sexta-feira, março 17, 2017

Prevendo o desastre - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de SP - 17.03

SÃO PAULO - Dezenas de milhares foram às ruas contra a reforma da Previdência. Na ponta do lápis, eu também deveria ser contra. Já passei dos 50 e, portanto, estou "quase lá". É improvável, ainda, que o sistema quebre nos próximos 30 ou 35 anos, de modo que um eventual colapso não me afetaria diretamente.

Quanto a meus filhos, que poderiam, sim, ser prejudicados pela inação, estou lhes dando uma educação que permitirá que busquem uma carreira fora do Brasil, se o país insistir em marchar voluntariamente para a inviabilidade. Mas, por motivos que transcendem a pura racionalidade, eu não quero que o Brasil fracasse, mesmo que já não esteja neste mundo para testemunhá-lo.

A discussão da Previdência é, no fundo, simples. Lá no início, adotamos o sistema de repartição simples, pelo qual são os trabalhadores em atividade e os contribuintes que arcam com as despesas das aposentadorias dos idosos e as pensões. É um sistema que pode dar-se ao luxo de ser generoso enquanto houver muitas crianças nascendo, precisa ir se tornando mais cauteloso (quase avarento) à medida que a população envelhece, e fica perigosamente perto da inexequibilidade quando a fecundidade cai muito e já não repõe a PEA (população economicamente ativa).

O Brasil já deixou de ser um país que produz muitos jovens e caminha rapidamente para ser um que gera muitos velhos. A taxa de fecundidade caiu de 6,28 filhos por mulher em 1960 para 1,72 em 2015 —o que é menos do que o necessário para manter a população constante. Nesse meio tempo, a proporção de idosos (mais de 60 anos) passou de 4,7% da população para 14,3%. E as projeções não indicam nenhum alívio à frente.

Nada contra buscar mais recursos para o INSS, mas não vislumbro crescimento econômico, maior formalização ou aumento de tributos que dê conta do tsunami demográfico que já está contratado. Ou fazemos uma boa reforma, ou não vai dar.

segunda-feira, março 13, 2017

Erotização e gravidez precoce - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 13/03

A raiz do problema está na onda de baixaria que tomou conta do ambiente nacional


O leitor é o melhor termômetro para medir a temperatura do cidadão comum. Tomar o seu pulso equivale a uma pesquisa qualitativa informal. Aos que há anos me honram com sua leitura neste espaço opinativo transmito uma experiência recorrente: família, ética e valores aumentam o índice de leitura. Dão ibope. Há uma forte demanda de pautas positivas. As pessoas estão cansadas do bombardeio politicamente correto. Querem reflexão aberta, sem tabus ideológicos.

Em recentes artigos tratei da crise da família. Recebi muitos e-mails, sem dúvida uma sugestiva amostragem de opinião pública, sobretudo considerando o rico mosaico etário, profissional e social dos remetentes.

Neste Brasil sacudido por uma brutal crise ética, alimentada pelo cinismo dos homens públicos e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridade, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizada com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalistas, devemos escrever para a classe média. Nela reside o alicerce da estabilidade democrática.

Escreva algo, sublinhavam alguns dos e-mails que recebi, a respeito da desorientação da juventude. Meu artigo de hoje, caro leitor, foi pautado por você. Tomarei como gancho um dado objetivo e preocupante.

Adolescentes deram à luz 431 mil bebês em 2016, o equivalente a 21% dos nascimentos no ano no Brasil. A gravidez precoce é hoje no Brasil a maior causa da evasão escolar entre garotas de 10 a 17 anos. Estudo do Ipea aponta que 76% das mães brasileiras de 10 a 17 anos não estudam e 58% não estudam nem trabalham. Outros estudos revelam que complicações decorrentes da gestação e do parto são a terceira causa de morte entre as adolescentes, atrás apenas de acidentes de trânsito e homicídios. A gravidez afeta até quem mal saiu da infância.

A gravidez precoce realmente se está tornando um grande problema na educação. Crianças condenadas a não estudar. Horizonte cruel. Futuro triste. Cenário complicado. Mas dramaticamente coerente com um país em que o ministro mais importante não é o da Educação ou da Saúde, mas o da Fazenda.

É um absurdo acreditar que uma criança vá ter maturidade para ter um filho com essa idade. Pregar a abstinência sexual de meninas de 10 a 14 anos não significa ser moralista ou careta, mas responsável. Não se trata de histeria conservadora, mas de bom senso.

A culpa não é só do entretenimento permissivo ou da TV, que frequentemente apresenta bons programas. É de todos nós – governantes, formadores de opinião e pais de família –, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes. Reportagens denunciando redes de prostituição infantil, algumas promovidas com o conhecimento ou até mesmo com a participação de autoridades públicas, crescem à sombra da impunidade.

O governo, assustado com o crescimento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, investe pesadamente nas campanhas em defesa do preservativo. A estratégia não funciona. E não funcionará. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. A raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em certas falanges politicamente corretas, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias o sexo é guindado à condição de produto de primeira necessidade.

Atualmente, graças ao impacto da TV e da internet, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que os adultos de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para que se possam prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. Com o apoio das próprias mães, fascinadas pela perspectiva de um bom cachê, inúmeras crianças estão sendo prematuramente condenadas a uma vida “adulta” e sórdida.

Promovidas a modelos, e privadas da infância, elas se estão comportando, vestindo, consumindo e falando como adultos. A inocência infantil está sendo impiedosamente banida. Por isso, a multiplicação de descobertas de redes de pedofilia não deve surpreender ninguém. Trata-se, na verdade, das consequências criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenimento.

Se quisermos um entretenimento de qualidade, precisamos separar o exercício da liberdade de expressão da prática do entretenimento mundo-cão. Há uma liberdade de mercado que produz um mercado da liberdade. De resto, mesmo que exista uma demanda de vulgaridade e perversão, deve-se aceder a ela?

Suponhamos que exista um público interessado em abuso sexual de crianças, assassinatos ao vivo, violência desse tipo. Nem por isso a TV deveria ter programas especializados em pedofilia e assassinatos. O mercado não é um juiz inapelável. Não se deve atuar à margem dele, mas tampouco se pode sobrevalorizá-lo.

As campanhas de prevenção da aids e da gravidez precoce batem de frente com novelas e programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituição infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuidade que está aí. Sem nenhum moralismo, creio que chegou a hora de dar nome aos bois, de repensar o setor de entretenimento e de investir em programação de qualidade.

O Brasil, não obstante suas dramáticas chagas sociais, políticas e econômicas, é uma nação emergente. É, sem dúvida, bom de samba. Mas é muito mais que o país do gingado e do carnaval.

O verdadeiro legado de Lula - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 13/03

Lulopetismo deixou para o País a pior recessão econômica desde 1948, quando o PIB passou a ser calculado pelo IBGE, e uma rede de corrupção sem precedente.



No mesmo dia em que tomou conhecimento do escabroso volume de dinheiro sujo usado pela Odebrecht para, no dizer do ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “apropriar-se do poder público”, o País foi apresentado ao resultado negativo do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016. Poderiam ser dois dados estanques que apenas por uma infeliz coincidência vieram à luz ao mesmo tempo. Mas não são. Está-se diante do mais eloquente painel do desastre que representou o governo do ex-presidente Lula da Silva, um tétrico quadro dos males infligidos aos brasileiros pelo lulopetismo.

É este o verdadeiro legado de Lula – a pior recessão econômica desde 1948, quando o PIB passou a ser calculado pelo IBGE, e uma rede de corrupção sem precedentes, cuja voracidade por dinheiro público parece não ter deixado incólume sequer uma fresta do Estado Democrático de Direito.

Em depoimento prestado ao TSE no processo que apura o abuso de poder econômico da chapa Dilma-Temer na última eleição presidencial, Hilberto Mascarenhas Filho, ex-executivo da Odebrecht, afirmou que entre 2006 e 2014 a empreiteira destinou US$ 3,4 bilhões – mais de R$ 10 bilhões – para o financiamento de campanhas eleitorais por meio de caixa 2 e para o pagamento de propinas, no Brasil e no exterior, como contrapartida ao favorecimento dos negócios da empresa por agentes públicos.

Igualmente grave foi a divulgação da queda de 3,6% do Produto Interno Bruto no ano passado, embora este resultado já fosse previsto pelo mercado. Em 2015, a retração da atividade econômica havia sido ainda mais expressiva – 3,8% –, de modo que os dois últimos anos representaram um encolhimento de 7,2% da economia brasileira. Considerando o crescimento da população no período, em média, os brasileiros ficaram 11% mais pobres no último biênio.

Alguns analistas atribuem parte da responsabilidade pelo resultado negativo de 2016 ao presidente Michel Temer, tendo-se em vista que em maio do ano passado ele assumiu o governo após a aceitação, pelo Senado, da abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. É caso de desinformação, uma absoluta ignorância da dimensão do dano causado às contas públicas por seus antecessores, ou simplesmente malícia. Aqueles que não deixam a catarata ideológica obnubilar a clareza dos números não têm maiores dificuldades em responsabilizar os que, de fato, devem ser responsabilizados. A profunda crise econômica por que passa o País é resultado direto da mais nociva combinação de atributos que pode se esperar em um governante: inépcia e má-fé.

Lula é corresponsável pelos crimes cometidos por Dilma Rousseff, que, com justiça, lhe custaram o cargo. Mais do que uma escolha, Dilma foi uma imposição de Lula ao PT como a candidata do partido nas eleições de 2010. Jactava-se Lula de ser capaz de “eleger até um poste”. De fato, elegeu um, que tombou deixando um rastro de destruição.

Estivesse verdadeiramente imbuído do espírito público que anima os estadistas que escrevem as melhores páginas da História, Lula poderia ter conduzido o País na direção daquilo que por muito tempo não passou de sonho. Nenhum governante antes dele reuniu apoio popular, apoio congressual – hoje se sabe a que preço –, habilidade política e uma conjuntura internacional favorável, tanto do ponto de vista macroeconômico como pessoal. O simbolismo de sua ascensão ao poder era, a priori, um fator de boa vontade e simpatia. Todavia, apresentado aos caminhos históricos que poderia trilhar, Lula optou pelo próprio amesquinhamento, para garantir para si, sua família e apaniguados uma vida materialmente confortável.

Cada vez mais enredado na teia da Operação Lava Jato, Lula apressa-se em lançar sua candidatura à Presidência em 2018. Como lhe falta a substância da defesa jurídica bem fundamentada – tão fortes são os indícios de crimes cometidos por ele apurados até aqui –, resta-lhe o discurso político como derradeiro recurso.

Se condenado em segunda instância, Lula ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Mas se o tempo da Justiça não for o tempo da próxima eleição, que a retidão dos brasileiros genuinamente comprometidos com a construção de um País melhor seja implacável no julgamento das urnas.

domingo, março 12, 2017

A cobrança dos netos - CELSO MING

ESTADÃO - 12/03

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo; a definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível

A reforma da Previdência Social é inevitável e inexorável, mas será incompleta.

Além disso, enfrenta grave potencial de conflito entre gerações e algumas grandes contradições. O que deixar de ser feito agora será dolorosamente cobrado no futuro, porque a conta será descarregada sobre os que vêm vindo aí.




Infográficos/Estadão

Se essa reforma ficar apenas no cosmético e nas gambiarras, a atual geração corre o risco de ser acusada de egoísmo, de excessivamente acomodada e de falta de compromisso com filhos e netos. Quanto maior for o rombo futuro da Previdência, tanto maior será o tamanho da conta a ser descarregada sobre os que estiverem começando.

A definição de um limite de idade é tecnicamente imprescindível. Mas enfrenta uma contradição. Quanto mais tempo tiver de esticar sua vida ativa para fazer jus ao benefício da aposentadoria, tanto mais o trabalhador manterá fechada sua vaga para os que vêm depois. Em outras palavras, o aumento do limite de idade tende, por esse lado, a contribuir para o desemprego entre os mais jovens.

Essa conclusão não pode ser absolutizada porque, entre os problemas permanentes do mercado de trabalho em quase todos os setores, está a baixa oferta de emprego para os cinquentões. Esse é fator que tira importância à contradição anterior, mas leva a outra. Se não encontrar emprego depois dos 50 anos e tiver de esperar até os 65 anos para se aposentar, o trabalhador terá dificuldade em honrar sua contribuição para a Previdência e, nessas condições, não ajudará a cobrir o déficit.

Há quem argumente que essa faixa etária tende a migrar para o trabalho autônomo, especialmente para o setor de serviços. É o caso do metalúrgico que vira motorista do Uber ou o da funcionária de indústria têxtil que passa a vender cosméticos de porta em porta.

O problema aí é que, mesmo que esses autônomos garantam o pagamento da própria contribuição mensal para o INSS, ficará faltando a parte da empresa na cobertura do rombo.

Não é apenas o envelhecimento da população e outros determinismos demográficos (veja o gráfico) que vêm sabotando o esquema convencional de financiamento da Previdência. A radical metamorfose do emprego também contribui para isso. Toda atividade econômica enfrenta hoje revolução tecnológica altamente poupadora de mão de obra.




Infográficos/Estadão

A inteligência artificial, a internet das coisas, a tecnologia da informação e toda a parafernália digital vieram para ficar e por onde ficam fecham empregos. São os bancos que transformam celulares e iPads em agências bancárias; são as vendas do comércio pela internet que dispensam instalação de lojas e contratação de vendedores; é a nova arrumação da produção e a automação industrial que levam as empresas a operar com uma fração do contingente de funcionários com que operavam antes.

Ou seja, embora inevitável para conter a trajetória em direção à insolvência, a reforma da Previdência que vem aí será necessariamente insatisfatória. No dia seguinte à sua aprovação pelo Congresso, será necessário começar a pensar nas etapas seguintes, de maneira a não deixar as novas gerações na rua da amargura.


Na corte do Rei Artur - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 12/03

Janot decidiu não quebrar o sigilo da ação internacional da Odebrecht: é o que dizem os jornais



As revelações dos dirigentes da Odebrecht inauguram a fase da tsunami que deverá levar o Brasil a reformar seu sistema político. Não podia dar certo. A Odebrecht deu R$ 10,5 bilhões aos políticos. De um modo geral, ela ganha quatro vezes o valor de suas propinas. Uma só empresa, portanto, deve ter faturado R$ 42 bilhões de vantagem nessas operações. Janot decidiu não quebrar o sigilo da ação internacional da Odebrecht: é o que dizem os jornais. Isso esconderia um pedaço do Brasil por algum tempo.

É um pedaço tão sinistro que, no futuro, de alguma forma, o país terá que se desculpar por ele. Interferência em seis processos eleitorais estrangeiros, compra de ministros e até de presidentes, como no Peru — tudo isso é um escândalo sem precedentes. Ele vai se tornar muito mais grave se concluirmos que a Odebrecht foi financiada pelo BNDES. A corrupção no continente e na África era movida com dinheiro oficial, um eufemismo para dinheiro do povo.

Os danos à imagem do Brasil, infelizmente, não se esgotam nessa trama que Janot, aparentemente, quer manter em sigilo. O jornal “Le Monde”, numa reportagem de grande repercussão, afirmou que o Brasil teria comprado a escolha do Rio para a Olimpíada. Um empresário brasileiro depositou cerca de US$ 1,5 milhão na conta de um dirigente do COI. Nesta semana, um dos envolvidos no episódio, Frank Fredericks, pediu demissão. Ele monitorava o sorteio e levou US$ 300 mil. O mais interessante da história é o personagem que surgiu como o corruptor ativo, o empresário brasileiro Arthur César de Menezes Soares Filho, velho conhecido da política fluminense: o Rei Artur. Ele era dono da Facility e tinha amplos negócios com o governo Cabral. Eram amigos. Lá fora, isso não importa. O que as pessoas guardam é a ideia de que o Brasil comprou a Olimpíada.

Se chamo a atenção para as manchas na imagem do país é porque realmente me sinto um pouco confuso sobre o país em que estou vivendo. Em 1949, os norte-americanos fizeram um filme chamado “Na corte do Rei Artur”. É a história de um mecânico que leva um golpe na cabeça e acorda na corte do Rei Artur, no século XVI, e se apaixona por Alessandra. São os artifícios da máquina do tempo. Agora, levamos uma pancada na cabeça e acordamos na corte do Rei Artur, uma versão pós-moderna na qual o melhor amigo do rei é, na verdade, o Tio Patinhas, Sérgio Cabral, que estocava dinheiro, joia, ouro, diamante, quem sabe um dia para despejá-los em sua piscina de Mangaratiba.

Sempre se falou no Rei Artur e em seus negócios escusos. Mas comprar uma Olimpíada é algo que surpreende pela audácia, assim como surpreende pela audácia a fortuna de seu amigo, que considerávamos apenas um corrupto de médio porte. Nesse livre devaneio, a corte do Rei Artur se estende por todo o país. Levamos uma pancada na cabeça e constatamos que o sistema partidário brasileiro está em vias de desaparecimento.

Marcelo Odebrecht, bobo da corte? É um luxo mesmo para um lugar com tanta esperteza. Literalmente, essas empresas devem ter roubado do Brasil o valor do déficit orçamentário deste ano, R$ 139 bilhões. Associadas a um governo corrupto, roubaram tudo o que podiam aqui e, com uma parte do dinheiro, foram comprar autoridades lá fora. E como se não bastasse, o tronco fluminense teria comprado uma Olimpíada, uma festa internacional teoricamente voltada a estimular valores éticos e fraternidade entre os povos.

Finalmente roubaram também a limpidez da imagem do país no exterior. Esse sistema político partidário está pela hora da morte. A insistência da esquerda em negar o gigantesco processo de corrupção e o papel de Lula no seu comando é um dado imutável, mas, ao mesmo tempo, decisivo para as eleições de 2018. A autocrítica é uma saída que poderia fortalecer a esquerda a longo prazo, mas a tiraria do páreo. Por outro lado, o confronto com a avalanche de dados que surgem das delações e documentos é um caminho masoquista que vai arrasá-la ainda mais.

Apesar da pancada na cabeça que me levou à corte do Rei Artur, creio que posso imaginar paisagem depois da batalha ao acordar desse golpe. Passada a tsunami, o sistema partidário será levado na enxurrada ou terá de se abrigar em patamares éticos mais elevados, através de uma reforma.

E as eleições presidenciais brasileiras podem tomar, por caminhos diferentes, o mesmo rumo da francesa. Pela primeira vez, a tradicional alternativa esquerda-direita não irá ao segundo turno.

O chamado momento pós-ideológico não significa o fim do populismo, pois na França, assim como nos Estados Unidos, ele assume outras formas, canaliza o ressentimento popular e torna-se um dos atores principais do processo.

No filme “A corte do Rei Artur”, o mecânico americano Frank Martin, de Connecticut, termina pedindo reformas no reino. Aqui, além de reformas, algumas prisões são necessárias, inclusive a do próprio rei.

CLT é uma fábrica de conflitos judiciais - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/03
O resultado de se manter uma legislação trabalhista arcaica e onerosa é o desestímulo ao emprego formal e o incentivo a um improdutivo contencioso jurídico


Desembarcar de forma desavisada no longo debate que se trava sobre a modernização da anacrônica legislação trabalhista pode levar a equívocos. Motivos para atualizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não faltam. Na sua essência, trata-se de uma legislação forjada na década de 40, no Estado Novo de Getulio, inspirada no controle da sociedade pelo fascismo de Mussolini.

Assim tem sido, mesmo que o Brasil pouco industrializado daquela época haja mudado de patamar de desenvolvimento — e também de problemas. O próprio avanço econômico e a urbanização do pós-guerra teriam de levar a adaptações naquele modelo paternalista e, com o passar do tempo, desincentivador do emprego formal. Não foram feitas reformas de peso, e, para tornar tudo mais difícil nas relações trabalhistas, a revolução da microeletrônica e a internet, bases da fragmentação das linhas de produção, pulverizaram o que restava da ideia de emprego embutida na CLT, sob a proteção do Estado. Eis por que a legislação trabalhista foi convertida numa usina de litígios, dada a sua inadequação crescente à forma como funcionam os mercados globalizados. Mesmo com Trump na Casa Branca.

Apenas no ano passado, a Justiça Trabalhista — inexistente em vários países — recebeu 3 milhões de novas ações, estatística impulsionada pelo desemprego. Com uma CLT arcaica tudo pode justificar uma reclamação trabalhista, e sempre haverá um escritório de advocacia especializado em arrancar um acordo com o patrão e uma indenização com deságio, parte da qual remunerará advogados. É uma indústria rentável. Por isso, segundo o sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho, o Brasil é campeão mundial de processos trabalhistas.

Mas todo este aparato criado para supostamente defender o assalariado não consegue obter, por exemplo, o que os trabalhadores chineses têm conseguido em um país sem a miríade de direitos incluídos na CLT: os salários chineses triplicaram na última década; o pagamento por hora já é maior que o praticado em toda a América Latina, com exceção do Chile. E já representa 70% da remuneração salarial nas economias menores da zona do euro. Por exemplo, Portugal. Não se sustenta, portanto, o argumento de que a regulação excessiva do mercado de trabalho ajuda o emprego e a melhoria de remuneração. É o oposto. Outra prova disso é que, enquanto o salário dos chineses tem subido, o dos brasileiros e argentinos — dois dos mais “protegidos” assalariados — tem caído. Também em função dos equívocos das políticas econômicas kirchneristas e lulopetistas, ambas intervencionistas.

É por isso que há inclusive segmentos do sindicalismo a favor da proposta de reforma pela qual, com a exceção de certos itens da CLT, questões acertadas entre as partes serão aceitas pelos tribunais trabalhistas, independentemente da legislação. Será um choque de bom senso.

O erro de antecipar o processo eleitoral - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 12/03

Movimentação tão antecipada tem um efeito certo: a desvalorização do exercício da Presidência da República até o final de 2018



É compreensível que Lula da Silva queira antecipar o processo eleitoral de 2018, manifestando desde já sua disposição de concorrer uma vez mais à Presidência da República. Com tal gesto, o ex-presidente evidencia o duplo desespero que o move: o medo de ser condenado e preso e o temor de ver extinto o seu partido político, afogado no mar de lama que ele mesmo criou.

É estranho, no entanto, que essa antecipação do processo eleitoral também esteja sendo promovida por políticos que fazem parte da base aliada do governo federal. Recentemente, o governador Geraldo Alckmin afirmou sua pretensão de ser candidato à Presidência da República, ressaltando o óbvio: que a efetivação desse desejo depende da vontade do partido. Já tem ao menos um aliado para seu objetivo, pois, no mesmo dia, o prefeito João Doria disse que o governador de São Paulo é seu candidato ao Palácio do Planalto em 2018.

Essa movimentação tão antecipada – faltam ainda 19 meses para as eleições – tem um efeito certo: a desvalorização do exercício da Presidência até o final de 2018. Será esse o objetivo de tanto açodamento? Ainda há muito a se fazer para que o País comece a discutir os nomes de quem poderá estar no governo em 2019. Há uma grave crise social e econômica a ser enfrentada. Há importantes reformas a serem votadas. Agora, o que importa ao País não é 2018 – é o presente.

Há, no entanto, políticos que parecem ter dificuldade em compreender as circunstâncias do País e suas atuais batalhas, mais se preocupando – assim denotam algumas de suas palavras – em garantir uma vaga nas inscrições para a corrida presidencial. É natural que, numa democracia, os políticos se preocupem com as eleições seguintes. Mais do que uma questão de simples sobrevivência pessoal, trata-se de uma legítima e necessária preocupação com a continuidade das ideias e ideais políticos de seus eleitores.

O problema ocorre quando a preocupação com as eleições solapa as batalhas presentes. O dever fundamental da base aliada do governo é apoiar o presidente Michel Temer em seu compromisso de levar adiante as reformas de que tanto o País necessita. Quando, nas vésperas da votação da reforma da Previdência, alguns políticos ensaiam uma antecipação do processo eleitoral estão de fato, qualquer que seja sua intenção, diminuindo o presidente da República.

Mais do que representar um caso de enfrentamento pessoal – o que já seria grave –, a antecipação do processo eleitoral prejudica o atual andamento das reformas no Legislativo. Tal movimento faz parecer que o País vive tão somente um mandato presidencial tampão, simplesmente a preencher uma lacuna temporária até 2019. Entende-se que o PT, em seu desespero, pretenda dar ao mandato de Michel Temer esse enquadramento. O que não se entende é que a base aliada atue com semelhantes modos.

Tal postura não significa “apenas” uma desunião na base aliada, o que já seria grave, pois atrapalharia o governo em sua obrigação de tirar o País da crise. Ela manifesta uma perigosa cegueira a respeito da realidade do governo de Michel Temer.

Não se trata de uma questão de afinidade política reconhecer que o atual governo não é meramente um governo-tampão. Basta simplesmente um breve repasse no conjunto das ações já tomadas e nas medidas propostas pelo Palácio do Planalto nesse período de menos de um ano para perceber que há um governo disposto a pôr o País nos trilhos.

Constatar o compromisso do atual governo com as reformas não significa esconder eventuais equívocos cometidos pelo Palácio do Planalto. Há erros não pequenos, que merecem pronta correção. Nada disso, porém, legitima uma atuação que beira a irresponsabilidade, especialmente nesses momentos decisivos para o País, quando, depois de muito tempo, reformas importantes estão em debate.

Fossem os políticos envolvidos no episódio menos experientes, até caberia classificar seu açodamento como ingenuidade. No entanto, são eles bem curtidos na lide do jogo político, conhecendo como poucos as consequências políticas de seus atos e de suas palavras.

Gastos previdenciários no Brasil são altos na comparação com OCDE - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 12/03

O quadro representa o gasto previdenciário para diversos países. Os dados foram obtidos no site da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No eixo horizontal, está representada a razão de dependência de diversas sociedades. Trata-se da razão entre a população com 65 anos ou mais e a população economicamente ativa, isto é, com idade entre 20 e 64 anos.

No eixo vertical está representado o gasto do setor público com aposentadorias e pensões de servidores e trabalhadores do setor privado, além de benefícios não contributivos, e outros benefícios para a terceira idade, como gastos com mobilidade de idosos e subvenção pública para asilos. Foram excluídos os gastos com aposentadoria por invalidez.

Para o Brasil, empregamos os dados públicos, do Tesouro e do Ministério da Previdência Social, sobre os gastos com aposentadorias e pensões dos servidores e do setor público, rurais e urbanos, além dos benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas).

Editoria de Arte/Folhapress



Nosso gasto se equipara ao da França e é pouca coisa menor do que o da quebrada Grécia, apesar de a razão de dependência por lá ser quase três vezes maior do que a nossa.

É óbvio que as regras de concessão de benefício previdenciário são no Brasil totalmente fora do razoável em comparação aos países da OCDE. Diversas simulações indicam que, quando tivermos a estrutura demográfica da Grécia, se nada fizermos, o gasto atingirá 22% do PIB. Antes disso, nossa economia perderá a capacidade de crescer e nossos filhos serão ainda mais pobre do que somos.

A reforma da Previdência, além de ter importante impacto de lon- go prazo sobre o Orçamento, aumentará no médio prazo a taxa de poupança, contribuindo para a redução de forma sustentada das taxas de juros.

Trata-se da reforma mais importante para recuperarmos a solvência fiscal e com ela a estabilidade macroeconômica e o crescimento econômico.

A resistência das corporações - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 12/03

Demandas salariais das forças de segurança ocasionalmente ultrapassam a negociação administrativa e repercutem na política.

A questão militar foi um dos motivadores da Proclamação da República. Um movimento em que o principal marechal apoiava a monarquia e o imperador até a véspera e a maioria da população terminou por ser excluída do processo eleitoral.

O golpe de 64, que inaugurou uma longa ditadura, foi antecedido pelas virulentas manifestações de militares de todos os andares, nas mais diversas direções.

A extrema esquerda e a extrema direita, no Brasil, divergem nas alianças que fazem, mas compartilham muito da agenda econômica e do desrespeito ao Estado de Direito para impor as suas demandas.

Ambas são nacionalistas, protecionistas, acreditam na capacidade do Estado em liderar o desenvolvimento econômico e têm pouca confiança nos mecanismos democráticos de mediação de conflitos.

Existem muitos exemplos da resistência de algumas corporações ao ajuste necessário decorrente de um poder público que prometeu mais do que pode oferecer. Empresários rejeitam discutir os benefícios obtidos nos últimos anos, como desonerações ou incentivos fiscais. Grupos de servidores reagem a medidas de ajuste, como no Paraná em 2015 ou no Piauí em 2016.

Recentemente, houve a paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo, o que é proibido pela Constituição. Os agentes, com salários em dia graças ao ajuste fiscal, pleiteavam reajustes inviáveis diante da queda de receita.

Segundo investigação da Polícia Federal, reportada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", havia uma rede de apoio ao movimento, incluindo vários deputados federais que compartilham uma agenda identificada com a extrema direita.

O governo não cedeu e a paralisação foi interrompida. Centenas de policiais estão sendo processados, alguns presos.

Esse conflito exemplifica as consequências de um ajuste fiscal organizado. As corporações reagem, em alguns casos com o inaceitável sacrifício de inocentes, mas seu poder de barganha é reduzido. A transparência e o ajuste compartilhado auxiliam resistir à demanda por benefícios dos grupos organizados em detrimento da maioria.

Outros governos estaduais, porém, cedem às corporações, e o resultado é uma crise fiscal desorganizada. Alguns obtêm reajustes e recebem seus salários em dia, enquanto os demais sofrem com atrasos nos pagamentos.

A resposta desorganizada lembra as consequências da alta inflação dos anos 1980, em que grupos de interesse conseguiam reajustes ou subsídios e a conta era paga de forma difusa pelo restante da sociedade, com a perda de renda real e a deterioração da economia.

Pressão estrutural por gastos públicos (1) - PEDRO MALAN

ESTADÃO - 12/03

Corremos o risco de um 'futuro adiado' se não nos erguermos à altura dos desafios do presente



Este é o primeiro de uma série de três artigos sobre três processos de mudanças de longo prazo que marcaram nossa experiência ao longo de décadas passadas e continuarão a marcar décadas vindouras. Muito além dos debates de 2017-2018 e dos próximos mandatos presidenciais de 2019-2022 e 2023-2026.

As três mudanças de longo prazo estão na raiz da pressão estrutural por maiores gastos públicos no Brasil. Uma pressão que acabou por tornar imperativa a emenda constitucional sobre limites à expansão continuada desses gastos e da reforma da Previdência, ora no Congresso, sem a qual, entre outras, o Brasil não terá condições de retomar o crescimento sustentado com inflação sob controle e maior justiça social.

O primeiro processo, como pano de fundo, é o elo crucial entre mudanças demográficas e urbanização: o Brasil é hoje a terceira maior democracia de massas urbanas do mundo. O Brasil será um “case” (estudo de caso) de relevância e interesse global, dada a sua extraordinariamente rápida transição nessa área.

O segundo processo diz respeito às nossas flagrantes necessidades e carências de infraestrutura “física” (transporte, energia, portos, saneamento) e à força histórica do apelo ao “desenvolvimento nacional”, tido por muitos como “intensivo em Estado”.

O terceiro processo de mudança de longo prazo está ligado às nossas não menos flagrantes necessidades e carências de “infraestrutura humana” (educação, saúde, segurança) e às legitimas pressões por menor desigualdade na distribuição de renda e de oportunidades.

Esses três processos de mudança exigem respostas de sucessivos governos – democráticos (como no Brasil de 1946-1964 e de 1985 ao presente) ou centralizadores e autoritários (como em 1937-1945 e 1964-1985). Todos, sem exceção, tentando responder aos desafios postos por essas mudanças nas circunstâncias e restrições sob as quais operam.

Regimes democráticos permitem uma ampla gama de expressões dessas demandas. Mas nas suas respostas a elas estão sujeitos a ritos do Parlamento e a decisões judiciais, enquanto regimes centralizadores/autoritários podem restringir a expressão dessas demandas, por um lado, e, por outro, ser mais seletivos no atendimento daquelas a que decidem responder – ou ignorar. O restante deste artigo trata da extraordinária singularidade brasileira no quesito demografia/urbanização.

O Brasil é o quinto maior país do mundo em termos de população (e extensão territorial) e o quarto maior país em termos de população urbana. É o terceiro em termos do aumento, em números absolutos, da população urbana entre 1950 e o presente, superando o aumento equivalente dos EUA no período. Enquanto nossa população total aumentou cerca de quatro vezes entre 1950 e 2017 (de 51,9 milhões para 207,6 milhões estimados), a nossa população urbana passou de 36% do total em 1950, para cerca de 86% em 2017 (isto é, de 18,7 milhões para 178 milhões, um aumento de 9,5 vezes). Nem nos EUA o aumento absoluto da população urbana no período chegou aos nossos 160 milhões (178-18) no período. Nem as populações urbanas da China e da Índia no período se multiplicaram 9,5 vezes. Somos hoje a terceira maior democracia de massas urbanas do mundo, após Índia e EUA.

Mais importantes são a rapidez vertiginosa com que cresceu a nossa população (total e urbana) desde o pós-guerra e a velocidade não menos vertiginosa com que nossas taxas de crescimento populacional vieram declinando no curto espaço de pouco mais que uma geração, desde os anos 90. De taxas de crescimento que chegaram a superar os 3% ao ano nos anos 50 e 60 (média de 2,8% ao ano entre 1950 e 1980) passamos hoje, em 2017, a uma taxa de crescimento populacional da ordem de 0,77% e declinará para menos de 0,4% na segunda metade da próxima década.

Nossa população total, hoje de 207,6 milhões, chegará aos 218 milhões por volta de 2025, alcançará seu ponto máximo de pouco mais de 228 milhões no início dos anos 2040 e começará a declinar, voltando aos 218 milhões em 2060. A partir de 2050 só a faixa etária dos 60 anos de idade ou mais estará crescendo.

A expectativa de vida ao nascer de um brasileiro em meados na década dos 1940 era da ordem de 45 anos. Hoje a expectativa de vida ao nascer é de mais de 75 anos (79 para mulheres e 72 para homens). Mas para quem chega aos 55 anos (próximo da idade média de quem se aposenta por tempo de contribuição) a expectativa de vida é de 81 anos, ou seja, 26 anos mais. Para quem chega aos 65 anos, a expectativa é de 82 anos para homens e 85 para mulheres.

Os idosos representam hoje 12 dentre cada 100 trabalhadores. Em meados da próxima década devemos chegar a 18 para cada 100. Em 2050 chegaremos a 30%. Em 2060, dado que só a faixa etária dos 60 anos ou mais estará crescendo, e todas as outras diminuindo, os idosos representarão cerca de 45% do total. Parece longe? Infelizmente, não.

Sem mudanças como as contempladas na PEC ora em discussão, os benefícios previdenciários e os déficits da área cresceriam, aceleradamente, nos próximos dez anos, reduzindo a participação de outras áreas no Orçamento, incluídos os gastos com educação, segurança e serviços na área de saúde, exatamente quando estarão aumentando as demandas derivadas do crescimento rápido da população relativa de idosos no conjunto da população.

É muito real o risco de ficarmos “velhos” muito antes de ficarmos “ricos”, por exemplo: chegar, pelo menos, ao nível de renda per capita de países do sul da Europa, que têm de 50% a 66% da renda per capita dos EUA (o Brasil tem hoje pouco menos de 30%, na mesma base de comparação). Corremos o risco de um “futuro adiado” – mais uma vez –, e por vários anos, se não nos erguermos à altura dos conhecidos e nada triviais desafios do presente. Como estamos tentando – forçados por uma crise, que veio sendo contratada muitos anos antes de 2014.

*Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

sexta-feira, março 10, 2017

Contradições do modo de corrupção petista - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 10/03
Os desembolsos cresceram vertiginosamente ao longo do segundo governo Lula e do primeiro governo Dilma Rousseff


Brasília vive dias cada vez mais tensos. Com a perspectiva de divulgação da lista de Janot e de parte substancial das delações da Odebrecht, os nervos estão à flor da pele. Temendo que os complexos desdobramentos das delações possam paralisar de vez o Congresso, o Planalto vem tentando correr contra o tempo para, na medida do possível, adiantar o avanço da reforma da Previdência.

O clima de alta tensão vem tornando o debate mais confuso ainda do que já era. Em meio à crescente preocupação com a contenção de danos, não têm faltado esforços contorcionistas de racionalização antecipada do que vem por aí.

Os tucanos apressam-se a esclarecer que palavra de delator não é prova. E que é preciso todo cuidado para não confundir os vários tipos de caixa 2. O PMDB já não sabe mais o que alegar. E, na oposição, há agora quem argua que o centralismo do modo de corrupção petista não deve ser razão para que o partido seja injustamente execrado.

O que se alega é que, em contraste com o PMDB, que deixou que a corrupção se distribuísse pelo amplo arquipélago de forças políticas regionais de que é formado, o PT optou por um comando centralizado da corrupção. Opção que, agora, fará o Partido dos Trabalhadores aparecer na foto como muito mais corrupto, em termos relativos, do que supostamente seria. Por surreal que pareça a alegação, é mais do que compreensível que o PT esteja alarmado com a foto que vem sendo formada a partir dos fragmentos das delações que, aos poucos, têm sido vazadas.

O que agora foi revelado, em depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, é que, por meio de uma conta corrente mantida ao longo dos governos Lula e Dilma, a Odebrecht teria posto à disposição do PT um total de R$ 300 milhões, em troca de favores acertados com o ministro da Fazenda de turno (O GLOBO, 3 de março). Entre tais favores, merece destaque uma providencial medida provisória relacionada a um programa de recuperação fiscal (Refis), especialmente benéfica ao braço petroquímico do grupo, pela qual a Odebrecht teria concordado em transferir R$ 50 milhões ao partido (“Estadão”, 2 de março).

Para sorte do país, quis o destino que os Odebrecht — não se sabe se pelo resquício de meticulosidade germânica que ainda possam ter mantido, ou por soberbo senso de impunidade que possam ter adquirido — insistissem em manter, ano após ano, registros contábeis perfeitamente acurados de todas as transações do operoso “Departamento de Operações Estruturadas”do grupo, responsável pelos pagamentos de propinas.

Em depoimento recente prestado ao TSE, o executivo responsável pela gestão do “Departamento de Operações Estruturadas” revelou que, entre 2006 e 2014, nada menos que US$ 3,4 bilhões (isso mesmo, dólares) foram mobilizados pelo grupo para abastecimento de campanhas eleitorais com caixa 2 e pagamento de propinas, no Brasil e no exterior.

Os desembolsos cresceram vertiginosamente ao longo do segundo governo Lula e do primeiro governo Dilma. De US$ 60 milhões, em 2006, passaram a US$ 420 milhões, em 2010, saltaram a US$ 750 milhões, em 2013, e só recuaram para US$ 450 milhões, em 2014, porque a Lava-Jato já havia sido deflagrada.

À medida que o exato teor das delações dos 77 executivos da Odebrecht vier a público, a foto que, aos poucos, vem sendo composta a partir dos fragmentos de informações vazadas, ganhará constrangedora nitidez. E logo se transformará em longo, circunstanciado e deprimente documentário do espantoso surto de corrupção que tomou de assalto o país desde meados da década passada.

Diz bem do desespero delirante em que caiu o PT que, a esta altura dos acontecimentos, o partido esteja dando asas à fantasia de que, na cena final desse documentário, Lula possa aparecer alçado, mais uma vez, à Presidência da República.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

O Brasil e os direitos humanos - MICHEL TEMER

FOLHA DE SP - 10/03

O Brasil volta ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. A eleição do país é o reconhecimento da importância de uma das maiores democracias do mundo e do compromisso inequívoco de nossa nação com os direitos humanos.

Trabalharemos ao longo de nosso mandato no conselho, guiados pela Constituição e por demandas da sociedade por um país mais justo.

Honramos esse mandato ao enfrentar, com desassombro, nossos desafios. O Brasil tem problemas, todos reconhecemos. É preciso reconhecer também que, sim, o Brasil enfrenta esses problemas.

Avançamos com base no diálogo e no entendimento de que as soluções são construídas, em parceria, pela sociedade e pelo governo. Nosso país estende convite permanente para que todos os relatores especiais da ONU nos visitem -e estamos entre os países do mundo que mais os receberam. Assim deve ser em sociedades democráticas.

A presença do Brasil no Conselho de Direitos Humanos possibilitará apresentar nossa conjuntura e contribuir para que a comunidade internacional possa dela extrair lições.

Muito se diz acerca do impacto de medidas de austeridade fiscal sobre os direitos humanos. No entanto, pouco se comenta que o custo de economias desorganizadas recai desproporcionalmente sobre os mais pobres. Sabemos, e no Brasil muito agudamente, que a irresponsabilidade no manejo das contas públicas e o populismo fiscal trazem consigo elevado risco.

A situação que vivemos no Brasil é sintomática do impacto da irresponsabilidade fiscal sobre o exercício dos direitos humanos. A crise econômica que agora começamos a superar tem origem sobretudo fiscal.

O desarranjo das contas públicas nos últimos anos levou à maior recessão de nossa história, ao desemprego de cerca de 12 milhões de pessoas. Pôs em sério risco a sobrevivência de programas sociais. Pôs em sério risco a viabilidade de nossos sistemas de educação e saúde.

Essa crise autoinfligida pôs em sério risco, em suma, direitos humanos que são conquistas dos brasileiros, alcançadas pelo esforço de gerações.

A verdadeira responsabilidade social pressupõe responsabilidade fiscal. Compromisso efetivo com os direitos humanos requer planejamento, progressos sustentáveis, cuidado com a coisa pública.

Essa postura nos permitiu, ainda em 2016, aumentar o Bolsa Família, depois de dois anos e meio sem reajuste. Permitiu, igualmente, que o orçamento para 2017 trouxesse mais recursos para saúde e educação. Permitiu retomar e ampliar programas como o Fies e o Minha Casa, Minha Vida, cuja sobrevivência vinha comprometida. Permitiu, enfim, ver o início da recuperação econômica.

Essa mesma postura de responsabilidade está por trás de nossa proposta de reforma da Previdência Social. Deixá-la como está não é atitude aceitável e consequente.

Temos dialogado com o Congresso Nacional e com a sociedade brasileira sobre tema que, admita-se, não é fácil. Mas se nada fizermos, os jovens de hoje não terão aposentadoria amanhã. Mais do que isso: os aposentados de hoje já terão seus benefícios em xeque.

Propusemos reforma em linha com a prática em outros países que passaram pela transição demográfica que atravessamos, de forma a buscar a convergência entre regimes, eliminando privilégios. Nosso objetivo é uma Previdência Social sustentável e equânime.

No conselho da ONU, caberá também ao Brasil contribuir para debates internacionais sobre a promoção e a proteção dos direitos humanos no mundo. Em tudo, o que nos anima são os compromissos fundamentais de nosso povo com o respeito à dignidade humana. Nossa posição será sempre a do diálogo sem omissão, não a dos discursos vazios.

Diálogo desarmado para falar de si e engajamento na agenda internacional. Com esse binômio, daremos, no conselho, nossa contribuição. Sempre pautados por sentido maior de responsabilidade com a promoção verdadeira, sustentável e de longo prazo dos direitos humanos no Brasil e no mundo.

MICHEL TEMER é presidente da República. Foi vice-presidente (governo Dilma) e ocupou por três vezes a presidência da Câmara dos Deputados

Marolinhas no fim da recessão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 10/03

BASTA UMA tremida na finança do mundo lá fora para que pareça maior o risco de que a economia brasileira se enrede na estagnação. Estamos com água pelo nariz. Marolinhas podem nos afogar de novo, por um tempo, pelo menos.

Não que tenha acontecido algo de grave nos últimos dias. Foi apenas o suficiente para a gente levar um susto de alerta.

Taxas de juros de longo prazo subiram um tanto. O dólar saiu da casa dos R$ 3,10 para R$ 3,20. Entre as moedas de países mais relevantes, uns 30, o real marcou a maior desvalorização. A tremida em boa parte se deveu àquela já velha história de que uma alta acelerada de juros nos Estados Unidos pode balançar o nosso pequeno coreto.

No mercado lá fora, se discute também se chegou ao fim a ondinha de alta de commodities que, desde o ano passado, tirava do chão o preço do petróleo e, bem mais importante, para nós, o do minério de ferro. Era o pacote de estímulo econômico chinês fazendo efeito.

No caso do petróleo, a alta se deveu em parte a um acordo de corte na produção. Com o preço melhor, voltaram ao mercado os produtores americanos, se diz, o que deve pelo menos colocar um teto para a alta do barril.
A melhora relativa do preço das exportações brasileiras contribuiu para baixar o dólar, um quê de alívio para a inflação e para algumas empresas. A perspectiva de elevação paulatina e ordenada das taxas de juros americanas, enfim, ajudava a aliviar a nossa situação financeira.

Agora, pelo quarto ano seguido, volta a onda de boatos a respeito de uma alta acelerada dos juros americanos -na semana que vem, o banco central deles indica o que vai fazer a respeito.

Além do mais, voltou a crescer a onda de boatos de atitudes lunáticas de Donald Trump. No caso, de um aumento geral de imposto sobre importações. Caso o aumento da tarifa ocorra e seja relevante, as importações ficariam mais caras para os americanos.

O efeito provável no resto do mundo, em países ditos "emergentes" em especial, seria uma desvalorização das moedas, entre outros transtornos de previsão mais complexa.

No entanto, a especulação mais razoável diz respeito ao ritmo talvez mais rápido do que o previsto da alta de juros nos EUA. Ainda assim, o pacote de rumores da semana bastou para provocar a maior desvalorização das moedas "emergentes" desde o paniquito da eleição de Trump, em novembro.

Os boatos podem se dissipar como tantos desses fumacês de mercado. Podem ser apenas uma daquelas "correções", como diz o clichê, de preços que estavam na verdade animados demais nos mercados financeiros centrais do planeta.

Serve de alerta, ressalte-se, que deve ser retransmitido à turba de parlamentares, que costumam viver numa roça mental. Mesmo em um ambiente de calmaria enorme no mercado financeiro internacional, estamos nos debatendo com imensa dificuldade para apenas voltar à tona, sair da recessão. Se vier marola, tomamos um caldo.

Não é, claro, impossível que saiamos do buraco, mesmo com mudança maior da política monetária americana. Tende apenas a ficar um tanto mais difícil. O risco letal é desconversarmos sobre o que ainda precisa ser feito no conserto das contas públicas, mas não só.

Verdades que têm de ser ditas - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/03

Meirelles sublinhou que alterar as regras das aposentadorias não é 'objeto de decisão, de desejo de alguém', mas sim uma necessidade



O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não podia ser mais claro quanto à urgência da reforma da Previdência. Ao abrir ontem o Fórum Estadão dedicado ao assunto, Meirelles sublinhou que alterar as regras das aposentadorias não é “objeto de decisão, de desejo de alguém”, mas sim uma necessidade. “A questão não é se a reforma é boa ou ruim. A questão fundamental é se a sociedade brasileira pode pagar os custos crescentes de um sistema que já não tem racionalidade”, disse o ministro, deixando claro que não realizar a reforma, tal como apresentada pelo governo, é comprometer o próprio futuro do País.

Finalmente parece que o Brasil tem autoridades dispostas a dizer o que a sociedade tem de ouvir, verdades que foram escamoteadas por governos e políticos irresponsáveis na última década. O populismo que marcou o mandarinato lulopetista interditou, como um tabu, qualquer discussão séria sobre os problemas graves do sistema previdenciário. Mesmo hoje, diante das evidências de que um desastre se avizinha rapidamente, o PT e seu chefão, Lula da Silva, continuam a tratar do tema de maneira inconsequente, procurando incutir na opinião pública a ideia segundo a qual a reforma proposta pelo governo de Michel Temer é desnecessária e, ademais, prejudicial aos trabalhadores. “Essa proposta parece que remonta aos tempos da escravidão”, disse Lula em encontro com sindicalistas no final do ano passado, indicando desde então que continuaria a apelar para a desinformação como arma contra o governo.

Justamente para tirar a discussão do terreno da mistificação, que só interessa aos irresponsáveis, e trazê-la para a dura realidade, único lugar onde os problemas são de fato resolvidos, Michel Temer e seus principais auxiliares devem ser francos, como foi Meirelles em sua fala no Fórum Estadão, ao abordarem publicamente a questão da Previdência.

Assim, o ministro da Fazenda tocou, sem meias-palavras, no delicado tema da idade mínima para a aposentadoria. Ao lembrar que tem um amigo que comemorou recentemente 20 anos como aposentado, Meirelles disse que tal situação é, por óbvio, insustentável. “É bom para ele, mas isso custa caro. Já existem pessoas que têm quase o mesmo tempo de aposentadoria do que o tempo trabalhado.”

Não se pode condenar quem queira se aposentar o quanto antes, com o maior benefício possível, mas essas pessoas precisam ser informadas de que isso gera efeitos negativos para a sociedade, comprometendo as gerações futuras. “Idealmente manteríamos a Previdência como está, mais generosa”, disse Meirelles. “Mas isso tem um custo para a sociedade, e o custo tem de ser compatível com a capacidade contributiva dos cidadãos.”

Esse custo foi traduzido pelo ministro por meio de diversos números e projeções de forte impacto. Os gastos com a Previdência saltaram de 3,3% do Produto Interno Bruto em 1991 para 8,1% hoje. Se nada for feito, essas despesas chegarão a 17% do PIB em 2060, e “a Previdência vai ocupar cada vez mais os gastos públicos, considerando que agora temos o teto dos gastos”. Segundo o ministro, todas as demais despesas do governo representam hoje 45% do total, mas mesmo que fossem reduzidas para 33%, naquele cenário não seria possível cobrir os gastos com a Previdência. “Todas as outras despesas teriam de ser reduzidas para 20%”, advertiu Meirelles.

Tudo isso significa, conforme disse o ministro, que sem a reforma imediata da Previdência outras despesas públicas fundamentais, como saúde e educação, perderão recursos para o pagamento de aposentadorias. Além disso, como lembrou o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, também presente ao Fórum Estadão, se a reforma não for aprovada pelo Congresso tal como foi encaminhada pelo Executivo, será necessário “realizar reformas mais fortes no futuro para compensar o que deixou de ser feito agora”. E o futuro ao qual o secretário se refere é imediato – segundo ele, caberia já ao próximo presidente da República, em 2019, encaminhar essa reforma mais drástica.

Como bem disse o ministro Meirelles, “na reforma da Previdência, a linha divisória não é quem é contra ou a favor do governo”, e sim “aqueles que são preocupados com as contas públicas e aqueles preocupados em defender algumas categorias específicas”. Não pode haver dúvida sobre qual lado o País deve escolher.


quinta-feira, março 09, 2017

Cada um ama seus bichos preferidos - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 09/03

Na coluna da semana passada, comentei o filme "A Garota Desconhecida", dos irmãos Dardenne.

E declarei meu amor pela protagonista, a jovem médica Jenny Davin, "porque (ela) não usa maquiagem e seca o cabelo com uma toalha; porque vive de jeans e dois moletons meio surrados; porque come o que tiver ou o que sobrar; (...); porque ela só usa luvas descartáveis quando precisa proteger a queimadura infeccionada de um paciente, e não para auscultar nem mesmo para trocar o curativo no pé de um idoso diabético; (...) porque ela não tem preocupação de status; porque, enfim, ela traça sua vida (e sua carreira) a partir do que lhe parece ser sua responsabilidade".

Acrescentei que a responsabilidade que Jenny sente não tem nada a ver com compaixão por coitados e deserdados. Ao contrário, ela sabe que os sentimentos atrapalhariam seus diagnósticos.

Pois bem, vários leitores e leitoras (sem ter necessariamente visto o filme) me perguntaram se eu gostava mesmo de pessoa desleixada, desgraciosa e vestida com o que encontra no chão ou no armário na luz incerta da primeira manhã.

Antevendo essas simpáticas provocações, eu já tinha observado: não é que Jenny não se importe consigo mesma, é que ela tem mais o que fazer. E eu gosto das pessoas que têm mais o que fazer. Vou explicar.

Uma sabedoria popular divide os parceiros possíveis em duas grandes categorias: cachorros e gatos. A mesma sabedoria diz que, entre os apaixonados, há os que amam os cachorros e há os que amam os gatos.

Não há uma correspondência perfeita entre os animais domésticos que preferimos e nossas escolhas amorosas, mas tanto faz. O que importa é que, numa relação amorosa, alguns (e algumas) procuram um outro que, quando eles voltam para casa, 1) chegue abanando e pulando, 2) traga correndo sua bolinha pedindo para brincar, 3) tenha uma irresistível carência que o leve a lamber a cara de seu amor (ou formas equivalentes de carinho).

Por outro lado, alguns (e algumas) preferem um outro que, quando eles chegam em casa, fique deitado no sofá, apenas lambendo seu próprio pelo, como se ele mesmo fosse o único centro de seus interesses. Brincar com esse outro é só quando ele está a fim, e o carinho dura o tempo que ele quiser.

Os amados tipo cachorro seriam generosos e dedicados, mas, em contrapartida, dependentes do nosso afeto a ponto de se tornarem chatos.

Os amados tipo gato seriam autocentrados, sobretudo apaixonados por si mesmos, e também chatos pela constante espera de serem adorados e admirados.

Cada um reconhecerá (em parte, claro) seu companheiro ou companheira. É possível que o tipo gato seja mais frequentemente feminino, e o cachorro, masculino. Mas há numerosas exceções, e cansei de ouvir a queixa de mulheres cujo homem, na hora do sexo, olhava para o espelho ao lado da cama para ver seus próprios músculos tensionados.

Em que parte da tipologia de cães e gatos se enquadraria Jenny Davin, mulher de meus sonhos? Nenhuma.

É que há mais um (vastíssimo) tipo animal que não está incluído nessa tipologia aproximativa. São os animais que não são domesticáveis –alguns, aliás, zero domesticáveis (da tarântula ao dragão de Komodo), alguns muito pouco (da onça ao gorila, passando pelo cavalo etc.).

O outro por quem me apaixono pertence a esse tipo: ele se relaciona comigo, pode ser carinhoso e companheiro (e gosto disso), mas, no fundo, como Jenny, ele tem mais o que fazer (e disso eu gosto mais ainda).

Em outras palavras, o que amo no outro é a selvajaria irredutível de seu desejo. Selvajaria aqui não significa que o desejo seja rústico ou grosseiro, mas apenas que o desejo do outro pelo qual me apaixono nunca é plenamente domesticado –se ele for domado, será só por um tempo, e se assilvestrará de volta, a qualquer momento.

Às vezes, a vida de família (por exemplo, a exigência de ser pai e mãe antes de ser homem e mulher) domestica e extingue o desejo sexual dos dois. Às vezes (e isso é pior ainda), as supostas exigências do casal acabam também com o amor dos dois, quando um deles ou os dois se esquecem de seu desejo silvestre para se tornarem cães ou gatos.

É intolerável (e paradoxal) descobrir que eu mesmo posso ser a razão da domesticação do desejo do outro –ou seja, que por minha causa o outro pode renunciar ao que eu mais amava nele.


Emprego na indústria naval sofre os efeitos da política do PT - EDITORIAL ECONÔMICO

ESTADÃO - 09/03

Pesquisa do Dieese mostra que o número de empregados na indústria naval caiu de 71.554 em 2014



Os efeitos da desastrosa política de investimentos que a administração lulopetista impôs à Petrobrás e da instalação, nela, de um bilionário esquema de corrupção – que beneficiou o partido no governo e seus aliados, abalou as finanças da empresa e comprometeu sua eficiência técnica – se estendem para muito além das operações da estatal. A indústria naval, que cresceu estimulada pelos projetos de expansão da Petrobrás, já demitiu quase 60% de seu pessoal desde que os planos mirabolantes do governo petista começaram a ruir. Os planos fracassaram em razão de seu irrealismo e em decorrência do desvendamento, pela Operação Lava Jato, do esquema de assalto a que a estatal foi submetida durante a administração anterior.

Pesquisa do Dieese mostra que o número de empregados na indústria naval caiu de 71.554 em 2014 (quando começaram as demissões) para 40.232 no fim de 2016. Por esses dados, baseados em registros do Ministério do Trabalho, a redução foi de 44%.

Números levantados pelo sindicato nacional das empresas do setor, o Sinaval, diretamente com suas filiadas mostram redução ainda mais intensa. Segundo o levantamento do Sinaval, o total de empregados do setor naval caiu de 82,5 mil em 2014 para 35 mil em dezembro de 2016, redução de 57,6%, segundo reportagem do jornal Valor.

A gestão petista na Petrobrás causou-lhe pesadas perdas financeiras, em decorrência do desvio de recursos da estatal e de políticas equivocadas. Fortemente endividada, a empresa teve de rever drasticamente seus planos de investimentos.

Os cortes afetaram, em primeiro lugar, as operações da Sete Brasil – empresa constituída com participação da própria Petrobrás para executar os delirantes planos petistas para o pré-sal – e, em seguida, as das empresas fornecedoras do setor, entre elas as do setor naval. Dezenas de navios-sonda chegaram a ser encomendados, mas boa parte das encomendas foi cancelada.

A situação que se observa na Bahia, onde a indústria de construção pesada e de montagem chegou a empregar 4,8 mil pessoas e hoje mantém apenas 200 funcionários, resume o drama do setor.

O tamanho do estrago - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 09/03

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar a ingenuidade de imaginar que a economia já deveria estar decolando com o novo governo



Qualquer dúvida de que o Brasil terá mais uma década perdida, depois daquela dos anos 80 do século passado, ficou para trás na terça-feira, quando o IBGE divulgou os números do Produto Interno Bruto de 2016: a economia do país regrediu 3,6%, mas o número, isoladamente, não dá conta do tamanho do estrago. O PIB já tinha recuado 3,8% no ano anterior, e o Brasil não via dois anos seguidos de retração desde o biênio 1930-1931, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3% – portanto, mais brandas que a recessão atual. O PIB per capita, resultado da divisão do produto pelo número de brasileiros, caiu pelo terceiro ano consecutivo.

Um desempenho desastroso cuja causa tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica, a política capitaneada por Guido Mantega nos anos finais da era Lula e nos mandatos de Dilma Rousseff, marcada pelo afastamento das práticas que, nos anos 90, livraram o Brasil da hiperinflação e promoveram a estabilização econômica, não sem alguns solavancos característicos de um país ainda vulnerável a crises internacionais – desculpa que Dilma sempre usou para a recessão atual, mas que já não cola hoje, quando o Brasil figura como a única nação a ter queda no PIB, em ranking da revista britânica The Economist (só não estamos oficialmente piores que a Venezuela porque a falida ditadura bolivariana já não divulga seus números).

A causa do desempenho desastroso tem nome e sobrenome: Nova Matriz Econômica 

Quando o governo decidiu que o consumo seria o motor da economia, passou a adotar todo tipo de medida para que os brasileiros gastassem como nunca, com crédito amplamente facilitado, juros reduzidos na marra e isenções fiscais para diversos setores (normalmente, os que choravam mais alto ou os que tinham bons contatos no Planalto). Dilma usou a Petrobras para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos, o que, ao lado da corrupção que a Lava Jato revelou ao país, criou um rombo naquela que era uma das maiores empresas do mundo. Com a MP 579, Dilma baixou o preço da energia elétrica com uma canetada que desestabilizou todo o setor elétrico e nem foi tão eficaz assim, pois logo os preços voltaram aos patamares anteriores. E, quando começou a ficar evidente que a estratégia estava levando o país ao abismo, a “contabilidade criativa” tentou manter alguma aparência de normalidade diante do mercado nacional e internacional.

Como diz a famosa frase atribuída a Abraham Lincoln, no entanto, é impossível enganar a todos o tempo todo. Mas antes fosse apenas questão de mascarar a realidade: o preço que a Nova Matriz Econômica cobrou não foi baixo, e foi pago pelos brasileiros. Mais diretamente, pelos quase 13 milhões de desempregados; e mesmo os que conseguiram manter seu trabalho amargaram taxas de inflação que superaram os 10% em 2015 e só agora dão sinais de desaceleração.

Ter consciência do tamanho do buraco causado pelo lulopetismo é importante para evitar ilusões e a ingenuidade de imaginar que em apenas alguns meses de governo Temer a economia já deveria estar de vento em popa. É preocupante ver que no terceiro e quarto trimestres de 2016 o PIB também recuou (0,7% e 0,9%, respectivamente), mas outros indicadores permitem ver que a reversão da tendência está próxima, como mostrou a Gazeta do Povo em reportagem recente. E, nesta quarta-feira, o IBGE divulgou outro dado positivo: a produção industrial subiu 1,4% em janeiro de 2017 na comparação com janeiro de 2016, interrompendo uma sequência de 34 meses de queda.

Fala-se em aumento de 0,5% no PIB de 2017 – um número não muito animador, até porque a base de comparação já está bastante deprimida. O governo ainda não completou a própria lição de casa e tem muita gordura a cortar. Mas as reformas propostas por Temer podem lançar as bases para um crescimento sustentado por décadas, ainda que sem desempenhos espetaculares como os 7,5% de 2010. Já será melhor que depender de políticas econômicas insensatas cujos resultados iniciais causam euforia, mas que logo dá lugar à triste realidade.

O ajuste de pessoal nas estatais - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 09/03

Durante décadas, o poder público converteu as estatais em cabides de emprego e pouco se preocupou em dotá-las de uma estrutura organizacional enxuta e eficiente



Depois de ter tomado as providências necessárias para promover reformas na administração direta com o objetivo de cortar gastos com folha de pagamento, para ajustar as contas públicas, a partir do final do ano passado o governo federal começou a fazer o mesmo na administração indireta, pedindo à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do Ministério do Planejamento que estimule a adoção de planos de demissão voluntária (PDVs) e programas de aposentadoria incentivada para enxugar seus quadros de pessoal e racionalizar estruturas organizacionais. Entre suas atribuições, cabe à Sest avaliar a situação das estatais, os gastos de cada plano e o tempo de retorno de seus custos.

Entre as empresas, destacam-se Banco do Brasil, BB Tecnologia e Serviços, Banco da Amazônia, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Eletrobrás, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Companhia de Pesquisa em Recursos Minerais (CPRM). Uma das empresas mais inchadas é a Infraero. Levantamento divulgado recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU), comparando a Infraero e a Aena, a operadora de aeroportos da Espanha, dá a dimensão do inchaço do quadro de pessoal da estatal brasileira. A empresa espanhola, que movimenta quase o dobro de passageiros do que a brasileira, tem 31% menos funcionários nos setores administrativos e nos centros de suporte. Segundo balanço publicado pelo jornal Valor, os planos de demissão voluntária e aposentadoria antecipada mais ambiciosos são os da Petrobrás, onde o órgão estima que eles devam ter adesão de cerca de 11,5 mil funcionários. Na Caixa Econômica Federal, a estimativa de seus diretores e da cúpula da Sest é de que a adesão chegue a 10 mil bancários – e, para alcançá-la, a instituição teve de incluir no pacote a manutenção do plano de saúde para titulares e dependentes.

Apesar dessa estratégia ainda estar em andamento e de algumas estatais terem se atrasado na implementação de seus PDVs, a Sest estima que pelo menos 49 mil trabalhadores da administração indireta deverão sair por vontade própria. O cálculo do Valor leva em conta o pessoal que já se desligou e a expectativa de novas adesões. Nos Correios, que têm cerca de 117,4 mil funcionários, os planos de aposentadoria antecipada e demissão voluntária ainda estão em andamento. O mesmo ocorre na Caixa Econômica Federal, que tem 100 mil bancários em atividade e almeja uma economia anual de R$ 1,8 bilhão com as demissões, a partir do próximo ano. Já a Infraero, que privatizará quatro aeroportos no próximo mês e sabe que terá dificuldades para realocar 1,1 mil funcionários neles lotados, pretende recuperar em um ano e meio os valores gastos com as indenizações. Na Eletrobrás, onde a estimativa é de que 5 mil servidores peçam demissão, os planos ainda dependem de autorização da Sest para serem anunciados aos servidores. Algumas estatais estão bancando os PDVs e programas de aposentadoria incentivada com recursos próprios. Em outras, as indenizações estão sendo pagas com dinheiro transferido diretamente do orçamento do Tesouro Nacional.

O que está levando muitos funcionários graduados de empresas estatais a abrir mão de vencimentos polpudos, além da segurança no emprego, são a consciência de que os tempos áureos de generosidade salarial na administração indireta já ficaram para trás e os benefícios oferecidos nos planos. Em algumas estatais, eles são tão altos que asseguram aos aderentes dos PDVs e planos de aposentadoria antecipada os recursos financeiros de que necessitam para abrir negócios próprios. No Banco do Brasil, por exemplo, que anunciou o fechamento de 402 agências físicas este ano, substituindo suas atividades por agências digitais, foram oferecidos 14 salários adicionais como recompensa para quem aderisse ao plano de aposentadoria antecipada.

Durante décadas, o poder público converteu as estatais em cabides de emprego e pouco se preocupou em dotá-las de uma estrutura organizacional enxuta e eficiente. Esse cenário parece estar mudando.

A tragédia da indústria - CELSO MING

ESTADÃO - 09/03

Boa parte da situação atual tem como causa o atendimento das reivindicações dos próprios empresários



Foram três anos devastadores para a indústria, mas não se pode responsabilizar por isso apenas a política econômica equivocada do governo Dilma.

As lideranças dos empresários contribuíram para isso porque reivindicaram, aplaudiram e ajudaram a aprofundar essa política. Mas vamos primeiramente aos números.

Como apontaram na terça-feira as estatísticas das Contas Nacionais, desde o segundo trimestre de 2014 - quando a produção industrial começou a se retrair - até o fim de 2016, a queda acumulada foi de 13,2% . Os números de janeiro, divulgados nesta quarta-feira, não sugerem grandes alterações do quadro, embora boa parte dos analistas identifique sinais de reação nesse quadro ruim.

Boa parte da tragédia da indústria tem como causa o atendimento das reivindicações dos próprios empresários. Foram eles, por exemplo, que mais pressionaram a presidente Dilma em 2011 a derrubar os juros e a desvalorizar o real sem que se cumprissem précondições mínimas para tanto. Imaginaram com isso garantir aumento da competitividade do sistema. As distorções que se seguiram produziram o contrário.




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O governo tentou corrigir a desestruturação da economia que se seguiu com artificialismos, todos eles aplaudidos pelas lideranças da indústria. Foram elas as primeiras a reivindicar a derrubada e o congelamento imediatos das tarifas de energia elétrica e dos combustíveis. A Fiesp chegou até a divulgar peça publicitária para comemorar a "vitória".

A indústria aplaudiu e exigiu a ampliação das desonerações - sempre seletivas - das contribuições sociais. Apoiou a redução de tributos às montadoras, ao setor de autopeças, ao de materiais de construção - tudo isso sem levar em conta que produziriam dois efeitos perniciosos: a mera antecipação de compras pelo consumidor sem aumento do mercado e a derrubada da arrecadação e, portanto, a deterioração das contas públicas.

Também foi a indústria que pediu e aprovou as políticas de distribuição de subsídios ao crédito de longo prazo, seja os promovidos pelo BNDES, seja os concedidos por outros bancos oficiais. E, por falar em BNDES, em todos esses anos, as lideranças da indústria se calaram sobre os efeitos corrosivos sobre as condições de livre concorrência produzidos pela política (também seletiva) dos campeões nacionais. Em nenhum momento denunciaram os efeitos inibitórios dessa política sobre o mercado interno de capitais. A indústria sempre defendeu (ou não combateu como deveria) a cartelização, o excessivo protecionismo comercial, as reservas de mercado e as políticas que exigiram exagerados conteúdos locais, como o caso dos fornecedores do setor de petróleo, que paralisaram a indústria e semearam desemprego.

Ninguém como o empresário sabe que nada deteriora mais o ambiente de negócios do que as incertezas e a falta de previsibilidade produzidas por pelo menos quatro anos de governo Dilma - para não ter de ir mais atrás.

A inflação disparou, o consumo despencou, o investimento e a poupança ficaram para trás, a capacidade ociosa foi aumentando e hoje está em torno de 25%. Enfim, o "curtoprazismo" e a política de puxadinhos acabam saindo caros demais. O afundamento da produção industrial é demonstração disso.

CONFIRA:




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No gráfico, a evolução da produção industrial nos últimos 12 meses terminados em janeiro.

Os números de janeiro

A queda menor do que a esperada, de 0,1%, na produção industrial de janeiro sobre dezembro e, mais do que isso, o aumento de 1,4% sobre janeiro do ano passado, estão sendo vistos como indicação de que o pior pode ter passado. Tomara que essas conclusões estejam certas. Mas parecem prematuras. Indício disso é o de que janeiro deste ano teve dois dias úteis a mais do que o do ano passado.

DR com a indústria - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 09/03

O setor foi o primeiro a sentir as consequências de políticas equivocadas


A indústria é o setor mais sensível ao custo Brasil, sendo um setor importante para um país de renda média e heterogêneo. A fraqueza da indústria não é um bom sinal. A carga tributária é mais elevada na indústria (segundo a Firjan, em 45% em 2012), trazendo consigo os percalços da cumulatividade de impostos, que penaliza cadeias de maior valor agregado, e da complexidade de regras, que desvia recursos para o atendimento das leis tributárias.

A indústria é mais penalizada pela baixa qualificação da mão de obra. Sofre também com a complexidade de regulações e regras que impactam o setor.

A agropecuária é menos sensível ao custo Brasil, enquanto o setor de serviços consegue repassar mais facilmente pressões de custos a preços finais, pois concorre menos com o importado. A indústria sofre dos dois lados.

Assim, a indústria se mostra também mais sensível ao ciclo econômico. A desarrumação da economia no passado recente, com inflação elevada e salários subindo em ritmo incompatível com a estagnação da produtividade do trabalho, prejudicou particularmente o setor. O primeiro a sentir as consequências de políticas equivocadas e o que mais sofreu na crise.

Como agravante, o tratamento dado aos vários segmentos da indústria não é uniforme. Alguns são mais beneficiados com políticas setoriais que outros. Como não existe almoço grátis, o benefício de poucos prejudica os demais, pela elevação de custos, e os consumidores pagam mais caro pelo produto.

Exemplo disso é o tratamento tarifário. Alguns são mais beneficiados com tarifa de importação elevada sobre o produto final e baixa sobre insumos. O índice de proteção efetiva, que mede esses efeitos, difere muito entre os setores. Segundo a Fiesp, a indústria automobilística é a mais protegida. Muito mais protegida, com índice médio em torno de 130%, enquanto a tarifa efetiva média na indústria é de 26% (dados de 2014). Veículos mais caros, por exemplo, afetam o custo de transporte de toda a economia.

A fragilidade da indústria precisa ser enfrentada. Mas é necessário discutir as medidas de estímulo. O País é prolífero de políticas industriais fracassadas.
Muitos países recorrem a políticas setoriais. Políticas de conteúdo nacional, por exemplo, têm sido utilizadas mais intensamente desde a crise global de 2008.

Há recomendações gerais para sua eficácia. Metas de investimento precisam ser estabelecidas; as medidas não devem ser muito restritivas a ponto de exacerbar gargalos do lado da oferta; a política deve estar inserida em conjunto amplo de medidas que melhorem o ambiente de negócios e estimulem ganhos de produtividade; e não se pode descuidar do ambiente macroeconômico, cuja estabilidade é condição necessária para eficácia de qualquer política pública. Outro cuidado é o de atendimento à regulação do comércio mundial.

O Brasil falhou em todas essas recomendações; na política de conteúdo local para indústria petrolífera e para a indústria automobilística (Inovar Auto), esta última violando regras da OMC.

Além disso, a eficácia das políticas de conteúdo local é discutível. Ganhos de curto prazo muitas vezes se revertem no médio prazo, prejudicando o potencial de crescimento dos países, por conta das distorções geradas na economia. É o que revelam as pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Preços nos setores contemplados sobem, devido ao aumento do custo de produção, afetando os demais setores na cadeia produtiva e os consumidores. Setores não contemplados ficam menos competitivos e sofrem quedas nas exportações.

Esse instrumento precisa ser utilizado com critérios adequados (metas e prazos), parcimônia e cautela. Desmontar posteriormente é difícil, pois setores contemplados sofrem com a mudança de regras.

A indústria precisa de políticas horizontais que melhorem o ambiente de negócios e reduzam o custo Brasil. É o setor que mais irá se beneficiar com essa agenda.

Indústria para de rolar na ladeira - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/03

A PRODUÇÃO DA indústria na prática parou de cair. Está nas profundas do inferno. No abismo, não se sabe se vai ficar de joelhos, antes de caminhar e sair do buraco. Mas parou de rolar a ladeira.

Há motivos vários de cautela sobre o futuro da estabilização, que dirá da recuperação. A indústria se segura em um galho frágil. Quase parou de cair porque voltou a produzir mais ferro e/ou petróleo e porque exporta um tanto mais, caso, por exemplo, das montadoras de veículos.

Daí em diante, sabe-se lá. Exportações e melhoras extras na indústria extrativa são um tanto incertas. A venda de bens de consumo depende de taxas de juros, inflação e desemprego menos feroz e, tão cedo improvável, de que haverá crédito.

Mas tudo isso depende da política e do destino das "reformas". Goste-se ou não delas, se as "reformas" forem para o vinagre, a maionese desanda.
Isto posto, volte-se à notícia menos pior.

A indústria "quase" parou de cair, para ser mais preciso. No trimestre de novembro a janeiro, ainda encolheu 0,1%, ante o mesmo trimestre do ano passado. Mas, no trimestre anterior, encerrado em outubro, despencava ainda ao ritmo de 5,6%.

A indústria de transformação ("fábricas") ainda cai 1,3% no trimestre. Despiora, mas continua no vermelho. O resultado geral foi compensado pela indústria extrativa, que cresceu 7,9% no trimestre (ante o ano anterior). A indústria extrativa é, grosso modo, minério de ferro (56,5% do total) e petróleo e gás (35,5%).

A importância da exportação fica evidente no caso das montadoras de veículos. As vendas de carros nacionais ainda caíam 2,9% no trimestre encerrado em janeiro (ante o ano passado).

Mas contas com os dados da Anfavea mostram que as vendas da produção doméstica (carros nacionais vendidos aqui e exportados) aumentavam 8,6%. Melhora. As vendas da produção doméstica haviam caído sem parar de março de 2014 a novembro de 2016.

As exportações brasileiras de manufaturados voltaram a subir. Sim, é pouca coisa, mas estamos vivendo de migalhas, sem o que não daremos nem passinhos para sair do buraco.

No caso de bens de capital, para investimento em nova capacidade produtiva, a coisa está malparada ou ainda caindo pelas tabelas.

Em suma, as notícias são de "recuperação", como o governismo diz? Não. São apenas sinais mais seguros de estabilização. De que podemos ter chegado ao fundo do buraco e que, talvez, caminhemos aqui embaixo por algum tempo.

Há motivos melhores para acreditar que não vai haver frustração, como na segunda metade de 2016.

Como agora todo o mundo diz, as taxas de juros caem, apesar de os bancos ainda enfiarem a faca. A inflação cai muito (embora os reajustes salariais nominais também devam cair, de agora em diante). Haverá o micropacote de estímulo dos saques das contas inativas do FGTS.

É tudo muito frágil. Uma valorização extra do real pode matar exportações, assim como qualquer balançada na economia mundial, o que de resto afetaria as taxas de juros para empresas brasileiras. A despiora no consumo das famílias continua, mas longe do fundo do poço.

Por ora, é o que temos: alguns brotos verdes em uma fazenda queimada, ainda com vários focos de incêndio. Mas são brotos.

Retrocesso econômico provocado por políticas de Dilma Rousseff é um crime - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 09/03
Vamos tirar as luvas que encobrem as palavras duras e dizer, com toda a clareza, que o retrocesso econômico-social provocado pelas políticas de Dilma Rousseff é o equivalente a um crime. Um crime de lesa pátria.

Não há outra palavra adequada para qualificar a redução de quase 10% na renda de cada brasileiro.

Dilma Rousseff foi punida pelo crime. Que ninguém se iluda: ela não foi afastada pelas pedaladas fiscais. Foi vítima de um teorema clássico na política: um governo fracassa, o público se irrita, os políticos oportunistas abandonam o governante e se cria um pretexto para o impeachment, afinal consumado.

O problema é que, punida Dilma, ficou de pé todo o "sistema" que a sustentava, para chamá-lo de alguma maneira.

Cito meu guru na análise econômica, Vinicius Torres Freire, na coluna desta quarta-feira (8) :AQUI

O que trouxe o país a "esse abismo sórdido" foi "a 'pax luliana', o acordão entre petismo e agregados esquerdistas com os donos da grande empresa e do dinheiro grosso em geral".

O que se tem agora é a "pax temeriana". Saem o PT e os agregados esquerdistas, mas fica o PMDB, partido corresponsável de resto pelo crime de lesa pátria que é essa brutal recessão.

No lugar do PT, entra o PSDB, partidos que a Lava Jato tornou mais indistinguíveis do que já eram antes dela. Basta lembrar um detalhe: Henrique de Campos de Meirelles foi eleito, em 2002, pelo PSDB, mas se tornou, em 2003, o ministro da Fazenda de fato do governo petista, na condição de presidente do Banco Central. Volta, no novo acordão, como ministro "de jure" e de fato do governo Temer.

Claro que continuam no novo "sistema" os donos da grande empresa e do dinheiro grosso. Estão sempre com o governo, seja qual for o governo, e representam o que os argentinos gostam de chamar de "poderes fácticos".

Os que na verdade mandam.

É possível que o novo acordão ressuscite um país que respira por aparelhos? Que retire o país da UTI é perfeitamente possível e até esperável. De um lado porque nenhuma das invenções modernas ou antigas foi capaz de pôr um fim aos ciclos econômicos.

Do outro porque os novos gestores parecem determinados a não cometer mais os desatinos que arruinaram o país.

Mas, entre sair da UTI e se tornar hígido, há um espaço fundamental, que por enquanto não está nem remotamente no horizonte.

A crise não fez o país perder apenas renda, o que já é uma enormidade. Perdeu ambição. Como aponta essa excelente repórter que é Érica Fraga, "as estimativas do chamado PIB potencial brasileiro —capacidade de crescer sem gerar pressões inflacionárias— variam, atualmente, de 1,5% a 3,5%".

É muito pouco por si só, mas se torna um crescimento anêmico quando se pensa que, não faz tanto tempo assim, havia estimativas de que o país precisaria crescer 7% ao ano (na média, claro) para se tornar de fato desenvolvido.

Com essas perspectivas, calcula a Folha, apenas em 2023 o país retornará ao mesmo nível de renda média de 2013, "numa década inteira de estagnação".

É ou não um crime?

Algum respiro - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/03

A indústria respirou. Foram longos 34 meses caindo em relação ao mesmo mês do ano anterior para ter em janeiro o primeiro dado positivo. A quedinha, quase nenhuma, em relação a dezembro, de 0,1%, surpreendeu os economistas que fazem projeção e que estimavam um número pior. Muita coisa afeta a indústria e ela permanecerá fraca, mas este pode ser um ano positivo.

Ela caiu tanto nos últimos três anos que a alta pequena que se espera para 2017, em torno de 1%, não fará muita diferença nos grandes números do desabamento. Ela está hoje 19% abaixo do melhor momento, em julho de 2013. A indústria, na verdade, vive uma década perdida: está apenas 3% acima de dezembro de 2008, no auge da crise financeira internacional (veja no gráfico).

Os dados de ontem trouxeram algum alento, um pequeno respiro. O negativo de 0,1% não foi o que mais chamou a atenção. Mesmo nessa comparação com o mês anterior houve altas como 3,1% de bens semiduráveis e não duráveis, crescimento de 4% em derivados de petróleo e biocombustíveis e 5,5% no setor de bebidas. Farmacêutico e farmaquímicos saltaram 21%. Mas veículos tiveram queda de 10%, que não chegou a anular o resultado positivo de 18% que ficou acumulado do final do ano passado. É assim, a indústria fica oscilando: quando há um resultado positivo é porque teve queda forte demais antes, quando sobe, logo depois “devolve” parte em uma queda mais adiante. São fatores como reposição de estoques que justificam a alta.

Na comparação com janeiro de 2016, há inúmeras boas notícias e até a média móvel trimestral mostrou alta de 0,9%. Isso não salva a indústria nem a faz se levantar do tombo sofrido.

Esse é o período que ficará conhecido como a a grande recessão brasileira, tão autoprovocada quanto a do governo Collor, que derrubou em 4,3% o PIB em 1990 por aquele plano tresloucado de sequestrar os ativos financeiros das famílias e das empresas. Há crises que vêm de fora, mas essa e a do Collor foram feitas aqui mesmo por obra das loucuras dos governantes.

Nesta grande recessão, a maior atingida foi a indústria. Ela começou a cair antes e ficou em queda por mais tempo. Nada a protege contra recuos futuros. O que ficou provado é que não adiantaram os inúmeros benefícios dados a alguns setores. O país ficou mais endividado e com rombos maiores nas contas públicas porque a indústria foi ajudada com desconto de impostos e empréstimos a juros baixos, para os quais o Tesouro vendeu títulos no mercado. A ideia era que se o governo empurrasse o carro pegaria. Não funcionou porque não é assim que funciona.

O que dá certo é melhorar os fatores gerais de competitividade. Investir em logística, simplificar impostos, ter regulação previsível, reduzir os juros estruturais da economia. Há custos que pesam sobre todas as empresas, de todos os setores, e são travas ao crescimento.

Esses fatores que tiram a competitividade, o velho custo Brasil, ficaram ainda mais pesados com a abrupta queda de consumo das famílias, a recessão na qual o país foi jogado. Alguns segmentos haviam tido benefícios tão fortes que acabaram tendo antecipação de consumo, como caminhões. E isso tornou a queda ainda mais pronunciada.

Fora isso, a indústria encolhe no mundo inteiro e reduz sua participação no PIB. É preciso pensar em todos os fatores antes de sair por aí acreditando que há uma solução mágica, uma panaceia para fazer reviver os tempos áureos da indústria.


As reformas da hora - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 09/03

O que você prefere, trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com pensão integral?



É verdade que está cada vez mais difícil colocar um político à esquerda ou à direita. Mas, quando se diz que a francesa Marine Le Pen é de extrema-direita, ninguém estranha. Pois então, ao se lançar oficialmente candidata à Presidência, Le Pen colocou em sua plataforma a redução da idade mínima de aposentadoria.

Já no Brasil, todos os partidos e organizações que se dizem de esquerda estão em campanha contra a “reforma direitista e golpista” do governo Temer que pretende aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos.

E aí, quem está mesmo à esquerda ou à direita?

Nem tentem responder. Não será por aí que se classificarão as forças políticas. Essas reformas, que visam a equilibrar o gasto público e dar mais dinamismo à economia — a capitalista, claro —, dependem de visão de longo prazo e de líderes capazes de criar ou de aproveitar a oportunidade histórica de fazê-las.

Não é fácil liderar essas mudanças que só produzem efeitos a longo prazo. Pensando no imediato, não há dúvida: o que você prefere, trabalhar 49 anos e se aposentar aos 65 ou retirar-se aos 50 anos com pensão integral?

Para os trabalhadores que já estão no mercado há algum tempo, a coisa é ainda mais delicada. O cidadão achava que ia se aposentar em cinco anos e vai ter que encarar mais dez.

É por isso que essas mudanças em geral ocorrem quando o país está em crise, e as pessoas entendem que, bem, do jeito que está não dá para ficar. Ainda assim, é preciso que uma liderança saiba aproveitar a oportunidade.

Na edição em que trata da eleição francesa, a revista “The Economist” fez uma comparação exemplar. Em 2002, registrou, Alemanha e França tinham renda per capita equivalente. Naquele ano, o esquerdista Gerhard Schröder, do Partido Social Democrata, iniciou um programa de reformas de modo a recuperar a ameaçada competitividade da economia alemã. Na França, Jacques Chirac, da direita, falou em reformas, mas recuou diante das dificuldades políticas.

Hoje, o poder de compra dos alemães é 17% superior ao dos franceses. Os custos trabalhistas caíram na Alemanha e subiram na França. Assim, o desemprego, que era parecido nos dois países, caiu para 4% na Alemanha e permaneceu nos 10% na França, sendo de 25% entre os jovens de menos de 25 anos.

Chirac não fez as reformas porque cedeu à pressão da esquerda, dos sindicatos e dos populistas, para sustentar a “proteção e os direitos sociais dos trabalhadores”. Resultado concreto, 15 anos depois, observa “The Economist”: uma geração de jovens franceses cresceu à margem do famosamente protegido mercado de trabalho nacional.

Não há no Brasil de hoje uma liderança sequer parecida com a de Schröder dos anos 2000. Não apenas ele entendeu a necessidade das reformas como convenceu seu partido, alguns sindicatos, tradicionalmente ligados à social-democracia, e os eleitores.

Fernando Henrique Cardoso foi um líder assim nos anos 90. Vindo da esquerda, emplacou um programa de reformas liberais que mudou a cara do país e criou bases para o crescimento.

Mas, reparem: Schröder perdeu as eleições seguintes, e Lula ganhou atacando o “neoliberalismo” de FHC.

Hoje, se não temos um outro FHC, temos uma situação econômica tão ruim que cria a oportunidade para as reformas. Aliás, essas reformas necessárias hoje são, no essencial, as mesmas da era FHC e do primeiro mandato de Lula e que foram destruídas pelo próprio Lula e, especialmente, por Dilma. Trata-se de refazer o ajuste das contas públicas (com o teto de gastos, a reforma da Previdência e a recuperação fiscal dos Estados); dar mais competitividade ao ambiente de negócios (mudanças na lei trabalhista, terceirização e simplificação tributária) e trazer mais capital privado, com as privatizações.

O presidente Temer e o ministro Meirelles têm procurado aproveitar a circunstância. Seu discurso: ou saem as reformas já ou o país não retoma o crescimento e quebra mais à frente, quando o ajuste será feito da pior maneira possível.

É o que têm de fazer. O problema é a crise da representação política. Mas, de todo modo, há um ponto interessante: Temer só salva seu governo se fizer as reformas. Precisa convencer disso os outros políticos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

quarta-feira, março 08, 2017

A dimensão do desastre - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 08/03

A maior queda do PIB da nossa história foi construída na marcha da insensatez do governo Dilma. Ontem foi o dia de olhar de frente para todos os números do nosso desastre e é espantoso que haja quem duvide da origem dos erros que nos trouxeram ao ponto em que estamos. Mais de 7% de recessão em dois anos, mais de 9% quando a conta é feita pelo PIB per capita desde 2014.

A história econômica registrará o ineditismo do momento. Desde que há estatísticas, em 1901, nunca se viu um biênio como esse. A crise foi feita por Dilma, mas Temer ainda não a reverteu. Estamos numa transição. O dado do último trimestre de 2016 foi mais negativo do que o esperado, mas, felizmente, não é uma tendência.

Há várias formas de se olhar esse índice. O PIB caiu 0,9% no último trimestre comparado ao trimestre anterior. Havia sido de -0,3% no segundo trimestre e -0,7% no terceiro. Quem olha a sequência de números pode pensar que estamos no meio de um agravamento da recessão. Mas não. A melhor forma de olhar os dados é compará-los com o mesmo trimestre do ano anterior. Por essa conta, no começo do ano passado, a queda era de 5,4%, e agora, 2,5%. Atenua-se lentamente o tamanho da recessão.

A melhora vai ser demorada e com isso o país vai continuar convivendo com números desastrosos. A taxa de investimento — que mostra possibilidade futura de crescimento — teve uma queda no ano de 10,2%. Em 2015, havia caído mais: 13%. E chegou a estar em queda de 18,7% no último trimestre de 2015. Ainda está muito ruim, mas já foi pior.

A história que os números contam é a de um país que despencou em queda livre e longa desde o fim de 2014, época em que a então presidente e candidata Dilma Rousseff perguntava sempre a cada entrevista: “crise? que crise?” O que ela não via estava diante dos olhos dos economistas e analistas do país. A recessão estava sendo contratada pela displicência com a inflação, pelo gasto excessivo, pelos subsídios insustentáveis aos empresários, pelo seu pensamento econômico rudimentar.

Hoje o IBGE vai divulgar a produção industrial e a previsão é de novo número negativo em janeiro. O governo Temer já governa desde maio do ano passado. Tem conseguido algumas melhoras na economia, mas não fez a virada rápida que o país precisava. É, de fato, muito difícil mudar em pouco tempo uma situação tão ruim. O governo Temer tem tomado decisões acertadas na economia, mas permanece imerso em ambiguidades e suspeições. O pior ficou para trás, contudo a recuperação será lenta.

Como o dado do último trimestre foi pior do que o esperado, os economistas explicam que o carregamento estatístico para 2017 também piorou: saiu de -0,7% para -1,1% no cálculo da Tendências. Isso significa que a economia começou o ano de um ponto ainda mais baixo do que se esperava. Para voltar ao zero, na média, terá que, primeiro, recuperar esse 1,1%. Por isso, as projeções para o PIB, de vários bancos e consultorias, já estão sendo revistas para baixo.

A inflação caminha para o centro da meta e no dado de fevereiro, que o IBGE divulga na sexta-feira, deve ficar abaixo de 5%. Com o nível de atividade mais fraco e a redução da inflação, o Banco Central vai acelerar o ritmo de corte dos juros de 0,75% para 1% na reunião de abril. Esse impulso da política monetária chegará à economia real, mas apenas no segundo semestre. No primeiro semestre a grande esperança está na agricultura. Mesmo com todos os impulsos o país terá um número pífio em 2017.

Há ainda uma grande incerteza. O economista Sérgio Valle, da MB Associados, diz que se não for aprovada a reforma da Previdência o país pode ter recessão também em 2017, em vez do ligeiro positivo que todos esperam. Parece exagero. Mas uma parte da melhora dos indicadores é resultado da expectativa de que o país vai começar a sair buraco fiscal.

Ele diz que, sem a reforma, o limite de teto de gastos não se sustenta e o aumento das despesas com aposentadorias continua em ritmo insustentável. Isso elevará o risco-país, o dólar, o pessimismo. É o que pensam os economistas em geral.O país terá que fazer reformas difíceis num governo cheio de fragilidades para sair do fundo desse poço.