sexta-feira, agosto 04, 2017

A impopularidade fica para depois - MARCOS POGGI

ESTADÃO - 04/08

A situação da Previdência não deixa espaço para nenhuma alternativa popular


Apesar de sua significativa relevância para o futuro equilíbrio das contas públicas, a reforma da Previdência segue, aos trancos e barrancos, em meio a contestações dos partidos de oposição, das centrais sindicais, de importante parcela do funcionalismo público e até de setores da própria base de sustentação do governo no Congresso. Obviamente, contribui para composição de tal cenário o enfraquecimento político do Planalto em face das sucessivas notícias de envolvimentos de destacadas autoridades federais – o próprio presidente da República incluído – em delações premiadas no âmbito – e também fora do âmbito – da Operação Lava Jato.

Uma das linhas mais exploradas pelos críticos da reforma é o da negação da existência do déficit previdenciário, sobretudo à luz dos vultosos créditos que a Previdência Social no âmbito federal teria na praça. Os números divulgados de tais haveres somam atualmente cerca de R$ 430 bilhões. Segundo as informações disponíveis, entre os principais devedores do INSS estão vários governos estaduais, inúmeras prefeituras e importantes empresas públicas, entre as quais o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Quer dizer, é o setor público devendo ao próprio setor público. Além disso, há inúmeros casos de créditos previdenciários rigorosamente incobráveis, como, por exemplo, os de empresas falidas sem a menor condição de honrarem tais dívidas. Entre estas há caso notórios, como os da Varig, da Vasp e da antiga TV Manchete.

Somam-se a tais créditos de difícil, se não impossível, realização um sem-número de questões ainda sub judice em que existe a possibilidade de os devedores lograrem ganho de causa, ou de a pendência perdurar ainda por muitos anos mais, o que tornaria o crédito de utilidade duvidosa para saneamento das contas previdenciárias em prazo hábil como apoio à realização de qualquer análise.

Todavia mais importante do que tudo isso é o fato de que a argumentação com base na existência de vultosos créditos não justifica a manutenção do status quo, com a geração de elevados déficits anuais nas contas previdenciárias. Trata-se, na verdade, de uma mistura conceitual entre estoque e fluxo, muito mais comum do que se imagina, mesmo entre profissionais do ramo. Pois uma coisa é o estoque de supostos realizáveis da Previdência. Outra, muito diferente, é a cruel realidade do fluxo de receitas e despesas anuais que dá a medida do drama atuarial vivido pelo sistema previdenciário no Brasil. Para se ter uma ideia das dimensões do problema basta lembrar que se prevê um rombo da ordem de R$ 180 bilhões nas contas previdenciárias da União no presente exercício fiscal. Como a tendência, nas condições atuais, é de significativo crescimento do déficit, a expectativa é de que a situação fique simplesmente insustentável, se tanto, dentro de três ou quatro anos.

Mesmo na hipótese extremamente otimista de que, como por encanto, com exceção daqueles que não têm nenhuma condição de fazê-lo, todos os demais devedores privados da Previdência decidissem pagar tudo o que a ela devem nos próximos 24 meses, pelo atual andar da carruagem, ainda assim, certamente o sistema não teria dinheiro suficiente para cobrir sequer o crescente déficit do período. E depois? Como ficaríamos?

Em complemento a essa linha de argumentação, os adversários a reforma vêm, nos últimos dias, disseminando nas redes sociais o artigo Reforma da Previdência e as desigualdades sociais, de Katia Maia e Oded Grajew, recentemente publicado na imprensa, que ressalta as enormes desigualdades sociais existentes na sociedade brasileira. O texto dá como exemplo de tais desigualdades o alegado fato de que, dentro do Município de São Paulo, enquanto a expectativa de vida dos habitantes do Distrito de Pinheiros é de 79,17 anos, a dos moradores de Cidade Tiradentes é de apenas 53,85 anos. E acrescenta que os baixos níveis de expectativa de vida nas periferias das cidades brasileiras são causados principalmente pela violência urbana, pela mortalidade infantil e pela precariedade dos sistemas de saúde.

Tomando esses números e afirmativas como corretos, tais constatações – usadas no mencionado artigo para mostrar a injustiça social de tentar aumentar os limites de idade para aposentadoria –, ironicamente, passam a constituir o melhor conjunto de argumentos a favor da reforma da Previdência. Isso porque o remédio para atalhar a triste realidade mostrada não é manter e aumentar, ainda mais, o déficit da Previdência, o que tornaria inviável uma possível e desejada elevação da disponibilidade de recursos do Estado para investimentos na área social. Na realidade, isso contribuiria, no mínimo, para eternizar a injustiça social apontada na matéria.

Como não é possível dispor de uma Previdência para as regiões ricas como Pinheiros e outra para regiões pobres como Cidade Tiradentes, o que deve ser feito não é manter o status quo, pela cristalização dos fatores que resultam numa baixa expectativa de vida dos desvalidos. E, sim, reunir condições para elevar os níveis de segurança, saúde e bem-estar da população mais pobre. Para tanto o Estado precisa dispor de recursos financeiros suficientes. Ademais, como se sabe, fora de um adequado controle das contas públicas não há alternativa desejável. Pois, em primeiro lugar, não existe espaço para mais aumentos de impostos e maiores sacrifícios dos contribuintes numa economia em que o setor público (União, Estados e municípios) já gasta mais de 40% do PIB.

Infelizmente, o que se constata é que a situação não deixa espaço para nenhuma opção popular. Porque, a exemplo da alegada perda de direitos atribuída à reforma, as alternativas existentes – um endividamento catastrófico do Estado ou a hiperinflação – também não são nem um pouco populares. A única diferença é que muitos preferem, demagogicamente, deixar a impopularidade para depois.

*Economista e escritor

Vitória da responsabilidade - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/08

A exigência de dois terços da Câmara para autorização de instauração de processo contra o presidente serviu para impedir que uma denúncia inepta agravasse a crise


A decisão da Câmara dos Deputados de negar autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) desse encaminhamento à denúncia contra o presidente da República, Michel Temer, apresentada no final do mês de junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostra uma vez mais a importância de se cumprir os caminhos institucionais. A condição prevista na Constituição Federal – autorização de dois terços da Câmara dos Deputados para a instauração de processo contra o presidente da República – serviu para impedir que uma denúncia inepta agravasse a crise que assola o País.

Apesar de todo o alvoroço armado em torno da delação do sr. Joesley Batista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou a tão prometida prova contra Michel Temer. Rodrigo Janot acusou o presidente da República de receber vantagem indevida de R$ 500 mil, mas não apontou um único indício de que Michel Temer teria recebido tal valor – onde, quando, como. Com tal fragilidade probatória, a denúncia apresentada mais parecia um pedido de investigação do que uma acusação formal. Nessas condições, afastar o presidente da República do exercício do cargo seria uma evidente irresponsabilidade, e a Câmara dos Deputados, no cumprimento de suas atribuições constitucionais, rejeitou com acerto tal imprudência.

Apoiado pela maioria dos deputados – foram 263 votos favoráveis ao parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara contra 227 votos –, o arquivamento da denúncia contra o presidente da República abriu uma nova oportunidade de estabilidade para o País. Cabe agora a Michel Temer, com a máxima urgência, reorganizar o seu governo, estabelecendo as condições para o prosseguimento das reformas, em especial, a reforma da Previdência. Há muito a fazer e nenhum tempo a perder.

Ao contrário do que alguns afirmam, o presidente Michel Temer sai fortalecido do episódio, mostrando, uma vez mais, sua capacidade de articulação com o Congresso. Basta ver que foi aprovada a reforma trabalhista após a apresentação da denúncia feita por Rodrigo Janot. Da mesma forma, a votação de quarta-feira passada evidencia o descompasso dos que, a cada semana, renovam suas predições sobre um iminente fim do governo Temer e sua falta de governabilidade.

É de justiça reconhecer que o governo de Michel Temer não tem um problema de apoio parlamentar, como se lhe faltasse base de sustentação e fosse urgente a necessidade de recomposição com o Congresso. Faz-lhe falta agora tão somente reorganizar o próprio governo, para que, superadas as névoas da instabilidade infladas por Rodrigo Janot, o Executivo se dedique com urgência ao tão necessário trabalho de superação da crise econômica, social e moral que abate o ânimo e a vida dos brasileiros.

A necessidade de urgência nessa tarefa não é retórica. Com espantosa teimosia, o procurador-geral da República, dois dias antes que o plenário da Câmara deliberasse sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia, pediu ao STF que o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco fossem incluídos no rol de investigados de um inquérito já instaurado no âmbito da Operação Lava Jato. Sem trazer novidade ao caso, o pedido de Janot manifesta primário cálculo político. Ou seja, indiferente às exigências institucionais do cargo que ocupa, vale-se da função como pedestal para diatribes pessoais.

É mais que hora de parar de maltratar o País. A correta aplicação do ordenamento jurídico – é a isso que se refere, afinal, a batalha contra a corrupção e a impunidade – não tem qualquer relação com essa contínua imposição de obstáculos à estabilidade, à retomada do desenvolvimento econômico e social e à normalização da vida política da Nação. O Direito, quando bem aplicado, é caminho de ordem e de paz. E a própria população dá sinais de estar desejosa desse sossego. Na quarta-feira passada, deu-se um fato que não se via há, no mínimo, 30 anos – uma votação importante no Congresso, na qual se decidia o futuro do País, sem que houvesse manifestações nas ruas. (Ver abaixo o editorial O povo ficou em casa.)


O povo ficou em casa - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/08

Para ir às ruas é preciso motivação clara. Não se troca governo como se troca de camisa



Muita gente se perguntou e ainda se pergunta onde estava o povo no momento em que o Congresso rejeitou a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. Afinal, se 81% dos brasileiros disseram defender a aceitação da denúncia, em pesquisa do Ibope divulgada na antevéspera da votação, presumiu-se que uma parte desse contingente se animaria a pressionar os congressistas a fazer valer essa vontade, ou então que iria em massa às ruas protestar contra a atitude dos parlamentares que se recusaram a dar seguimento ao processo contra Temer. Como nada disso aconteceu – salvo pelos dois ou três queimadores de pneus de sempre –, muitos concluíram que o povo está “apático” ou “indiferente”.

O que parece escapar a essas análises é que, para irem às ruas, os cidadãos precisam de uma motivação muito clara. Não se troca um governo como se troca de camisa. A alardeada impopularidade de Michel Temer, que tem apenas 5% de aprovação, de acordo com outra pesquisa do Ibope, não é exclusiva dele. O mundo político em geral é objeto de profundo desencanto por parte dos brasileiros, em razão dos sucessivos escândalos de corrupção e da violenta campanha de descrédito movida por aqueles que se julgam paladinos da purificação nacional. Qualquer outro político que estivesse no lugar de Temer seguramente teria números semelhantes de rejeição. Ou seja, se pesquisa de opinião fosse referência para legitimar movimentos em favor da cassação de detentores de mandatos eletivos, não sobraria um.

Parece claro que, em vista disso, os cidadãos se mostram infensos a mergulhar na incerteza de uma nova troca de comando na Presidência da República, um ano depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Tudo isso pode mudar, é claro, pois a crise é tão grave – e os irresponsáveis são tantos – que qualquer fagulha pode incendiar o País novamente.

Por enquanto, porém, as ruas vazias indicam que não há hoje o elemento catalisador que havia contra a presidente Dilma Rousseff: o escancaro da farsa populista do lulopetismo, com consequências diretas sobre a vida cotidiana das pessoas. Logo depois da reeleição de Dilma, ficou claro que a campanha da petista se baseou em mentiras sobre o real estado das contas públicas, maquiadas para lhe garantir o triunfo eleitoral. Os sonhos de um país que conseguia, pela mágica petista, desenvolver-se e ainda redistribuir renda revelou-se em pouco tempo um pesadelo de recessão, desemprego e miséria moral.

É claro que, em vista disso, os brasileiros não podiam ficar indiferentes. Para os grupos que organizaram as grandes manifestações em favor do impeachment, não foi difícil explicar aos cidadãos qual era o objeto de sua indignação e fazê-los sair de casa para apoiar sua causa.

Hoje, a causa não está clara. Embora a população manifeste seu descontentamento generalizado com os rumos do País, ao menos conforme as já citadas pesquisas, a economia começa a dar sinais de recuperação. A perplexidade nacional convive com a necessidade de tocar a vida adiante. Isso nada tem a ver com apatia, e sim com pragmatismo.

Por fim, mas não menos importante, muitos brasileiros não se dispõem a sair às ruas porque teriam de se alinhar aos petistas, cujos governos arruinaram a economia e abriram as portas à mais desbragada corrupção de que se tem notícia no País. Além disso, enquanto denunciam Temer como o artífice de uma ruptura democrática, os líderes petistas não se envergonham de apoiar ditaduras como a de Cuba e da Venezuela bolivariana. Não surpreende que os brasileiros, ainda que descontentes, tenham preferido o silêncio.

No fundo, a ausência de manifestações contra Michel Temer e contra o Congresso é uma boa notícia, pois, a despeito da persistente tentação populista, sinaliza aversão à aventura. Que os políticos tenham consciência disso e acelerem a aprovação das reformas, necessárias para devolver ao País a esperança de dias melhores.

Temer não se deixa abater como um cordeiro; os lobos ficam chateados, e os bobos, surpresos - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 04/08

Michel Temer não se deixou abater como um cordeiro. Sobreviveu, e bem!, à primeira porta estreita que lhe impôs uma forma sem dúvida peculiar de golpe. Os lobos estão chateados com o resultado. Há até os bobos que estão surpresos. Como me alinho com aqueles que acham que a política não é matéria nem para santos nem para demônios –o que exclui rituais sacrificiais–, o que vi foi o triunfo do real sobre projeções mentais pautadas ou pela ingenuidade ou pela má-fé.

A decepção em algumas áreas é compreensível. Afinal, certas vocações morais haviam vendido ou a seus fanáticos ou a seus clientes a lorota de que o presidente não resistiria. No fim de semana em que Temer viajou para a reunião do G20, há um mês, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi, na prática, nomeado presidente por setores da imprensa. Os mais afoitos já anunciavam seu ministério.

A política brasileira não é mesmo algo de que devamos nos orgulhar. Mas esperem: será a qualidade de seus críticos muito superior? Então o governo cuidou de liberar algumas emendas parlamentares e de preencher cargos no segundo e terceiro escalões de olho no resultado da votação? Uau! Digam-me: dado o tal "presidencialismo de coalizão", quando é que se agiu de modo diferente? Vou mais longe: não vejo mal nenhum em que o parlamentar, em períodos assim, busque destravar ou liberar o "recurso X", a que tem direito, dada a cota orçamentária para tanto. É claro que aumenta seu poder de pressão. E de troca.

Uma troca que, se feita, é absolutamente legal e legítima. Ou que se proponha o fim da fatia orçamentária que cabe a parlamentares, não sem antes indagar se isso eleva ou rebaixa o teor de democracia da política brasileira. Eu acho que rebaixa. Com efeito, 39 dos 40 deputados da CCJ que votaram a favor de Temer tiveram empenhados –empenho ainda não é gasto!– R$ 266 milhões em emendas entre junho e as duas primeiras semanas de julho. Ocorre que os 25 que queriam mandar o presidente para o patíbulo foram contemplados com R$ 135 milhões. Ao todo, em junho, o empenho ficou em R$ 1,8 bilhão. A fatia do Orçamento para esse fim é de R$ 6,3 bilhões.

Nesta quarta, diga-se, a estridente deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) vociferava contra Temer da tribuna. Mentiu sobre o passado ao afirmar que membros de seu partido deram a vida em favor da democracia –a mentira: não a "deram"; eles a dedicaram a uma ditadura comunista que não veio. E espancou o presente ao acusar o governo de comprar votos com liberação de verbas. Essa Alice é mesmo uma Rainha de Copas de araque!

Ela é uma das campeãs do "emendismo": R$ 10,5 milhões. Acho pouco provável que o presidente tenha decidido comprar os seus insultos.

Será que Dilma Rousseff só caiu porque, moralista máxima, se negou a trocar recursos legais por apoio? Querem saber? Essa conversa não faz sentido. A votação desta quarta opôs, sim, dois grupos. De um lado, estão os que, a 14 meses da eleição, resolveram investir no baguncismo institucional, certos de que a confusão e as águas turvas lhes trarão benefícios que, de outro modo, não virão. Do outro, reúnem-se os que entendem que a deposição do presidente conduz à desordem e ameaça as próprias instituições. Na raiz, noto, está uma penca impressionante de ilegalidades cometidas por delator, procurador-geral e relator, o que resultou numa denúncia inepta.

Não estou aqui a delimitar os respectivos territórios dos bons e dos maus. Não sou Deus. Há gente que presta e que não presta em ambos os lados. Prefiro o grupo que reúne decentes e vagabundos que não ameacem a ordem democrática. "E que tal um mundo só com decentes, Reinaldo?" Ah, eu topo! O chato, e a história o prova à farta, é que os candidatos a líder desse mundo são sempre... vagabundos!

Uma sugestão: presidente, não hesite em empregar as emendas, dado o Orçamento impositivo, da Emenda Constitucional 86, em favor da reforma da Previdência. Os santos vão reclamar. São do pau oco.