sábado, abril 29, 2017

Ensino pago - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 29/04

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora


Acolhendo recurso impetrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 9 votos contra 1, que as universidades públicas podem cobrar mensalidade nos cursos de pós-graduação lato sensu. Esses cursos são de especialização e se destinam a profissionais que desejam qualificar-se para o mercado de trabalho. Não se confundem com os cursos de pós-graduação stricto sensu, que são destinados à formação de professores e pesquisadores, concedendo os títulos de mestre e doutor.

Como a decisão tem repercussão geral, ela valerá para 51 outras ações idênticas que tramitam nas diferentes instâncias do Judiciário. Também confere segurança jurídica às universidades públicas que investiram na pós-graduação lato sensu, como é o caso da USP, da Unicamp e da Unesp. Juntas, as três universidades públicas paulistas oferecem atualmente 501 cursos de especialização e de MBA, com 30,5 mil estudantes matriculados. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esses cursos são oferecidos há 50 anos, nas áreas de engenharia e negócios.

O caso foi parar na mais alta Corte do País porque o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região acolheu ação interposta por um estudante que alegava que a Constituição dá o mesmo tratamento às atividades de ensino, pesquisa e extensão e assegura a gratuidade de todos os cursos oferecidos pelas universidades públicas. Com base nesse argumento, o TRF da 1.ª Região proibiu a UFG de cobrar mensalidade num curso de pós-graduação lato sensu em direito constitucional. O relator do caso, Edson Fachin, que também leciona numa universidade federal, discordou desse entendimento e afirmou que a Constituição não apenas diferencia ensino e pesquisa, como também não incorpora na pós-graduação convencional, que é obrigatoriamente gratuita, os cursos de extensão (que incluem os de lato sensu).

“A Constituição é clara. Ela permite que as universidades públicas possam contar, em alguns casos, com recursos de origem privada. No âmbito de sua autonomia didático-científica, é possível às universidades públicas regulamentar as atividades destinadas preponderantemente à extensão sem ferir a legislação, sendo-lhes possível assim instituir a cobrança de tarifas e atuar em regime de colaboração com a sociedade civil”, afirmou Fachin.

Para as universidades públicas, que estão atravessando uma profunda crise financeira motivada também pela queda da receita fiscal da União e dos Estados, a decisão do Supremo não poderia ter vindo em melhor hora. Ampliar a oferta de cursos de especialização e MBA é o modo que elas têm para obter receitas extras e usá-las no financiamento de programas de inclusão social, na manutenção da infraestrutura e no pagamento das despesas de custeio, como energia, água, telefonia e segurança.

Como esses cursos são baratos e de boa qualidade, pois os professores são os mesmos da graduação e da pós-graduação stricto sensu, eles têm uma alta demanda. Em 2014, a USP arrecadou R$ 55 milhões com a cobrança de mensalidades na pós-graduação lato sensu. Em 2016, a Unicamp teve uma receita extra de R$ 20,5 milhões. “As unidades que arrecadam recursos com esses cursos desoneram seu orçamento. Com isso, sobram mais recursos”, diz Vicente Ferreira, diretor da Coppead/UFRJ, um dos mais respeitados cursos de administração do País.

Além das universidades privadas, que reclamam da concorrência, os únicos focos de oposição ao aumento da oferta de cursos de especialização pelas universidades públicas se encontram em entidades estudantis e sindicatos de funcionários técnico-administrativos. Para eles, a pós-graduação lato sensu subordinaria as universidades à lógica do mercado. A crítica não procede. Como os cursos de especialização não estão entre os fins precípuos da universidade pública, nada impede que sejam pagos, diz a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader (SBPC). No que tem toda razão.

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