segunda-feira, setembro 12, 2016

FLAMENGO: ‘CHEIRINHO DE HEPTA’

PARÁ É MELHOR QUE O MESSI
MÁRCIO ARAÚJO JOGA MAIS QUE NEYMAR




Quem diz que não existe pregação socialista nas escolas mente ou é desinformado - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/09

Quem disser que não existe pregação política socialista ou afins nas escolas e nas universidades mente ou é, simplesmente, desinformado. Chega-se ao cúmulo do ridículo quando se nega isso em público. Só se repete essa mentira em público porque a maior parte da audiência –feita de professores, alunos e gente "do ramo"– concorda com a pregação petista.

Já disse isso aqui, mas, como num mundo ruidoso como o nosso sempre precisamos repetir o óbvio, vamos lá: quase todo professor de humanas prega descaradamente em sala de aula a cartilha marxista, requentada ou não. E, assim, formará outros professores, artistas, cineastas, profissionais de TV e rádio, publicitários, advogados, jornalistas, enfim, um monte de gente que será massa de manobra de partidos como o PT e PSOL.

Entretanto, não sou a favor de uma lei que crie espaço para ainda mais censura na sala de aula. Por outro lado, se pais, professores menos alienados na cartilha marxista e alunos menos manipulados por essa cartilha não botarem a boca no trombone, continuaremos a ter a reprodução infinita de esquemas de "bullying" intelectual e institucional contra professores e alunos que se distanciarem desse quadro de "comissários petistas do povo".

Nesta semana recebi de uma leitora uma foto de uma lousa numa sala de aula de uma dessas escolas caras da zona oeste de São Paulo, que prima por ser a mais rica da cidade e com mais gente 'mimimi', na qual o professor ou professora pedia um trabalho cujo tema era "Fora Temer, golpista" (sei qual é a escola, mas não vou dar o nome dela aqui para poupá-la da saia justa).

A foto foi tirada por uma aluna, como é de hábito hoje em dia fazer quando o professor escreve algo na lousa, em vez de copiar no caderno. A intenção da atividade didática era levar os alunos a pesquisar e refletir sobre o "golpe" e as formas de enfrentamento dele.

"Et voilà", diriam os franceses quando mostram algo óbvio. Poderíamos acrescentar que, na pós-graduação, professores dedicam parte de suas aulas para falar mal de vídeos e textos de colegas que criticam seu "ópio" mais amado: o caminho da roça conhecido como crença marxista.

Mas, como toda gente militante acaba por ficar meio "tosca", ao fazer isso eles provam a tese de quem os acusa de pregar o "ópio do intelectuais" em sala de aula.

Sobre isso, aliás, indicaria o grande clássico recém lançado no Brasil pelo selo Três Estrelas, "O Ópio dos Intelectuais" do filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905 - 1983). O livro foi lançado nos anos 1950 e de lá para cá nada mudou: os intelectuais e associados continuam a viver dos mesmos mitos políticos do socialismo.

E nada vai mudar se você não se mexer (claro, se você não for um dos integrantes da seita retrógrada): seus filhos serão petistas e dirão que, sim, "podemos roubar e calar a boca dos outros, em nome da revolução". A ideia de uma lei contra a escola com partido não vai adiantar nada, vai apenas criar condições para os "pastores do ópio dos intelectuais" continuarem sua pregação, com a cara mais lavada do planeta. Usarão de recursos retóricos do tipo "queremos apenas formar alunos críticos", ou a "direita quer censurar o pensamento na sala de aula". Risadas? Esse papinho só cola para os ouvidos mal informados.

Já existe censura na sala de aula. Recebo continuamente e-mails de professores e alunos em papos de aranha porque não rezam na cartilha dos "pastores do ópio dos intelectuais".

Em escolas como a daquela lousa petista, mesmo se os alunos quiserem convidar os professores ou intelectuais que não rezam na cartilha do "ópio dos intelectuais", terão sua iniciativa negada.

Isso acontece da forma mais descarada que você pode imaginar. Portanto, não acredite quando ouvir muitos desses intelectuais ou professores (não são todos, mas, sim, são a maioria) dizerem que são a favor do "diálogo" ou do "debate". É uma piada. Não existe diálogo ou debate na universidade ou na escola. É mais fácil você achar diálogo e debate numa igreja evangélica. Juro por Deus! Aleluia, irmãos!


A última palavra - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 12/09

Com os jornais (não a Folha), rádios e TVs endossando a cada minuto a asneira de chamar a Paraolimpíada de Paralimpíada, será inevitável que, em suas próximas edições, os aurélios e houaisses oficializem essa agressão à língua. A internet, por exemplo, já decretou que o certo é o errado —se você digitar "Paraolimpíadas" no Google, ele sublinhará a palavra de vermelho e dirá que você está procurando por "Paralimpíadas".

Sérgio Rodrigues, em seu magnífico livro "Viva a Língua Portuguesa!", recém-lançado, discute esse e outros problemas envolvendo nossa atual maneira de falar e escrever —erros que estão virando "acertos" pelo poder da mídia, acertos que estão sendo transformados em erros pela atuação das patrulhas e os modismos sem causa que, de repente, contaminam até os mais conscientes. Importante: seu livro não tem nem sombra do mau humor típico dos puristas do passado, nem prega o liberou-geral que hoje tentam nos impor.

Como se fala? "Andáime" ou "andãime"? "Gratúito" ou "gratuíto"? "Ióga" ou "yôga"? "Vende-se casas ou vendem-se casas"? "Incluso" ou "incluído"? Falando em "mídia", uma importação anglófila, não seria melhor trocá-la por "meios de comunicação de massa"? (Não!) E o "risco de morte", que está substituindo o corretíssimo "risco de vida"? E as expressões saídas do nada e que flanam por aí com a maior naturalidade, como "melhor idade", "por conta de" e "obrigado eu"?

Sérgio discute a emergência de palavras como avatar, disruptivo, escopo, gentrificação, proativo, randômico e outras que, até há pouco, podíamos passar sem. E um capítulo delicioso é o que explica a origem de "acabar em pizza", "pé na jaca", "lavagem de dinheiro" e "mensalão".

A língua, para ele, respira melhor quando nada é imposto ou proibido, e os falantes têm a última palavra.


Para arrumar as concessões antigas - RAUL VELLOSO

O Globo - 12/09

Os ajustes macroeconômicos em discussão são fundamentais, mas há muito o que fazer na micro gestão governamental. Refiro-me às concessões de infraestrutura, sempre lembradas como parte da solução, mas ainda muito presas aos erros do passado. Por exemplo: a ação abaixo do ideal dos órgãos envolvidos com o assunto, tanto na área executiva como na de fiscalização, onde, diante do desmantelamento da máquina, assumem-se papéis que seriam, na verdade, da área executiva. Esses investimentos são essenciais para acelerar a retomada do crescimento econômico e, principalmente, gerar o grande número de empregos que o presidente da República deseja.

No que se refere aos novos investimentos, a criação do Programa de Parcerias, sob a batuta do competente Moreira Franco, foi uma mudança na direção correta. Só que, sem o equacionamento dos problemas mais antigos, o que é novo dificilmente progredirá a contento. Aqui, como se sabe, um dos fatores mais escassos é a oferta de empreendedores gabaritados, especialmente num ambiente regulatório pouco favorável como tem sido o brasileiro nos últimos anos. Se os investidores locais se inibem, imaginem os estrangeiros, que pouco entendem do país e têm outras opções menos arriscadas lá fora. E mesmo que os problemas acumulados sejam equacionados, o pacote de novos investimentos só deverá começar a produzir algum efeito palpável em fins de 2018.Ou seja, a geração nova de empregos somente ocorrerá ao fim do governo atual, um óbvio contrassenso do ponto de vista político.

Nesse contexto, o governo Temer deveria atuar simultaneamente em duas frentes. Além dos investimentos novos, que não podem deixar de ocorrer, deve priorizar o equacionamento de dois grupos de contratos, uns já aprovados, mas em fase embrionária e cheios de problemas, e outros, prontos para aprovar, mas incompreensivelmente parados nos escaninhos. Estes se referem a novos investimentos em concessões existentes.

No primeiro, estão os contratos de concessão rodoviária de 2013, abalados pela recessão Dilma Rousseff, que aguardam uma renegociação dos termos originais que os recoloque de novo no prumo. Após uma revisão adequada, esses contratos poderão voltar a andar e tornar viáveis novos investimentos. Divulgarei um livro específico sobre esse tema no Fórum Nacional, na sessão de 14 de setembro próximo (veja em www.inae.org.br).

O outro grupo, igualmente importante, que ainda não tratei em detalhes nos meus escritos recentes para o mesmo fórum, se refere à oportunidade de se aprovarem novos investimentos necessários e já identificados nas concessões rodoviárias mais antigas, especialmente aquelas em que há necessidades óbvias e expressivas de novos investimentos. Refiro-me, particularmente, à Concer (Serra de Petrópolis) e à Nova Dutra (Serra das Araras), cuja situação tem sido a mais amplamente noticiada na mídia. Ou seja, atuando com amparo na própria legislação em vigor, o país poderia se beneficiar rapidamente de investimentos adicionais de monta e forte geração de empregos no Estado do Rio de Janeiro, onde a crise fiscal local e o fim da Olimpíada expõem uma ferida social difícil de cicatrizar sem ações específicas voltadas para esse fim. Só que, se o governo não se apressar, os ingredientes de uma crise social explosiva estão postos na mesa dos cariocas, e o setor privado pouco poderá fazer antes de o setor público como um todo tocar a parte que lhe cabe.

Nesse assunto, aliás, tem prevalecido a visão equivocada de que o ideal seria esperar os anos que faltam para o encerramento dos contratos, quando, então, o empreendimento como um todo seria leiloado novamente, dessa feita incluindo os novos investimentos requeridos. Isso fazia parte da visão populista adotada no governo Dilma Rousseff, na qual pouco importava se os investimentos requeridos ficassem para a frente, ou se a qualidade do serviço ficasse abaixo da crítica. O importante era gerar a menor tarifa imaginável, o que seria usado como mais um elemento catalizador de votos de eleitores pouco informados.

Segundo essa visão, as concessões antigas teriam se beneficiado dos retornos exagerados que se ofereciam no passado, e agora, por isso, precisariam ser substituídas por novas concessões mais baratas, ainda que de qualidade muito mais baixa e com pouca chance de realização de novos investimentos. Sem espaço para maior detalhe no tema, registre-se que, nessa área, já se evoluiu para a chamada metodologia do “fluxo de caixa marginal”, que virou prática corrente, e permite avaliar novos investimentos de uma concessão existente com base nas condições macroeconômicas em vigor no momento, para a parte nova do mesmo projeto. Mesmo assim, há hoje o chamado “temor do TCU”, que desestimula a burocracia executiva a assinar recomendações de decisões que possam entrar em choque com supostas posições internas, mesmo equivocadas, das áreas de fiscalização, pelo receio de punições que destruam carreiras de outra forma promissoras na área pública.


Trinta anos de expansão fiscal - FABIO GIAMBIAGI

O Globo - 12/09

O Brasil não teve o mesmo cuidado com a questão fiscal, por ocasião da redemocratização, que outros países tiveram nos anos 80


Superada a discussão acerca do impeachment, as atenções se voltam para os planos do governo do presidente Michel Temer. Nesses planos, destaca-se a proposta de adoção de um teto para a evolução do gasto público. Para o leitor entender a importância do tema, vou procurar dividir com ele um pouco do que aprendi ao longo de quase três décadas de convívio com o tema das finanças públicas.

Comecei a me debruçar sobre os assuntos fiscais em 1987. Desde a primeira metade dos anos 80, a qualidade das estatísticas evoluiu muito favoravelmente. Naquela época, a ignorância acerca do que estava acontecendo efetivamente no dia a dia das contas era dramática. Um dos problemas de quem lida com estatísticas fiscais é que algumas séries que existiam na época foram descontinuadas, enquanto que outras séries novas não podem retroagir até uma época distante. Feita a ressalva de que as estatísticas atuais são, em linhas gerais, muito melhores que as daquela época, para algumas coisas é preciso se valer da combinação de séries.

Nas décadas de 1970, 1980 e parte da década de 1990, dava-se muita importância aos dados fiscais das contas nacionais. Embora fossem divulgados com muita defasagem e sofressem algumas distorções resultantes da opacidade que a alta inflação trazia para a interpretação do verdadeiro significado dos valores nominais, eles permitiam contar uma história com começo, meio e fim. Nesse sentido, uma série que gosto de citar, cuidadosamente compilada por Ricardo Varsano de 1970 a 1994, mostra que a despesa primária — isto é, sem considerar os juros da dívida pública — da soma das três esferas de governo — união, estados e municípios — e que em 1984 era de 21,7 % do PIB aumentou para nada menos que 29,2 % do PIB em 1991, salto esse de 7,5 % do PIB dividido fundamentalmente no aumento de salários e encargos (mais 2,9 % do PIB), consumo de bens e serviços (mais 3,1 % do PIB) e investimentos (mais 1,3 % do PIB).

Essa série perdeu relevância com o passar dos anos, em parte por mudanças metodológicas na apuração das contas nacionais mas, principalmente, pela maior demanda — e oferta — de dados fiscais de alta frequência, compilados inicialmente pela Secretaria de Política Econômica (SPE) e, desde 1997, pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Embora a divulgação institucional em bases regulares (mensais) e com apenas um mês de defasagem, na internet, caiba a esta última desde aquele ano, para os “dinossauros” como este modesto servidor, que acompanharam a “pré-história” dessas estatísticas, é possível fazer um encadeamento com a série antiga da SPE, que tem aproximadamente os mesmos critérios que a sistemática atual. Dessa forma, é possível construir uma estatística fiscal 1991/2015, com o único inconveniente de que se refere exclusivamente ao governo central, sem abranger os estados nem os municípios. De qualquer forma, como em 2015 o governo central foi responsável por quase 85 % do déficit público total do setor público, tem-se aí a principal explicação para o que tem acontecido com a maior parte das contas públicas.

Essa série indica que a despesa primária do governo central, que tinha sido de 13,7 % do PIB em 1991 — lembremos, quando o gasto já era muito maior que o de 1984! —, alcançou 23,1% do PIB em 2015, com o agravante de que este ano esse percentual continuou aumentando. Os números sugerem que o Brasil não teve o mesmo cuidado com a questão fiscal, por ocasião da redemocratização, que outros países tiveram nos anos 80, procurando conciliar o justo, correto e legítimo atendimento das demandas sociais com o cuidado com a manutenção do equilíbrio macroeconômico. Ao longo das últimas décadas, esse descompasso se traduziu, inicialmente, numa aguda pressão inflacionária e, posteriormente, na elevação da carga tributária e/ou da dívida pública. É a percepção de que este último processo não poderá se dar indefinidamente que explica e justifica a tentativa de colocar um freio à expansão das despesas. Do desfecho dessa questão dependerá a definição de que tipo de economia teremos no Brasil no futuro. Caberá ao meio político ter a sabedoria para dar às autoridades dos próximos dez a 20 anos os elementos que lhes permitam cumprir com a regra que se pretende aprovar agora.


Cunha usará caso de Dirceu para tentar escapar de Moro - VERA MAGALHÃES

O Estado de S.Paulo - 12/09

O arsenal de tentativas de evitar a votação da cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) nesta segunda-feira inclui iniciativas no plenário da Câmara, na Comissão de Constituição e Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Além do mandado de segurança já impetrado, negado ontem pelo ministro Luiz Fachin, outras medidas podem ser ajuizadas na Corte antes e depois da eventual decisão da Câmara.

A defesa já tem traçada, inclusive, a estratégia a ser adotada caso todas as cartas na manga falhem e ele seja mesmo cassado. Neste caso, ironicamente, os advogados de Cunha usarão precedentes de próceres do PT para tentar evitar que o ex-presidente da Câmara caia nas mãos do juiz Sergio Moro. A ideia é pedir o mesmo tratamento de nomes como José Dirceu, que manteve o foro privilegiado no mensalão mesmo após perder o mandato.

Não deve surtir efeito: o próprio STF já decidiu inúmeras vezes depois do mensalão pela perda de foro no Supremo de autoridades que deixam de exercer mandatos. A regra valerá, inclusive, para a ex-presidente Dilma Rousseff.

DIA SEGUINTE

Advogados e procuradores divergem sobre eventual delação

Advogados e procuradores que atuam na Lava Jato têm avaliações diferentes sobre o que acontecerá caso Eduardo Cunha proponha fazer delação premiada para tentar atenuar sua pena nos processos a que responde. Defensores de outros réus da operação dizem que será muito difícil aos investigadores negarem o benefício a um personagem tão central – e tão bem informado. Já integrantes do Ministério Público dizem que o “arcabouço probatório” contra Cunha e a mulher, Claudia Cruz, é tão completo que ele terá de entregar algo muito substancioso contra figuras proeminentes da política para que valha a pena deixar de aplicar a seu caso uma pena alta e exemplar.

É PRA JÁ

Investigados da Greenfield já negociam colaborações

Se na Lava Jato levou um tempo até as delações premiadas se popularizarem, os investigados da Operação Greenfield já orientaram seus defensores a começar a negociar o benefício imediatamente, antes mesmo de começarem os indiciamentos.

FAST TRACK

Plano de concessões incluirá licenciamento ambiental prévio

O plano de concessões que o governo lança nesta terça-feira trará novas linhas de crédito dos bancos públicos, mudanças regulatórias e uma inovação que deve gerar polêmica: os projetos já terão licenciamento ambiental

prévio na publicação dos editais.

OTIMISMO MODERADO

Mercado vê plano de concessões com ressalvas

Empresas e entidades do setor de infraestrutura elogiam a forma como o plano foi estruturado sob a coordenação de Moreira Franco. Mas alertam que só quando as reformas andarem os investidores colocarão a mão no bolso. “Ninguém vai assumir um investimento de 30 anos com as condições atuais de juros e custo Brasil sem que o governo avance com as reformas”, diz José Carlos Martins, presidente da CBIC. O mercado também espera que o governo inclua saneamento e resíduos sólidos nos próximos lotes de concessões.

COMUNICAÇÃO

Propaganda tentará tornar reformas 'palatáveis'

As agências de publicidade que dividem a conta do governo apresentam nesta semana o briefing de uma campanha que tentará tornar as reformas da Previdência e trabalhista menos indigestas. A ideia é explicar a necessidade das mudanças e reduzir os ruídos de comunicação – causados por auxiliares de Michel Temer.

ICMS e PIS/Cofins ou IVA - BERNARD APPY

ESTADÃO - 12/09

Há hoje no Brasil um consenso sobre as distorções e os efeitos perversos para a economia dos tributos sobre bens e serviços: ICMS, PIS/Cofins, IPI e ISS. Essas distorções se manifestam na forma de um elevado custo de compliance, de um altíssimo nível de litigiosidade entre os contribuintes e o Fisco, de uma guerra fiscal ilegal, irracional e improdutiva, de prejuízo à competitividade da produção nacional e, principalmente, de grandes distorções alocativas, que levam as empresas brasileiras a se organizarem de forma ineficiente. Também há consenso de que os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são os mais sérios, embora o IPI e o ISS apresentem igualmente distorções.

Há, no entanto, menos consenso sobre qual a melhor forma de superar esses problemas. Nos últimos anos, o governo federal vem buscando aprovar uma reforma do ICMS, ao mesmo tempo que elaborou uma proposta de mudança na legislação do PIS/Cofins. Embora bem-intencionadas, essas propostas deixam muito a desejar em termos de alcance e impactos, como se discute a seguir. Para efetivamente melhorar a qualidade do sistema tributário brasileiro seria preciso adotar as melhores práticas internacionais de tributação de bens e serviços, consubstanciadas no modelo do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

ICMS. De 2013 ao início de 2016, o Ministério da Fazenda buscou aprovar uma reforma do ICMS baseada na redução das alíquotas interestaduais do imposto para 4% – medida que tiraria força da guerra fiscal – e na convalidação dos benefícios concedidos ilegalmente. A mudança seria complementada pela criação de um fundo de compensação para os Estados que perdessem receitas e de um fundo de desenvolvimento regional. Essa linha de atuação recebeu apoio de 21 dos 27 Estados reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que em 2014 votaram a favor do Convênio ICMS n.º 70.

Há alguns anos, eu também achava que esta reforma parcial do ICMS seria uma boa solução, embora não a ideal. Hoje não acho mais. Por vários motivos, o modelo proposto provavelmente gerará mais problemas que soluções.

Em primeiro lugar, a redução das alíquotas interestaduais do ICMS, sem que se institua um mecanismo eficaz de ressarcimento do crédito do imposto, levará as empresas com grande volume de vendas interestaduais a acumularem saldos credores cuja recuperação é extremamente difícil nos Fiscos estaduais.

Em segundo lugar, a redução das alíquotas interestaduais do ICMS levará a um aumento expressivo da carga tributária (da ordem de algumas dezenas de bilhões de reais), porque o imposto não cobrado no Estado de origem das mercadorias por causa dos benefícios da guerra fiscal passará a ser recolhido no Estado de destino.

Em terceiro lugar, o acordo consolidado no Convênio 70/14 prevê uma série de exceções à alíquota interestadual de 4%, gerando grandes distorções e tornando o ICMS disfuncional.

Em quarto lugar, e por fim, a proposta tende a gerar um desequilíbrio importante entre os Estados ricos e pobres, pois os benefícios dos Estados pobres perderão força com a redução das alíquotas interestaduais, enquanto os benefícios internos (usualmente concedidos pelos Estados ricos) serão convalidados e mantidos integralmente.

PIS/Cofins. No que diz respeito ao PIS/Cofins, o Ministério da Fazenda divulgou, em 2015, as linhas gerais de um projeto de lei (ainda não divulgado) que busca eliminar as principais distorções destes tributos, que são a sobreposição dos regimes não cumulativo e cumulativo e o sistema de “crédito físico”, pelo qual apenas bens e serviços incorporados ao produto final geram crédito. Pela proposta, o regime não cumulativo seria estendido a todas as operações e seria adotado o sistema de “crédito financeiro”, pelo qual todos os bens e serviços necessários à atividade empresarial geram crédito.

Embora a proposta represente uma melhora em relação ao atual modelo – inclusive resolvendo o principal motivo de litígio relativo ao PIS/Cofins, que é a definição do que gera crédito no regime não cumulativo –, ela ainda fica muito aquém do desenho de um bom IVA.

Por um lado, a proposta do governo prevê três alíquotas para o novo PIS/Cofins (básica, reduzida e intermediária), enquanto as melhores práticas internacionais recomendam que o IVA tenha apenas uma alíquota. Além de a multiplicidade de alíquotas gerar distorções, é certo que durante a tramitação do projeto no Congresso haverá grande pressão para a inclusão de outros bens e serviços nas alíquotas reduzidas. Os prejudicados serão os setores que não conseguirem se encaixar nas alíquotas reduzidas, que terão de arcar com uma carga tributária ainda mais elevada para manter a arrecadação.

Por outro lado, a mudança proposta mantém a incidência de PIS/Cofins apenas sobre as empresas, enquanto um bom IVA incide sobre a atividade econômica, qualquer que seja a forma em que esteja organizada. Essa característica, além de gerar distorções, impede que o modelo do PIS/Cofins sirva como referência para uma posterior reforma do ICMS e do ISS, que também incidem sobre pessoas físicas.

IVA. Diante das distorções (no caso do ICMS) e do alcance limitado (no caso do PIS/Cofins) das propostas atualmente em discussão, certamente seria melhor adotar outro modelo de reforma, que busque aproximar o máximo a tributação de bens e serviços no Brasil de um bom IVA. Uma proposta neste sentido, contemplando um modelo com alíquota única e transição longa, foi apresentada em artigo publicado neste espaço (Nossa reforma tributária) em 4 de julho deste ano.

Os benefícios de uma mudança mais abrangente do modelo tributário brasileiro são muito grandes e seu custo político pode não ser muito maior que o das reformas parciais que o governo vem discutindo nos últimos anos.


É uma pena que a Constituição seja renegociada em um teatro ridículo - CELSO ROCHA DE BARROS

FOLHA DE SP - 12/09

Se o governo Michel Temer acabar em poucos meses, será um duro golpe (calma, calma) para mim. Em 6 de abril de 2016, escrevi duas páginas na "Ilustríssima" sobre as perspectivas do governo Temer, aproveitando o gancho de uma discussão sobre patrimonialismo que, semanas antes, mobilizara dois intelectuais importantes, Jessé de Souza e Marcus Melo. Deu trabalho escrever o artigo.

Por isso, se Temer cair rápido, vou me sentir meio idiota por ter gasto tanto conceito com pouco governo. Terá sido como escrever sobre algum desses governos de curta duração que aterrorizam os vestibulandos, como o de Brochado da Rocha. Algum sujeito entrou para a história das ideias brasileiras por sua análise do governo Brochado da Rocha? Pois é.

Digo isso tudo porque começa a haver ruídos na aliança que derrubou Dilma Rousseff. Na semana passada, o advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, foi demitido e saiu dizendo que o governo quer parar a Lava Jato. A suspeita de que o PMDB fez o impeachment para parar a Lava Jato já existia desde que o presidente do PMDB, Romero Jucá, foi gravado dizendo que teria de mudar o governo para "estancar essa sangria". Digam o que quiserem, era uma pista.

Com o afastamento de Dilma Rousseff, parece que já podemos falar sobre o assunto, de modo que, enfim, dessa vez o pessoal reclamou. Os movimentos pelo impeachment protestaram contra a demissão de Medina Osório, e, fica aqui o reconhecimento, a "Veja" deu capa. O PSDB voltou a fazer sua cara de "também não sei como foi que vim parar aqui".

A pergunta importante é: o pessoal que apoiou o impeachment vai abandonar Temer? O PSDB, o DEM, os movimentos de rua, aquele cara que se vestia de Batman, o outro que talvez seja cassado nesta segunda (supondo que se trate de duas pessoas diferentes)?

O governo vai continuar sendo o que é. Acredito que há, sim, chances de a economia melhorar. Mas a política vai ser isso mesmo que vimos nesta semana. No dia da votação do Senado disseram que haviam vencido a justiça, a verdade, a ética, o Brasil. Não sei quem venceu, mas quem tomou posse foi o velho PMDB. Eles sempre fazem isso, impressionante.

Ninguém precisa me explicar os argumentos para não apoiar o novo governo, eu não o apoio. Mas esses argumentos não eram válidos antes da votação no Senado? O plano era derrubar o PT e correr de volta para o Facebook na hora de virar vidraça? Alguém aí do outro lado vai entrar no movimento por novas eleições? Eu acharia isso bom. Ou estão pensando em algo alucinado, como eleição indireta ou parlamentarismo?

E, finalmente, se a turma do impeachment abandonar Temer, isso não diminui as chances de os deputados aprovarem as medidas que deveriam garantir a recuperação econômica? Nesse caso, posso mandar fazer a camiseta "Meu amigo foi na passeata de impeachment e só me trouxe de presente um novo governo Sarney"?

O mais provável é que todo mundo ali continue apoiando o governo e escrevendo textos críticos apropriadamente inofensivos. Mas é uma pena que a renegociação de nossa Constituição (pois é disso que trataremos nos próximos meses) seja feita em meio a esse teatro ridículo. Essa era uma boa hora para um diálogo nacional franco, mas esse é um cenário ainda mais improvável do que um segundo governo Brochado da Rocha.


Temer e a partida em falso na largada - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 12/09

Se fosse uma corrida de Fórmula 1, diria que Michel Temer fez uma largada em falso. Seu carro patinou logo na primeira semana em que se tornou presidente definitivo do país. Engasgou na saída e mostrou um governo acuado.

A expectativa era exatamente outra. Temer foi para a China, recebeu apoios importantes lá fora de colegas de outros países e promessas de investimentos. Quando voltou, porém, caiu na realidade. Vaias, gritos de "Fora, Temer" e uma série de obstáculos complicados pela frente.

Um tanto quanto zonzo, o governo Temer, inclusive o próprio presidente, deu para minimizar e menosprezar os protestos. Um erro, admitido logo em seguida por sua equipe, para evitar engrossar o coro dos insatisfeitos com a nova gestão.

O fato é que se havia o "Fora, Dilma", não há o "Fica, Temer". Havia uma mobilização para cassar o mandato da petista. Não existe um movimento de rua pedindo apoio para o mandato do peemedebista.

Michel Temer terá de se afirmar como presidente governando, dando respostas principalmente na economia. Se não passar a expectativa de que dará conta do recado, fazendo o país voltar a crescer, criará um sentimento de frustração, o que resultará em um governo fraco.

Será fatal para um presidente que assume com a missão de reequilibrar as contas públicas, reformar a Previdência e retomar os investimentos para terminar com sucesso.

Enfim, sua equipe sabe que perdeu tempo. Deixou, na semana da queda de Dilma, crescer o discurso de que Michel Temer faz parte de um governo golpista e que a petista foi vítima de uma injustiça. Toda destruição da economia, perpetrada por ela, deixou de ser explorada.

No final de semana, Temer e equipe avaliavam os estragos causados pela largada em falso. Um pouco ruins, mas nada que não possa ser corrigido. Dá para recuperar fácil as posições perdidas, mas ficou a sensação de que dormiram no volante.


Mudar ou morrer - PAULO GUEDES

O Globo - 12/09

Ao encontro das ruas, e não de encontro às ruas: a Velha Política vai morrer, e quem não mudar vai morrer junto com ela


A constrangedora pergunta foi disparada ao então candidato à Presidência Eduardo Campos, em reunião de campanha no meio empresarial: “Tendo sido aliado de Lula e Dilma, por que decidiu agora disputar contra eles as eleições?” Campos fulminou, sem pestanejar: “Não é mais possível continuar fazendo política do modo como tem sido feita. Eu disse a Lula que tudo vai mudar. Desde o movimento Diretas Já, não sentia tanta energia nas ruas em favor de mudanças. A Velha Política vai morrer, e quem não mudar vai morrer junto com ela.” O ex-candidato à Presidência e deputado constituinte Guilherme Afif alerta, portanto, Michel Temer: “Não acredito que o presidente tenha condições políticas de fazer as necessárias reformas econômicas com inadequadas práticas de ‘toma lá dá cá’. Se Temer não começar pela reforma política, indo ao encontro das ruas, e não de encontro às ruas, a crise vai consumir seu governo.”

Temer não se pode deixar abater pela “síndrome de ilegitimidade” que atingiu o ex-presidente Sarney, levando-o à busca de uma ilusória popularidade que produziu a tragédia histórica da hiperinflação. Melhor seria se, além da proposta de teto para o gasto público e do ajuste fiscal na Previdência, abordasse também o incontornável tema de uma reforma política. A negligência e a hipocrisia ante a corrupção sistêmica tornam frenética a guilhotina midiática, insaciável a opinião pública e intermináveis as investigações da Lava-Jato. 


Umas poucas cláusulas podem iniciar o aperfeiçoamento de nossas práticas políticas. O bom funcionamento da democracia representativa exige partidos fortes e sustentação parlamentar orgânica. A “cláusula de representatividade”, equivocadamente chamada de cláusula de barreira, melhora o desempenho do sistema removendo partidos de aluguel e seitas ideológicas sem densidade eleitoral. A “cláusula de votação em bloco”, garantindo todos os votos de um partido sobre a matéria em exame após democrática eleição interna, assegura sustentação parlamentar orgânica ou oposição autêntica por representar o posicionamento majoritário de cada partido. Os minoritários derrotados internamente aceitam a posição do partido ou se declaram oposicionistas, perdendo o atual mandato pela “cláusula de fidelidade partidária”.


Erro no Senado mina prestígio do texto constitucional - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 12/09

O Supremo Tribunal Federal, nas respostas iniciais a questionamentos do impeachment, confirmou a expectativa de que não alterará o núcleo da decisão do Senado : deposição de Dilma Rousseff sem suspensão de direitos políticos.

A manobra que fatiou a votação em duas, endossada pelo ministro Ricardo Lewandowski, contraria dispositivo explícito da Constituição. Ainda assim, deverá prevalecer na corte a tese de que o julgamento dos senadores não pode ser reformado.

No juízo político do presidente da República, segundo esse argumento, o Senado dá a palavra final, inclusive na forma de interpretar a lei e aplicar a pena. Os parlamentares, como os ministros do tribunal nos julgamentos comuns, teriam naquele caso a prerrogativa de "errar por último".

O termo traduz a natureza procedimental do Estado democrático de Direito. Para o bem da coletividade, a partir de um determinado ponto todo conflito legal é considerado encerrado, ainda que a controvérsia na sociedade possa persistir.

A expressão, entretanto, não ilumina tão bem o fato de que o erro na última instância tem efeitos duradouros. O pior, no caso do impeachment, é desprestigiar a vontade literal dos constituintes de 1988.

Quando o que está descrito no texto fundamental do pacto civil não vale sempre e para todos, tudo passa a ser permitido.

Analfabetos constitucionais, como os propagadores de que o presidente da República no Brasil teria o poder de convocar novas eleições ou plebiscitos, terão campo fértil nessa terra de ninguém.

"Diretas já" ocorrerão apenas se Michel Temer deixar a Presidência até 31 de dezembro próximo. Se a vacância ocorrer depois, serão "indiretas já". Se não acontecer, ele governará até o fim de 2018. Assim dispõe a Constituição, mas a amplitude de interpretação adotada por seus aplicadores finais recomenda dedicar nosso tempo à leitura de outros livros.

Pátria ou morte na Venezuela - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O Globo - 12/09

A primeira tarefa que espera um governo de transição no país será a reconstrução das bases da convivência social


Atrajetória da Venezuela desde que Hugo Chávez ingressou na política em 1992, por meio de um golpe de Estado sangrento, fornece material para as crônicas do subdesenvolvimento. O processo mediante o qual, à base de carisma, um personagem ignorante consegue dominar um país, é parte da experiência venezuelana recente, cujas facetas se prestam à abordagem literária.

O romance histórico “Pátria o Muerte” (“Pátria ou morte”), do escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka, descreve a forma como transcorreram os últimos anos de Hugo Chávez, desde o momento em que se detectou o câncer que viria a pôr fim à sua vida. É o relato da agonia, em um centro médico cubano, do líder que aspira a se converter na reencarnação de Simón Bolívar. Ao mesmo tempo, é a descrição seca de uma nação na qual a vida cotidiana se degradou de forma dramática.

O protagonista do romance, Miguel Sanabria, é um médico aposentado que tenta se alienar da realidade e manter uma postura equidistante entre o antichavismo de sua mulher e o fervor bolivariano de seu irmão comunista, Antonio. A realidade irrompe em sua vida quando um sobrinho, que faz parte do regime, lhe pede que esconda o telefone celular por meio do qual um guarda pessoal de Chávez havia gravado seu chefe antes da operação. Além disso, sua posição como presidente do conselho do condomínio obriga Sanabria a se ocupar do caso de um jornalista desempregado que se recusa a entregar à proprietária o apartamento que aluga.

“Justamente o que tanto tratara de evitar, enfim, estava chegando: o país. Sanabria havia passado mais de dez anos tratando de viver às margens da realidade, esquivando-se dos conflitos, tentando que isso que chamam de a Revolução não o tocasse.” (...) “O país sempre estava a ponto de explodir, mas nunca explodia. O pior: vivia explodindo lentamente, pouco a pouco, sem que ninguém se desse muita conta.”

Sanabria considera que, para a geração de Antonio, “o governo começou a propor uma espécie de parque temático dos anos 70. Às vezes, o país parecia um espaço onde ocorriam as nostalgias”. Nas discussões com seu irmão, Sanabria desabafava: “Voltamos ao passado. Voltamos aos caudilhos. Aos quartéis. Essa é nossa história. O melhor investimento econômico que se pode fazer na Venezuela é dar um golpe de Estado.”

A narrativa descreve a cessão de soberania do governo a Cuba; a forma como o medo e a suspeita permearam a sociedade; e os extremos aos quais chegaram o culto à personalidade e o endeusamento de Chávez.

O regime parece se aproximar de uma etapa terminal. O que se depreende do livro de Barrera é a enormidade da tarefa que espera um eventual governo de transição. Além de reconstruir as instituições e a economia, será necessário começar por restabelecer as bases da convivência social.


Brasil, cenário demográfico - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 12/09

O tamanho e a juventude do mercado brasileiro conspiram a nosso favor



O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou recentemente a estimativa da população brasileira, na qual aponta que o Brasil tem mais de 206 milhões de habitantes. A cidade de São Paulo, a mais populosa do País, tem 12,04 milhões de pessoas (5,8% do total nacional). Estima-se que de 2015 para 2016 quase 24,8% dos municípios tiveram redução de população.

Somos um grande país. Essa é a boa notícia. A queda populacional, acentuada e crescente, é a má notícia. Explico, amigo leitor, a razão de fundo da minha opinião.

Nunca a informação foi tão acessível como agora. Mas ainda continua sendo difícil ver além dos dados. Nossa avaliação é sempre bastante frágil. Por que se dá esse fenômeno? A realidade parece se esconder, trapacear. Talvez a dificuldade de realizar uma reflexão mais profunda esteja no excesso de rapidez com que nos chega a informação.

Mas não é apenas a falta de distanciamento da informação. Às vezes nos enganamos por anos, por décadas. Por exemplo, especialmente a partir dos anos 1960 veio à tona com grande força a preocupação demográfica. Consolidou-se a leitura unívoca de que o crescimento populacional era um problema a ser combatido. A pobreza e a miséria no mundo estavam de certa forma mais próximas, tornavam-se mais conhecidas. Imagens televisivas dos países extremamente pobres pareciam gritar: o mundo não comporta mais gente, falta alimento! E parecia urgente a necessidade de uma forte guinada. Acrescentava-se a consciência ecológica.

A presença humana gerava - quase como uma lei física - problemas ambientais. O mundo parecia ser uma casa pequena para tanta gente. Diminuir o número de habitantes, ou ao menos não crescer tão rapidamente, apresentava-se como uma questão de sobrevivência.

Era a cultura de uma época. Poucas décadas antes não se via assim. No debate sobre a reconstrução da Europa, no pós-guerra, o crescimento da população não era visto como problema, muito ao contrário. Já nos anos 60, ao avaliar o desenvolvimento dos países latino-americanos, a demografia estava na ordem do dia. Objetivamente, a Europa em 1945 era mais densamente povoada que a América Latina dos anos 60. No entanto, neste lado do planeta, o número de pessoas era encarado como um problema; lá, não.

Essa visão transcendeu os anos 60 e nas décadas seguintes era lugar-comum criticar o crescimento populacional. Chegou até agora; até quase agora, para ser exato. No apagar das luzes da década passada, sem grande estardalhaço, passou-se a falar o contrário. Aparecia na mídia a expressão “janela demográfica”. Ao contrário de todas as visões anteriores, população jovem passou a ser um aspecto positivo, considerada um valioso ativo.

Qual foi a grande mudança? Surgiu uma nova tese acadêmica? Não. Apenas passou a ser evidente demais que os países cuja população ativa, leia-se população jovem, era proporcionalmente maior estavam em crescimento; os outros, não. Na década de 50, nesse quesito a China tinha o tamanho da Europa. Hoje o Velho Continente, limitado na sua capacidade de renovação, está mergulhado numa assombrosa crise. A China, não obstante sua enorme fatura social, é a grande potência do terceiro milênio.

Mas vamos à experiência da Rússia. Um estudo patrocinado pelas Nações Unidas mostrou que a população do país poderá encolher dos atuais 142 milhões de pessoas para 100 milhões até 2050. A sensível queda da população pode ter diversos impactos na economia russa. Economistas estimam que a redução da força de trabalho possa resultar na queda da produção econômica, causando impacto direto no produto interno bruto.

Uma população em declínio também poderá afastar investidores internacionais, interessados no potencial do consumo interno. “Onde o investidor prefere aplicar recursos? Na Índia ou na China, onde a renda per capita cresce junto com a população, ou na Rússia, onde a renda per capita vem crescendo, mas o mercado consumidor vem encolhendo?”, indaga Markus Jaeger, economista do Deutsche Bank.

A previdência social também poderá vir a sofrer com a crise demográfica, afirma Jaeger. “Se a força de trabalho não for renovada, não haverá pessoas suficientes para gerar a renda necessária para pagar as pensões de aposentados. Isso pode prejudicar as políticas fiscais e econômicas e gerar tensões políticas”, estima o economista.

Ainda segundo Jaeger, em termos demográficos a Rússia está na pior posição em relação aos outros países do Brics. Ele detalha que na Índia a população vem crescendo rapidamente, enquanto na China a força de trabalho vai continuar se expandindo. Depois, a população começará a envelhecer, mas não deverá declinar. Já o Brasil, segundo ele, se beneficiará de um aumento de 20% na força de trabalho até 2025. É a força da inércia. Só isso.

Sociedades envelhecidas não têm capacidade de ousar e inovar. Que idade tinha Steve Jobs quando se lançou na fascinante aventura da Apple? Bill Gates não era um cinquentão quando concebeu a Microsoft. Os velhos, carregados de experiência e maturidade, são bons gestores. Mas o motor de um país é a ousadia. E o atrevimento não tem cabelos brancos.

O Brasil, mesmo sofrendo com o caos econômico, tem enfrentado o terremoto fiscal graças à sua janela demográfica: uma população em idade ativa expressivamente grande. O tamanho e a juventude do mercado brasileiro conspiram a nosso favor. Basta um mínimo de seriedade governamental.

Ter tomado consciência apenas agora nos põe em outro problema: conseguir enriquecer como país antes de envelhecer. Estamos numa corrida contra o tempo.

Queremos sucumbir ao inverno demográfico ou estamos dispostos a abrir a janela da renovação? Gente não é problema. É solução.

Os desafios da democracia brasileira - HUMBERTO DANTAS

GAZETA DO POVO - PR - 12/09

Elevamos o quadro de eleitores, mantivemos o raro voto dos jovens de 16 anos, e seguimos à risca, desde 1990, a agenda dos pleitos bienais. Isso basta?



Os anos 1980 são conhecidos como a “década perdida”. Sem um aposto associado à economia, ignoramos se tratar de nosso mais relevante momento histórico em termos políticos. Iniciamos esse período assistindo ao fim do artificial bipartidarismo da ditadura. Recuperamos o direito de escolher diretamente os governadores em 1982, e reafirmamos esse compromisso em 1986. Organizamos o maior movimento político de massas de nossa história entre 1983 e 1984, com as Diretas Já. Assistimos à chegada de um civil ao poder, mesmo que indiretamente, em 1985. Elegemos uma Assembleia Constituinte em 1986, e com ampla participação popular forjamos a Constituição Cidadã entre 1987 e 1988, quando ela foi promulgada. Por fim, em 1989, elegemos diretamente um presidente da República, algo que não ocorria desde 1961. Derrota?

A partir desse decênio, passamos a consolidar as instituições democráticas. E ao longo dos últimos anos nos ancoramos fortemente, em termos do senso comum, na ideia de que eleições simbolizam, quase exclusivamente, o sentido da democracia. Assim, elevamos o quadro de eleitores, mantivemos o raro voto dos jovens de 16 anos, e seguimos à risca, desde 1990, a agenda dos pleitos bienais. Basta?

Não. Para alguns estudiosos a democracia é mais sofisticada. Se por um lado o sufrágio universal simboliza o conceito sob seu viés representativo, não é possível deixar de elencar os desafios das liberdades de expressão, associação e imprensa, bem como a existência de órgãos neutros que garantam a lisura dos pleitos, a posse dos eleitos e as datas pré-definidas para tais eventos. Mas tem mais: há quem afirme ser a democracia um valor, um princípio para a vida em sociedade. E isso exigiria a percepção acerca de práticas democráticas entre famílias, trabalhadores, estudantes e cidadãos em geral. Estamos prontos?

A complexidade desse desafio fez alguns filósofos desistirem do uso do termo “democracia”, indicando seu caráter utópico quando associado a um valor complexo. Sem chegar a tal ponto, precisamos compreender dois dos principais desafios brasileiros, tendo em vista as comemorações do Dia Internacional da Democracia em 15 de setembro, data definida pela ONU com base na Declaração Universal da Democracia em 1997.

Primeiramente, não é possível falar em democracia sem justiça. E, desde 2012, o país assiste ao amadurecimento de ações que, a despeito de questionáveis características culturais, parecem preocupadas em consolidar esse parâmetro. O julgamento do mensalão e as recentes ações de combate à corrupção simbolizam esse aguardado amadurecimento. A partir daqui as questões parecem ser: por que tão tardiamente? O que efetivamente representa esse ativismo da Justiça? Quão transparentes são esses organismos e seus objetivos? Seremos capazes de marcar uma nova era no tratamento à corrupção? A história precisa avançar para que as respostas se tornem claras.

O segundo ponto está associado à própria teoria da democracia. A consolidação desse princípio demanda a construção de dois pilares. O primeiro é a participação, que varia de acordo com o desenho de democracia. O segundo é a educação, e a informação. Faz anos que o Brasil busca avançar sobre formas mais participativas de democracia, mas o quanto preparamos nossos cidadãos para o exercício da política?

A volta da Sociologia e da Filosofia para as escolas nos anos 2000, os Parâmetros Curriculares Nacionais que consideram a política como tema transversal nos anos 1990, e as atuais discussões sobre a reforma do ensino médio trazem esperanças. Assim, um país que realiza eleições periodicamente é visto como democrático. Mas em uma nação onde também vigora a sensação de justiça, e os cidadãos são politicamente educados, há mais sofisticação, e essa nação é muito mais democrática.

Humberto Dantas, doutor em Ciência Política, professor universitário e diretor nacional do Movimento Voto Consciente, é pesquisador parceiro do Instituto Atuação, que realiza a 2ª Semana da Democracia, de 14 a 16 de setembro, em Curitiba.

Fundos das estatais devem ter novo modelo de gestão - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 12/09

As recentes investigações trouxeram luz à forma com que eram administrados os fundos de pensão das principais empresas estatais brasileiras, revelando a ponta de um iceberg de proporções olímpicas.

Em 2014, através de representação impetrada junto ao MPF e durante a campanha eleitoral, o PSDB já denunciava as visíveis ilegalidades que vinham sendo cometidas.

Basta dizer que o patrimônio dos quatro principais fundos, somado, chega a R$ 283 bilhões e faltam R$ 48 bilhões para honrar os compromissos de aposentadorias futuras com cerca de 611 mil funcionários das estatais. Ou seja, um deficit equivalente a 17% do valor total dos ativos.

Os gestores desses fundos chegaram a investir recursos em instituições em graves dificuldades —algumas, inclusive, acabaram falindo— e até mesmo em títulos públicos da Venezuela. Foram sucessivos negócios lesivos ao patrimônio dos trabalhadores, mas que atendiam à lógica da manutenção do projeto de poder do PT.

Além de punir exemplarmente quem usurpou o patrimônio público e prejudicou milhares de famílias, há que se saber identificar as falhas de governança que propiciaram a execução de crimes em tamanha escala.

Contribuíram para o desastre a nefasta apropriação política, a ausência de controles, a baixa qualificação profissional e a inexistência de barreiras contra conflitos de interesses, em um cenário que exige sofisticação crescente.

Projeto dos senadores Paulo Bauer e Valdir Raupp, por mim relatado em parceria com a senadora Ana Amélia, e aprovado por unanimidade no Senado, cria um novo paradigma para a administração desses fundos.

O projeto investe em controles, com reforço do papel do conselho fiscal; em responsabilização de conselheiros e auditores, com a introdução do conceito de responsabilidade solidária contido na Lei das S.A; na profissionalização dos conselhos e da diretoria, cuja relação passa a ser mediada por contrato de gestão, com diretores escolhidos por processo seletivo em edital público e com a adição de membros independentes aos conselhos; e lida de forma rigorosa com os conflitos de interesse, por exemplo, ao vedar indicações de quem exerceu cargos executivos em partidos políticos. Na Câmara, sob relatoria do competente deputado Marcus Pestana, o projeto deverá ser votado ainda esse mês.

Espera-se do Congresso a compreensão da urgência e importância dessa iniciativa e da necessidade de que a mesma não seja desfigurada, preservando os princípios da boa governança, em contraposição aos interesses corporativos e conveniências políticas que deram origem à criminosa irresponsabilidade que atingiu os fundos e a vida de milhares de trabalhadores brasileiros.

Um Judiciário judicante - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO 12/09

Posse da ministra Cármen Lúcia dá garantias de contribuição do Poder Judiciário ao País



A posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) é garantia de que o Poder Judiciário será - apenas e tão somente - um poder judicante, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988. Longe de significar um empobrecimento da sua missão, trata-se de respeito à específica e fundamental contribuição que o Judiciário deve dar ao País, aplicando a lei com justiça e diligência.

O aprumo institucional do STF - deixando de lado funções que não lhe assentam bem - é especialmente importante no momento atual. Não bastasse a crise política, econômica, social e moral que o País atravessa, tem havido flertes com supostas “soluções” fora dos trilhos constitucionais, que simplesmente tentam contemplar demandas pessoais. Vale lembrar que transigências com os limites da lei são sempre incursões em terreno perigoso, no qual corre risco a ordem jurídica - a democracia, em última instância.

Passado o impeachment de Dilma Rousseff - com o tão promissor afastamento do PT do poder -, é hora de reconstruir o País, ofertando-lhe as condições oportunas para o desenvolvimento econômico e social. Para essa empreitada, uma condição essencial é que o poder estatal, em todas as suas instâncias, se atenha às suas específicas funções institucionais. A Nação está cansada de voluntarismos, de partidarismos e, muito especialmente, do aparelhamento ideológico. Os perversos efeitos desse jeito de atuar, tão frequente em tempos petistas, alimentam uma profunda aspiração por mudança. É hora de, com os olhos postos na lei, trabalhar com afinco em prol do País.

Nesse sentido, é oportuna e carregada de simbolismo a indicação da ministra Cármen Lúcia de que não deseja festa na sua posse como presidente do STF. “Não gosto muito de festas, de nada disso. Eu gosto é de processo”, afirmou a ministra na semana passada.

Se o estilo sóbrio na condução das coisas públicas é sempre bem-vindo, ele se coaduna especialmente bem com as atuais prioridades nacionais. Não é hora de pompas nem de comemorações. O País atravessa uma forte recessão econômica, com quase 12 milhões de desempregados. Só faltava que, no momento em que se pede à população compreensão com as medidas duras que devem ser adotadas para o País sair da crise, integrantes do poder público dessem a entender, com o seu comportamento, que vivem noutro mundo.

As atuais circunstâncias do País revelam em toda sua nitidez a realidade - tão comezinha, mas nem por isso devidamente considerada - de que todo servidor público tem sérias responsabilidades perante o Estado e a sociedade. E, por mais que alguns corporativismos queiram alçar os membros da magistratura a uma condição sobre-humana, os juízes também são servidores públicos.

A razão de existir de todo cargo público é precisamente, como o próprio nome indica, sua finalidade pública. O adequado exercício das funções públicas exige um olhar amplo, que vá além das preocupações pessoais. Cargo público não é para defender interesses de uma categoria. Infelizmente, tal princípio muitas vezes é relegado a um segundo plano, como se fosse legítimo usar o cargo para nele entrincheirar-se e, dali, defender os interesses de sua categoria profissional ou social ou, o que é ainda pior, posições político-partidárias.

A necessidade dessa visão ampla, capaz de vislumbrar o interesse público além do estritamente pessoal, é ainda mais premente em funções, como é o caso dos ministros do STF, cujo exercício tem reflexos diretos sobre toda a sociedade. Tais cargos são revestidos de especiais garantias, precisamente para proteger a independência e a capacidade de seus titulares de atuar tão somente em função do interesse público. São, assim, prerrogativas - nunca privilégios.

A ministra Cármen Lúcia - cuja conduta sempre refletiu, além de sua irreparável competência jurídica e fina sensibilidade humana e social, uma profunda compreensão do que significa ser servidor público na acepção mais nobre do termo - tem, portanto, os melhores qualificativos para assumir, nas atuais circunstâncias do País, a presidência do STF.

Sem sentido - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 12/09

Decisão do STF tira do alcance da lei um número grande de maus políticos


O Brasil patina num contencioso político (em especial, o partidário) que, tanto quanto os ajustes na economia, precisa ser enfrentado com urgência. São demandas cujo equacionamento se impõe como missão urgente, de modo a enfrentar a baixa qualidade da representação no Legislativo e no Executivo, terreno onde germinam males crônicos (corrupção, assistencialismo, ações de toma lá dá cá etc.), que contaminam o Congresso e, país afora, casas legislativas, governos estaduais e prefeituras.

Nessa pauta, a revisão das regras de formação de partidos, com a adoção de cláusulas de desempenho, e de seu funcionamento (proibição de coligações em eleições proporcionais, por exemplo) terá o sadio efeito de depurar o cenário político nacional. No entanto, são temas que, por mais que se imponham à saúde política do país, enfrentam fortes resistências.

Há proposições nesse sentido no Congresso, mas não é fácil aprová-las. Por outro lado, o país já contabiliza avanços importantes, ao menos no campo da legislação eleitoral — dos quais a aprovação da Lei da Ficha Limpa, uma iniciativa exógena nos tradicionais trâmites de projetos que chegam ao Congresso, é a sua mais notável expressão. Criada por iniciativa popular, desembarcou no Legislativo em Brasília ancorada em mais de um milhão de assinaturas de apoio, uma demonstração de força que desestimulou notórios grupos de parlamentares a desoxigená-la.

A lei, aprovada em 2011 sob aplauso da sociedade, chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, é eficaz antídoto contra a presença na política de personagens que a desqualificam e degradam. Com ela, a Justiça Eleitoral ganhou um poderoso instrumento legal para barrar a candidatura de condenados em segunda instância. Ressalte-se, como positivo, o cuidado que a Ficha Limpa teve de buscar o anteparo de sentenças formuladas por colegiado de juízes, uma forma de a legislação não servir a ações de má-fé, ou a perseguições e picuinhas cartoriais eventualmente estimuladas para prejudicar inimigos políticos em tribunais de primeira instância. É um dispositivo avançado, cujo alcance saneador parecia ser questão vencida. Portanto, surpreende a decisão da maioria do STF de, ao julgar um processo, condicionar o enquadramento de prefeitos e governadores na lei somente após sanção de maioria qualificada de câmaras municipais e assembleias legislativas a processos de desaprovação de contas. Até então, a Ficha Limpa os alcançava tendo como motivo bastante — e justo, por criterioso — a condenação de suas gestões orçamentárias por tribunais de contas.

Isso equivale, na prática, a tirar do alcance purificador da lei esses maus políticos. É da (má) tradição da política brasileira o controle de casas legislativas regionais pelo chefe do Executivo, uma dominação que se dá por diversas formas — em geral, no âmbito de deletérias práticas que fomentam a corrupção. A interpretação do Supremo é passível de recurso, portanto de nova abordagem do pleno da Corte. É a chance de o tribunal rever essa incompreensível desidratação da lei.

Governo manco - RICARDO NOBLAT

O Globo - 12/09

“Sou meio contra pôr meu retrato nas repartições. (...) É um culto à personalidade.” Michel Temer


O adjetivo “bizarro” pode sugerir uma coisa e o seu contrário, soar como insulto ou um elogio, significar algo ou simplesmente nada. Há dez dias, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, classificou de “bizarra” a decisão do Senado, abençoada por seu colega Ricardo Lewandowski, de cassar o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, preservando, contudo, os seus direitos políticos.

NO CASO, POR “bizarra” entenda-se “extravagante”, como o ministro logo se apressou a esclarecer. Na verdade, a decisão foi no mínimo inepta, em total desacordo com a Constituição. Presidente que comete crime de responsabilidade é punido com a perda do mandato e dos direitos políticos por oito anos. Não é uma coisa ou outra. A Constituição é clara quanto a isso no parágrafo único do artigo 52.

BEM, MAS PELO VISTO, às favas com a Constituição que senadores e ministros do Supremo juraram cumprir ao serem diplomados e empossados. A ministra Rosa Weber, relatora das ações e recursos impetrados contra a decisão do Senado, já mandou para o arquivo quase todas elas. Mais adiante, o plenário do Supremo poderá deliberar a respeito. Ou não.

OS INCONFORMADOS com o desfecho do impeachment acusam o Senado de ter desprezado os fundamentos jurídicos do processo e levado em conta apenas os aspectos políticos quando cassou o mandato de Dilma. Não caberia acusar igualmente o Senado de só ter considerado os aspectos políticos quando manteve o direito de Dilma de poder disputar eleições?

NO PAÍS DA extravagância de gastos não autorizados pelo Congresso, da corrupção que abateu a Petrobras e que garfa parte do salário de servidores públicos endividados, e do pouco apreço à lei, tudo continua sendo possível ou tolerado. Chama-se de golpe o que não foi golpe e de “decisão soberana do Senado” o que não passou de um golpe contra a Constituição.

NADA DEMAIS, pois, que o governo resultante de tamanho desmantelo se caracterize pelo menos até aqui pela prática de bizarrices, mas não só. Por sua origem, é de fato um governo incomum, invulgar. Mas é também estranho, esquisito e grotesco, sem ser necessariamente cômico. Porque não provoca risos. Provoca inquietação dadas as circunstâncias do país.

ADMITO QUE teve lá sua graça o episódio bizarro da modelo nua cujo corpo acabou pintado no quarto andar do Palácio do Planalto horas depois da consumação do impeachment. Como engraçada foi outra bizarrice produzida naquele mesmo dia com a transmissão ao vivo pela televisão da reunião de Temer com os seus ministros. Eles pensavam que se tratava apenas de uma gravação.

NÃO TEVE GRAÇA alguma, porém, saber que o presidente fora surpreendido pelo apoio do seu partido à preservação dos direitos políticos de Dilma. É crível que ele tenha sido traído pela maioria dos senadores do PMDB liderada por Renan Calheiros? Porque é difícil acreditar que ele concordasse com um ato que violaria a Constituição. Por certo, uma bizarrice não seria.

TAMPOUCO FOI a promessa de Temer de enviar ao Congresso a reforma da Previdência antes das eleições, para depois recuar e, em seguida, recuar do recuo. A menção aos “40 que levantam carros” anabolizou as manifestações de rua. Servirá para tal o anúncio da jornada de trabalho diário de 12 horas e a suspeita de que se trama contra a Lava-Jato. São tiros de um governo manco no próprio pé.