sábado, maio 20, 2017

A democracia sonhada pelo PT - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 20/05/2016

Nada muito diferente do que acontece em outros países latino-americanos. A Venezuela é um bom exemplo. Por sinal, uma vez Lula afirmou que preferia propaganda a notícias



O trecho que segue, extraído de uma das mais recentes resoluções aprovadas pelo comando nacional do PT, deixou perplexos chefes militares e políticos minimamente responsáveis (sim, eles existem, mas são poucos no Congresso):

“Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação”.

É a confissão de um projeto golpista. Ou não é? Vejamos.

Onde se leu: “impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal”, pode-se muito bem ler: controlar as ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que não são órgãos do governo, mas do Estado, dotados de autonomia garantida pela Constituição.

Onde se leu: “modificar os currículos das academias militares” e “promover oficiais com compromisso democrático e nacional”, pode-se muito bem ler: adequar os currículos das academias militares à ideologia do PT, interferindo no sistema de promoção das Forças Armadas para beneficiar oficiais comprometidos com tal ideologia.

O mesmo tipo de interferência serviria no Itamaraty para “fortalecer” sua “ala mais avançada”. Avançada no quê? Avançada em qual direção? Só poderia ser na direção julgada mais acertada pelo PT.

Por fim, onde se leu: “redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação”, pode-se muito bem ler: reduzir os gastos do governo com propaganda nos chamados grandes veículos de comunicação, priorizando aqueles alinhados com o projeto do PT de se eternizar no poder. De certa forma, isso já vinha sendo feito.

Diga-se a favor do PT que ele jamais escondeu sua pretensão de “regular os meios comunicação”, ou seja: de domesticá-los e de, com isso, limitar sua liberdade de informar e de criticar. Nada muito diferente do que acontece em outros países latino-americanos. A Venezuela “bolivariana” é um bom exemplo. Por sinal, uma vez Lula afirmou que preferia propaganda a notícias.

Mais uma vez a favor do PT, diga-se que o tratamento transparente conferido por ele a objetivos que se frustraram fará bem aos eleitores dispostos a conceder-lhe seu voto e àqueles igualmente dispostos a negar-lhe o seu. De resto, fará bem aos eleitores que votaram no PT apenas encantados com sua pregação por mais justiça social e mais democracia, sem se indagar sobre a natureza de tal democracia ao fim e ao cabo.

Ex-braço-direito de Janot atua em escritório que negociou leniência da JBS - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 20/05

O ex-procurador da República Marcelo Miller, um dos principais braços-direitos de Rodrigo Janot no Grupo de Trabalho da Lava Jato até março deste ano, passou a atuar neste ano no escritório que negocia com a Procuradoria Geral da República os termos da leniência do grupo JBS, que fechou acordo de delação premiada na operação.

A decisão de Miller de deixar o Ministério Público Federal para migrar para a área privada, que pegou a todos no MPF de surpresa, veio a público em 6 de março, véspera da conversa entre Joesley Batista e Michel Temer, gravada pelo empresário, no Palácio do Jaburu, que deu origem à delação.

Miller passou a atuar no escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados, do Rio de Janeiro, contratado pela JBS para negociar a leniência, acordo na área cível complementar à delação.

O acordo de delação de Joesley e dos demais colaboradores da JBS é considerado inédito, seja pelo fato de ser a primeira vez que foi utilizado o instituto da ação controlada na Lava Jato, seja pelos termos vantajosos negociados pelos delatores — que não precisarão ficar presos, não usarão tornozeleira eletrônica, poderão continuar atuando nas empresas e teriam, inclusive, anistia nas demais investigações às quais respondem.

A leniência, inclusive os valores que serão pagos pela JBS no Brasil e no exterior, ainda está em negociação.

A íntegra do acordo, com seus termos lavrados e homologados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e as assinaturas, ainda não veio a público, apesar de o ministro Edson Fachin ter levantado o sigilo da delação da JBS.

Marcelo Miller era um dos mais duros procuradores do Grupo de Trabalho do Janot, um núcleo de procuadores especialistas em direito penal recrutado pelo procurador-geral em 2013 para atuar na Lava Jato. Ex-diplomata do Itamaraty e considerado um dos mais especializados membros do MPF em direito internacional e penal, Miller esteve à frente de delações como a do ex-diretor da Transpetro Sergio Machado e do ex-senador Delcidio do Amaral.

Nos dois episódios foi usado o expediente que deflagrou a delação de Joesley: gravação feita sem o conhecimento de quem estava sendo gravado. No caso Delcídio, quem gravou foi Bernardo Cerveró, o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Sergio Machado gravou vários expoentes do PMDB e ofereceu as fitas à PGR, o mesmo que fez com que Joesley começasse a negociar a colaboração.

A Procuradoria Geral da República, procurada, afirma que Miller não participou da negociação da delação, e que existe inclusive uma cláusula de que ele não pode atuar pelo escritório nos acordos.

Temer foi vítima de uma trapaça - ROBERTO JEFFERSON

Isadora Peron, O Estado de S.Paulo - 

BRASÍLIA - Pivô do escândalo do mensalão, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, saiu nesta sexta-feira, 19, em defesa do presidente Michel Temer. Para Jefferson, Temer foi vítima de uma “trapaça” armada pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS.

No entendimento de Jefferson, o presidente não se comprometeu ao receber o empresário e manteve uma “conversa social” com Joesley. “Não se pode exigir do presidente uma conduta diferente da que ele teve. Ninguém teria uma conduta diferente. Foi uma conduta social adequada para a desagradável visita que recebeu”, disse.

Ele afirmou ainda que o PTB vai continuar na base do governo e que só não foi ao Palácio do Planalto dar um abraço em Temer porque está em Portugal.

O que o sr. achou da gravação entre Temer e o dono da JBS?

Uma trapaça. Uma trapaça. Uma coisa do pior gabarito. Não tem nenhum crime, o presidente não pediu para ninguém para fazer nada. Você ouve a gravação, duas, três, quatro, cinco vezes e vê nitidamente que é uma trapaça. Uma trapaça que tem, a meu ver, o objetivo de lucrar no mercado financeiro. Foi um ataque especulativo ao Tesouro nacional, à moeda nacional. Você joga a Bolsa para baixo e lucro US$ 400 milhões na subida de 8% que deu no dólar. Isso é uma trapaça.

Mas o presidente não deveria ter tomado alguma atitude diante da informação de que Joesley tinha relação com juízes e um procurador com o objetivo de obstruir ações da Justiça?

Mas o Temer agora é polícia? O Temer não tem que se meter nisso. Tem muita gente que conversa comigo, e eu digo que está tudo bem, o cara está falando, mas eu não estou entrando na conversa. Eu não vou dizer: “Cala a boca, senão eu mando te prender”. Você está ouvindo, está dizendo tudo bem, mas você não concorda, você está dando uma atenção social, mas não está se comprometendo moralmente com a pessoa. Uma coisa é você dar atenção social, outra coisa é você se comprometer moralmente.

Não houve nada de errado na conduta do presidente?

Ele deu uma atenção social, cumpriu uma agenda, aturou um cara, porque um homem desse você atura, você não tem prazer em receber...

O inquérito aberto contra Temer no Supremo Tribunal Federal (STF) pode influenciar no processo que pede a cassação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?

O TSE vai se tornar em um tribunal para punir as conversas do Temer? Todo mundo viu que foi uma trapaça. O cara tenta o tempo todo fazer o presidente falar algo errado, ele jogou o tempo todo. Eu ouvi três vezes a gravação. O cara tenta 40 minutos que o presidente dê uma escorregada, e o presidente não dá nenhuma escorregada.

E a parte em que eles falam do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). É certo o presidente dizer para que que o empresário continue ajudando o peemedebista, que está preso?

Cunha é uma cobra venenosa. Pode machucar a qualquer momento. Se sou eu, digo a mesma coisa. “Isso mesmo, ajuda o Cunha lá”.

Mas o presidente não vira cúmplice da armação ao fazer isso?

Cúmplice? Isso é uma interpretação que eu divirjo. Vai dizer não ajuda? Aí o Joesley, que é um trapaceiro, intrigueiro, vai lá no Cunha e diz: “Fui lá no presidente e ele falou para eu não te ajudar. E agora, o que nós vamos fazer?”

Então não há nada de errado nesse ponto da conversa?

Não se pode exigir do presidente uma conduta diferente da que ele teve. Ninguém teria uma conduta diferente. Foi uma conduta social adequada para a desagradável visita que recebeu. Ele não estava ali em uma agenda presidencial, foi uma agenda social, então socialmente ele falou o que tinha que falar, aquilo são saídas sociais. E, além disso, gravaram a agenda social do presidente, é um negócio terrível. Quem mandou gravar? O equipamento é oficial? É do Joesley? Ele foi como pau mandado? Ele foi fazer aquela trapaça com o presidente por encomenda judicial? Alguém do Judiciário pediu? É um negócio gravíssimo. É muito grave.

E o dinheiro entregue ao deputado Rodrigo Rocha Lures (PMDB-PR), que é um aliado muito próximo de Temer?

Rocha Lures fez o que ele queria fazer para ele mesmo... E, ao que me consta, ele só levou uma (mala com R$ 500 mil)? E as outras? Não eram semanadas de R$ 500 mil? Interrompeu por quê? Se era para mostrar a continuidade, porque não gravaram outras vezes, porque aí ficava uma prova consistente. Uma só não sustenta a versão.

O PTB continua na base do governo?

Claro. O presidente tem que retomar as reformas, com força. O nosso projeto é com o Brasil, o nosso compromisso é com o Brasil. As reformas precisam avançar, não dá mais para voltar atrás.

Mas a governabilidade não vai ficar comprometida? Já houve manifestações contra o presidente.

A população que quer que o Temer caia é a população do PT, é aquela faixa de eleitores do PT, dos fanáticos pelo Lula, porque a nossa gente, quem pensa o Brasil democraticamente, quer que as reformas avancem.


Mais uma vez, uma nau sem rumo? - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 20/05

Com uma elite cega à trama urdida por três grandes eleitores, o País não vai a lugar algum


Em 1985 apresentei à Comissão Afonso Arinos, da qual fazia parte, um diagnóstico da estrutura partidária brasileira. No ano seguinte a Editora Brasiliense publicou esse texto como um livrinho, intitulado Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o Caso Brasileiro.

Meu argumento era mais enfático, mas no essencial não diferia do antigo entendimento de que o Brasil não chegara a formar um sistema de partidos à altura de suas necessidades. Em perspectiva histórica e comparada – escrevi logo na primeira linha –, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário. O resultado de nossa descontínua história partidária, com poucas exceções, fora uma sucessão de sistemas frágeis e amorfos. E fui mais longe, afirmando que uma estrutura mais forte dificilmente se constituiria a partir de uma organização institucional que combinava o regime presidencialista com a Federação, um multipartidarismo exacerbado e um sistema eleitoral individualista, frouxo e permissivo. Para que a redemocratização chegasse a bom porto era, pois, imperativo adotar outro conjunto de incentivos, entre os quais o voto distrital misto.

A tese acima exposta não se firmou. Poucos anos mais tarde o meio acadêmico acolheu um entendimento precisamente oposto. Nossos partidos e balizamentos institucionais seriam perfeitamente adequados e não seria exagero dizer que se incluíam entre os melhores do mundo. Não representavam nenhum risco para a estabilidade democrática, muito menos para a governabilidade – ou seja, para a desejada eficácia na condução dos programas de governo. A tese da fragilidade partidária não passaria de um mito.

Relembrar essa discussão no momento atual é um exercício surrealista. Quem tem olhos de enxergar sabe que praticamente todos os partidos couberam no bolso de duas empresas, a Odebrecht e a JBS. Sabe que as duas não apenas obtinham quando queriam as leis e medidas provisórias (MPs) de seu interesse, como – e isto é muito mais importante – fábulas de dinheiro no BNDES, como viria a ocorrer no transcurso dos governos Lula e Dilma. As cifras, que à época o País desconhecia, eram (são) estonteantes. Ou seja, o cartel das empreiteiras, Eike Batista e os irmãos Joesley e Wesley mandavam muito mais do que centenas de deputados eleitos pelo voto popular. Em 2010, três grandes eleitores – Lula, Marcelo Odebrecht e o marqueteiro João Santana – substituíram-se à grande massa votante e enfiaram Dilma Rousseff pela goela abaixo dos brasileiros. O quadro acima se alterou graças a dois fatores principais: o instituto da delação premiada e a circunstância até certo ponto fortuita de o “mensalão” ter caído nas mãos de Joaquim Barbosa e o “petrolão”, nas do juiz Sergio Moro.

Como bem mostrou Fernando Gabeira no Estadão de ontem (19/5), o que ruiu não foi um ou outro partido, mas todo o sistema: “Todo o esquema político-partidário estava envolvido, por intermédio de suas principais siglas. A delação da JBS apenas confirmou o processo de decomposição irreversível” (grifo meu). Mais adiante, Gabeira pergunta se não será o caso de esquecermos a ideia de partido e passarmos a pensar em “movimentos”. Não sei o que isso significa, mas aqui já me afasto dele. Como também me afasto de toda cogitação sobre “democracia direta”, “conselhos populares” e assemelháveis. A democracia representativa é o único modelo sério e consistente de democracia que a História produziu e os partidos lhe são essenciais.

Admito, porém, que a “decomposição” a que Gabeira se refere já não pode ser resolvida por meio de uma reforminha política qualquer, como essas que o Congresso propõe um ano sim e o outro também, creio que com o saudável intuito de divertir a imprensa. O “povão” – aquele sempre acusado de “não saber votar” – não tem nada que ver com isso. Se o que lhe dão é o paternalismo do Bolsa Família, ele vota para mostrar gratidão pelo que lhe deram, e interesse em continuar recebendo tais migalhas.

O buraco é mais em cima. É a desorientação mental e política que grassa entre as “elites”, ou seja, entre os 20% mais escolarizados, com mais acesso à informação e de renda mais alta. No dia 29 de abril, milhões de brasileiros observaram, pasmos, a vetusta Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apoiar a contrafação de “greve geral” imposta ao País pelas centrais sindicais. Destas, realmente, é pouco o que se pode esperar, mas a CNBB tem o dever de expressar pelo menos os anseios da parcela católica da sociedade. Não creio que uma ação daquela ordem, baseada na supressão violenta do direito de ir e vir e em depredações, esteja entre tais anseios. Nas universidades e até no ensino médio, uma grande parte – talvez a maioria – dos docentes e discentes parece aferrada a chavões ideológicos decididamente peremptos.

Aí, a meu ver, é que está a raiz do problema. Podemos mudar as regras eleitorais quantas vezes quisermos, mas não sejamos ingênuos: não iremos a lugar algum se as elites dos diversos setores não assumirem suas responsabilidades. A referência que fiz acima à eleição de 2010 ilustra bem o que estou tentando dizer; com uma elite dessa ordem, incapaz de enxergar a trama urdida por três grandes eleitores, o Brasil não reencontrará o caminho do desenvolvimento econômico e político. Permaneceremos na condição de uma nau frágil, açoitada de quando em quando por violentas ventanias, por crises pré-fabricadas, desperdiçando o escasso tempo de que dispomos para aumentar a renda nacional e melhorar nossas condições sociais. Os 14,2 milhões de desempregados decididamente NÃO agradecem.

Um teste para o Brasil - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 20/05

O País vive o seu momento de maior instabilidade política desde a promulgação da Constituição de 1988



O País vive o seu momento de maior instabilidade política desde a promulgação da Constituição de 1988. À instabilidade e à incerteza quanto ao futuro que dela advém, soma-se ainda o clima anuviado, urdido – não é demais lembrar – pela incessante campanha petista pela cisão dos brasileiros entre “nós” e “eles”. Quando o salutar debate de ideias perde força porque os interlocutores são tratados como inimigos em potencial, está formado o meio de cultura ideal para o florescimento dos arautos do caos e da irresponsabilidade.

Os afoitos que propugnam a destituição de um governo antes que estejam reunidas as provas para além de qualquer dúvida razoável quanto à sua correção não atentam apenas contra um presidente, um partido ou a sociedade – o que já seria grave o bastante –, atentam contra a própria Constituição.

É importante resgatar uma lição de nossa História. A última gambiarra constitucional feita sob uma atmosfera de instabilidade política deu duramente errado. O arremedo de parlamentarismo instituído em 1961 – como solução de compromisso para viabilizar a posse de João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros – durou pouco mais de um ano. João Goulart articulou a volta do presidencialismo a fim de recuperar seu protagonismo político, o que ocorreu, de fato, em 1963. Sabe-se o que veio depois.

Não há a mais remota chance de uma intervenção militar nos dias de hoje. O general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército Brasileiro, veio a público – por meio de uma rede social – dizer que “a Constituição há de ser sempre solução a todos os desafios institucionais do País. Não há atalhos fora dela”. Portanto, este risco de quebra da ordem constitucional, felizmente, o País não corre mais. Mas há outros. Paira o risco dos messiânicos e dos salvadores da pátria. Paira o risco do populismo. Saídas extravagantes e casuísticas começam a ser discutidas ante a eventual hipótese de descontinuidade do governo do presidente Michel Temer.

Qualquer irresponsável que propuser ou defender uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altere os termos do artigo 81 e institua eleições diretas em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência a menos de dois anos do término do mandato estará propondo, na verdade, um golpe à ordem constitucional. Estará propondo, em última análise, um golpe contra a sociedade que se organizou em torno da Carta Magna em vigor, por meio de representantes legitimamente eleitos para um dos mais altos desígnios em um regime democrático. No caso de os termos do citado preceito constitucional não mais se coadunarem com os anseios da sociedade, eles podem e devem ser revistos, mas em um momento livre das paixões e dos interesses que, por ora, turvariam a visão daqueles designados para redigir sua alteração.

Em caso de um eventual afastamento do presidente Michel Temer, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, deve assumir a Presidência da República e Eunício Oliveira, presidente do Senado, deve convocar o Congresso Nacional para, em até 30 dias, eleger um novo presidente, que deverá governar o País até o dia 1.º de janeiro de 2019. É precisamente o que determina a Constituição.

Embora o noticiário dê conta de que o Estado foi tomado de assalto por interesses corporativos e a corrupção foi alçada a método de governo, não será o recurso a soluções esdrúxulas e milagreiras que propiciará o avanço institucional do País.

Este especial momento por que passa o Brasil representa um grande teste, não apenas para a vitalidade da Constituição, mas sobretudo para a própria disposição da sociedade brasileira de viver sob um regime constitucional democrático, de absoluto respeito aos ditames mais caros à democracia que a Carta Política apregoa, ainda que a ela se possa, pontualmente, fazer reparos. Afastar-se deste compromisso de observância coletiva aos mandamentos constitucionais significa o perigoso afastamento da própria essência da democracia em nome de soluções casuísticas, irrefletidas e, portanto, perigosas.

Uma vez confirmada edição da gravação, Janot e Fachin impichados - REINALDO AZEVEDO

REVISTA VEJA
Caso se confirme a adulteração, estamos diante de dois crimes: falsidade material, prevista nos Artigos 297 e 298 do Código Penal, e obstrução da Justiça
Se estiverem certos os peritos que asseveram à Folha que o áudio que registra a conversa entre Joesley Batista e Michel Temer sofreu mais de 50 cortes, estamos falando de dois crimes. Nesse caso, o sr. procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tem de ser alvo de um processo de impeachment no Senado. E aproveito para pedir também o de Edson Fachin, ministro do Supremo. Sim, explicarei as duas coisas. Até porque há uma diferença entre mim e “eles”: nunca me descuido da lei.

Fachin declarou que a gravação de Joesley é legal porque, afinal, seu conteúdo foi “ratificado e elucidado” em depoimento. É mesmo? Belo conceito de direito, que legítima a tortura caso se confirme, depois, que a realidade é compatível com a confissão do seviciado. O sol nas bancas de revista enchia Caetano de alegria e preguiça. Fachin só me enche de preguiça.

Insisto: um ministro do Supremo aceitou em juízo um elemento que ele sabe fatalmente ilegal: ou é ilegal porque gravações clandestinas não são aceitas em juízo (a não ser em circunstâncias que não estão dadas) ou é ilegal porque parte de um flagrante forjado.

Aí, algum recalcitrante do MST, amigo de Fachin, poderia dizer: “Ah, mas ele não decidiu com base na gravação, só na delação…”

É mesmo? Então decidiu que o presidente tem de ser investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça apenas em decorrência de depoimentos que listaram a bagatela de 1.890 políticos? E, pior, o faz asseverando a legalidade de um material que, sem edição, já seria ilegal?

E Janot?

Bem, dizer o quê? A fita foi editada pela Procuradoria Geral da República ou já chegou cheia de cortes às mãos do Ministério Público Federal?

É aceitável que o chefe do Ministério Público Federal peça a investigação de um presidente sem nem se ocupar em saber se existe ou não fraude no material que a justifica?

“Ah, mas o pedido foi feito com base em depoimentos também…” É? Porque será que Temer merece tanta celeridade quando se compara o caso com o de outros famosos? Com tal rapidez, a Lava Jato estaria bem mais adiantada.

Crimes
Caso se confirme a adulteração, estamos diante de dois crimes — e aí será preciso saber quem os cometeu: a: Falsidade material, prevista nos Artigos 297 e 298 do Código Penal:

Art. 297 – Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Artigo 298 – Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

b: obstrução da Justiça: eis aí! Esta, sim, é verdadeira caso se confirme a edição do material. Afinal, a coisa foi alterada. Quem o fez pretendia o quê? A resposta é óbvia: derrubar o presidente.

Já seria grave se o presidente tivesse sido alvo só de “Entrapment”, de uma cilada armada, de um flagrante forjado? Mas, e isto é espantoso, tudo indica que se trata de algo ainda mais grave.

Afirmei nesta quinta que seria necessário investigar a investigação. Confirmados os cortes, é a hora de um duplo impeachment no Senado: de Janot e de Fachin. As consequências de seus respectivos atos, ignorando o devido processo legal, são muito graves.