é manobra ideológica) foi continuação dessa guerra civil, contra objetivos já não mais propriamente "militares".

O segundo é "Do Czarismo ao Comunismo, as Revoluções Russas do início do século XX", de Marcel Novaes, da editora Três Estrelas. Entre os diversos méritos dessa obra, como a escrita simples e direta sem "afetações acadêmicas", está em nos apresentar o processo que nos levou da Rússia dos Romanov (uma potência das maiores na Europa de então) às revoluções russas do início do século 20. É exatamente nesse caráter "plural" do processo revolucionário russo do período que reside um fato essencial que, de certa forma, dialoga com a obra de Marie.

O próprio período dos Romanov, identificado com a criação de São Petersburgo (a grande capital europeia da Rússia dos Romanov) em 1703 pelo czar Pedro, o Grande, é, em si, uma revolução, e, penso eu, mais definitiva para a identidade "moderna" da Rússia do que a revolução bolchevique enquanto tal.

A famosa divisão da alma russa, marcante no século 19, representada na literatura do período entre ocidentalizantes e eslavófilos tem raiz segura na revolução europeizante dos Romanov.

Muitos debates políticos e intelectuais do século 19 russo têm essa oposição como chave importante de leitura. Para uns, a Rússia deveria se tornar uma nação europeia (portanto, ocidental); para outros, reativos ao que representava São Petersburgo, a Rússia deveria oferecer uma resistência à "degeneração" ocidental niilista (classicamente identificados com a quase milenar Moscou).

Essa tensão permanece até hoje. Muitos russos olham para o Ocidente como uma legião de fracos, sem valores, sem identidade, sem coragem. Os EUA e a Europa ocidental representam essa legião.

A posição eslavófila, marcadamente religiosa, influencia em muito o chamado euroasianismo de Putin, sem o caráter essencialmente teológico dos eslavófilos.

No euroasianismo, a Rússia é vista como uma "parede" contra as modas ocidentais, sejam elas a crença "excessiva" na democracia, o sócio-construtivismo das ciências humanas, a pós-modernidade e suas obsessões identitárias ou a "revolução gay". Há um quase desprezo pela crença do Ocidente em si mesmo. Neste olhar reside, também, uma quase piedade dos russos para com as fraquezas ocidentais.

O compromisso do presidente - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/10

É evidente que um número maior de brasileiros vê na permanência de Temer no cargo um fator de estabilidade para o País



A mais recente pesquisa realizada pelo instituto Datafolha sobre o ânimo dos brasileiros em relação ao governo do presidente Michel Temer revelou um dado alvissareiro que foi pouco explorado por grande parte dos analistas que se debruçaram sobre os dados da consulta realizada entre os dias 27 e 28 de setembro e divulgada no início deste mês.

Embora o presidente Michel Temer continue com um índice de aprovação baixíssimo – apenas 5% dos consultados pelo Datafolha consideram o seu governo bom ou ótimo –, cresceu o número de brasileiros que acreditam que a sua permanência no cargo representa um importante fator de estabilidade para que o País possa atravessar a turbulência política que se sucedeu à cassação de Dilma Rousseff sem que a recuperação econômica em andamento seja ameaçada pela incerteza que poderia advir de um eventual afastamento do presidente.

Chega-se a tal conclusão a partir de uma leitura objetiva dos resultados apresentados pelo Datafolha, dissipadas as névoas das escolhas político-partidárias que, não raro, são capazes de obnubilar a clareza de pensamento.

De acordo com o Datafolha, 89% dos entrevistados querem que a Câmara dos Deputados autorize o Supremo Tribunal Federal (STF) a analisar a nova denúncia contra Temer apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em meados de setembro.

Já sobre o afastamento imediato do presidente, 59% dos consultados disseram que “é melhor que ele, Temer, saia agora”, ante os 37% que foram em sentido inverso, vale dizer, acreditam que “é melhor que ele termine o mandato”.

O paradoxo das respostas – manifestado pela considerável diferença de 30 pontos porcentuais que separa o grupo dos que defendem o prosseguimento da denúncia contra Michel Temer e o dos que pedem a sua saída imediata do cargo – pode ser explicado pela má formulação da pergunta feita pelo Datafolha aos entrevistados.

Como consta no questionário disponível no site do instituto, a pergunta P.13 foi assim formulada aos respondentes: “Na sua opinião, os deputados federais deveriam ou não autorizar a segunda denúncia do Ministério Público contra o presidente Michel Temer?”.

Dado o alto índice de impopularidade do governo – somado à não menos importante sensação de desalento dos brasileiros em relação aos políticos em geral – era de esperar que o porcentual dos que defendem o prosseguimento da denúncia contra Temer fosse alto, como de fato foi.

O problema é que a pergunta feita pelo Datafolha, da forma como foi redigida, omite dos entrevistados a grave consequência da autorização, pela Câmara, para a análise da nova denúncia pelo STF: o afastamento imediato do presidente Michel Temer.

Em outra pesquisa feita pelo Datafolha, em abril, 65% dos entrevistados defendiam o afastamento imediato do presidente Temer. Em setembro, como já dito, este número caiu para 59%. Ao mesmo tempo, no intervalo de cinco meses entre as duas pesquisas, cresceu o número de brasileiros que acreditam que “é melhor que ele termine o mandato”. Em abril, este contingente era de 30%, contra os 37% apurados em setembro.

É evidente que um número maior de brasileiros vê na permanência de Temer no cargo um fator de estabilidade para o País. Em outras palavras, a eventual destituição do presidente agravaria a crise política e, consequentemente, seria uma ameaça ao processo de recuperação econômica que já é percebido por uma expressiva parcela da sociedade.

A pesquisa revela o aumento do contingente de brasileiros que têm uma visão cautelosa e responsável sobre o futuro imediato do País, um cuidado que muitas vezes falta àqueles sobre os quais recai a responsabilidade de zelar pelo bom rumo da Nação.

Quando assumiu a Presidência, Michel Temer não assumiu o compromisso de ser popular. Comprometeu-se, isso sim, a ser fiador da estabilidade econômica que haverá de legar a seu sucessor um país melhor.


Vigas para o teto de gastos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/10

Será necessário muito mais que a competência técnica do Executivo, neste e no próximo governo, para se implantar o novo regime fiscal

Não basta conter os gastos. Também é preciso gastar melhor, para gerar mais benefícios econômicos e sociais com o dinheiro público – um desafio muito difícil quando o orçamento é quase todo engessado, como no Brasil. Mas até para manter a despesa abaixo do teto constitucional, estabelecido no ano passado, o governo precisará de reformas. Sem isso, o limite será inevitavelmente rompido em pouco tempo. Esta advertência, já repetida várias vezes por membros da equipe econômica e por especialistas do mercado e da academia, é reforçada, agora, por um estudo recém-divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O trabalho, feito por solicitação do Ministério da Fazenda, é assinado por quatro economistas especializados em política fiscal e foi apresentado como relatório de assistência técnica. A tarefa envolveu discussões com funcionários dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento e do Banco Central e com assessores econômicos do Congresso.

Os autores propõem, num documento de 60 páginas, uma estratégia de longo prazo para a consolidação de um novo estilo de administração das contas federais. O teto de gastos é apontado como componente central do novo regime fiscal esboçado em 2016 e em fase inicial de implantação, mas “o sucesso na implementação do teto”, antecipam, “exige mudanças estruturais, institucionais e processuais”. Só esse conjunto de mudanças permitirá estabilizar a dívida pública, um dos objetivos centrais da nova política econômica, e criar espaço fiscal para custeio dos serviços e a realização das ações prioritárias.

A reforma da Previdência, objetivo imediato do governo, é apenas uma das condições para a consolidação da nova política, segundo os autores do relatório. Um requisito dos mais importantes é tornar o orçamento mais flexível. É preciso mexer nas despesas obrigatórias, na vinculação de receitas e na indexação dos gastos. Como a estrutura orçamentária é muito rígida, o governo só pode, a curto prazo, cortar as chamadas despesas discricionárias, quando é necessário ajustar suas finanças em períodos críticos, de menor atividade econômica e menor receita de impostos e contribuições.

Sem poder comprimir outros itens, o governo acaba podando investimentos, como tem feito nos últimos anos e ainda fará pelo menos em 2018. Essa forma de ajuste prejudica a expansão da economia e dificulta a superação da crise. Além disso, investimentos menores tendem a retardar ganhos de eficiência, fundamentais para o crescimento da produção e da competitividade.

Regras de vinculação, lembram os autores, engessam quase 80% do dinheiro arrecadado pelo governo. Além disso, os gastos previdenciários têm crescido de forma significativa e contínua. Em 1998 representaram 35,5% das despesas totais. Em 2016, 41,3%.

Para tornar o orçamento mais administrável será necessário, portanto, ir muito além da reforma da Previdência e mexer em critérios constitucionais de vinculação e em regras de indexação de gastos. Ao mesmo tempo, será preciso, de acordo com as propostas do relatório, fixar padrões mais eficientes de projeção de receitas e despesas, de controles e ajustes da política orçamentária. É indispensável, enfim, construir uma nova rotina de programação e de gestão de recursos públicos. Isso inclui a revisão periódica de metas.

Os autores do trabalho evitam as complicações políticas, embora questões institucionais estejam envolvidas. Menos diplomático, um artigo de abertura da nova edição da revista Conjuntura Econômica, editada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, avança nos problemas de relações entre Poderes. Que acontecerá, por exemplo, se o avanço na pauta de reformas for insuficiente, nos próximos anos, para garantir sem muita dificuldade o respeito ao teto de gastos? Que ocorrerá se houver rompimento do teto do Judiciário, um Poder com prerrogativa de interpretar as leis e a Constituição? Não há como desconhecer esse lembrete. Será necessário muito mais que a competência técnica do Executivo, neste e no próximo governo, para se implantar o novo regime fiscal. Se faltarem as condições políticas indispensáveis, o perdedor será o País.

Às urnas em 2018 - PAULO GUEDES

O GLOBO - 09/10

Temos instituições para garantir a transição rumo à prosperidade, com eficiência e fraternidade entre brasileiros de mentes aguçadas e corações macios

O diagnóstico de corrupção sistêmica está hoje claríssimo para a opinião pública.

O ex-presidente Lula foi condenado por ter recebido suborno da empreiteira OAS no escândalo da Petrobras, enquanto o presidente Temer tenta sobreviver às acusações do dono da J&F por articulações para pagamento de propinas.

A inegável degeneração das práticas políticas foi o resultado da ferocidade na disputa pela ocupação de um disfuncional aparelho de Estado.

Disfuncional, sejamos claros, para o bom desempenho de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança, saneamento, em atendimento às compreensíveis exigências de gastos sociais de uma democracia emergente. Mas um aparelho de Estado que se revelou bastante funcional para a prática de corrupção através do tráfico de influência.

Compra e venda de favorecimento em obras públicas, créditos subsidiados em bancos oficiais, medidas provisórias sob encomenda dos grupos de interesses, permissão ou impedimento de fusões e aquisições empresariais, isenções fiscais, são inúmeras as dimensões em que uma decisiva intervenção estatal pode ser negociada.

Vísceras expostas em praças públicas, a morte da Velha Política em 2017 é incontornável.

O inferno de Lula e agora Temer é um buraco negro que ameaça tragar lideranças políticas corrompidas pelo poder do Leviatã estatal, cuja maldição infelicitou a geração de social-democratas que redemocratizou o país.

Com o despertar de um Poder Judiciário independente, assistimos agora ao grandioso espetáculo de uma nova ordem devorando seus filhos pela exigência de conduta justa e transparente.

Temos instituições para a transição rumo à Sociedade Aberta, muito além da “direita” e da “esquerda”, cujas obsoletas ideologias impediram que eficiência e fraternidade fossem praticadas por brasileiros de mentes aguçadas e corações macios.

A Constituição, o Judiciário e o Congresso impediram descaminhos políticos como os da Venezuela bolivariana. E o Banco Central evitou que falsos diagnósticos amplificassem a escalada inflacionária que desgraçou os primeiros anos e condenou ao martírio a Nova República. O ajuste da Previdência, sob Temer, Maia, Eunício ou Carmen Lúcia, nos dará fôlego e reduzirá as dores do nascimento de uma Nova Política nas urnas em 2018.

"Encontrar soluções - é hora de agir” - ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O Estado de S.Paulo - 09/10


Sob o título “Encontrar soluções – é hora de agir”, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) realizou em São Paulo, nos dias 5 e 6 passados, o Terceiro Fórum da Saúde Suplementar.


Evento denso e consistente, contou com a participação de autoridades nacionais e estrangeiras, além de reconhecidos especialistas nos temas relacionados com saúde em geral e saúde privada em particular.

A razão para isso é simples: não dá mais! A situação da saúde suplementar vai se tornado crítica e é necessário a definição de novas regras para que o jogo não termine com todo o Brasil derrotado.

O tema é socialmente quente, envolve milhões de pessoas assistidas pelos planos, hospitais, médicos, laboratórios, prestadores de serviços, órgãos de defesa do consumidor, advogados etc. Todos têm suas razões para reclamar, todos querem mais, mas o bolo é finito e não tem de onde tirar recursos para custear todas as demandas.

Se os planos pagarem mais do que recebem, em algum momento, deixarão de atender seus clientes porque não terão dinheiro para fazer frente aos gastos. A questão é matemática, não tem como ser diferente. Nenhuma empresa consegue trabalhar com prejuízo e sobreviver por muito tempo.

Mais de 70 operadoras de planos de saúde privados já atravessam situação muito delicada, em função de estarem com o patrimônio negativo. E a tendência é a situação piorar.

Na origem do problema está a Lei dos Planos de Saúde, uma lei mal feita, que engessou o setor e impede que as operadoras e a população possam ter planos que sejam viáveis e atendam as reais necessidades de saúde da maioria dos segurados.

Agravando o quadro, a crise que atingiu o Brasil levou mais de três milhões de segurados a perderem seus planos de saúde, implicando, de um lado, na brusca redução do faturamento e, de outro, na manutenção dos atendimentos e, consequentemente, dos custos, sem a contrapartida para fazer frente a eles. Para completar, a judicialização dos temas relacionados à saúde tem criado distorções importantes, que impactam o SUS e as operadoras dos planos de saúde privados.

O Terceiro Fórum da Saúde Suplementar foi realizado tendo como meta encontrar respostas que possam trazer alívio para o setor, permitindo que todos se beneficiem com a manutenção da operação dos planos de saúde privados dentro de parâmetros de atendimento eficientes e sustentáveis. Não é hora de reinventar a roda, nem de achar que dá para fazer porque alguém achou alguma coisa. Vale sempre lembrar o samba que dizia: “Quem acha, vive se perdendo”. Em momentos difíceis, a melhor solução é enfrentar as causas do problema, buscar soluções inteligentes e implementá-las de forma mais inteligente ainda.

Ao reunir os palestrantes e debatedores que compõem os diferentes painéis do evento, a Fenasaúde mostra que está vivamente interessada em encontrar soluções que possam ir além do remendo para quebrar galho ou do empurrar com a barriga. Não é isso o que a população espera, nem o que os planos pretendem oferecer.

Colocando nas mesas altos escalões do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, de Secretarias de Saúde estaduais, membros do Judiciário, os principais executivos do setor, estudiosos e representantes de organizações especializadas, autoridades e especialistas internacionais, o Fórum abriu espaço para a colocação dos problemas, definição das prioridades e busca de soluções práticas que melhorem o quadro geral e permitam o funcionamento sustentável de um setor que responde diretamente pela qualidade de vida de 50 milhões de pessoas e por mais da metade de todos os recursos investidos em saúde no país.

Discutindo o Sistema nacional de saúde brasileiro; Custos crescentes. O que fazer?; O poder sancionador das agências reguladoras; Combate à fraude e abusos em saúde, o evento trouxe a experiência internacional para ser comparada com a nossa realidade e assim permitir a rápida implementação de soluções capazes de apresentar resultados, que é o que todos querem e a sociedade precisa.

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Na esquina de 2018 - CIDA DAMASCO

O Estado de S.Paulo - 09/10

2018 está dobrando a esquina e todas as dúvidas e preocupações em relação ao cenário econômico para o ano ganham o peso da campanha eleitoral. Mesmo aqueles componentes que parecem garantidos, como inflação baixa, atividade econômica em discreta alta e mercados bombando podem ser afetados, dependendo da configuração da disputa presidencial – sem contar as “emoções” que ainda estão reservadas para os últimos capítulos da Lava Jato. A parte mais desarrumada desse cenário, e por isso a mais sensível aos caminhos da política, diz respeito ao ajuste fiscal e às medidas que serão ou deixarão de ser adotadas, em nome de se manter vivo na luta para chegar ao Planalto.

As principais candidaturas à sucessão de Temer estão postas. Especialmente as das pontas do espectro político-partidário. A grande interrogação, nesse pedaço, é o destino da candidatura Lula, se houver mesmo um impedimento judicial: o PT vai firmar pé no “Lula ou nada”, como seus dirigentes têm alardeado, ou vem aí um Plano B, e se vier quem será o escolhido? As vagas mais ao centro é que ainda estão sem ocupantes definidos. Por enquanto, os sinais são de que Alckmin e Doria, este em recente “viés” de baixa, concorrerão, os dois. E ainda pode haver uma brecha para alguém tido como “afastado” da política tradicional, como Henrique Meirelles – que enfrenta o desafio de se amparar na política econômica do governo Temer sem aparecer para o eleitorado como o candidato do próprio Temer, um presidente com taxa de apoio de míseros 3%. Se é verdade que pesquisa eleitoral é o “retrato do momento”, declaração à qual recorrem os candidatos que estão mal na foto, como os vários “momentos” de 2018 irão impactar a economia? Definitivamente, no ano que vem será impossível apegar-se ao argumento de que a economia está descolada da política.

A julgar pelas sondagens com empresários e consumidores, as expectativas em relação a 2018 são favoráveis. Nos levantamentos mais recentes da Fundação Getulio Vargas, referentes a setembro, o indicador de incerteza da economia havia caído, a confiança empresarial havia subido, disseminada entre os setores, e a confiança do consumidor também havia subido, embora com mais cautela. A novidade, na comparação com outros meses deste ano é que, com algumas variações, agora há otimismo em relação ao futuro e também à situação atual – antes, mesmo quando o indicador era positivo no conjunto, a visão favorável referia-se mais ao comportamento da economia nos meses à frente do que ao presente, sugerindo que, no fundo, havia mais esperança do que previsão em bases realistas.

Nos setores empresarial e financeiro a pergunta de 1 milhão de dólares hoje é qual a possibilidade real de um candidato chegar ao poder com agenda nitidamente antimercados e interromper essa trajetória. Por agenda antimercados, entenda-se paralisação de reformas, medidas intervencionistas e uma certa frouxidão no trato das contas públicas. Na visão desses analistas, a ligação política-economia, nessas circunstâncias, pode funcionar como um círculo vicioso. Se não houver uma percepção do conjunto da população de que a economia está em bom estado – e nisso a velocidade e o tamanho da queda do desemprego têm papel crucial –, uma candidatura desse tipo pode ter impulso. E esse impulso acabará refletindo no próprio desempenho da economia. Os mercados provavelmente atravessariam um período de fortes turbulências.

Da mesma forma, representantes desses setores questionam se será viável um candidato patrocinar um programa econômico que vá mais fundo tanto no corte de gastos, como na liberalização das relações trabalhistas e ainda no programa de concessões e privatizações – “vender a Petrobrás, por que não?”, diriam alguns, fazendo coro a uma declaração intempestiva de um ministro, prontamente retificada.

Fora desse circuito, tudo o que o conjunto da população quer saber é se terá empregos e salários decentes, educação, saúde, segurança e assim por diante. No momento, empresários, investidores e cidadãos comuns assistem, uns com “pulseirinha VIP” e outros na arquibancada, à luta dos principais partidos políticos para sobreviver à Lava Jato e ao esfacelamento do quadro político. Mas todos só estão à espera do apito final em 2018.

Desespero estadual - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 09/10

O que sobra para o governador, após deduzir quinhões dos verdadeiros ‘donos’ do orçamento, é muito pouco. E ele tem de pagar com o orçamento residual conta da Previdência



Uma das perguntas subjacentes ao Fórum Nacional de 21-22 de setembro era se, diante do imaginado início da recuperação econômica, em seguida à maior recessão de nossa história, e do programa de recuperação estadual recentemente aprovado (mesmo que apenas para o Estado do Rio), os estados sairiam mais facilmente da crise financeira atual.

Um resumo das discussões está no GLOBO de 29 de setembro, mas um maior detalhamento só sairá nos respectivos anais, onde se dirá que, em parte por falta de empenho de Brasília, nem o programa aprovado para recuperar o Rio conseguiu decolar, o que piora bastante as coisas na complicada metrópole carioca, nem são animadores os sinais de recuperação. Tais indícios apontam para um crescimento muito fraco do PIB em 2018, o último ano dos mandatos dos atuais governadores.

A saída de última instância é atrasar pagamentos tanto de fornecedores como de servidores, e ir empurrando o problema com a barriga. Mas como a lei exige que os passivos de curto prazo (“restos a pagar”) sejam quitados antes de os atuais gestores passarem os respectivos bastões para seus sucessores, isso significa que de agora até o final de 2018 será uma caça desesperada a quaisquer novas fontes de recursos, deixando tudo o mais de lado. E rezar para chegar vivo no final do mandato...

Pezão disse com razão no Fórum que não só as contas são muito rígidas, como era impossível prever a brutal recessão que desabou sobre o país. Sem falar que os remédios previstos em lei servem pouco, pois há impedimento legal para aplicá-los.

Ajustar o gasto estadual como muitos imaginam é, de fato, praticamente impossível, pois o que sobra de orçamento para o governador, após deduzir os quinhões dos verdadeiros “donos” da peça orçamentária, é muito pouco.

E ele tem de pagar com o orçamento residual a gigantesca conta da Previdência pública, que inclui os gastos com inativos e as contribuições patronais de todas as secretarias (supondo que essas tenham sido criadas), e as despesas das secretarias menos prioritárias, incluindo o investimento público.

Quanto ao mais, comparo a situação dos estados à das concessionárias de rodovias aprovadas no apagar do primeiro governo Dilma sob hipóteses de crescimento real da receita de pedágio apoiadas em projeções bem mais otimistas de evolução do PIB do que de fato ocorreu de lá para cá.

Estados não são concessionárias de serviço público junto à União, mas é como se fossem. Da mesma forma que as concessionárias deveriam receber autorização para reequilibrar seus contratos, os estados precisariam de apoio da União para pôr em prática o equacionamento da Previdência pública, enquanto a brutal recessão estivesse por aí.

O “brutal” é para lembrar que, tanto na distribuição de riscos das concessões como do relacionamento financeiro União-estados, não se pode deixar para as concessionárias e administrações regionais, hoje completamente interligadas ao motor financeiro das autoridades financeiras de Brasília, o ônus de absorver desassistida os custos adicionais de uma recessão cuja magnitude exceda níveis razoáveis.

Desde 2013, quando foram feitas as licitações no âmbito da 3ª Etapa do Programa de Concessões de Rodovias Federais, o ambiente macroeconômico se alterou drasticamente.

Até 2013 (inclusive), havia clara percepção que a economia havia se desacelerado em relação ao governo Lula: entre 2011 e 2013, o Brasil cresceu, em média, 3% ao ano, cerca de um ponto percentual abaixo do observado durante os oito anos Lula. Mas a situação corrente, bem como as expectativas quanto ao futuro, em nada se assemelhava à forte contração que tivemos desde 2015.

Em janeiro de 2013, as expectativas de crescimento para 2015 e 2016 eram de taxas positivas, respectivamente, de 3,60% e 3,55%, de acordo com a Pesquisa Focus, coletada pelo Banco Central junto a cerca de cem instituições do mercado financeiro e consultorias.

Como se sabe, o resultado para o biênio 2015/2016 foi catastrófico, pois totalizou uma queda de 7,3% no período. Trata-se da maior contração do PIB desde 1900, quando se iniciou a série de tempo respectiva. Antes do biênio 2015/16, o pior biênio da história havia ocorrido em 1931, quando o PIB contraíra 5,3%.

Ou seja, o resultado da economia nos últimos anos foi o pior de nossa história. Em verdade, qual a probabilidade que alguém, em 2013, pudesse imaginar que, nos três anos seguintes, teríamos o pior desempenho da economia dos últimos 116 anos?

Assim, como não há como alterar as fatias dos protegidos do Orçamento no curto prazo, qualquer programa que deixe de contemplar o verdadeiro equacionamento da Previdência pública tenderá a morrer na praia.

Tal equacionamento deverá contemplar tanto a participação das “secretarias/demais poderes protegidos” no financiamento das despesas relacionadas com previdência, como a destinação de ativos e recebíveis ao fundo previdenciário que for criado.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CANDIDATURA AVULSA ABRE CAMINHO À PICARETAGEM

A confirmação da tendência de os ministros do Supremo Tribunal Federal autorizarem candidaturas avulsas, sem exigência de filiação partidária, deverá provocar muita confusão no processo eleitoral de 2018. A começar pela divisão do bolo bilionário do “fundão eleitoral”. Afinal, candidatos avulsos também são filhos de deus, ou seja, do STF, e terão direito a financiamento público para suas campanhas.

OLHO NA GRANA
Entre candidatos avulsos haverá gente séria, mas também aqueles interessados apenas no “fundão eleitoral” (R$1,7 bilhão, por enquanto).

‘FUNDÃO’ RATEADO
A candidatura avulsa teria acesso ao rateio do “fundão”: pela lei, 50% serão destinados às campanhas de presidente, governador e senador.

MILHÃO NO BOLSO
Na pior das hipóteses, um candidato avulso a presidente, por exemplo, participaria do rateio de R$34 milhões (2% do fundão) previstos na lei.

E O TEMPO DE TV?
Por definição, candidato avulso não tem filiação, e o tempo de TV hoje é definido por critérios como número de deputados federais do partido.

LEI PROÍBE ‘PADRÃO DILMA’ DE GASTOS DE CAMPANHA
Os políticos se encarregaram de usar a nova lei eleitoral, aprovada na Câmara, para expor os valores absurdos das campanhas eleitorais nos tempos em que JBS e Odebrecht abasteciam caixa 2. A nova lei fixa em R$105 milhões o limite de gastos em campanha presidencial, e esse valor representa menos de um terço dos R$318 milhões do custo declarado da campanha de reeleição de Dilma Rousseff (PT), em 2014.

UM SANTANA
O limite de gastos de campanha presidencial é quase o valor pago a João Santana, marqueteiro de Dilma: oficialmente, R$95 milhões.

DIVISÃO PREVISTA
A nova lei prevê para cada campanha presidencial gastos máximos de R$70 milhões no primeiro turno e R$35 milhões no segundo turno.

RISCO DE CAIXA 2
Há o temor no TSE de burla aos limites por governadores que tentam a reeleição, pressionando fornecedores a abastecer seu caixa 2.

OUTROS GASTOS
As campanhas de governadores terão tetos de gastos definidos de acordo com o número de eleitores em seus estados. Mas precisarão se adequar ao limite máximo de R$21 milhões, para o caso de São Paulo.

PIOR PARA O BRASIL
A indústria do oportunismo continua suprimindo empregos: o Citybank decidiu fechar seu varejo no Brasil, que representa 1% de todas a atuação do banco no mundo. E 93% de todas as ações trabalhistas.

SÓ PENSAM NAQUILO
As consultorias de orçamento da Câmara e do Senado analisaram e concluíram que a proposta orçamentária de 2018 pode gerar “espaço fiscal” (no popular, aumento de gastos) de R$41,3 bilhões.

BOA NOTÍCIA
Apesar de a campanha eleitoral ter duração prevista de 45 dias para 2018, como foi na eleição de 2016, partidos terão um período de apenas 35 dias para realizar a propaganda política na TV e rádio.

URGÊNCIA NO LOBBY
Também deve ser votado esta semana um requerimento de urgência do colégio de líderes da Câmara para o projeto de lei que regulamenta o lobby no Brasil, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).

RIVAL DEFINIDO
O governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), procura um vice, para Sonhava contar com Ibaneis Rocha, ex-presidente da OAB/DF. Mas o advogado não quer a parceria de Rollemberg; quer derrotá-lo.

DÍVIDA DE R$ 64 BILHÕES
A Câmara realiza audiência nesta terça para debater a recuperação judicial da Oi. A dívida de R$ 64 bilhões com 55.080 credores faz da recuperação judicial da operadora a maior da história do Brasil.

TRANSAMAZÔNICA, 47
Nesta segunda-feira (9) há 47 anos começava a construção da rodovia Transamazônica. Até hoje seus quase 4,5 mil quilômetros não foram completamente asfaltados, apesar de ser a terceira maior via do Brasil.

PENSANDO BEM...
...o tempo passa, o tempo voa, e o ex-presidente Lula, condenado em uma, réu em várias e investigado em outras ações, continua numa boa.

Casa que não tem pão... - DAVID KUPFER

Valor Econômico - 09/10

A surpreendentemente baixa atratividade da oferta posta na mesa pelos europeus na rodada desse início de outubro das arrastadas negociações do acordo comercial União Europeia-Mercosul sinaliza para um desfecho frustrante. Uma das consequências do resultante estreitamento do horizonte de inserção da economia brasileira é que, com um leque de opções mais restrito, aumentarão os incentivos para que a aproximação com a China, que já vai de vento em popa, ganhe ainda mais velocidade.

O fato novo é que a China, que já é há anos o principal parceiro comercial brasileiro, está agora exercendo um novo e importante papel como origem significativa dos Investimentos Diretos Externos (IDE) que chegam ao país. É certo que compreender esse movimento é crítico para orientar as ações futuras. Porém, tudo é muito recente e por isso mesmo difícil de ser colocado em perspectiva

Primeiro, até o final do século passado, a China era ainda um ator irrelevante como exportadora de capitais. Com a entrada do século XXI, esse cenário transformou-se rapidamente, a ponto de já a partir de 2015 a China ter se tornado a segunda principal origem do IDE mundial, atrás apenas dos EUA. O IDE chinês foi direcionado paras as mais diversas regiões, tendo a América Latina constituído um importante destino. Tradicionalmente, esses investimentos exibem maior relação com a riqueza de recursos naturais do que com a extensão de mercado existente na região.

Segundo, de um par de anos para cá os documentos divulgados pelas autoridades chinesas passaram a emitir sinais de que a ação de internacionalização das empresas está sendo conduzida sob uma nova orientação estratégica. O IDE seria agora parte do esforço nacional chinês de entrada no novo paradigma tecnológico representado pelas trajetórias "digital", "inteligente", "verde" (sustentável), e "conectada" estipulada pelo atual XIII Plano Quinquenal e que constituem a essência do Plano "Made in China 2025". Daí uma esperada ampliação do elenco de setores de destino para serviços e divisões da indústria com maior grau de agregação de valor, cristalizada principalmente na iniciativa "Nova Rota da Seda", que envolve países próximos ao território chinês. Não se sabe ainda se a América Latina fará parte dessa orientação.

Terceiro, somente a partir de 2010 o Brasil tornou-se destino importante do IDE chinês. De acordo com a base de dados construída pelo GIC-IE/UFRJ para um estudo recém-concluído pelo IBRACH, ainda não divulgado, empresas chinesas efetuaram 74 operações de IDE no Brasil entre 2010 e 2016, representando cifras da ordem de US$ 44 bilhões. Quando se acrescentam as operações apenas anunciadas (e ainda não efetivadas) os números crescem para 102 operações ou US$ 52 bilhões.

A questão é que, embora maciça, até agora a entrada de capital se deu de forma muito concentrada em relação tanto as empresas chinesas de origem quanto os setores de destino e os métodos de ingresso. As cinco principais empresas chinesas investidoras no Brasil - duas petroleiras, duas do setor elétrico e uma do ramo mínero-metalúrgico - responderam por quase 80% do total. A maioria das operações foi do tipo "aquisição horizontal", quer dizer, envolviam ativos já existentes no Brasil no próprio setor de atuação da empresa chinesa, com investimentos "greenfield" (capacidade produtiva nova) muito pouco presentes.

Essas características sugerem um padrão de IDE chinês no Brasil muito pontual, mais claramente oportunístico do que estratégico. Por isso, é prematuro inferir tendências desse histórico.

Para o Brasil não é difícil desenhar um mapa de oportunidades atrativas para os capitais chineses caso a reorientação preconizada pelas autoridades chinesas se materialize. Setores como Energias Renováveis, Transportes, Comunicações, Agropecuária, Alimentos e Serviços Sociais, dentre outros, claramente apresentam esse potencial.

Mais difícil, porém, é delinear o rebatimento desse mapa para uma perspectiva construída de acordo com o interesse nacional brasileiro. Em se tratando de áreas com mais fortes encadeamentos industriais, novos riscos e oportunidades se farão presentes. De identificação menos imediata do que os ligados a recursos naturais, dependem de diferentes modelos de negócios, das implicações sobre conteúdo local do investimento e da produção posterior; dos espaços possíveis para a inserção de fornecedores brasileiros em cadeias globais de valor, das possibilidades de estabelecimento de parcerias em P,D&I e assim por diante.

O problema é que na medida em que o estreitamento de opções vai tornando o jogo geoeconômico internacional mais pesado para o Brasil, mais estratégia e mais coesão nacionais se fazem necessárias. E é aí que reside a maior preocupação. Não cabe esperar que um governo frágil, sem legitimidade e obcecado por desmontar consiga reunir qualquer capacidade de propor sequer os contornos de uma estratégia aglutinadora dos múltiplos interesses de tantos atores produtivos envolvidos.

A saída requer que esses atores deixem de se concentrar em transferir os custos do ajuste econômico para os demais, e parem de brigar - sempre sem razão, como garante o dito popular - pelos poucos pães que restam na casa. Além de capitais, a China também é grande exportadora de provérbios. Há um deles que diz que "se dois indivíduos, cada um carregando um pão, se encontrarem em uma estrada e trocarem os pães, cada um seguirá viagem com um pão. Porém, se trocarem ideias, cada um irá embora com duas".

Infelizmente, a maior crise brasileira é a de ideias.

Menos é mais - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/10

Ícone do intervencionismo do governo na economia brasileira, o BNDES está encolhendo. Depois da hipertrofia iniciada no final da década passada, o banco federal de fomento passa agora por acentuada redução de desembolsos, suscitando o debate sobre seu papel para o desenvolvimento econômico do país.

Nos 12 meses encerrados em agosto, as concessões de novos financiamentos somaram R$ 77,7 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto, patamar comparável ao de 20 anos atrás. Em 2010, graças a maciças e questionáveis injeções de recursos do Tesouro Nacional, as operações da instituição atingiram espantosos 4,5% do PIB.

Os efeitos da longa recessão tiveram participação relevante na queda dos empréstimos, hoje menos demandados por empresas de todos os portes. Se os valores de sete anos atrás não se mostravam sustentáveis, tampouco os atuais devem ser considerados definitivos.

A economia agora volta a crescer, embora de forma tímida, e os investimentos privados, mais cedo ou mais tarde, reagirão. Não é a contração do BNDES que dificulta a retomada, como querem os mais afeitos à volta da prodigalidade na concessão de crédito.

Vive-se hoje, ao contrário, uma saudável correção de rumos. Afinal, a agressiva estratégia expansionista dos governos do PT, adotada como resposta à crise financeira global de 2008, fracassou em seus dois objetivos centrais.

O primeiro era reforçar a internacionalização de empresas selecionadas, as campeãs nacionais, notadamente a JBS e as construtoras. Colheram-se resultados desastrosos, quando se consideram as dimensões dos recursos liberados -sem contar a ficha policial de muitos dos receptores do dinheiro.

Buscava-se também acelerar o crescimento econômico por meio de crédito subsidiado para a aquisição de máquinas e obras de infraestrutura, com enorme custo para os contribuintes.

Os aportes do Tesouro no banco ao longo dos anos petistas passaram de incríveis R$ 500 bilhões, contribuindo para o colapso das finanças públicas. O governo agora precisa cobrar antecipadamente boa parte desse montante para fechar suas contas.

A direção atual do BNDES resiste, com o argumento de que ficará sem recursos quando a demanda empresarial retornar. Este não será necessariamente o caso: a instituição dispõe de quase R$ 200 bilhões em caixa e continuará a receber os pagamentos relacionados a empréstimos concedidos.

Nesse cenário, a nova orientação aponta para uma atuação calcada em critérios horizontais (sem privilegiar este ou aquele setor ou negócio), nas atividades em que o crédito privado se revela insuficiente, como inovação, ou que tenham impacto social, casos de saneamento básico e saúde.

Em suma, fomento com foco, descolado do caixa federal e da conveniência do governo de turno.

A reforma trabalhista - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/10

Inovações introduzidas na legislação correm o risco de ser boicotadas justamente por aqueles que deveriam exigir seu cumprimento ou aplicá-las


Aprovadas pelo Congresso Nacional em julho e com a entrada em vigor marcada para novembro, as inovações introduzidas na legislação trabalhista correm o risco de ser boicotadas justamente por aqueles que deveriam exigir seu cumprimento ou aplicá-las: os procuradores do Ministério Público do Trabalho e os juízes e desembargadores da Justiça do Trabalho.

Depois de terem se mobilizado – sem sucesso – para tentar barrar a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi editada em 1943, quando eram outras as condições sociais, econômicas e políticas do País, muitos procuradores e magistrados trabalhistas agora afirmam que deixarão de aplicar as novas regras sob o pretexto de que elas seriam inconstitucionais. Entre outras justificativas, eles alegam que, pela novas regras, o trabalhador autônomo não terá as garantias da relação de emprego previstas pela Constituição. Também alegam que alguns dispositivos da lei que modernizou a CLT colidem com outras leis, especialmente o Código Civil. Dizem, ainda, que a reforma contrariou convenções da Organização Internacional do Trabalho.

Agindo com o apoio das centrais sindicais, que denunciaram a reforma à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ter “sucumbido às exigências mercadológicas de grupos financeiros em detrimento do capital humano”, esses operadores do direito sustentam que as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho não precisam esperar a decisão que o Supremo Tribunal Federal dará à ação de inconstitucionalidade que foi aberta há dois meses pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Guilherme Feliciano, qualquer juiz pode afastar a eficácia de um texto legal se considerá-lo inconstitucional.

A insegurança que esses magistrados poderão disseminar nas relações entre patrões e trabalhadores é só um dos lados do problema. O outro lado é o risco de desvirtuamento da hermenêutica jurídica. Se agirem de modo irresponsável, interpretando a nova legislação trabalhista com base em suas inclinações ideológicas e politizando a aplicação do Direito do Trabalho, esses juízes porão em risco a isenção que se espera do Poder Judiciário.

Como a uniformização das interpretações pelas Varas Trabalhistas, a redação de súmulas pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e a consolidação da jurisprudência sobre as novas regras pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) constituem um processo lento, isso significa que a reforma trabalhista aprovada em julho enfrentará dificuldades para atingir, no curto prazo, o objetivo de assegurar um ambiente mais propício para os negócios. O excesso de normas e exigências para a contratação de mão de obra e para o acerto do quadro de pessoal em períodos de dificuldades para a empresa sempre foi apontado como freio para a expansão do mercado de trabalho. Por isso, a reforma é vital para atrair investimentos e gerar empregos.

Ampliando ainda mais a confusão, no dia 28 de setembro o Ministério do Trabalho publicou uma portaria, instituindo uma comissão de juristas para apresentar uma versão consolidada da legislação trabalhista, com “coesão, coerência e organicidade”, no prazo de 120 dias. A iniciativa, que seria uma consequência imprescindível da aprovação da reforma, nesses tempos esquisitos serviu de estímulo às forças retrógradas que não querem a modernização das relações trabalhistas. Para evitar que a iniciativa do Ministério do Trabalho criasse novas dificuldades políticas, pusesse em risco a expressiva vitória obtida pelo governo com a aprovação da reforma trabalhista e municiasse mais críticas da magistratura contra ela, o Palácio do Planalto agiu com rapidez e a portaria foi sumariamente revogada no dia 29 de setembro.

O comportamento dos procuradores e juízes da Justiça do Trabalho dá a medida das dificuldades que o País ainda tem de superar, para modernizar o Direito do Trabalho.