quinta-feira, novembro 24, 2016

Os gigolôs do bem - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 24/11

O mundo é mesmo repleto de pessoas que acumulam verdadeiras fortunas e concentram absurdo poder apenas em cima de suas fraquezas declaradas


“A força mais enérgica não chega perto da energia com que alguns defendem suas fraquezas”, disse com sua fina ironia Karl Kraus. O mundo é mesmo repleto de pessoas que acumulam verdadeiras fortunas e concentram absurdo poder apenas em cima de suas fraquezas declaradas. Ou explorando a miséria alheia, claro, que se tornou um gigantesco e lucrativo negócio.

É aquilo que Guilherme Fiuza tem chamado, em suas colunas, de “império do oprimido”. E esse é justamente o título que deu ao seu novo livro, um romance que prova que a arte, muitas vezes, imita a vida. Trata-se de uma história fascinante de uma jovem bonita e rica que rompe o relacionamento com os pais assim que um partido de esquerda chega ao poder.

Ela decide que quer participar dessa revolução progressista. Numa idade em que é normal detonar os pais mesmo, Luana resolve radicalizar: abandona a vida de princesa e vai vagar pelo mundo, até parar numa ONG voltada para a assistência social. Lá se encanta com a ideologia socialista, e galga degraus até chegar ao topo do poder, no epicentro do novo governo.


"Bandidos gananciosos exploram o discurso altruísta para chegar ao poder e por lá permanecer "


Fiuza desenvolve essa história com maestria no ambiente da era lulopetista. Os ilustres personagens estão todos lá, facilmente identificáveis: Lula, Dirceu, Marcos Valério, Marcelo Freixo, Palocci, Márcio Thomas Bastos, JEC etc. A quadrilha chega ao poder com um discurso populista e encanta a população, com a ajuda inestimável dos artistas e “intelectuais” formadores de opinião, muitos sob recebimento de mesadas, como prostitutas.

Inúmeros fatos assombrosos dos últimos anos entram na narrativa, de uma forma muito criativa. Estão lá o mensalão, o petrolão, o assassinato de Celso Daniel, a casa das prostitutas em Brasília, os black blocs, o Mais Médicos, a tentativa de censurar a imprensa e muito mais. Tudo sob o controle indireto do Guia, o intocável, santificado pelas massas, identificado como o homem do povo que chegara para fazer justiça, acabar com a exploração centenária pelas elites.

Tudo balela, naturalmente. E Fiuza entra dentro da mente desses vilões, com a liberdade que só um livro de ficção permite, mostrando como o poder rapidamente sobe à cabeça ou, mais precisamente, como bandidos gananciosos exploram o discurso altruísta para chegar ao poder e por lá permanecer, ficando milionários no processo.

A forma pela qual uma jovem rica e mimada acaba sendo seduzida pelos “progressistas” também é retratada com perfeição. Sufocada pelas regras morais burguesas, pela hipocrisia que enxerga no mundo real quando suas fantasias infantis desmoronam, Luana era o alvo perfeito dos “gigolôs da bondade”, que conseguem colocá-la contra o próprio pai. O encanto pelo professor esquerdista descolado ajuda bastante.

“Governo de uma gente cada vez mais poderosa, rica e coitada. É o crime perfeito”, constata um dos personagens. Basta ver como mesmo depois de toda a podridão que veio à tona essa turma continua bancando a vítima para verificar como o fenômeno é impressionante. E foi um crime impune por muitos anos, com a conivência de muita gente, o silêncio cúmplice de vários, que surfavam na onda do mesmo populismo.

Fiuza dissecou o período mais nefasto da história de nossa democracia, e fez isso de uma forma muito divertida. O livro, com final surpreendente que não posso revelar, daria um baita filme, destino que outras obras do autor já tiveram. É leitura simplesmente imperdível, uma espécie de doce vingança de alguém que tentava alertar desde o início, quase sozinho, sobre o sonambulismo da população brasileira, vivendo sob o “império do oprimido” e aplaudindo a própria desgraça, reverenciando aquele que era seu maior algoz. E que, para revolta de muitos, continua solto, longe da prisão, seu destino merecido.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

Fazer tudo de novo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 24/11

Voltamos ao final dos anos 90, quando o governo FH liderou uma ampla renegociação de dívidas dos estados



Não foram todos os governadores estaduais, claro, mas muitos deles tentaram empurrar a conta para o governo federal. Pensaram mais ou menos assim: o presidente Temer precisa de apoio para se segurar no cargo; nós, governadores, temos força junto às bancadas de deputados e senadores; logo, por que não trocar apoio por dinheiro?

Dinheiro, sobretudo, para colocar em dia os vencimentos do funcionalismo, ativos e inativos. E também para aliviar as dívidas.

Em algum momento, pareceu que iam conseguir. Há coisa de dois meses, o Congresso aprovou um pacote de renegociação de dívidas bastante favorável aos governos estaduais, na linha de um acordo que estava em andamento no governo Dilma. Na ocasião, o ministro Henrique Meirelles tentou enfiar no pacote alguns compromissos dos estados com o ajuste de longo prazo, como a proibição de aumentos salariais nos próximos anos.

Nas conversas, os governadores até toparam. Mas não fizeram nada na hora da votação, não se empenharam com as “suas” bancadas. E os compromissos acabaram sendo descartados por Meirelles e o presidente Temer, porque iam perder no voto.

Até aí, muitos governadores achavam que:

1 — Brasília arranjaria dinheiro para a maior parte do ajuste (o Rio não conseguira quase R$ 3 bilhões?);

2 — o governo federal seria, perante os servidores e a população, o “culpado” pelas amargas medidas de ajuste.

Enquanto rolava essa história, o governo federal também aceitava alguns reajustes salariais para categorias já bem remuneradas e, sobretudo, o presidente Temer se via na obrigação de defender ministros e auxiliares de algum modo envolvidos nas investigações da Lava-Jato e nas ações paralelas, que hoje se espalham por varas da Justiça Federal.

O clima piorou — e isso apareceu nos indicadores de confiança. Como é que o governo conseguiria fazer o ajuste nas contas nacionais se não conseguia aplicá-lo para os estados e ainda se desgastava defendendo políticos em atitudes, digamos, duvidosas?

Pelo menos no que se refere à relação com os estados, a situação mudou nesta semana. O pacto firmado pelo governo federal e pelos estaduais tem um princípio básico: os estados terão apoio se e quando se empenharem efetivamente em um ajuste estrutural de suas contas.

O pacto está no plano das intenções, precisa ser formalizado e aprovado em assembleias legislativas e no Congresso, o que não é simples, mas as linhas do ajuste foram especificadas: redução do gasto com pessoal e renegociação de dívida condicionada à apresentação de garantias reais. Ou seja, os governos estaduais terão que entregar ativos, estatais, por exemplo, em troca de dinheiro novo.

E assim voltamos ao final dos anos 90, quando o governo FH liderou uma ampla renegociação de dívidas dos estados, vinculada a um rigoroso programa de ajuste fiscal. Os então ministros Pedro Malan e Pedro Parente trabalharam pacientemente nesse pacto, hoje apresentado no mundo econômico como um modelo de ajuste fiscal dos entes federados.

Isso colocou os estados na linha por muitos anos. Eram obrigados fazer superávit primário porque tinham de pagar prestações mensais ao governo federal. Se não pagassem, não receberiam sua parte nos impostos federais.

O afrouxamento começou nos governos de Lula (no segundo mandato) e de Dilma. Neste último, o então ministro Mantega foi pródigo em abrir cofres para os estados, assim como torrou o dinheiro federal, driblando regras para permitir novos endividamentos.

Aconteceu o mesmo em todo o setor público: a despesa cresceu acima da inflação e acima da expansão das receitas. Claro que há estados razoavelmente ajustados, mas todos precisam voltar a práticas mais rigorosas de controle das contas públicas, depois do “liberou geral” da era Dilma.

Tem aqui um lado positivo e outro negativo. O positivo é que dá para fazer. Sabemos disso porque já foi feito uma vez.

O lado negativo está aí mesmo: as finanças públicas estavam ajustadas, depois de anos de esforço, e se jogou tudo fora.

Hoje, como antes, a necessidade conta mais que virtude. Não é que políticos dedicados a ampliar gastos de repente tenham se convertido à austeridade. Simplesmente acabou o dinheiro. E não dá para colocar a culpa em Brasília, no FMI ou nas elites.

Temer e Meirelles ganharam pontos nesta semana. Mas isso está apenas começando. Há uma complicada engenharia financeira pela frente, mas é disso que depende a recuperação da economia brasileira.

E, claro, de como o presidente Temer vai lidar com uma situação provável, a de seus auxiliares sendo apanhados na Lava-Jato.

Por ora, pode-se perdoar o presidente Temer por tolerar Renan e outros. Ele precisa disso para votar a PEC do teto dos gastos antes do recesso parlamentar. Pode-se dizer: Renan tem vida útil de apenas mais um mês na presidência do Senado. Se ajudar na votação...

Mas a tolerância com Temer, de parte da sociedade, também é provisória.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Bem-vindo 2018 - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 24/11

Crise dos Estados agrava cenário econômico e retomada fica mais distante



Sem motivos para festejar a passagem de 2016 para 2017, o melhor é partir direto para 2018. Quem sabe até lá os principais nós da economia estejam desfeitos e a tal retomada esteja à vista. Não há garantia de que isso vá ocorrer, mas pelo menos há alguma esperança. Mercadoria que parece estar em falta nessa virada de ano.

Em relação a 2017, pouco a pouco as expectativas otimistas vão se desmanchando e um certo desânimo se instala. O governo ajudou a consolidar essa mudança de clima ao revisar – e para pior – as estimativas para o desempenho do PIB neste ano e no ano que vem. Crescimento de apenas 1%, em lugar do 1,6% previsto anteriormente, em qualquer um dos casos pífio quando se leva em conta que, nos últimos três anos, a queda acumulada deve se aproximar de 10%. Para 2016, a expectativa passou de uma redução de 3% para 3,5%.

Não que os chamados agentes econômicos tenham se surpreendido com esses números. Crescimento de apenas 1% já frequentava os relatórios de bancos, consultorias e empresas há um bom tempo. Mas, como se costuma dizer, se o próprio governo está reconhecendo oficialmente a estagnação da economia, sinal de que o bicho pode ser mais feio do que estão pintando. É que simplesmente não existe nenhum motor de crescimento à vista.

Para começar, a nova política de concessões de serviços públicos, cujo esboço agradou ao mercado, ainda não saiu efetivamente do papel. Segundo o chefão das privatizações, o ministro Moreira Franco, o governo está trabalhando para definir estímulos à emissão de debêntures do setor privado e solução para o problema de risco cambial – dois pontos sempre citados pelos empresários, quando o assunto é o que falta para destravar as concessões. Mas, mesmo que essas providências sejam tomadas a curto prazo, ainda leva tempo para que, cumprido todo o ritual, os leilões de concessões se traduzam em novos investimentos e, por tabela, movimentem os negócios.

A “mãozinha” que o Banco Central poderia dar às empresas e consumidores, com uma redução rápida e acentuada da Selic, a taxa básica de juros, não deve se concretizar. Por enquanto, a inflação continua bem comportada, sob efeito da recessão: tanto assim que a estimativa do IPCA para 2017 saiu de 4,8% para 4,7%, pouco acima do centro da meta, de 4,5%. Mas ainda não se sabe qual será o tamanho do efeito Trump sobre a política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), e sobre a política cambial – o que, em última instância, quer dizer pressões inflacionárias. Na dúvida, portanto, cautela do BC brasileiro.

Finalmente, não se pode ignorar o peso da crise dos Estados sobre a atividade econômica. Em cima do laço, o governo federal concordou em dividir com os Estados os R$ 5 bilhões da multa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior. Em compensação, os governadores terão de fazer um ajuste fiscal dentro de seus quintais, que incluem uma espécie de PEC dos gastos e uma reforma da Previdência. Tudo ainda em negociação.

O fato é que se trata de uma ajuda de emergência, ainda minguada para reequilibrar os caixas dos Estados. O governador José Ivo Sartori, do Rio Grande do Sul, que acaba de decretar calamidade financeira, já disse para quem quiser ouvir que não há perspectiva de pagar o 13.º salário aos servidores.

Sem ajustes, alguns Estados caminham para a quebra, como o próprio Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, o que implica calote em cascata nos salários e previdências dos servidores, além de colapso nos serviços públicos. Com ajustes dolorosos, como os que se anunciam, haverá demissões e cortes de vencimentos, o que a curto prazo também sacrifica as economias locais.

Como se viu na reunião de estreia do novo Conselhão, governo, empresários e representantes do mercado financeiro de novo põem todas as fichas na volta dos bons tempos só depois da segunda rodada da PEC de gastos públicos, seguida das reformas previdenciária e trabalhista e assim por diante. Há, porém, quem considere as reformas indispensáveis, mas não suficientes para reinstalar a confiança na economia e garantir a retomada do crescimento. Para esses analistas, é preciso mais, uma agenda específica pró-crescimento. Até para afastar o risco de aventuras em 2018.

É JORNALISTA

O que fazer na década perdida - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/11

Quem ainda tinha expectativa de um crescimento melhorzinho no ano que vem deve deixá-la na porta da esperança perdida que deve ser o número do PIB que sai na quarta (30).

Não há, porém, sentido de emergência entre essa gente que, por convenção cada vez mais equivocada, chamamos de "lideranças políticas". Se por mais não fosse, porque quase não há lideranças, quase não há política e boa parte dessa turma está muito ocupada em fugir da polícia.

A combinação dessas imundícies com outro ano de degradação social e de estagnação econômica em um poço fundo eleva o risco de que aberrações políticas se apresentem com sucesso na eleição de 2018.

Mas voltemos à vaca fria de quase morta do PIB.

A não ser em caso de revisão estatística milagrosa, os números do terceiro trimestre vão confirmar previsões de economia praticamente estagnada em 2017. O PIB per capita cresceria perto de nada no ano que vem, em nível semelhante ao que estava em meados de 2010.

Depois de 2013, o país empobreceu 9,1% por cabeça. Desde o início do século 20 (1901, sim), apenas se viu desgraça assim entre 1980 e 1983, final da ditadura militar, como já se lembrou tantas vezes nestas colunas.

Pelo andar da carruagem previsto nestes tempos deprimidos de renda, ânimos e capacidades políticas, apenas em 2020 a economia voltaria ao tamanho relativo de 2010. Seria outra década perdida (em termos per capita: a produção da economia em um ano, o PIB, dividido pelo número de habitantes do país).

Encurtar essa desgraça, nem que seja por um ano, é a primeira emergência –sem fazer mágicas e milagres, claro.

A parte operante do governo se dedica inteiramente a arrumar as contas, a evitar uma explosão astronômica da dívida pública. Dado o método que escolheram para lidar com o problema, não devem fazer outra coisa pelos próximos anos.

Com um ajuste gradual (sem aumento de imposto e mais cortes), vão no máximo evitar que o crescimento de despesas, como a Previdenciária, acabe com os fundos já mínimos dedicados ao investimento público ("em obras"), pois a despesa estará limitada por um "teto", se isso der certo.

Daí não virá estímulo a crescimento, a não ser pela via indireta, de permitir talvez a baixa mais rápida das taxas de juros. Talvez.

No mais, a "Ponte para o Futuro" está caindo. O plano de privatizar e conceder obras a empresas privadas não anda. Não há plano visível de limpeza do entulho burocrático que emperram negócios no país –nem mesmo de uma equipe dedicada a isso. É o que resta a fazer em um programa dito liberal de reestruturação econômica.

Não está sendo feito. Não há equipe que trate desses assuntos como o pessoal da Fazenda trata da desgraça macroeconômica –goste-se ou não, ao menos tratam.

Nas estatais, reconheça-se, algo anda na Petrobras e, em medida menor, começou a andar na Eletrobras, no Banco do Brasil e na Caixa.

Isso é para o futuro. Agora, o Brasil começou a correr o risco de cair em alguma espécie de depressão. O crescimento pode ir além do 1% previsto para 2017 –estimativas são ruins para além de um semestre. Mas surgem indícios de que pode ficar aquém. Num limbo degradado e inédito.

A defesa de Lula - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 24/11

No desespero da causa perdida, parece que qualquer argumento é válido

Luiz Inácio Lula da Silva está envolvido, como réu, denunciado ou investigado, em tantos processos sobre corrupção, nos quais se acumulam evidências tão sólidas da materialidade das acusações, que a equipe de advogados contratada para defendê-lo parece ter mudado de prioridade tática: em vez de questionar juridicamente as provas apresentadas nos autos, dedica-se a tumultuar as audiências com manobras diversionistas e argumentos políticos, com o claro objetivo de criar em torno dos julgamentos um clima emocional que ajude a comprovar a tese de que o ex-presidente, que se intitula “o homem mais honesto do Brasil”, é vítima de perseguição política movida por interesses escusos.

A mesma tática vem sendo desenvolvida há algum tempo pelos petistas no plano internacional, no âmbito de organizações mundiais e também com governos, partidos e veículos de comunicação de esquerda, visando a obter apoio político e – quem sabe – condições favoráveis para a solicitação de asilo político.

Na segunda-feira passada, em Curitiba, numa sessão de oitiva de testemunhas do processo, presidido pelo juiz Sérgio Moro, em que Lula é acusado de ter recebido vantagens indevidas da empreiteira OAS relativas ao famoso apartamento triplex no Guarujá, os defensores do ex-presidente tentaram tumultuar os trabalhos, interrompendo ruidosamente as inquirições. Não conseguiram levar o juiz Moro a aceitar as provocações e se afastar dos autos do processo. Ou seja, Moro não forneceu justificativas ou pretextos que alimentassem a tese de que seu objetivo é perseguir Lula.

Depois, um dos advogados de Lula afirmou que “o Ministério Público Federal estaria trabalhando com autoridades americanas”, ao arrepio de tratado firmado entre Brasília e Washington em 2001 “que coloca o Ministério da Justiça como autoridade central para tratar esse tipo de questão”.

A teoria conspirativa por trás dessa afirmação é a de que a Lava Jato de modo geral e Moro em particular estão a serviço dos interesses dos EUA, que querem se apropriar do pré-sal. Isso explicaria, segundo a teoria conspiratória que Lula e seus asseclas tentam vender no País e no Exterior, a intenção de “destruir a Petrobrás” que move os policiais, procuradores e magistrados envolvidos no combate à corrupção nos últimos dois anos e meio. Ou seja, quem jogou a estatal na lona não foi a tigrada que roubou a Petrobrás; foram os agentes da lei que levaram para o xilindró os políticos, empresários e empregados que saquearam a empresa.

Em julho, o mesmo advogado procurou em Genebra, na Suíça, o advogado Geoffrey Robertson, que representa Lula no recurso apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU contra a ação da Lava Jato, a quem municiou com informações sobre a “perseguição” que está sendo movida contra o ex-presidente pela Justiça brasileira. Na ocasião, Robertson – apresentado pelos petistas como “um dos mais respeitados especialistas do mundo em direitos humanos” – gravou declarações, no mínimo, injuriosas à Justiça brasileira. Condenou o instituto da delação premiada, que no caso da Lava Jato tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento das investigações de corrupção, com o argumento deliberadamente enganoso de que elas são “suspeitas”, porque “o delator tem interesse em dizer tudo o que a polícia quer ouvir, para obter a liberdade”. O tal especialista escamoteou o fato de que não basta ao delator fazer acusações para ser recompensado com a diminuição da pena a que está sujeito ou a que já foi condenado. É indispensável que ele comprove o que está afirmando.

No desespero da causa perdida, parece que qualquer argumento é válido. Se estão convencidos de que não conseguirão impedir que, mais cedo ou mais tarde, Lula vá parar na cadeia, seus aliados e advogados apelam para o velho recurso da vitimização do “homem mais honesto do Brasil”. Lula já tentou ser o herói maior no Panteão brasileiro. Agora quer se tornar um mártir das causas populares. Terá, na história, o lugar que merece.

Crise se agrava e dá choque de realidade nos estados - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/11
É boa notícia que governadores se convencem da inexistência de saída a não ser por meio de medidas sérias de austeridade e de reforma dos sistemas previdenciários

Mais uma vez uma crise expõe sua faceta pedagógica, aspecto que se torna ainda mais efetivo quando os problemas se agravam. Não faz muito tempo, governadores ainda tentavam empurrar o ônus do ajuste para a União — como se o Tesouro nacional também não estivesse em atoleiro semelhante —, manobra recorrente entre políticos que tentam a todo custo fazer bonito diante do eleitorado.

Sabem todos agora que isso é impossível. A implosão fiscal do Rio de Janeiro é grave, mas não a única. Anteontem, foi a vez de o Rio Grande do Sul seguir a trilha aberta pelo Palácio Guanabara e decretar “calamidade financeira”. Há, na Federação, situações menos graves, porém todos os governadores e prefeitos em alguma medida padecem dos efeitos fiscais da mais longa e profunda recessão da história republicana — o encolhimento do PIB se aproxima dos 10% e os desempregados deverão somar 13 milhões, números catastróficos.

Governadores passaram a trocar informações, e na terça se reuniram com o presidente Temer, presente o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quando, entre outros pontos, ficou estabelecido que os estados precisarão de fato conter de forma dura as despesas correntes. O governador fluminense, Luiz Fernando Pezão, já sabia disso, tanto que enviou um pacote amplo à Assembleia (Alerj). Mas, como se podia prever, não consegue avançar devido a resistências políticas, corporativistas. Tem a partir de agora, porém, o apoio da União e o respaldo de veredicto do Supremo que desativa a indústria de arrestos decretados pela Justiça local.

Todos sabem que o xis da questão nas contas públicas está nas diversas previdências, uma usina ativa de geração de déficits crescentes rumo à quebra final do Estado em meio a um surto de hiperinflação e ao caos social. Por isso, é de grande relevância o acerto feito em Brasília de que a proposta de reforma da Previdência incluirá dispositivos para regular aposentadorias de servidores estaduais, em que há custosas distorções. Deputados estaduais não aprovam medidas desse teor.

O agravamento da crise enfim mostrou aos governadores que não há alternativa a não ser aceitar regras de austeridade na renegociação das dívidas com a União: suspensão de reajustes salariais do funcionalismo por dois anos, teto para as respectivas despesas públicas, cortes de cargos comissionados etc. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal fornece um roteiro para redução de despesas, a fim de reequilibrar as contas. Não há mistérios. O problema é político.

Outro avanço imposto pelas circunstâncias ocorre na questão dos incentivos fiscais, vistos por certas forças políticas como a solução da crise. Mas é impensável suspender isenções sem analisar o impacto no mercado de trabalho, na própria arrecadação, e também implicações no campo da segurança jurídica. A proposta de um fundo para o qual os beneficiários de incentivos fiscais concedidos durante a guerra tributária destinariam 10% do benefício é uma forma ordenada de abordar a questão.

Importante é também a União se manter firme e não aceitar ideias cujo objetivo é manter as coisas como estão, algo inviável. Exemplo é o uso no socorro a governadores dos R$ 100 bilhões que o BNDES estuda devolver à União, recursos que são parte daquela absurda injeção no banco de dinheiro proveniente de dívida pública, no governo Dilma. É concreto o risco de estados e municípios desviarem recursos para saldar contas de custeio e nada fazerem em termos de mudanças fortes e estruturais. Mas, felizmente, esta possibilidade começa a ser afastada pela própria dinâmica da crise. Esperemos, porém.

Prisão de advogados é novo alerta sobre o crime - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/11

Não faltam exemplos, em outros estados, de que ações do banditismo obedecem a um movimento que ruma em direção a agravos cada mais frequentes à segurança pública


A operação que resultou na prisão de 33 advogados acusados de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) restringiu-se a cidades de São Paulo, mas suas implicações transcendem os limites do estado. Por diversas razões. Uma delas, o preocupante gigantismo dessa facção do crime organizado, a maior e mais bem organizada do país, cujos tentáculos alcançam também regiões para além das divisas do Brasil com outros países. E não só na ponta da violência e das ações criminais que são o cerne de sua existência, mas igualmente na diversificação de “negócios” e de ligações além fronteiras que lhe rendem milhões.

Há também no episódio alertas a serem ligados na relação entre personagens do mundo legalmente institucionalizado — advogados que, por prerrogativa da profissão, têm livre acesso a presos, e até, por suposição, agentes do Judiciário. A detenção dos 33 defensores denota ainda, do ponto de vista profissional, uma lamentável falência ética e moral, questão que, para além do aspecto criminal, deve ser tratada adicionalmente no âmbito da Ordem que os representa.

A particularidade de, entre os presos acusados de ligação com organização responsável por assassinatos e crimes de toda ordem, estar o vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos acrescenta um lamentável tom irônico ao episódio, além de lhe conferir mais um elemento inquietante, este, muito grave: a influência da facção criminosa sobre organismos institucionais. A descoberta de que o grupo planejou patrocinar a candidatura de uma advogada a deputada em 2010 igualmente ajuda a dimensionar o poder de infiltração da quadrilha nas instituições.

Tanto quanto a letalidade criminal da organização, portanto, o que o desfecho de anteontem desse episódio deixa de advertência é a força do avanço do crime organizado no país. No Rio, a desenvoltura com que as milícias conquistam territórios ou, quando nada, demonstram poder de disputá-los com quadrilhas do tráfico de drogas é outro front de um mesmo problema. De resto, não faltam exemplos, em outros estados, de que a ação desses grupos obedece a um movimento, se não unificado, mas, sem dúvida, que ruma em direção a agravos cada mais frequentes (e mais perigosos) à segurança da sociedade.

´É fato que passos têm sido dados, no campo da legalidade, para conduzir a guerra contra o crime organizado a um cenário mais positivo. O recente encontro de presidentes dos três Poderes para tratar do assunto e o trabalho conjunto do governo brasileiro com autoridades de outros países do continente, algo novo e necessário, são iniciativas importantes no âmbito das ações estratégicas. Deles, é imperioso que decorram programas imediatos de salvaguarda da sociedade com ações integradas e permanentes de segurança pública.