sexta-feira, setembro 15, 2017

Nota fora do tom - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 15/09

É um acinte que o País esteja sujeito a novas surpresas e a novas versões, agora não da parte de bandidos, mas da própria Procuradoria-Geral da República


Em vez de esclarecer cabalmente o que ocorreu nas tratativas do acordo de delação premiada com integrantes da JBS, a Procuradoria-Geral da República (PGR) preferiu o caminho fácil de desmerecer os pertinentes questionamentos sobre possível atuação de procuradores da República fora dos trâmites legais. Depois que veio a público relatório da Polícia Federal sobre o caso, a PGR emitiu uma nota que, longe do natural tom de defensora da ordem jurídica, mais se assemelha às habituais respostas de pessoas investigadas em crime de corrupção, interessadas tão somente em não prestar contas à Justiça. O Ministério Público disse apenas que se tratava de “conversas de terceiros fazendo suposições”.

As mensagens encontradas pela Polícia Federal no celular de Wesley Batista, preso na quarta-feira passada, são, no entanto, muito mais que simples suposições, e reforçam a necessidade de uma pronta investigação sobre o que de fato ocorreu. Há fortes indícios de que pessoas do gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinham conhecimento de que o ex-procurador Marcelo Miller atuava de “forma indireta” nas tratativas que resultaram no acordo de colaboração premiada firmado por executivos da JBS.

Há, por exemplo, uma mensagem de 5 de abril, dia em que foi publicada no Diário Oficial da União a exoneração de Marcelo Miller do Ministério Público Federal (MPF), sobre a viagem que ele faria no dia seguinte para tratar do acordo de leniência da JBS nos Estados Unidos. Na mensagem, uma das advogadas do grupo manifesta surpresa por, naquele dia, o chefe de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, já saber que Miller atuaria para a JBS no exterior.

Segundo o relatório da Polícia Federal, “tais mensagens revelam que membros da Procuradoria-Geral da República tinham ciência de que Marcelo Miller estava atuando de forma indireta nas negociações da delação premiada no dia seguinte à sua saída efetiva do órgão”.

Diante desse material, não cabe à PGR simplesmente negar o ilícito, sem investigar. “Os integrantes da equipe do procurador-geral da República só foram informados da participação do ex-procurador da República Marcelo Miller nas negociações sobre o acordo de leniência depois de sua exoneração, quando este participou de reunião com esta finalidade no dia 11 de abril”, disse a PGR.

Ao dar por certo que nada de errado ocorreu, a PGR mais parece preocupada em assegurar sua boa reputação do que em colaborar para o cabal esclarecimento dos fatos. Tal reação, além de corporativista, indica uma falta de transparência justamente num órgão que devia, por força de sua missão constitucional, ser exemplo de lisura e de abertura. Diante dos amplos poderes que a Constituição de 1988 lhe atribuiu, que em geral são interpretados de forma um tanto extensiva, é imprescindível que o Ministério Público não transija com malfeitos.

O que se viu no caso de Marcelo Miller não inspira muita confiança. Vinham de longa data as suspeitas de uma atuação fora da lei do ex-procurador quando ele ainda estava na PGR. Mas Rodrigo Janot, até 4 de setembro, dizia que não havia motivos para duvidar da lisura das tratativas do acordo de delação da JBS. Depois, no dia 4, o procurador-geral da República admitiu a ocorrência de “fatos gravíssimos” envolvendo Miller. Agindo assim, a PGR assemelha-se uma vez mais aos investigados em casos de corrupção. Num primeiro momento, negam tudo. Depois, diante do surgimento de novas evidências, admitem um pouco mais. Não condiz com a PGR esse tipo de postura, calibrando versões.

As últimas revelações do imbróglio da delação da JBS são graves não apenas por sugerirem uma atuação ilegal de outros integrantes da PGR, além de Marcelo Miller. Elas indicam que talvez a declaração de Rodrigo Janot no dia 4 de setembro, sobre o áudio com a conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, não seja fiel expressão da verdade. Cada vez há mais fumaça de que o pessoal da PGR já sabia, muito antes de 31 de agosto, quando receberam o tal áudio, que as coisas não eram tão limpas como o Ministério Público insistia em dizer. É um acinte que o País esteja sujeito a novas surpresas e a novas versões, agora não da parte de bandidos, mas da própria PGR.

A fragilidade das delações sem provas - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 15/09

O órgão acusador tem a obrigação legal de fundamentar o inquérito corretamente

O Estado brasileiro vem sofrendo um prejuízo bastante expressivo decorrente de denúncias que são aceitas como válidas e jogadas ao vento pela Procuradoria-Geral da República (PGR), sem que as pessoas envolvidas sejam ouvidas ou tenham oportunidade do exercício de plena defesa.

Essa conduta é extremamente grave porque causa a impressão de que nem sempre há empenho em realizar investigações necessárias para comprovação das denúncias feitas pelos delatores, aceitando-se quase tudo como verdadeiro.

Da forma com que são admitidas algumas dessas delações, é como se o delator entregasse um prato já pronto para o agente do Estado comer. Este, após encher a barriga, satisfeito por ter recebido informações que por si sós poderiam a seu juízo permitir a denúncia, sente-se tentado a admitir como verdadeiro o que foi afirmado, deixando de correr atrás das provas necessárias para a comprovação do delito e permitir uma denúncia séria, digna, honrada.

Muitas das delações que ganham espaço na imprensa têm essa marca, mas o exemplo maior está na denúncia que o procurador-geral Rodrigo Janot formulou com extrema pressa contra o presidente Michel Temer (caso da gravação), aceitando versão de pessoa sem a menor credibilidade, o já encarcerado Joesley Batista.

O passar dos dias e das noites acabou clareando fatos que pareciam encobertos por neblina, mas agora se mostram visíveis. O presidente da República jamais encontrará palavras suficientes para explicar por que, naquela noite, altas horas, recebeu nos porões de sua residência oficial o contumaz criminoso Joesley Batista, que o traiu gravando a conversa. Por esse deslize, Temer pagou e continua pagando caro. Esse episódio de enorme repercussão política, no dizer do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), serviu para demonstrar que Rodrigo Janot foi ingenuamente ludibriado por Joesley Batista. E o País acabou sofrendo enorme turbulência política e econômica, com péssimos efeitos no exterior.

O pior deste quadro é que o criminoso Joesley parece não ter agido sozinho quando gravou a conversa com Michel Temer. Realmente, são fortes os indícios de que ele teve como parceiro um procurador da República da confiança do procurador-geral.

Qualquer procurador de Justiça sabe que o presidente da República, por ter foro privilegiado, só pode ser gravado por decisão do STF, por meio de um de seus ministros. Mas, no caso, pareceu prioritário e mais importante atingir em cheio o político Michel Temer e permitir que Rodrigo Janot entrasse para a história do Brasil como o primeiro a formular uma denúncia contra presidente da República.

Na verdade, porém, a PGR negligenciou e errou feio ao aceitar como válida a delação daquele cidadão e também por considerar suficiente a gravação por ele feita. Era mesmo muito forte a disposição de atingir e desmoralizar o presidente da República, a ponto de Janot permanecer de braços cruzados e nada investigar, abrindo mão de obter provas que comprovassem o conteúdo suspeito da conversa.

A consequência de não correr atrás de provas é que ficou privado de oferecer denúncia juridicamente correta. E acabou agindo contra si próprio, a ponto de hoje estar encurralado pela infeliz e equivocada pressa na sua redação. Tem contra si, inclusive, o fato de o Congresso Nacional haver repelido a denúncia, circunstância suficiente para poluir a glória que ele parecia pretender alcançar.

Importante esclarecer que qualquer denúncia envolvendo um simples cidadão ou o presidente da República merece e exige provas conclusivas, diretas, que permitam ao juiz julgar com segurança. O inquérito não é processo político, e sim judicial, de tal forma que o órgão acusador tem a obrigação legal de fundamentá-lo corretamente, sob o risco de passar vergonha.

Em casos falhos, como o referido, é possível ao juiz julgar por indícios, uma vez que estes estão previstos no Código de Processo Penal brasileiro exatamente no capítulo das provas, mas a decisão judicial que emergir nunca terá a mesma segurança daquela fundada em prova direta ou material.

O pior de Rodrigo Janot não haver investigado o episódio da gravação do presidente da República foi o incomensurável prejuízo sofrido pelo Estado brasileiro, com reflexos ainda presentes na vida política e econômica do País. Talvez por excesso de vaidade, ou pura arrogância, o procurador-geral agiu como se estivesse numa torre de marfim, insusceptível às críticas.

Se antes da denúncia contra Michel Temer Rodrigo Janot tivesse efetivado as investigações necessárias, em vez de agir como se o processo queimasse as suas mãos, seria possível perceber que o denunciante é pessoa que não tem a menor credibilidade – inclusive, já está preso.

Fora isso, o procurador-chefe desviou-se do tipo penal adotado. Trata-se de crime de corrupção, que exige para consumar-se o recebimento de vantagem indevida ou promessa de tal vantagem. Não ficou demonstrada, nem de longe, a prova direta e segura da denunciada vantagem recebida por Michel Temer, algo que provavelmente um promotor experimentado com certeza procuraria obter para dar segurança à denúncia. E também permaneceu no escuro a vantagem que o presidente da República teria concedido a Joesley, na suposta troca de favores.

Aquela conversa gravada mostra claramente que Michel Temer cometeu, mesmo, um erro, mas, do ponto de vista da aplicação da lei penal, não parece haver um juízo de certeza sobre o delito imputado ao presidente da República. As frases que ele ouviu e proferiu naquela conversa podem ser condenáveis do ponto de vista moral, pela simples participação, mas, por existir dubiedade no sentido das palavras e falhas na gravação, não seria muito fácil condená-lo.

*Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário da justiça do Estado de São Paulo

Lula e a simulação - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 1509

Difícil imaginar como aquele senhor crispado, irritadiço, poderia se dirigir ao eleitorado na disputa de 2018 ao Palácio do Planalto.

Nos vídeos do depoimento de duas horas ao juiz Sergio Moro, nesta quarta-feira (13), viu-se Luiz Inácio Lula da Silva em posição defensiva rara na impressionante carreira do cacique petista.

Ali estava um ex-presidente já condenado, em julho, a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro —Moro o considerou culpado de receber propina da construtora OAS, na forma do célebre apartamento tríplex no litoral paulista.

Respondendo desta feita à acusação de ter sido beneficiado de modo ilícito com outros mimos imobiliários, pela Odebrecht, Lula teve de contestar, pela primeira vez, um relato feito à Justiça por um nome da cúpula do partido.

Abriu-se, dessa forma, fissura de dimensões até então nunca vistas no PT, sempre fiel a seu líder máximo e ao discurso de que as alegações de corrupção não passam de conspirata das elites nacionais.

O ex-ministro Antonio Palocci, segundo o qual Lula e Odebrecht pactuaram em 2010 propinas de R$ 300 milhões, foi descrito como "um simulador": "Ele é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade". Na réplica da defesa de Palocci, "dissimulado" seria o ex-presidente.

Ambos têm boa dose de razão. Cada um a seu modo, os dois personagens já deram fartas demonstrações de habilidade no manejo das afirmativas ambíguas, enganosas ou contraditórias.

Exemplo clássico é o da "Carta ao Povo Brasileiro", publicada sob influência de Palocci na primeira campanha presidencial vitoriosa de Lula —o documento prometia preservar a política econômica tucana, sem desautorizar de forma explícita as teses de oposição.

A parceria entre o simulador e o dissimulado permitiu ao primeiro governo lulista conciliar retórica de ruptura e prática ortodoxa, vital em um momento de crise. Trata-se de feito de reprodução muito improvável nos dias de hoje.

Por falta de alternativas, os petistas retornaram à pregação sectária contra as reformas e os inadiáveis ajustes no Orçamento. Rejeitam a responsabilidade não só pelos desvios bilionários mas também pela recessão brutal, decorrente de seus erros clamorosos na administração do país.

Com ou sem Lula, que corre o risco de ficar inelegível se condenado em segunda instância, o caminho para o centro —quase inevitável em um pleito de dois turnos— estreitou-se sobremaneira. Há tempo até 2018, mas hoje o partido parece refém de uma candidatura de negação e enfrentamento.