terça-feira, novembro 08, 2016

Estado de anarquia - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 08/11

Rio tem aposentado de R$ 75,5 mil e servidor ativo de R$ 48,7 mil. Estado aumenta imposto, mas não sabe o valor dos incentivos que deu nos últimos anos


Governantes não sofrem de estresse, eles provocam nos governados. No Rio, como em outros 11 estados, a má gerência pública ameaça o humor e os bolsos de 16,4 milhões de habitantes.

Para tapar parte do buraco cavado nas contas estaduais durante décadas, o governo decidiu aumentar o principal imposto local (ICMS), que é cobrado em cascata da fabricação até o consumo de produtos e serviços.

Por isso, viver no Rio vai custar mais na energia, na gasolina, na cerveja, no chope, na telefonia e na internet. Exemplo: se o estado arrecadava R$ 57 numa conta de luz de R$ 200, a partir de janeiro tomará R$ 64 do consumidor.

Os chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário fluminenses são incapazes de garantir que em 2017 não haverá novos aumentos na carga tributária. Mostram-se impotentes, também, para assegurar pagamento dos 470,4 mil inscritos na folha de pessoal. Ano passado eles custaram R$ 1.914,27 a cada habitante — 12,5% acima da média per capita nacional.

O Estado do Rio tem mais servidores inativos (246,7 mil) do que em atividade (223,6 mil). Sua folha salarial espelha a devastação administrativa executada por sucessivos governos, por interesses políticos e corporativos.

Há aposentadorias de até R$ 75,5 mil no antigo Departamento de Estradas de Rodagem e de R$ 53,4 mil na Fazenda estadual — mostram dados da Secretaria de Planejamento.

Entre servidores ativos, existem remunerações de até R$ 48,7 mil na Defensoria Pública; de R$ 47,2 mil na Fazenda; de R$ 41,9 mil no Detran; de R$ 39 mil na Procuradoria-Geral, e, de R$ 38,2 mil no Corpo de Bombeiros.

Em setembro, o sistema de pagamentos do funcionalismo registrou nada menos que 312 tipos de vantagens, gratificações, auxílios, adicionais e abonos à margem da remuneração convencional. Contam-se, por exemplo, 188 variedades de gratificações e 42 auxílios.

Premia-se por “assiduidade” quem comparece ao trabalho. Gratifica-se por “produtividade”, “desempenho”, “aproveitamento”, “responsabilidade técnica”, “qualificação”, “habilitação”, “titulação” e “conhecimento”. Paga-se por “produção”, “resultados” e até por “quebra de caixa” — aparentemente, quando o saldo é positivo. Tem até uma gratificação “extraordinária de Natal”.

Cargos de confiança no governo, na Assembleia ou no Tribunal de Justiça têm adicionais por anuênios, triênios e quinquênios, além de “verba de representação”. Participantes de conselhos ganham “gratificação de órgão de deliberação coletiva”, “jeton” e “honorários”.

Em paralelo, pagam-se adicionais por “titularidade”, por “atribuição” e até por ocupação de cargo de “difícil provimento”. Existem também “retribuições”, como a de “licenciamento de veículos” e a de “exame de direção”.

O estado perdeu o controle das suas contas. Não sabe sequer o valor das renúncias fiscais que concedeu nas últimas três décadas — o TCE estima entre R$ 47 bilhões e R$ 185 bilhões. Há casos de incentivos a só um beneficiário, alguns por tempo indeterminado, e vários decididos sem o aval da Fazenda.

O orçamento estadual é um clássico de conta feita para indicar como será aplicado o dinheiro que já foi gasto. Numa insólita rubrica da folha de pessoal prevê até um bálsamo para dificuldades financeiras: “Adiantamento funeral”.

A caminho da nova Constituição - NELSON PAES LEME

O GLOBO - 08/11
Como não existem lideranças expressivas no Parlamento, nova ordem brotará certamente das ruas e das redes sociais


A monumental delação conjunta da empreiteira Odebrecht e a grave afirmação do próprio juiz Sérgio Moro, colocando em dúvida se o Brasil sobreviverá depois dela; a falência federativa com a gravíssima crise fiscal da União, dos estados e municípios; o iminente colapso dos sistemas previdenciário e de saúde pública são apenas alguns dos sintomas críticos do fim agônico desta nossa Nova República, inaugurada com a Constituição de 1988. Pode-se ainda acrescentar muitos outros, além do mais grave de todos: a nunca vista crise econômica com seus 12 milhões de desempregados e a retração inusitada dos negócios, com expressiva parte do PIB produtivo brasileiro atrás das grades e uma inadimplência sem precedentes nos bancos. É a chamada “tempestade perfeita” instalada no Brasil.

Os impasses históricos brasileiros, sem solução aparente na crônica, sempre tiveram como corolários os claros processos constituintes a desaguarem em novas cartas constitucionais. O primeiro foi gerado por nossa condição de matriz conferida pelo Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, com a mudança da Coroa portuguesa para cá e o atrito latente de Dom João VI com as Cortes de Lisboa. Advêm desse episódio da história a nossa Independência e a primeira Constituição de 1824. A crise subsequente da decadência do Império, ainda no século retrasado, pressionado pelo movimento abolicionista e pelos militares positivistas que conspiravam por uma nova ordem (e progresso), resultaram na Constituição Republicana de 1891.

Já no século passado, a crise geradora da Revolução Constitucionalista de 1932 que tem origem real na Revolução de 30 e no fim da política do Café com Leite, esta por sua vez com raízes na sucessão crescente de crises, resulta na Constituição de 1934, com o surgimento da Era Vargas. A crise seguinte seria a da Segunda Guerra Mundial, consolidando a liderança trabalhista de Getúlio e a Carta de 1937, a Polaca, de nítido viés fascistoide, implantando o Estado Novo no Brasil, muito influenciado pelo nazifascismo em ascensão. Mas a Constituição de 1937 foi, de todo modo, um marco de clara transformação política, colocando um ponto final na Segunda República e trazendo à luz nossa quarta Constituição. Surge o trabalhismo, com a CLT, grandemente influenciada pela Carta del Lavoro de Mussolini.

Com o fim da Segunda Guerra, a derrota do Eixo e do Estado Novo e com a aura democrática que varreu o continente a partir da América do Norte e da Europa, editamos nossa quinta Constituição em 1946, com novos partidos políticos, UDN, PTB, PSD e PCB (este logo em seguida proscrito, sob o governo Dutra), restaurando as liberdades individuais com nítida influência da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, já então em gestação. O golpe militar de 1964, apelidado pelos próprios interventores de Revolução Democrática, também esculpiu sua nova Carta, em 1967, a sexta Constituição brasileira, com a consolidação do bipartidarismo, logo emendada em 1969, quando absorveu o recrudescimento do Estado autoritário e atirou o país nos anos de chumbo até 1986 com a eleição da Constituinte congressual, que geraria a chamada Constituição Cidadã de 1988, vigente, a nossa sétima Carta.

Embora a visão proporcionada pela lupa da crônica seja sempre um olhar míope e borrado se comparada à lente telescópica da História, já se percebe estarmos na antessala de uma dessas decisivas viradas constitucionais, com o impedimento, em 2016, da débil presidente, apoiada por uma frágil aliança, corrupta e decadente, e um projeto de poder ultrapassado, incompatíveis com os anseios de uma sociedade exigente e altamente mobilizada para a renovação na política e na economia. Por outro lado, a tibieza inusitada de uma representação popular altamente comprometida, aponta para a ruptura entre Estado e sociedade. É o fim do trabalhismo e seu sucedâneo, o lulopetismo de cooptação e favores antirrepublicanos, gestado ainda no útero do Estado autoritário de 1964 a 1984 como estratégia golberiana e maquiavélica de quebrar a unidade das esquerdas brasileiras.

A incisiva ação do Poder Judiciário, da Polícia Federal e de um Ministério Público independente, fruto da Constituição de 1988, preenchendo o vácuo de lideranças políticas confiáveis ou de golpes armados, é a novidade histórica a mobilizar o povo. O que estamos vivenciando é o claro fim de um ciclo: a agonia da Nova República, com seu descontrole partidário e administrativo, a infestação generalizada do fisiologismo legislativo de barganha escancarada e a corrupção disseminada por todo o aparelho do Estado, sem exceção.

Não resta mais a menor dúvida de que o poder constituinte originário, como nos demais exemplos históricos aludidos, surgirá fatalmente desse quadro insustentável, diante da inusitada contaminação antiética da política, do Congresso e, portanto, do poder constituinte derivado. E da inércia quase catatônica do presidente da República em convocar logo a nação, com bravura histórica. Como também não existem lideranças expressivas no Parlamento, essa nova ordem brotará certamente das ruas e das redes sociais, onde se encontram os talentos desta feita. Novas lideranças surgirão rapidamente dessas mobilizações sucessivas, com um novo ordenamento constitucional. Será historicamente inevitável. Poucos conheciam, em meados do século XX, as lideranças civis que fariam a sua história.

Estamos, nos umbrais da nossa oitava Constituição.

Nelson Paes Leme é cientista político

Aconteça o que acontecer, a vitória de Donald Trump está garantida - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 08/11

Peço desculpas ao leitor se estraguei o café da manhã. Mas o título não é uma previsão; é uma conclusão. Trump já ganhou, mesmo que perca. Porque o populismo vence sempre, mesmo quando não vence. Lição da história.

Nos últimos dias, entediado com tantos clichês sobre a corrida presidencial americana, procurei outras pastagens para os meus neurônios. E encontrei um livro recente de John B. Judis, intitulado "The Populist Explosion", que merece leitura por qualquer pessoa interessada em política.

Como o título indica, é uma análise do populismo nos Estados Unidos e na Europa. Como explicar Donald Trump (e Bernie Sanders)? E como explicar a onda populista que varre Espanha, França, Itália, Áustria, Suécia etc. etc.?

Deixemos a Europa para uma próxima oportunidade. Fiquemos nos Estados Unidos porque a palavra –"populismo"– nasceu lá e só depois emigrou para a Europa (e, claro, para a América Latina).

Para Judis, o "populismo", mais do que uma "ideologia", é sobretudo uma "lógica política": um confronto entre o "povo" e a "elite" em que o líder carismático defende o primeiro contra os alegados abusos da segunda. Trump é apenas o último capítulo de um fenômeno que sempre emergiu em situações de crise.

Essa história começa em finais do século 19, quando o entusiasmo do governo pelo "capitalismo laissez-faire" não era partilhado pelos agricultores do sul e das Grandes Planícies. Uma combinação de desastres naturais, monopólio ferroviário que cobrava forte pelo transporte dos produtos agrícolas e mão de obra barata (da China, do Japão, da Itália) levou à revolta dos trabalhadores nativos, representados pelo Partido Populista, contra a "oligarquia" dos dois partidos.

Exigências dos populistas: nacionalização da ferrovia; fim da imigração (sobretudo chinesa); maior poder para o governo na esfera econômica, de forma a proteger os mais vulneráveis.

O Partido Populista desapareceu com a nova centúria (foi absorvido pelos democratas de William Jennings Bryan). Mas a influência do populismo, à direita e à esquerda, continuou: com o republicano Roosevelt (Theodore) e com o democrata Roosevelt (Franklin).

Aliás, se existe uma lei na dinâmica populista é que ela, quando hiberna, deixa sementes que serão transplantadas para os partidos do sistema.

Escreve John B. Judis, com inteira razão, que Franklin Roosevelt não concedeu prioridade imediata às desigualdades econômicas provocadas pelo Grande Depressão ao ser eleito em 1932.

O Roosevelt do New Deal também se explica com o populismo de Huey Long, o político da Lousiana que, antes de ser assassinado, em 1935, era uma ameaça para os democratas ao defender taxação séria dos ricos e redistribuição de riqueza pelas massas. Roosevelt não desprezou esses argumentos.

Sabemos hoje que o New Deal se tornou a ideologia dominante durante quatro décadas. Pelo menos, até George Wallace entrar em cena, em nome da classe média (e branca) que pagava essa ideologia.

O populismo de Wallace, combatendo a cultura de assistencialismo e a "burocracia corrupta" de Washington, foi tão poderoso que alterou o perfil dos eleitorados democrata e republicano. Os democratas passaram a contar com o apoio da "intelligentsia" e dos profissionais liberais. Os republicanos acolheram o "homem comum" e o desprezo pelas intromissões do governo federal. Até hoje.

E Trump? Como qualquer populista, ele surge no rastro da grande recessão de 2008. Mas nada do que ele diz é novidade. Combater a imigração; proteger a indústria americana da competição internacional; impedir a deslocalização de empresas para fora dos Estados Unidos; cultivar o isolacionismo nas relações internacionais –tudo isso foi dito por Ross Perot ou Pat Buchanan, dois populistas recentes que antecederam Trump e prepararam o caminho.

No futuro, todas essas ideias serão assimiladas e praticadas, de forma mais elegante e racional, pelos partidos do sistema que nunca ficaram imunes às persuasões populistas. A sensibilidade populista é a primeira antena a captar preocupações reais da população, mesmo que as respostas a essas preocupações sejam toscas ou radicais.

Moral da história?

Donald Trump é um pormenor. Como nas leis da química, o populismo que ele encarna nunca morre e nunca perde. Apenas se transforma.


Escritor português, é doutor em ciência política.

Brasil vs. Argentina: nós que começamos - RONALDO HELAL

O GLOBO - 08/11

O debate sobre Pelé e Maradona só começa a aparecer no estudo a partir da Copa de 2002


Com o objetivo de analisar as narrativas da imprensa argentina sobre o futebol brasileiro, realizei pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Buenos Aires durante os anos de 2005 e 2006. O período analisado foi as Copas de 1970 a 2002. As narrativas da imprensa argentina sobre nosso futebol eram, surpreendentemente, elogiosas e a referência ao nosso suposto “jogo bonito”, uma constante. Uma frase do antropólogo Pablo Alabarces, que me convidou para fazer a pesquisa, permeou todo o trabalho: “Os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar os brasileiros”.

No material de pesquisa, as provocações ao Brasil surgem a partir de 1998, mas somente no “Olé”, jornal esportivo fundado em 1996 e que tem uma linha editorial irônica, inclusive localmente. O debate sobre Pelé e Maradona só começa a aparecer no estudo a partir da Copa de 2002. Pelé tinha sido, inclusive, colunista do “Clarín” em diversas Copas e na de 1990 ele é anunciado como o melhor da história, em foto com Maradona, que ia jogar aquele Mundial.

Por falar em “Olé”, seu acesso on-line é livre. Suas manchetes em relação ao Brasil são, quase sempre, debochadas, como também o são em relação aos times e jogadores argentinos, dependendo da situação. Mas fora as manchetes, as matérias tendem a ser “neutras” e muitas vezes elogiosas. Chama a atenção a importância que o noticiário brasileiro, inclusive os que não são especializados em esportes, dá às manchetes deste diário. A impressão que se tem é de que nós não nos damos ao trabalho de ler as matérias ou não entendemos o espanhol, além de não compreendermos que o “Olé” não é para ser levado tão a sério. É preciso contextualizá-lo.

Ao analisar os jornais brasileiros do mesmo período, concluí que nossa implicância com os argentinos é anterior à provocação deles conosco. Nossa imprensa vem provocando a Argentina desde 1994, sendo que varamos a madrugada para torcer contra a Argentina na Copa de 2002, em partida contra a Inglaterra. Maradona chegou a ser tratado na imprensa neste período como “gordote cheirador”.

Passados dez anos, a relação entre brasileiros e argentinos mudou. Muito devido à internet, os argentinos se deram conta das provocações constantes dos e passaram a “amar nos odiar” também.

Na Copa de 2014, um número expressivo de torcedores argentinos veio ao Brasil tripudiando de nós em suas canções e nos sentimos ofendidos, como se nós, em situação semelhante, não fizéssemos o mesmo. A publicidade brasileira em períodos de Copa do Mundo coloca muitas vezes o argentino como alvo de pilhéria. Em um comercial, por ocasião da Copa do Mundo de 2010, uma latinha de cerveja chamava um argentino de maricón. E até pouco tempo, tínhamos personagem argentino alvo de deboche todos os sábados em programa de TV. Como diz o ditado: não sabe brincar, não desce para o play.

As “provocações” agora vêm de ambos os lados. Elas costumam fazem parte do universo futebolístico, daquilo que a sociologia chama de “relações jocosas”.

De fato, só rivaliza-se com quem é grande e por quem nutrimos certa admiração, ainda que latente. A “Ilíada” de Homero está cheia de passagens que mostram o respeito entre gregos e troianos e entre os heróis Aquiles e Heitor. Mas, diferentemente dos conflitos que podem levar à aniquilação de um povo, no esporte a rivalidade é intrínseca a sua natureza. Uma equipe necessita da “outra” para se singularizar. Por isso, dificilmente esta rivalidade adquire consequências graves. Mas o “amar odiar” não pode se transformar em “odiar”.

Os meios de comunicação de ambos os países têm contribuído para o acirramento do “amar odiar”, ao fomentar a rivalidade, instigando as desavenças. É preciso mudar o tom das narrativas. O rompimento da fronteira do “amar odiar” para a intolerância pode ser muito perigoso. A rivalidade não deve se cristalizar desta forma.

Ronaldo Helal é professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj

No Carnaval, Marcelo Crivella terá que rebolar - ALVARO COSTA E SILVA

FOLHA DE SP - 08/11


RIO DE JANEIRO - Difícil visualizar o prefeito eleito Marcelo Crivella na lavagem da avenida Marquês de Sapucaí, na qual as baianas preparam o palco do desfile das escolas de samba com palmas de diversas cores, folhas de arruda e comigo-ninguém-pode, defumadores, vassouras e litros de água de cheiro. Eduardo Paes, que está deixando o cargo, adorava a celebração.

Não dá para comparar a empolgação de um e do outro com o Carnaval. Paes, sambando em frente aos ritmistas da Portela, chegava a roubar a cena da rainha de bateria. Quanto a Crivella, não se sabe se irá comparecer ao Sambódromo. Nem como será a entrega tradicional das chaves da cidade ao Rei Momo, que, no entendimento de muitos evangélicos, representa o cramulhão.

Imagine se continuasse a desfilar a grande sociedade Tenentes do Diabo. Ou se o América ainda oferecesse aos foliões o Baile do Diabo, com o salão lotado de incríveis diabetes. Ou se voltasse às paradas a marchinha "Diabo Sem Rabo" que Milton de Oliveira e Haroldo Lobo fizeram para a festa de 1938, cujos versos dizem: "A minha fantasia é de diabo/ Só falta o rabo, só falta o rabo". A música acabou proibida pela censura.

Há questões mais graves a enfrentar no Rio: mobilidade no trânsito, regulamentação do Uber, melhorias nas áreas de saúde e saneamento básico, hospitais municipalizados, obras inacabadas da gestão anterior. Tudo isso vai se somar a uma brutal queda do orçamento, pois uma nova Olimpíada nem tão cedo.

Deixar o Carnaval de lado não parece uma boa política. A ocupação hoteleira bate 85%; mais de um milhão de turistas chegam à cidade; alguns blocos, como o Bola Preta, podem carregar o mesmo número de pessoas; a festa na rua reúne mais de 600 eventos; a injeção de dinheiro ultrapassa os R$ 3 bilhões. Mesmo que não queira, Crivella terá que rebolar.


A República vem aí - MARCO ANTONIO VILLA

O Globo - 08/11


É uma enorme hipocrisia dar ao grande capital, ao ‘mercado’, o protagonismo neste momento tão crucial da vida brasileira


A Praça dos Três Poderes conspira abertamente contra a Lava-Jato. Teme que a República seja abalada. Apurar até o fim as acusações de corrupção colocaria em risco a estabilidade política. Sim, para os donos do poder — e não é uma simples imagem linguística — a punição dos grandes empresários, de políticos e seus asseclas não faz bem à democracia. Para eles, tudo tem de continuar como está. A Lava-Jato teria ido longe demais.

No Congresso, as principais lideranças preparam a aprovação de um projeto de lei anistiando o caixa dois. Argumentam que todos os partidos políticos tiveram de se adequar à realidade, a da violação da lei. Seria o único meio de fazer uma campanha eleitoral. Não receberam o dinheiro para usufruto pessoal — o caixa três. Não. Todos os recursos foram aplicados nas campanhas. Segundo eles, as contribuições ilícitas seriam lícitas. Neste curioso jogo de palavras não há propina, desvio de recursos públicos ou sobrepreço no pagamento de obras ou mercadorias por parte do poder público ou de suas empresas ou bancos. Mas, simplesmente, a inexistência de registro contábil de recebimento de apoio financeiro.

Se for aprovada a anistia do caixa dois, o Congresso vai concluir sua recente obra de legalizar a ilegalidade, que inclui a Lei de Leniência e a da repatriação de capitais. É o elogio ao crime, que, no Brasil, compensa. E, pior, com o objetivo de salvar dezenas de políticos de processos-crimes, acabará desmoralizando a ação da Justiça, impedindo o devido saneamento da vida pública.

Nesta conspiração antirrepublicana, que preserva o status quo, o grande capital especulativo e espoliador joga importante papel. Foi parceiro durante 13 anos do PT. Nada fez pelo impeachment. Silenciou quando das revelações dos escândalos. Participou do saque. Obteve lucros fabulosos. Glorificou Lula durante anos. E, agora, tenta esconder seus interesses — nada republicanos — sob a alcunha de “mercado.” É uma enorme hipocrisia dar ao grande capital, ao “mercado”, o protagonismo neste momento tão crucial da vida brasileira.

A elite político-econômica tem nas cortes superiores de Brasília aliados poderosos. A maioria dos ministros deseja limitar a ação da Lava-Jato. Creem que ela foi longe demais. Invocam preceitos jurídicos como cortina de fumaça. São tão farsantes como as lideranças políticas do Congresso. A única diferença é o uso da toga. Desejam deixar tudo como está. Afinal, são partícipes entusiastas desta República bufa.

Nos últimos dias, o desespero da Praça dos Três Poderes aumentou de intensidade. A proximidade da delação premiada de 75 diretores, altos funcionários e dos proprietários da Odebrecht intensificou as articulações. Temem que sejam atingidos em larga escala — como serão. Tudo indica que o Brasil não será o mesmo após as homologações das delações. Devem atingir todo o espectro político de Brasília. E com efeitos incalculáveis.

Daí a operação para conter seus efeitos. Buscam edificar às pressas um arcabouço legal. É uma luta de desesperados. A Lava-Jato não vai interromper sua ação. Necessitam desmoralizá-la. Tentaram. Não conseguiram. Resta a chicana jurídica, o apoio das Cortes nada superiores de Brasília e a busca de apoio na sociedade apontando o perigo de colocar em risco a recuperação econômica.

É difícil encontrar outro momento na história republicana brasileira tão propício como o que vivemos para enfrentar — e vencer — a estrutura corrupta que tomou conta do país. A Constituição de 1988 concedeu os instrumentos para o exercício da cidadania. E que nestes últimos anos estão sendo exercidos. Quando os direitos eram somente para inglês ver, não havia problema algum. Tudo mudou quando foram exercidos na sua plenitude.

As grandes mobilizações dos últimos dois anos, a presença ativa das redes sociais, a auto-organização da sociedade civil e a vitoriosa luta pelo impeachment de Dilma Rousseff deixaram os donos de poder em situação difícil. Não podem mais decidir entre quatro paredes como gerir e dominar o nosso país, como fizeram durante décadas.1

O novo Brasil que está nascendo encontra na República carcomida o seu maior adversário. É necessário destruíla para poder edificar o pleno estado democrático de direito. Esta é a contradição principal — e antagônica. Não há qualquer possibilidade de encontrar uma conciliação entre democracia e corrupção. O velho jeitinho congressual-jurídico não conta mais com a complacência popular.

A corrupção está de tal forma entranhada na estrutura republicana que impossibilita o sistema de se autorreformar. Afinal, a corrupção é um sistema que contempla múltiplos interesses. Se fosse apenas um negócio entre corruptor e corrupto, poderia ser de fácil solução. E aí mora o nó górdio a ser desatado. Ao enfrentá-la, os moralizadores da República vão ter de travar combates com poderosos inimigos espalhados tanto na estrutura de Estado, como fora dela. A socialização da corrupção deu a ela um enorme poder de resistência.

Coincidentemente, o ápice da LavaJato deve ocorrer próximo à data magna da República, o 15 de novembro. Nunca estivemos tão perto de proclamá-la. Afinal, o marechal Deodoro da Fonseca simplesmente anunciou, naquela sexta-feira, logo pela manhã, a mudança do regime. A hora é agora. E é possível. Se perdermos esta oportunidade, dificilmente teremos outro momento tão propício para colocar em prática o sonho dos republicanos históricos como Silva Jardim e Saldanha Marinho.

A regra do jogo - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO 08/11

Segundo Moro, o que mais choca é que corrupção não era exceção, mas sim a regra



Em sua longa e inédita entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt, no Estado, o juiz Sérgio Moro foi simples, cauteloso, mais preocupado em dar sua versão da Lava Jato ao País do que ostentar erudição para seu público interno ou fazer provocações incabíveis aos alvos das investigações e sentenças. Não personificou críticas e não adiantou julgamentos, mas deixou muito claras suas posições e motivações.

Assim como eu, tu, nós e eles, Moro confessou que o que mais o chocou em todas essas revelações da Lava Jato foi “a própria dimensão dos fatos” e a descoberta de “uma corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo”. Sim, há crime de colarinho branco no Brasil e no mundo. Sim, desvio de dinheiro público, ganância do setor privado, enriquecimento de servidores, nada disso é novo, nem tão surpreendente. O que surpreende, ou choca, é a dimensão, é a corrupção deixar de ser exceção e virar regra.

Talvez o exemplo mais contundente disso seja o delator Pedro Barusco, que se comprometeu a devolver US$ 100 milhões. O cara era gerente de Engenharia da Petrobrás, ou seja, nem diretor era. E devolve o correspondente a R$ 320 milhões?! Quem devolve tudo isso roubou quanto? E ainda guardou quanto? Logo, Barusco dá uma boa dimensão do que foi o petrolão e mostra como a corrupção não era restrita, ocasional, mas uma rede sem limites, corriqueira.

E por que só ex-tesoureiros do PT foram presos? (Aliás, três deles.) A resposta de Moro foi simples: só tinha poder para nomear e manter diretores e gerentes que negociavam, distribuíam e embolsavam propinas milionárias era quem estava no governo. Por óbvio, quem não tinha a caneta e o Diário Oficial não podia nomear um Barusco para roubar e fazer o rateio do roubo. Então, perguntaram os repórteres, a Lava Jato vai poupar PSDB e até o PMDB, principal aliado do PT com Lula e Dilma? “Processo é uma questão de prova”, respondeu Moro, machadianamente. Poderia acrescentar: “questão de prova, meu caro Watson”.

Moro disse que “o trabalho feito lá (no Supremo) merece todos os elogios”, mas não deixou de mexer numa velha ferida exposta agora pela Lava Jato: o foro privilegiado. O STF não está capacitado para investigar, julgar, condenar ou absolver 513 deputados, 81 senadores e todos os outros poderosos que têm privilégio de foro. E são só 11 ministros, atolados por 44 mil processos só no primeiro semestre deste ano. No mínimo, tudo será muitíssimo mais lento. Para Moro, o ideal seria reduzir o foro privilegiado, que penaliza os ministros e acaba por beneficiar os políticos, para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do próprio Supremo.

Sempre cauteloso, Moro repetiu o questionamento da ministra Cármen Lúcia sobre a oportunidade de o Senado endurecer a lei de abuso de autoridade em meio ao maior julgamento de partidos e políticos da história do País, mas fez uma espécie de chamamento ao Congresso para “acompanhar a percepção de que é necessário mudar” e aprovar o pacote de medidas anticorrupção apresentado pelo MP e referendado por milhões de brasileiros.

Por falar nisso, o juiz disse que “jamais, jamais” seria candidato a um cargo político. Está escrito e publicado, mas Moro só tem 44 anos, comanda um processo inédito de depuração das práticas políticas e é tão amado e tão odiado quanto costumam ser, não os juízes, mas os políticos. E, afinal, o futuro a Deus pertence.

Suspeita. Conversando no domingo com o ex-ministro e meu amigo Milton Seligman, surgiu a dúvida: quem votou pelo Brexit no Reino Unido, contra o acordo de paz na Colômbia e pela ascensão de Trump foram os homens brancos, de meia-idade, sem diploma e conservadores? Ou foi o populismo fácil, o marketing rasteiro, a manipulação de líderes irresponsáveis?

Desista, petista, nós já sabemos qual é a sua - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 08/11

Quando o PT negou a Constituição de 1988, você vibrou. Achou incrível aquela atitude revolucionária, que negou os retrocessos da "direita". A mesma coisa quando o PT votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Que legitimidade esse Congresso neoliberal pensa que tem para limitar a capacidade do governo de promover a justiça social?", pensou.

Você dizia que as manifestações de rua eram a expressão máxima da democracia e que todos que reivindicassem seus direitos deveriam ser ouvidos. "Mais cotas, democratização da mídia, taxação de grandes fortunas, passe livre já!". Era lindo ver as ruas tomadas de vermelho.

Com a mesma empolgação você exaltava os pobres e a pobreza. Celebrando a vitória dos governos petistas nas urnas, você explicou, de peito estufado, que o povão sabe votar, sim. A sabedoria daqueles que sentem a pobreza na pele era maior do que a arrogância dos que defendiam a "direita" do alto de seus doutorados.

Você foi absolutamente compreensivo quando, em 2015, Dilma cortou R$ 10,5 bilhões da Educação, prejudicando iniciativas como o Pronatec e o Fies, e nomeou Joaquim Levy, representante do mercado financeiro,
para o Ministério da Fazenda. As coisas não iam muito bem, era preciso acertar as contas. A gerentona até elogiou a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em março deste ano, quando o governo petista propôs um teto para os gastos públicos por meio de um projeto de lei complementar, você também não ligou. Dilma estava sujeita à pressão dos bancos, que, apesar dos lucros recordes, nunca aceitaram a criação de direitos para os mais pobres.

Tudo mudou quando a população pintou as ruas de todo o país de verde e amarelo para pedir o impeachment de Dilma Rousseff. Ali você já não achava que as ruas eram soberanas. Aquela gente pequena, ignorante, de classe média, não tinha o direito de se manifestar. Afinal, a rua tem dono, e fascista –que é aquele que simplesmente discorda de você– tem mais é de ficar calado.

A Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que você sempre desprezou, passaram a pautar os seus argumentos. "É golpe! Sempre defendi as leis", você dizia. Fechando os olhos para a infinidade de documentos que provavam o crime, berrou e esperneou contra os milhões de brasileiros que, segundo você, estavam a serviço de uma conspiração das elites.

Mesmo após a condenação de Dilma Rousseff, você se negou a aceitar a derrota. Esperneou contra a proposta de teto de gastos do governo Temer dizendo que ela cortaria investimentos nos setores da Saúde e

Educação e se disse emocionado com o discurso de Ana Júlia —porta-voz das invasões que acabaram em depredações, agressões e até na morte de um adolescente—, mas não deu um pio sobre a votação em que PT, PSOL e PC do B se posicionaram contra o investimento de mais de R$ 1 bilhão na Educação.

Você atingiu o ápice da hipocrisia quando, deparando-se com a acachapante derrota de Freixo (PSOL) no Rio e Haddad (PT) em São Paulo, despejou seu ódio contra os pobres, chamando-os de burros e dizendo que eles eram merecedores da própria miséria. A "festa da democracia" transformou-se em "ditadura dos pobres que não sabem votar".

Desista, cara. Você sabe que não quer ter um debate intelectualmente honesto. Você não dá a mínima para o país. Sua moral é flexível, e o que define sua curvatura é um partido político.

Todo mundo já entendeu qual é a sua.

O risco da intervenção - MERVAL PEREIRA

O Globo - 08/11


A Assembleia Legislativa do Estado do Rio começou ontem a debater o pacote de corte de gastos apresentado pelo governo, sob uma dupla ameaça. Uma, imediata, representada pela decisão da Justiça de bloquear a conta do estado, em razão do não pagamento de uma dívida com a União no valor de R$ 170 milhões. A outra, mais longínqua, mas muito mais perigosa, é ver aumentar o risco de que a desordem, que já assola as finanças locais, migre para o campo da prestação de serviços públicos básicos.

A advertência está numa análise do economista José Roberto Afonso, que assessorou o governo do Estado do Rio na elaboração do pacote. Ele teme que “a desordem social poderá tornar inevitável a intervenção federal, que, no fundo, é como a falência de um governo acaba sendo decretada e equacionada à luz da vigente Constituição”.

Se a União for forçada a decretar a intervenção, a responsabilidade formal dos atos de governo em um estado sob intervenção passa a ser do governo federal. Nesse caso, se estourado o limite de dívida e houver necessidade de demitir servidores, como se aproxima, será o interventor federal que o fará; se ficar inadimplente e o Tesouro for sequestrar o caixa do estado, será sob gestão de um interventor federal.

José Roberto Afonso explica que, neste contexto, o perigo existe “se o pacote de austeridade não for compreendido e aprovado, ainda que com mudanças, que mantenham seu efeito financeiro”. Para tanto, diz ele, muito ajudaria se outros governos e Poderes também pudessem participar desse esforço de guerra, “até para evitar que a bomba caia nos seus colos”.

Esta foi a segunda vez em que as contas do estado foram bloqueadas pela Justiça nos últimos dias. O saldo do caixa de recursos ordinários na véspera da edição do pacote era “zero”, porque o pouco que lá ainda tinha foi arrestado pela Justiça.

Como explica José Roberto Afonso, que é um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, o controle na boca do caixa, típico de crise e que anula a política fiscal, agora passou a ter sua última palavra dada pelo Judiciário, à revelia do Executivo.

“Além de tornar inócuos planejamento e orçamento, nem mesmo se consegue mais definir prioridades e se saber publicamente quem são os “felizardos” escolhidos para pular para frente na fila de milhares de fornecedores, e brevemente também de servidores, com contas a receber”.

A partir de agora, toda arrecadação que entrar na conta estadual vai direto para a União, até completar o valor devido. A Secretaria estadual de Fazenda mandou suspender todos os pagamentos a fornecedores e funcionários, e admitiu que está em risco o pagamento dos salários de servidores, que deveria ser efetuado em 16 de novembro.

Outra questão que dificulta uma solução menos drástica, argumenta José Roberto Afonso, é que o governo estadual não tem mais espaço para se financiar, e por isso em absolutamente nada adianta limitar a expansão futura de seus gastos, “até porque eles já foram cortados em termos reais nos últimos dois anos”.

O pacote objetiva reduzir direta e expressivamente a despesa total, inclusive mirando especialmente o gasto com pessoal, ativo e inativo. Como o estado excedeu o limite de dívida consolidada, de hora para outra, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que transforme um déficit primário atualizado de R$ 15 bilhões em superávit.

“Poucos atentaram que é um ajuste muito mais duro do que quando se ultrapassa o limite da folha de pessoal”, explica José Roberto Afonso, que não tem dúvidas de que esse limite também será superado, “porque não há criatividade que resista a queda tão profunda e contínua da receita”.

Na Lei de Responsabilidade Fiscal havia uma previsão para que também o Governo Federal tivesse um limite para se endividar, mas esse dispositivo nunca entrou em vigor. “A União até hoje não se submete a qualquer limite para se endividar, e assim pode emitir medida provisória e dinheiro e, com isso, aumentar a meta de déficit primário”, comenta José Roberto Afonso.

Na direção exatamente oposta, o Rio foi obrigado a adotar um pacote de austeridade, sem precedente recente na Federação brasileira, e que até pode servir de referência, comenta José Roberto Afonso. A crise financeira chegou a tal gravidade que tornou inócuos os atenuantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, no caso de recessão e de calamidade.

Crise da previdência fluminense não é a única - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 08/11
O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a reagir com medidas amplas ao agravamento da crise fiscal, e é grande o número de unidades da Federação em apuros

O Rio de Janeiro, com sua capital, costuma lançar moda, antecipar tendências. Isso acontece na crise fiscal, a mais grave pelo menos desde meados do século passado, razão do pacote de ajustes lançado pelo governador Luiz Fernando Pezão na sexta-feira, e entregue ontem formalmente à Assembleia Legislativa (Alerj).

O estado padece do mesmo sério problema que desestabiliza a União: receitas em queda, devido à recessão causada pelos erros de política econômica acumulados desde o segundo mandato de Lula — e aprofundados com Dilma, a ponto de ela sofrer impeachment, por desmandos fiscais —, enquanto as despesas, boa parte delas indexada à inflação ou ao salário mínimo, sobem. A irresponsabilidade fiscal cortou os fluxos de investimentos, Dilma insistiu na concessão de incentivos ao consumo enquanto mascarava a contabilidade pública, e assim o PIB naufragou em funda recessão que já produziu 12 milhões de desempregados e ruma para os 13 milhões.

O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a propor ao Legislativo um conjunto de medidas duras, caminho a ser percorrido pelo resto da Federação. Com uma crise agravada pela aposta errada na manutenção do fluxo de elevadas receitas provenientes dos royalties pagos pela produção de petróleo e gás, o governo quer suspender reajustes salariais, anuncia cortes na máquina administrativa e leva à apreciação dos deputados uma reforma na previdência estadual. Pode servir de modelo a outros estados também com graves desequilíbrios nos sistemas de seguridade — e não são poucos.

Para evitar um déficit orçamentário estimado em R$ 17,5 bilhões este ano, dos quais R$ 12 bilhões apenas na previdência, o Palácio Guanabara deseja aumentar a alíquota de contribuição dos servidores ativos de 11% para 14% e, durante quatro quadrimestre, uma taxa adicional de 16%. Quem hoje nada contribui recolherá os mesmos 30%.

A paulada é proporcional à demagogia e ao populismo com que salários, aposentadorias e pensões costumam ser tratados por governantes. Mas chega um dia em que é preciso apagar um enorme incêndio fiscal como este, e a conta pesada é entregue aos contribuintes. O desastre é amplo. De acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), das 27 unidades da Federação, 13 não têm como arcar com um ano de benefícios de seus afiliados — indicador da baixa liquidez de todo o sistema. No ano passado, a previdência dos estados e mais o Distrito Federal acumulou um déficit de R$ 60,9 bilhões

Numa situação desta gravidade, há ainda a intenção do governo de corrigir o absurdo que é a Justiça, o MP, a Defensoria e o TCE não recolherem sua parte para a aposentadoria de seus bem remunerados servidores. A conta vai direto para o Tesouro estadual, virtualmente quebrado, como o da União. A Alerj precisa ser firme na aprovação do pacote.

Os esclarecimentos de Moro - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 08/11

Motivado, segundo suas próprias palavras, pela necessidade de “prestar alguns esclarecimentos”, o juiz Sérgio Moro, principal responsável pelos julgamentos dos réus da Lava Jato na primeira instância, deu uma importante entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt, do Estado, na qual afirmou que o foco da Lava Jato “não tem sido propriamente o caixa 2 de campanhas eleitorais, mas o pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção”. Esse era o esclarecimento que se fazia mais necessário ante a perspectiva de se confundir uma situação que envolve indistintamente todos os partidos políticos – o financiamento eleitoral com dinheiro de empresas – e o crime de corrupção disfarçado de doação eleitoral efetuada por empreiteiras para partidos, em especial os que estavam no governo.

Nunca é demais enfatizar a clara diferença entre uma coisa e outra. No primeiro caso, partidos da situação e da oposição eram, até pouco tempo atrás, fartamente financiados por empresas muito interessadas em eventuais favores que seus financiados pudessem fazer uma vez eleitos. Tratava-se, obviamente, de captura do poder político por pessoas jurídicas – que, por definição, não são eleitores –, razão pela qual a prática foi felizmente abolida pelo Supremo Tribunal Federal. A despeito do caráter evidentemente nocivo para a democracia, não havia crime nessa prática.

Mesmo assim, em tempos de escandalosas delações e de pânico generalizado sobre novas listas de políticos e partidos eventualmente envolvidos na Lava Jato, corre-se o risco de considerar todos os beneficiários de doações eleitorais de empreiteiras como sendo partes integrantes do esquema criminoso genericamente chamado de “petrolão”. Ora, se assim fosse, não restaria pedra sobre pedra no sistema político-partidário nacional – situação que interessaria àqueles que efetivamente têm culpa no cartório, isto é, que receberam propina, pois essa interpretação igualaria a todos.

Ciente de que se trata de situações muito diferentes, o juiz Sérgio Moro disse que o foco da Lava Jato é apenas o “pagamento de propinas na forma de doações eleitorais registradas ou não registradas, ou seja, crime de corrupção”. Esse pagamento, conforme enfatizou o magistrado, só poderia ter sido feito a “agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo”, pois eram os partidos destes que “davam suporte à permanência daqueles agentes da Petrobrás (envolvidos no esquema) em seus cargos”.

Vem em boa hora esse esclarecimento de Moro, para que se frustrem as artimanhas dos encalacrados na Lava Jato, especialmente os petistas, ansiosos para provar que são “perseguidos” por aquele juiz e pela força-tarefa da operação. Ora, como afirmou Moro, “se havia uma divisão de propinas entre executivos da Petrobrás e agentes políticos que lhes davam sustentação, vão aparecer (nas delações) esses agentes que estavam nessa base aliada”.

A lógica cristalina dessa resposta, que não embute nenhum juízo de valor político-partidário ou ideológico, revela o equilíbrio que se espera do magistrado que hoje é a referência da mobilização da sociedade contra a corrupção. Sem deixar de expressar sua indignação com as práticas deletérias que a Lava Jato está ajudando a revelar ao País, especialmente a reiteração dos crimes mesmo durante a fase em que estes já estavam sendo investigados e punidos, Moro enfatizou diversas vezes ao longo da entrevista que as medidas mais duras, como as prisões, só são adotadas quando plenamente fundamentadas – e, em todo caso, “existe um sistema dentro do Judiciário que propicia que minhas decisões sejam eventualmente revistas por instâncias recursais ou superiores”. Como a grande maioria das decisões de Moro tem sido mantida, isso significa, conforme disse o juiz, “que está havendo uma aplicação correta da lei”.

Nota-se, nas palavras de Moro, a segurança de quem conhece suas responsabilidades e seus limites. Declarou que “jamais” será candidato a nada, disse considerar “passageiro” o apoio da opinião pública a seu trabalho e que a Lava Jato não se presta à “salvação nacional”. No máximo, toda essa operação “pode auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia”. É o que se espera.