terça-feira, maio 16, 2017

Atos falhos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/05
Muito interessante notar que o ex-presidente Lula, por mais treinado que seja, não conseguiu, ou não pode, escapar de alguns atos falhos durante seu depoimento ao juiz Sergio Moro, o que lhe valerá novos processos. O mais espontâneo deles foi quando admitiu que discutiu com Léo Pinheiro e o engenheiro Paulo Gordilho, em seu apartamento em São Bernardo do Campo, a cozinha do sítio de Atibaia.

Lula disse que nem se lembrava da visita do empreiteiro a seu apartamento, “mas se os dois disseram que foram, devem ter ido”. Para escapar do tríplex do Guarujá, Lula enrolou-se com a cozinha: “Eu acho que eles tinham ido discutir a cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia. Eu acho”, disse Lula. Como o procurador insistiu em saber o tema do encontro, o ex-presidente foi enfático: “Apenas a questão da cozinha”.

O problema de Lula é que a cozinha do sítio é da mesma marca da do tríplex, e as duas foram compradas pela OAS, o que indica que as reformas dos dois foram mesmo feitas pela empreiteira, o que por si só já representaria aceitar favores indevidos de uma fornecedora do Estado.

Existem provas testemunhais aos montes demonstrando que o tríplex estava reservado para o ex-presidente e família, inclusive e principalmente o depoimento do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que afirmou que o tríplex foi descontado de uma espécie de conta corrente que a empreiteira mantinha em nome de Lula.

Os diversos e-mails entregues aos procuradores da Operação Lava-Jato indicam que as reformas foram feitas a pedido de dona Marisa, tanto no sítio de Atibaia quanto no tríplex. São funcionários que trabalhavam no assunto e recebiam orientação para acertar com “a madame” as reformas.

O ex-presidente Lula teve que admitir dois encontros com seus delatores, apenas adocicou as versões. Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT, dissera em seu depoimento que foi convocado para um encontro com o ex-presidente em um hangar no aeroporto de Congonhas, ocasião em que Lula o interpelou sobre se teria uma conta na Suíça com o dinheiro desviado das obras da Petrobras.

A então presidente Dilma havia sido informada disso e estaria preocupada. Duque tinha, mas garantiu ao ex-presidente que não, e Lula, a Moro, disse que se satisfez com a negativa. Por essa versão ingênua, Dilma estava preocupada com a corrupção na Petrobras, e Lula convenceu-se de que não havia corrupção, já que Duque não tinha conta na Suíça.

Em outro depoimento, a mulher de João Santana disse que a presidente a alertou que as contas na Suíça eram facilmente rastreáveis, e sugeriu que mudassem o dinheiro para Cingapura. O empreiteiro Marcelo Odebrecht já a havia avisado que o governo brasileiro deveria impedir que a Operação Lava-Jato firmasse acordo com o governo da Suíça para rastrear suas contas, e advertiu que sua campanha seria contaminada. No celular, anotou: “Se eu caio, ela cai”.

Na versão de Renato Duque, Lula no encontro no hangar de Congonhas ainda o advertiu: “Presta atenção no que eu vou te dizer: Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome, entendeu?” Outros dois encontros no mesmo dia em horários diferentes, com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, e Léo Pinheiro, da OAS, estavam na agenda oficial de Lula e ele teve que confirmá-los.

No relato de Pinheiro, nesse encontro em junho, o presidente textualmente fez a seguinte pergunta: “Léo, o senhor fez algum pagamento a João Vaccari no exterior?” Eu (Léo) disse: “Não, presidente, nunca fiz pagamento a essas contas que nós temos com Vaccari no exterior.” (Lula): “Como você está procedendo os pagamentos para o PT?” (Léo) “Estou fazendo os pagamentos através de orientações do Vaccari de caixa dois, de doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal”. (Lula): “Você tem algum registro de algum encontro de contas feitas com João Vaccari com vocês? Se tiver, destrua”.

Lula mais uma vez negou que tivesse instruído Léo Pinheiro a destruir provas, mas confirmou o encontro. Por essas contradições e indícios, considerados “provas indiciárias”, os procuradores querem abrir um novo processo sobre obstrução da Justiça contra Lula. Já existe um com o mesmo objetivo em Brasília, mas em outro caso, o de Nestor Cerveró.

O ex-senador Delcídio Amaral revelou em delação premiada que foi Lula quem organizou a tentativa de evitar que o ex-diretor da Petrobras fizesse uma delação premiada. As histórias todas se encaixam e formam um quadro fechado sobre a atuação do ex-presidente contra as investigações da Lava-Jato.

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