quinta-feira, setembro 01, 2016

A ponta do iceberg - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 01/09

Se os problemas do Brasil se resumissem ao PT, seria mesmo um ponto de inflexão e tanto. Mas o buraco é mais embaixo



Um dia histórico, sem dúvida. E muito importante para o Brasil. Após a mobilização de milhões de brasileiros nas ruas e a pressão sobre a classe política, o país conseguiu se livrar de Dilma, a presidente mais incompetente de nossa história, e do PT, o partido mais golpista e cínico de todos. O povo pode respirar um pouco aliviado: não viramos a Venezuela.

Mas... Detesto ser o estraga-prazeres tão cedo, em momento de comemoração legítima, mas preciso tocar a real aqui: isso foi apenas a ponta do iceberg em que nosso Titanic bateu. Se os problemas do Brasil se resumissem ao PT, seria mesmo um ponto de inflexão e tanto. Mas o buraco é mais embaixo.

Para começo de conversa, há a herança maldita deixada pelo PT. Nesta quarta-feira mesmo tivemos o resultado do PIB no trimestre: mais uma queda, a sexta consecutiva, de 0,6%, o que leva a um declínio de quase 5% no acumulado de 12 meses. É uma depressão!

Como reverter esse quadro sombrio? O Estado quebrou, o rombo fiscal assusta, e as reformas estruturais necessárias parecem distantes da realidade. O atual governo fala em medidas paliativas e em aumento de impostos, o que não suportamos mais.

Do ponto de vista econômico, portanto, há sinais de mudanças relevantes; paramos de cavar no buraco, mas parece muito pouco, muito tarde. O PT faliu nosso país, e sua reconstrução vai demorar bastante. Não há garantias de que as reformas de que precisamos serão de fato aprovadas. Tem muito chão pela frente ainda.

E a economia não é tudo. É o mais urgente, e Temer tem consciência disso, o que é alvissareiro. Mas existem diversos outros problemas, igualmente graves, de longo prazo. A começar pela degradação de valores morais em nosso país.

Claro que o PT não criou a malandragem, o jeitinho, a Lei de Gérson de se dar bem a qualquer custo. Mas incorporou como poucos esse ideal e, como o péssimo exemplo veio de cima, de seu líder máximo, o estrago produzido foi enorme. Temos um país dilacerado pela ética da malandragem, e resgatar – ou construir – valores morais sólidos será obra de mais de uma geração.

O que nos leva a outro problema correlato: a doutrinação esquerdista em nossas escolas e universidades. Esse talvez seja o mais grave de todos os males que nos assolam. Nossos jovens são metralhados com slogans marxistas e distorções históricas desde cedo, e muitos não resistem: saem do ensino como autômatos que repetem as mesmas ladainhas enquanto mal sabem ler, escrever e fazer contas.

A hegemonia de esquerda em nossa “educação”, que tem o comunista Paulo Freire como “patrono”, precisa ser revertida o quanto antes. Há indícios de que um movimento de reação começou, mas ainda é incipiente demais. A batalha cultural é a mais importante de todas em um horizonte mais longo, e será decisiva para sabermos se há ou não esperanças quanto ao nosso futuro.

Diante desse quadro, fica claro por que podemos festejar uma vitória nada trivial como a do impeachment de Dilma, mas sem relaxar muito, sem achar que isso é o ponto de chegada, e não o de partida para um país melhor. Temos, ainda, de desarmar a bomba-relógio deixada pelo PT na economia, recuperar valores morais em nossa cultura e desinfetar nossas escolas e universidades do retrógrado socialismo que ainda encanta militantes disfarçados de professores e jovens ingênuos.

A guerra está apenas começando. E a esquerda não se resume ao PT. É muito mais, está espalhada por todo canto, e sabe se adaptar, trocar de embalagem, ressurgir das cinzas como uma fênix. O impeachment foi fundamental para impedir o naufrágio do Brasil. Mas o PT era apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro inimigo é o esquerdismo. E ele continua bem vivo e atuante, criando obstáculos ao nosso progresso rumo à civilização.


Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

Perdas e danos hoje, uma anistia amanhã - JOSÉ CASADO

O Globo - 01/09
Foi uma jornada de perdas e danos para todos. Alguns estavam preocupados em jogar para o futuro. Perdeu o novo governo, porque já nasceu com fraturas expostas na base, a “coletividade partidária” na definição do ex-vice e exinterino Michel Temer, agora presidente “sub judice”.

Temer foi empossado para um período de 28 meses na Presidência. Porém, seu mandato ainda depende de confirmação judicial.

A destituição de Dilma Rousseff o transformou em réu único num processo para cassação da chapa eleita em 2014. Ontem, ele virou presidente e ficou refém da Justiça Eleitoral que só prevê decisão sobre o caso no próximo ano.

Dilma capitaneou o epílogo de um ciclo de poder petista exibindo o seu isolamento no partido. Em vermelho, deu um colorido sanguíneo à deposição, ladeada por reduzido grupo de parlamentares do PT, todos já empenhados no debate interno que pode levar à cisão do partido.

Ela desabafou sobre a “farsa jurídica” dos últimos 108 dias — o processo de impedimento supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, recorrerá ao tribunal.

Apresentou-se como vítima “de corruptos, que desesperadamente tentam escapar dos braços da Justiça”. Entre petistas que aplaudiam, alguns são investigados por envolvimento na corrupção que devastou a Petrobras.

Saiu beneficiada por manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) , alvo de uma dezena de inquéritos no Supremo. Fez um acordo discreto com o PT para não cassar os direitos políticos de Dilma. Incendiou a base de Temer, que alegou surpresa, sob explícita desconfiança do PSDB e do DEM.

Esse acerto PMDB-PT tem efeito político muito além de um “gesto de boa vontade”, como relativizou Temer, para com a presidente deposta e visivelmente fragilizada.

Abriu uma vereda legislativa de interesse comum: a exploração de formas de anistia para parlamentares que venham a ser condenados por corrupção. Continuariam habilitados para exercer cargos públicos, com ou sem mandato.

O que sai de bom do impeachment e o golpe de Renan - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - RS - 01/09
Temos o nosso Talleyrand dos trópicos

A democracia brasileira saiu robustecida com o impeachment de Dilma. Não porque Dilma foi punida, mas pela forma como se deu o processo.

O que não quer dizer que ela não deveria ter sido punida. É evidente que sim. O governo de Dilma, além de assombrosamente ineficiente, foi corrupto. Se ela não se corrompeu em particular, permitiu a corrupção em geral. E, no caso específico do tema julgado pelo Senado, está claro que Dilma mentiu na campanha eleitoral, fato admitido inclusive por Lula.

Mas essa, agora, já é discussão antiga. Importa o que virá pela frente. Digo que a democracia se fortaleceu porque o Brasil enfim descobriu que o poder é exercido não apenas pelo Executivo, mas também pelo Legislativo e pelo Judiciário. Nós, com nossa tradição populista, monarquista e ditatorial, temos a tendência de pensar que a única eleição que importa é a do Executivo, que é o Executivo quem manda e que é do Executivo a responsabilidade exclusiva pelo bem-estar do cidadão.

Não é assim. O verdadeiro guardião da democracia é o Legislativo. A eleição para o Executivo é quase plebiscitária. Há, em geral, escassas opções em cada eleição, e muitos eleitores escolhem não o que querem, mas o que não querem. O Legislativo é mais plural e infinitamente mais representativo. Toda ou quase toda a sociedade está representada no Congresso.

A longa discussão do impeachment, e também a atuação de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, talvez demonstre de vez ao Brasil algo que deveria ter sido compreendido três séculos atrás, quando Montesquieu defendeu a separação dos poderes e a monarquia constitucional.

Avançamos, portanto.

Porém... o nosso Legislativo continua sendo o nosso Legislativo. Se a sociedade brasileira é historicamente adepta ao escamoteio e à dissimulação, os congressistas brasileiros não seriam diferentes. Em meio ao impeachment de Dilma, foi urdida uma sofisticada trama lateral entre o PT e o PMDB. Não foi por acaso que Lula e Renan Calheiros se reuniram, às vésperas da votação. O sucesso extraordinário desse conluio foi a manutenção dos direitos políticos de Dilma. Não que Dilma importe. Dilma é irrelevante, não tem nenhuma significação política. Mas o seu "perdão", digamos assim, abre um precedente para que outros direitos políticos sejam mantidos, depois de outras condenações.

Foi uma manobra genial.

Renan Calheiros é nosso Talleyrand. Os governos passam, e ele continua. O longo braço da Justiça não é longo o suficiente para tocá-lo. Eduardo Cunha caiu em desgraça, Dilma caiu em desgraça, Lula caiu em desgraça, é possível que Aécio caia em desgraça, mas Renan está lá, sorrindo enigmaticamente.

Talleyrand dizia que o homem inventou as palavras para disfarçar os pensamentos. Renan Calheiros sabe disso melhor do que ninguém, nessa alegre república que se esparrama do lado de baixo do Equador.

O Senado deu o “golpe” - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 01/09

A sessão que confirmou o fim de quase 14 anos de petismo no Planalto acabou manchada por uma autêntica gambiarra jurídica com o objetivo de consagrar a impunidade



O Senado finalmente decidiu, pelo resultado expressivo de 61 votos a 20, cassar definitivamente o mandato da agora ex-presidente da República Dilma Rousseff. Um desfecho que, sem dúvida alguma, pede comemoração, mas a sessão que confirmou o fim de quase 14 anos de petismo no Planalto acabou manchada por uma autêntica gambiarra jurídica costurada entre o PT, seus partidos-satélites e os senadores do PMDB, com o objetivo de consagrar a impunidade. O plenário do Senado decidiu que Dilma cometeu, sim, crime de responsabilidade e deveria perder o mandato, mas, em uma segunda votação, preservou seus direitos políticos. A ex-presidente pode assumir função pública – por nomeação, por exemplo – e não chegaria nem a ficar inelegível.

Logo no início da sessão de quarta-feira, o senador Humberto Costa, falando pela bancada do PT, propôs o golpe: que a inabilitação de Dilma fosse votada em separado, como destaque. Senadores de outros partidos, como Randolfe Rodrigues, da Rede, usaram a palavra para defender a ideia e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, aceitou o fatiamento. Não adiantou nem mesmo a manifestação do também senador e ex-presidente da República Fernando Collor, que recordou a legislação e a jurisprudência do STF quando do seu próprio processo de impeachment, em 1992. Na ocasião, Collor renunciou antes da votação no Senado, mas perdeu o direito de exercer função pública por oito anos.

Confirmada a cassação de Dilma na votação do impeachment, o presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros, abandonou todo e qualquer pudor, pronunciando-se publicamente contra a suspensão dos direitos políticos da presidente cassada. Naquele momento, esvaiu-se qualquer dúvida que alguém ainda pudesse ter sobre a participação dos senadores do PMDB na combinação espúria que levaria ao resultado observado minutos depois: a maioria do Senado até continuou contra Dilma, mas os 42 votos não foram suficientes para ratificar a pena de oito anos de inabilitação, pois era necessária a mesma maioria de dois terços exigida para o impeachment, ou seja, 54 votos.

Na mesma sessão que deveria consagrar uma vitória da moralidade e da democracia, rasgou-se a Constituição em nome da impunidade. A Carta Magna é inequívoca sobre o tema no parágrafo único do artigo 52: “Nos casos previstos nos incisos I e II [julgamentos por crimes de responsabilidade], funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Em outras palavras, a inabilitação é automática em caso de cassação. Não existe outra interpretação possível, e foi assim que o STF decidiu no Mandado de Segurança 21.689, que tratou do caso de Collor. Na ocasião, o Supremo avaliou que “No sistema atual, da Lei n.º 1.079, de 1950, não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade (...) A preposição ‘com’, utilizada no parágrafo único do art. 52, acima transcrito, ao contrário do conectivo ‘e’, do § 3º, do art. 33, da CF/1891, não autoriza a interpretação no sentido de que se tem, apenas, enumeração das penas que poderiam ser aplicadas. Implica, sim, a interpretação no sentido de que ambas as penas deverão ser aplicadas”.

Mas é óbvio que Calheiros e seus asseclas não estavam pensando em Dilma, contra quem não há – pelo menos por enquanto – acusações de crime comum. Violaram a Constituição pensando em si mesmos, pois, com a Operação Lava Jato em seus calcanhares, correm o risco de também eles perderem seus mandatos. O golpe promovido na tarde desta quarta-feira lhes dá a chance de sair com um prêmio de consolação: a preservação de seus direitos políticos. Uma decisão que beneficia inclusive o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, tão criticado em público por Dilma e seu advogado, José Eduardo Cardozo, nestes dias finais do impeachment. Apesar do palavrório dilmista, quem há de garantir que o próprio Cunha não tenha participado da trama urdida por petistas e peemedebistas?

Senadores do PSDB e Democratas chegaram a anunciar a intenção de recorrer ao STF contra a decisão, mas recuaram – atitude questionável, pois é preciso que a corte seja provocada para que possa restabelecer a punição prevista pela lei maior do país. A decisão de quarta-feira é claramente inconstitucional e consagra a impunidade – tudo de que o país não precisa neste momento.

Os desafios de Temer - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 01/09

Com a conclusão do processo de impeachment de Dilma Rousseff, pondo fim a uma hegemonia de mais de 13 anos do PT no poder, o Senado cumpre seu papel dentro de uma visão jurídica, legal e democrática. A surpresa com a manutenção dos direitos políticos da dirigente cassada e os inevitáveis questionamentos a serem suscitados a partir da decisão são questões secundárias diante de um aspecto essencial: o de que o presidente Michel Temer tem um desafio considerável ao assumir o comando do país no auge de uma crise política e econômica de proporções inéditas na história recente.

Na condição de titular do cargo, e mesmo registrando baixos índices de popularidade nas pesquisas de opinião pública e nas ruas, o presidente não tem mais como adiar as mudanças necessárias para definir um rumo imediato para o país, assegurando perspectivas para a redução do desemprego e da taxa de juros. É promissor que, já em sua primeira reunião ministerial, o presidente tenha se comprometido ontem com algumas das reformas emergenciais para "colocar o Brasil nos trilhos".

Sob o ponto de vista econômico, o presidente conta com um trunfo considerável para transmitir confiança na retomada da estabilidade: uma equipe reconhecidamente qualificada, que deixou evidente, desde o início, seu compromisso com o rigor fiscal. Por isso, a prioridade imediata, num período eleitoral e de tensões acirradas pelo impeachment, é garantir um mínimo de diálogo com o Congresso, que assegure a aprovação de uma proposta de contenção dos gastos oficiais, condicionando sua expansão à inflação do ano anterior. Não é missão fácil num setor público habituado a dispêndios sem limite — e há ainda questões mais complexas. Entre elas, estão a reforma da Previdência, que mobiliza sempre corporações influentes, e a política, diante das quais os parlamentares costumam se mostrar reticentes.

Não basta ao governo do PMDB manter uma equipe econômica renomada para transmitir segurança aos brasileiros em geral e ao mercado em particular. É importante que, a partir de agora, não venha a repetir equívocos da interinidade, como a nomeação de ministros que precisaram ser substituídos ante denúncias de envolvimento com corrupção. Daqui para a frente, é preciso também evitar idas e vindas como as que, no início, transmitiram incômodos sinais de hesitação. Entre as contradições, estão a volta atrás na redução do número de ministérios e o aval manifestado a reajustes salariais de elites de servidores que, na prática, impactam ainda mais as já deterioradas contas públicas.

Os brasileiros anseiam por estabilidade política e econômica, mas esperam também que o necessário ajuste nas contas acabe acenando com melhorias em serviços essenciais como saúde e educação. O presidente Michel Temer, que assume em condições econômicas adversas, devido à crise, e criticado por opositores, aos quais transmitiu ontem um recado duro, precisa agir rápido para recuperar o tempo perdido e pacificar o país.

O Brasil não pode esperar mais para se reerguer.

Panos quentes - DORA KRAMER

ESTADÃO - 01/09

Confirmado o impedimento de Dilma Rousseff, inicia-se oficialmente não apenas o governo de transição chefiado por Michel Temer, mas também (talvez principalmente do ponto de vista político) o retorno do PT ao campo da oposição – seu berço e residência durante 22 anos, antes de tornar-se situação pelo período agora findo de 13 anos. Ironia do destino, número mítico do partido.

Na votação os senadores decidiram-se por gesto de benevolência ao não aprovar (por falta de quórum, não de votos) a inabilitação para o exercício de cargos públicos, adotando aí peso e medida diferentes aos aplicados a Fernando Collor, cujo rito do impeachment de 1992 serviu de modelo ao processo atual.

Isso permitiu aos petistas contabilizar uma decisão favorável no placar eletrônico, mas não os autoriza a comemorações. Muito se fala em Brasília sobre a expertise do PT no exercício da oposição e, portanto, no protagonismo que estaria prestes a reocupar nessa função.

É verdade que o partido fez oposição competente – falando pragmaticamente – e foi por isso reconhecido pelo eleitorado quando o País resolveu que era hora de mudar. Ocorre que fez isso a bordo de uma trajetória cujos pontos cruciais já não existem: defesa da ética, da promessa de levar a classe operária ao paraíso e adotar novo modo de fazer política. Mitos derrubados pela realidade dos escândalos, das alianças carcomidas e no resultado desastroso (principalmente para a classe operária) e ilusório da condução da economia.

O PT do passado que venceu não é o PT do presente que perdeu e terá trabalho para convencer a população de que, no futuro, um outro PT é possível.

Recuperação da economia depende de pactos e barganhas - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 01/09

Os números do PIB sugerem que, sim, batemos em um fundo de poço. As profundas do inferno recessivo em que ainda nos demoramos parece ter ocorrido na virada de 2015 para 2016. Daqui em diante, o "cálculo das probabilidades é uma pilhéria", como dizia o tuberculoso Manuel Bandeira.

As incertezas não advêm apenas do fato de que previsões econômicas são um gênero tedioso de ficção científica, na "boutade" de Paul Krugman, o Nobel de economia. O PIB depende de política, bidu, como sempre, mas de imediato e em grande parte de arranjos do novo "bloco de poder", nome elegante que FHC deu ao que ora é uma barafunda com uma carta de intenções.

Os arranjos vão do acordão contra efeitos da Lava Jato à nova redistribuição de favores e aos pactos com as castas política, burocrática, Judiciária e empresarial (a que vive no mercado de acertos com o Estado).

Os esteios mínimos de uma recuperação econômica dependem da contenção da dívida pública que cresce sem limite ("teto" e reformas previdenciárias), da decorrente baixa de juros e de programa de investimentos em infraestrutura. Em qualquer situação, seria uma reviravolta socioeconômica enorme. Há mais.

Além de enfrentar o conflito sociopolítico, o "teto" de gastos pode ser triturado ou diluído a depender de barganhas tais como a da avacalhação da Lava Jato.

Um protótipo de lambanças foi desenhado ontem mesmo, na condenação com jeitinho de Dilma Rousseff, cassada por crime do qual, a seguir, parece ter sido quase absolvida. Como ficou óbvio, o experimento parece uma "emenda Cunha", passaporte da alegria que pode ser estendido a comparsas desse deputado.

Como se não bastasse, há os primeiros passos da dança de 2018, com o PSDB dando piruetas no muro de seu apoio a Michel Temer.

Em breve, a casta política vai pagar agrados à casta judiciária e burocrática de elite, com aumentos salariais impagáveis.

De resto, há ainda os embrionários e nebulosos pactos do governo com o setor privado, que uns podem ser legítimos, uns, daninhos, e outros, negociatas.

Há propostas de mexidas mui suspeitas na lei de licitações. Há um sinal esquisito como o desse crédito do BNDES para a compra de empresas com problemas. Um governo "liberal" que tem planos retrógrados para agências reguladoras. Não se sabe o que será dos acordos de leniência com empresas corruptas. Etc.

Com o plano econômico básico e as ditas reformas microeconômicas vão atravessar esse mar de barganhas, talvez negócios?

Quanto ao PIB, persiste a fé na reviravolta, no ponto de inflexão, o nome que se dê. Os dois maiores bancos privados sugerem que chegamos ao fundo.

Os economistas do Bradesco diziam nesta quarta (31) que "a sensação térmica, considerando vários índices de atividade já divulgados, é de estabilidade, e não de contração". Acreditam em recessão de 3% neste ano.

Os do Itaú ainda estimam baixa de 3,5%, mas acreditam em crescimento no trimestre final do ano; devem revisar os números para cima. Ontem ainda, o BC falava em "evidências de que a economia brasileira tenha se estabilizado recentemente e sinais de possível retomada gradual da atividade econômica".

Falta só combinar com esse indizível Congresso.


O crupiê do poder - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

ESTADÃO - 01/09

Como previsto por todas as videntes, pelas cartomantes, cai a rainha de espadas. Ficam o rei de ouros e de outros naipes. Não muda nada, ou quase nada. A Bolsa não subiu, panelas já não batem, buzinas já não soam. Descartada a presidente, voltam ao maço da política brasileira as 52 cartas de sempre. Curingas presidenciais como Dilma Rousseff e Fernando Collor não chegaram a se misturar nesse baralho. Quem dá as cartas foi e é o PMDB.

Com representatividade limitada, o sistema político partidário brasileiro visa sua perpetuação e autopreservação, acima de tudo. Colocado em xeque – por manifestações em massa como as de junho de 2013, ou por operações policiais como a Lava Jato –, faz o que pode e o que não pode para perseverar. Se a circunstância pede sacrifício, tende a descartar quem não compreende como o jogo é jogado – ou, se compreende, preferiu passar batido.

Dilma passou, ou vai passar. As buscas por seu nome no Google cresceram 747% nesta semana. Foi seu canto do cisne digital, a julgar pelo histórico de pesquisas de nomes de ex-presidentes.

Após o fim de seus mandatos, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e Fernando Collor viraram traços sem apelo para a curiosidade da internet brasileira. Lula ia pelo mesmo caminho, até virar protagonista de novo graças ao grampo de Sérgio Moro. Como foi contra sua vontade, é exceção que confirma a regra.

Percebe-se quão fútil é a mania de Getúlio Vargas que acomete presidentes brasileiros que sonham sair do palácio para entrar na história. Não são discurso, filme nem mesmo suicídio que comandam a narrativa das trajetórias presidenciais. É o conjunto de atos e omissões, a somatória do que fizeram e do que deixaram de fazer. O balanço de pecados e virtudes. É o que sobra.

Do governo Dilma sobra, de imediato, o PMDB de volta à cadeira presidencial. A história de como chegou lá envolve traições e politicagens, por certo, mas essas artimanhas não teriam a repercussão que tiveram se não houvesse as condições necessárias para frutificar. Como no governo Collor, as condições foram dadas pela ruína econômica. Junte-se recessão, impopularidade e autossuficiência presidencial, e o resultado é impeachment.

E PMDB. Crupiê do poder, o partido se especializou em controlar a maioria do Congresso mesmo sem ter as melhores cartas. Bom jogador, faz o jogo com a mão que tem. Conta menos com a sorte do que com a esperteza. Blefa, troca de parceiros, aposta no buraco e até rouba monte se for do jogo. Mas nunca sai da mesa.

Com o PT como par, o PMDB quase dançou sozinho. O partido minguou ainda mais nos municípios, sua fonte de poder. Perdeu prefeituras para o sócio e se viu em perigo existencial. Daí também a convulsão de sua base, principalmente na Câmara dos Deputados, o que deu oportunidade a um Eduardo Cunha. O ex-líder vocalizou essa insatisfação e galvanizou a reação à parceria.

Cunha é personagem central da trama, mas não escreveu o roteiro. O script foi ditado pela disputa da hegemonia municipal entre petistas e peemedebistas. Não por acaso, o PSDB – uma costela do PMDB fugida do quercismo – tornou-se o principal parceiro peemedebista nas eleições municipais deste ano, em substituição ao PT. A nova sociedade é causa, não consequência. Mas tampouco é casamento para a vida eterna. Os noivos têm planos distintos.

A melhor síntese da política brasileira pós-impeachment é o embaralhamento da eleição paulistana. O PMDB herdando parte do que era do PT (via Marta, ex-Suplicy), o PSDB rachando entre alckmistas (que suportam João Doria) e serristas (dão apoio à candidata do PMDB), o petismo pulverizado entre três candidaturas (além de Marta, Fernando Haddad e Luiza Erundina) e um curinga (Celso Russomanno) se beneficiando da confusão.

Ganhe quem ganhe, o PMDB estará no jogo, com o baralho na mão.

Após impeachment, Temer é o presidente caixa-preta - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 01/09

Michel Temer, agora presidente efetivo, é uma caixa-preta. Pouco, quase nada, se sabe sobre qual é o seu projeto de país.

Não se sabe por vários motivos. Primeiro, o PMDB, seu partido, não apresenta candidato presidencial desde que Orestes Quércia foi estraçalhado nas urnas em 1994.

Logo, o partido (e Temer, por extensão) não precisou nesses 22 anos transcorridos desde então apresentar um programa de governo. Nem mesmo aqueles programas de fantasia que são elaborados e divulgados a cada eleição, para serem esquecidos ou descumpridos depois da vitória.

Em segundo lugar, Temer sempre foi um político discreto, para não dizer medíocre. Se fosse mais relevante, teria sido lembrado, em algum momento de sua longa vida pública, para a cabeça de chapa em eleição presidencial ou, pelo menos, na estadual de São Paulo, sua base.

Ao ser discreto, o hoje presidente nunca foi solicitado a apresentar seus pontos de vista sobre os grandes problemas nacionais. Conhecem-se dele, é verdade, alguns trabalhos sobre temas jurídicos, mas, de um presidente da República, espera-se muito mais do que isso.

Temer nem poderia ser explícito sobre o conjunto de questões que inquietam o país porque o PMDB não é um partido e, sim, uma confederação de caciques regionais, um "partido ônibus", como dizia Fernando Henrique Cardoso, que se divide até em votações como a do impeachment/inabilitação de Dilma.

Completa o cenário o fato de que, na sua interinidade, Temer não chegou a apresentar uma plataforma mínima. A única prioridade anunciada –o saneamento das contas públicas– não é uma agenda própria mas imposição da realidade.

Mesmo que Dilma Rousseff tivesse sido mantida na Presidência, teria forçosamente que enfrentar essa questão tal a deterioração ocorrida nos últimos anos nesse quesito essencial. Tanto que ela ameaçou fazê-lo ao assumir o segundo mandato, mas foi tão hesitante e tão canhestra que acabou fracassando.

Do meu ponto de vista, mais que a questão fiscal o que definirá o sucesso ou o fracasso de Temer será sair ou não da recessão.

Feita essa ressalva, cabe perguntar se o impeachment por si só conseguirá resolver o imbróglio em que o país está metido.

Responde, em artigo para a "Forbes", João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina do Eurasia Group:

"Contra o pano de fundo de uma economia global menos favorável, uma combinação de profunda recessão, desequilíbrio fiscal, escândalo de corrupção em andamento e a habitual contenda política, constitui o que muitos têm chamado de tempestade perfeita. Embora o fim de um longo processo de impeachment traga algum respiro, o novo governo continuará a enfrentar um batalha morro acima para pôr o país nos trilhos de novo".

Batalha que se dará em terreno pantanoso: um mundo político apodrecido, no qual Michel Temer se moveu sem maiores constrangimentos. Resta saber se, agora que é obrigado a abrir a sua própria caixa-preta, o novo presidente tem um projeto de país capaz de subir o morro.

O duro começo - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 01/09

Não será fácil o governo Michel Temer recolher aplausos no final, como ele disse ontem em sua primeira reunião ministerial. A economia está em frangalhos, com as contas públicas em descontrole, inflação acima do teto, uma recessão profunda e um desemprego avassalador. A base política continuará sendo um fator de incerteza, como demonstrou na votação que manteve os direitos políticos de Dilma.

A presidente Dilma Rousseff foi deposta no mesmo dia em que se anunciava uma queda acumulada de 10% do PIB per capita desde meados de 2014. Os dois fatos estão ligados. A crise que elevou a inflação abruptamente em 2015 e derrubou o PIB está na raiz da turbulência política que levou ao desfecho de ontem.

O ponto que conduziu todo o processo foi o crime de usar os bancos públicos como se fossem braços do Tesouro e desrespeitar a Lei Orçamentária. O Brasil foi longe na defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando ela foi formulada, e depois votada, vivia-se o momento que vem após as grandes vitórias e o país se perguntava: Como é possível consolidar o que foi conquistado? O passado mostrava claramente que os bancos públicos eram emissores de moeda, que alimentavam a inflação pela maneira como os governantes os usavam. Por isso foi feita a lei. E tão convencidos estavam todos, os que acompanhavam aquela saga, de que era preciso evitar a repetição do erro do uso dos bancos públicos, que isso foi explicitamente proibido na Lei de Responsabilidade Fiscal, a lei que o PT não assinou e até hoje, pelo visto, não leu.

Dilma foi reeleita em 2014, no meio da crise que ela negava existir, e prometendo a volta do crescimento econômico. Mas o país não cresceu um trimestre sequer desde a posse. O IBGE divulgou a sexta contração consecutiva do PIB, a maior da série histórica, e um tombo acumulado de 4,9% nos 12 meses até julho. Grande parte dessa fragilidade econômica é resultado do desequilíbrio das contas públicas. O Banco Central, ontem, divulgou déficit primário de R$ 12,8 bilhões em julho e um rombo de R$ 154 bilhões no período de um ano. A dívida bruta subiu mais um ponto percentual e chegou a 69,5%.

Ontem foi um dia com mais eventos do que cabem numa coluna. Foram anunciados a queda do PIB no segundo trimestre, o rombo fiscal de julho, a manutenção da taxa de juros ao fim da reunião do Copom e o Orçamento de 2017. Tudo isso enquanto o país viu o impeachment da presidente Dilma, a posse do presidente Michel Temer, que, em seguida, viajou para a China deixando a Presidência com o deputado Rodrigo Maia.


Na intensidade com que se vive o tempo presente, o país vai procurando uma saída para a crise econômica. Os dados de ontem, por piores que sejam, trazem algumas luzes. A indústria, que está em longa hibernação, cresceu em relação ao primeiro trimestre e os investimentos também aumentaram. A projeção do governo é de que o PIB estabilizará no terceiro trimestre e voltará a ligeiro crescimento no fim do ano.

Tudo dependerá da capacidade do presidente Michel Temer de fazer o que tem prometido. Há uma agenda de reformas pela frente que, apesar de não terem efeito imediato, criam um horizonte que permite aumentar a confiança dos investidores e criadores de emprego.

Quanto à ex-presidente Dilma, ela continuará com seu incessante esforço para reescrever a história. Ontem, disse que sua queda era golpe contra todas as minorias e todos os discriminados. Incluiu até os índios entre esses seus liderados. A usina de Belo Monte, construída a ferro e fogo por ordem dela, passou por cima de direitos indígenas e do meio ambiente. Além disso, a obra foi citada como fonte de corrupção.

O governo Temer precisa evitar os sinais fiscais ambíguos do período de interinidade, manter a base unida nas votações e pavimentar o caminho da recuperação. Batalhas como a reforma da Previdência não trarão resultados positivos no seu período de governo, mas são fundamentais para o futuro, diante do fato auspicioso de que os brasileiros estão vivendo mais.

A Operação Lava-Jato continuará rondando o governo porque há investigados na base de Temer, como havia no governo do PT, que ontem encerrou uma era de 13 anos no poder. O novo governo começa sob o signo da crise e terá que se esforçar muito para vencê-la.


Temer começou voando, mas deveria correr - ROBERTO DIAS

FOLHA DE SP - 01/09

SÃO PAULO - "Estamos no sétimo dia útil de governo e às vezes parece que foram anos." Esse foi Henrique Meirelles, aquilo era maio, e isso bem poderia abrir um discurso do Estado da União se ele existisse por aqui.

O novo velho governo precisará provar que é melhor do que o que o antecedeu. Até agora, a aprovação popular a Michel Temer não difere muito da de Dilma Rousseff.

A história reúne métricas das mais díspares para avaliar um líder político. Há monarcas que demonstravam força pelos fusos horários de seus domínios, e presidentes que fizeram seu nome com sucessivas reeleições.

Abaixo da unidade "um mandato", como no caso de Temer, a escala da régua vem em dias —ele somará 963 deles até o fim de 2018.

Pouco tempo? Tudo é sempre relativo. Trata-se de período muito parecido ao de John Kennedy, que governou por 1.036 dias. Nesse intervalo, teve sangue frio (e sorte) para evitar que o mundo fosse daquela para pior na crise dos mísseis nucleares. Acabou por virar um dos mais populares presidentes da história dos EUA.

Aqui no Brasil, Getúlio Vargas precisou de período muito parecido (976 dias) após a eleição em 1950 para duas importantes criações: a Petrobras e o que veio a ser o BNDES.

Caso mais próximo ao atual, por motivos óbvios, é o de Itamar Franco. Foi um governo de 820 dias, sempre lembrado pelo Fusca, por Lilian Ramos e pelos alta rotação de ministros da Fazenda (seis). Mas foi nele que se formulou o Plano Real.

Criada e moída pelo "sistema", Dilma agora é história. O processo de impeachment está encerrado, e entramos no primeiro dia útil inteiro de Temer como presidente sem acréscimo de adjetivo. Ao mesmo tempo trata-se do 113º dia do governo Temer. E Temer nem presidente em exercício é, pois tomou um avião durante a noite rumo à China. Com 75 anos, o mais velho presidente da história do Brasil começou voando, mas deveria mesmo é correr.

Temer entre Itamar e Sarney - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 01/09

Michel Temer assume definitivamente a Presidência da República em condições análogas às de Itamar Franco: após o impeachment de um presidente eleito diretamente. Seu maior desafio a partir de agora, no entanto, será não repetir a trajetória de José Sarney, que também chegou ao poder pela via indireta, mas perdeu condições políticas de governar ao longo dos anos e entregou o País mergulhado em uma crise econômica profunda.

Seus principais obstáculos já estão postos, e o próprio rito acidentado e lento que levou ao impedimento de Dilma Rousseff e o alçou definitivamente ao poder mostraram que Temer ainda não deu mostras de que está pronto a enfrentá-los com êxito.

No primeiro discurso que fez diante de seus ministros, em tom de desabafo, o presidente elegeu o combate ao desemprego como prioridade. Fala para 11,8 milhões de desempregados, um contingente enorme depois de um período recente em que o País experimentou uma condição de praticamente pleno emprego – ainda que graças a heterodoxias fiscais e econômicas que agora cobram seu preço.

Para reverter o desemprego, o governo terá, antes, de equilibrar as contas públicas, aprovar o teto dos gastos, encaminhar uma reforma da Previdência tão urgente quanto difícil de aprovar e levar o País a voltar a crescer. Uma tarefa hercúlea para um mandato de quatro anos, quase uma missão impossível para um governo que terá apenas dois anos e quatro meses pela frente.

É aí que entra na equação o segundo fator, crucial para que Temer não repita o fracasso de Sarney: a necessidade de ter uma maioria ampla, clara e sem as ambiguidades que a base aliada tem demonstrado – e que voltou a expressar até mesmo ontem, na votação do impeachment.

Se Sarney teve sempre o presidente da Câmara, do PMDB e da Constituinte, Ulysses Guimarães, a lhe fazer sombra e a disputar com ele o comando político do País durante seu governo, Temer terá em seus calcanhares o presidente do Senado, Renan Calheiros. Novamente a disputa pelo comando político se dá dentro do mesmo partido do presidente. E de novo esse partido é o PMDB.

Ao urdir, à revelia do Planalto, a saída que fez com que Dilma não ficasse inabilitada a exercer funções públicas, mesmo sofrendo impeachment, Renan deu uma demonstração clara de que comanda uma parcela expressiva do partido e que Temer terá de lhe consultar a cada votação importante no Congresso Nacional.

Que ninguém se engane com o significado do #tamojunto que Renan “sem querer” deixou “vazar” ao dar posse a Temer ontem. Não se trata de uma declaração de apoio, e sim de um alerta: seu destino depende de mim. Isso ganha outros significados quando se sabe que o presidente do Senado terá de enfrentar uma batalha judicial no âmbito da Operação Lava Jato e espera receber a benevolência do Planalto para ajudá-lo.

Assim, não é de se estranhar o tom algo sombrio da primeira fala de Temer. Ele sabe que não haverá lua de mel com a opinião pública, com as ruas que estão em ebulição permanente desde 2013 e com o mercado, que foi fundamental para criar as condições políticas para o impeachment de Dilma.

Também não há no horizonte mágicas como o Plano Cruzado ou saídas mais elaboradas, como o Plano Real, para garantir esse rumo na economia e amalgamar a maioria no Congresso Nacional.

O governo Michel Temer terá de mostrar que sabe se guiar sem improviso, que não é mais interino e que tem legitimidade para fazer as reformas que o País espera. E isso em tempo recorde e sem ficar refém do Congresso. Itamar, talvez com um pouco de sorte e graças ao Plano Real, conseguiu. Sarney fracassou completamente.

Uma estreia com clima de racha da nova base aliada - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 01/09

A queda de Collor e a posse de Itamar foram uma festa quase apoteótica, mas a troca de comando do País de Dilma Rousseff para Michel Temer foi formal, protocolar, sem “povo” nos gramados do Congresso e, pior, em clima de racha da nova base aliada.

Durante todos os longos meses do processo de impeachment, todas as previsões eram de derrota de Dilma. O que não se esperava é que, aos 48 do segundo tempo, o Senado fatiasse o artigo da Constituição sobre o impeachment e criasse uma excrescência jurídica: o artigo diz que o presidente é cassado com perda dos direitos políticos, mas Dilma foi cassada sem perder os direitos políticos.

Como assim? Um destaque apresentado pelo PT e encampado pelo presidente da sessão e do Supremo, Ricardo Lewandowski, pode jogar no lixo um artigo – ou meio artigo – da Constituição? A questão pode ir parar no próprio Supremo, que ficaria numa saia-justa, mas ontem mesmo o PSDB e o DEM recuaram da ideia de recorrer à alta Corte.

Se o questionamento jurídico parece estar afastado, até segunda ordem, o racha na base aliada de Temer já explode no seu primeiro dia de governo efetivo, o próprio dia da posse. Com quem o PT negociou o fatiamento da Constituição? Com Temer? Com a cúpula do PMDB? Com o PSDB e o DEM?

Todos eles juram de pés juntos que não têm nada com isso e apontam o dedo para o senador Renan Calheiros. Aí tem. Desconfia-se que, por trás da colher de chá para Dilma, esteja um interesse comum: livrar os futuros réus da Lava Jato da inelegibilidade. O Senado ontem abriu a porteira e onde passa boi, passa boiada. E passa Eduardo Cunha. Por isonomia, ora, ora.

O dia seguinte - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 01/09
BRASÍLIA - Após nove meses de processo, o Senado condenou Dilma Rousseff ao impeachment. A primeira mulher a governar o país virou um retrato na galeria de ex-presidentes. Sua cadeira foi ocupada por Michel Temer, o vice que articulou uma aliança parlamentar para derrubá-la.

Pela terceira vez, o PMDB chega ao Planalto sem passar pelas urnas. O novo presidente deve o cargo aos 61 senadores e 367 deputados que o alçaram ao poder. Sem a força do voto popular, terá que saciar os apetites do Congresso para enfrentar a recessão e cumprir a promessa de "recolocar o Brasil nos trilhos".

A agenda econômica será o principal desafio do dia seguinte ao impeachment. Temer perdeu a desculpa da interinidade, sacada para justificar cada concessão à gastança. Se não aprovar reformas em tempo hábil, ele corre o risco de ser abandonado pelos mesmos atores que patrocinaram sua ascensão ao governo.

A superação da crise é a única saída para o novo presidente se tornar menos impopular que a antecessora. A boa vontade do mercado não resolverá tudo. O Planalto terá que obter apoio da sociedade a seu plano, que prevê cortes de direitos trabalhistas e redução do gasto social.

A aposta em "medidas impopulares" pode reagrupar a esquerda, que buscava uma bandeira para ressurgir das cinzas deixadas por Dilma. Ela sugeriu um mote no discurso de despedida, ao prometer uma oposição "firme, incansável e enérgica" ao "governo golpista".

Entre muitas incertezas pela frente, está o futuro da Lava Jato. Num diálogo famoso, dois barões do PMDB defenderam a queda da presidente como um atalho para frear a operação, que ameaça implodir os maiores partidos brasileiros. "Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", disse Romero Jucá.

Dos 13 senadores investigados, 10 votaram pelo impeachment. Os próximos meses mostrarão se eles se iludiram ou se estamos diante de um "grande acordo nacional".

O destino de Temer: Itamar ou Sarney - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 01/09

Ou presidente encaminha a solução para o reequilíbrio das contas públicas ou cai numa administração medíocre


Os últimos dois dias na votação do impeachment coincidiram com uma impressionante sequência de indicadores econômicos que descrevem no detalhe a história atual. De um lado, explicam por que Dilma Rousseff foi condenada. Seu governo produziu e deixou de herança um enorme desastre, de longe a pior recessão do país. De outro, deixaram muito clara a pauta do governo Temer e os critérios para avaliar seu sucesso ou fracasso. Não tem meio-termo: ou Temer encaminha a solução para o reequilíbrio das contas públicas ou cai numa administração medíocre, com inflação e sem crescimento. Destino Itamar ou Sarney.

Na terça e na quarta saíram números das contas públicas. O que se deve notar: a receita caiu, em consequência da recessão, mas a despesa subiu. Reparem: o governo já está segurando gastos, o dinheiro para gastar encolheu e, assim mesmo, a despesa aumenta em termos reais, ou seja, acima da inflação.

Todo mundo sabe por que isso acontece: as despesas obrigatórias, aquelas que aumentam qualquer que seja a situação econômica. E entre estas, o gasto com aposentadorias e pensões do setor privado. É de espantar: o déficit da Previdência (INSS) subiu para R$ 72,3 bilhões no período de janeiro a julho deste ano. Trata-se de uma impressionante alta de 67,2% em relação aos mesmos meses de 2015.

Tem mais: o déficit de todo o governo central foi de R$ 51 bilhões também nos primeiros sete meses deste ano. Comparando com o rombo da Previdência, que foi maior, fica evidente: faz-se economia em todos os gastos para financiar a Previdência.

Saem daí as duas agendas inevitáveis: colocar um teto à evolução dos gasto público total e a reforma da Previdência, sem a qual será impossível controlar a despesa geral.

As duas propostas já existem e foram colocadas pela nova equipe econômica. Uma estabelece que o gasto de um ano será igual ao do ano anterior mais a inflação. Seria um forte limitador. Neste ano, como vimos, a despesa cresce 0,8% acima da inflação, enquanto a receita cai 6,0%. Não tem como continuar assim.

Também não será possível respeitar o limite sem uma reforma da Previdência que, como em qualquer outro país, estabeleça que as pessoas vão trabalhar mais, contribuir mais e se aposentar mais tarde.

Todo mundo sabe disso. Sem essas reformas, haverá uma deterioração das contas públicas, com aumento da dívida, dos juros e com a redução dos investimentos nacionais e estrangeiros.

Aliás, o Banco Central deu o recado: sem ajuste fiscal, os juros não poderão cair. Se a taxa de juros não cair, o país não embala no crescimento.

Não será possível reequilibrar as contas em dois anos e meio. Mas é possível, sim, encaminhar a solução. Isso feito, os investimentos voltam.

Aliás, os números do IBGE sobre a atividade econômica no segundo semestre, conhecidos ontem, trazem sinais de recuperação. Analistas, na maioria, acreditam que a recessão estará superada no final deste ano, com a volta do crescimento em 2017. Mas está tudo na base da confiança. Investidores se movimentam, prospectam oportunidades, mas tudo isso na expectativa de que o novo governo cumprirá a agenda do ajuste.

Se a coisa se encaminhar nessa direção, a economia se move para a frente, com expansão do PIB já em 2017. Se o pessoal perceber que o governo Temer vacila nas mudanças, aceita aumentos de despesa com reajustes do funcionalismo, por exemplo, topa uma aguada reforma da Previdência, a expectativa piora rapidamente. E o governo se arrastará na mediocridade.

Há uma outra parte crucial da agenda: as privatizações e concessões. Se o governo está quebrado, só haverá investimento novo com dinheiro privado. E este só entrará na jogo se houver um ambiente favorável. Isso exige remover um entulho ideológico e burocrático que quase criminaliza os negócios privados honestos.

Aliás, caímos num incrível ambiente: liberdade para a corrupção e entraves para quem ganhar dinheiro honestamente. O que nos lembra que a Lava-Jato é parte necessária das reformas.

Sarney, o primeiro vice do PMDB a assumir, fez tudo errado. Itamar deu sorte quando chamou Fernando Henrique Cardoso, e este operou o milagre do Plano Real. Temer começou com uma boa equipe econômica e com alguns maus hábitos políticos, como o de ceder às corporações do funcionalismo. O jogo está em andamento.

Pedalada constitucional - MERVAL PEREIRA

O Globo - 01/09
Dilma Rousseff pode ser nomeada para qualquer cargo público no país, mas não pode ser a presidente da República. Poderia também ter sido, ao contrário, condenada à inabilitação para qualquer cargo público, mas continuar sendo presidente da República.

Esse despautério deveu-se a um acordo implícito entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que acabou dando um bônus à presidente definitivamente afastada, Dilma Rousseff, passando por cima da definição expressa da Constituição — mostrando cabalmente como nossas leis não apenas podem colidir umas com as outras, como basta uma interpretação para que seus sentidos sejam distorcidos em benefício de alguém ou algum grupo.

No caso de Dilma, de imediato, ela pode ser blindada do juiz Sérgio Moro, sendo indicada como secretária de governo estadual. Pode ser o de seu estado, Minas Gerais, pelo petista Fernando Pimentel, ou do Maranhão, com o governador do PCdoB, Flávio Dino. Outro plano pode ser se candidatar nas eleições municipais deste ano ou nas de 2018, caso queira ser deputada federal ou senadora.

Já há quem chame a gambiarra de “pedalada constitucional”. Mas não é apenas Dilma que se beneficia dessa benemerência. Há indícios de que esse acordo entre Renan e Lewandowski pode favorecer também os políticos que respondem a processos — como o próprio Renan, no STF, ou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha —, que buscarão, certamente, isonomia de tratamento.

Não importa que, pela legislação, a cassação de mandatos parlamentares os transformem naturalmente em candidatos inelegíveis. A esta altura, não há mais garantia constitucional, pois interpretações podem mudar até mesmo a Constituição.

Foi o que aconteceu ontem na sessão do Senado que decidiu pelo impedimento da presidente Dilma. Mas, surpreendentemente, não aprovou sua inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, como está expressamente definido no artigo 52 da Constituição de 1988.

Também a Lei do Impeachment, de 1950, define que os crimes de responsabilidade são passíveis de pena de perda de cargo, também com inabilitação para a função pública. Para conseguir a mágica de ultrapassar a Constituição e a legislação em vigor, o Senado usou seu regimento interno, também interpretado de maneira ampliada pelo senador Randolfe Rodrigues, da Rede.

O presidente da sessão, ministro Lewandowski, revelando afinal sua benevolência com a “presidenta”, acatou a interpretação que transformou o documento de pronúncia em uma “proposição”, que é sujeita a destaques de votação. Sendo assim, foi vitoriosa a proposta de separar do texto principal a punição acessória de inabilitação, que acabou sendo recusada.

A agora ex-presidente Dilma Rousseff, se quiser, poderá se candidatar a qualquer cargo público, pois a Lei da Ficha Limpa não se refere ao presidente da República quando trata da inelegibilidade, ao contrário do que faz com governadores, prefeitos, deputados e senadores.

Só cabe restrição de ordem eleitoral fixada pela Ficha Limpa se o presidente da República renunciar. Na Lei 64, que acabou se transformando na Lei da Ficha Limpa, havia a possibilidade de atingir os que tivessem processo transitado em julgado, mas na redação final esse ponto desapareceu, alegadamente porque a Constituição já tratava do assunto.

O desfecho do impeachment - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 01/09

Todo cidadão honesto deste país há de estar estupefato com o desfecho do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Malgrado o fato de que a petista finalmente teve seu mandato cassado, levando alívio ao País, tão maltratado pela incúria administrativa e pelo desleixo moral da agora ex-presidente e de seu partido, um punhado de notórios personagens da vida política – desses que não se consegue identificar bem na escala biológica, porque são ao mesmo tempo animais de pluma, couro e escama – aproveitou a deixa para urdir uma maracutaia digna de uma república bananeira. O objetivo, claro, foi beneficiar todos os políticos facínoras que a Justiça está por alcançar. Mas o resultado da trama, do qual essa chusma de irresponsáveis talvez nem tenha se dado conta, é que o governo de Michel Temer, do qual vários deles esperam fazer parte e colher seu quinhão, corre o risco de terminar antes mesmo de começar (ver abaixo o editorial Dá para olhar para a frente?).

Como toda maquinação, esta não ficou clara senão pouco a pouco, minuto a minuto, para assombro geral, em meio ao drama da votação que determinou o impeachment de Dilma no Senado. As coisas ficaram meridianamente claras quando a bancada do PT fez ao presidente da sessão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, um pedido de destaque por meio do qual pretendia que houvesse duas votações: uma sobre a perda do mandato e outra sobre a perda dos direitos políticos de Dilma. O argumento, mais um da inesgotável coleção de chicanas petistas, era que não havia vinculação entre a cassação e a inabilitação.

Tivesse o ministro Lewandowski um mínimo de familiaridade com o artigo 52 da Constituição, o pedido teria sido rejeitado sem maiores considerações. Esse artigo, que estabelece a competência do Senado para processar e julgar o presidente, diz em seu parágrafo único que a condenação, proferida por dois terços dos votos dos senadores, será limitada “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Salvo se o uso da preposição “com” ganhou significado oposto ao que manda a boa gramática, não é possível concluir outra coisa desse artigo senão que a inabilitação para o exercício de cargos públicos acompanha, necessariamente, a perda do cargo de presidente.

O fato é que aqueles que tramaram a cavilação estavam no seu dia de sorte. O ministro Lewandowski, não conhecendo o artigo 52, aceitou o destaque que fatiou a votação. E assim, com a inocente anuência do presidente do Supremo Tribunal Federal, a Constituição foi reescrita no joelho.

Adotada a escandalosa manobra, senadores revezaram-se em vexaminoso exercício de caradurismo para dar um mínimo de dignidade à esbórnia. A senadora Kátia Abreu, por exemplo, apelou à piedade dos colegas, ao dizer que Dilma, se ficasse inabilitada, teria de viver com uma aposentadoria de meros R$ 5 mil. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros, cujas digitais estão por toda a parte nesse caso, brandindo um exemplar da Constituição, disse que “não podemos ser desumanos” com Dilma. O ministro Lewandowski, com ternura cristã, alertou os parlamentares que Dilma, se fosse inabilitada, não poderia ser “nem merendeira de escola”.

Assim, o impeachment de Dilma passou, mas seus direitos políticos foram preservados. A punição pela metade não garantirá a Dilma um emprego de merendeira, mas se presta a livrar plumas, couros e escamas de figuras graúdas do Congresso que estão enroladas na Justiça, algumas das quais com assento nas mesas que dirigiram os trabalhos desse processo e que deveriam estar conscientes de sua responsabilidade perante a Nação.

Quarenta e dois senadores que garantiram os direitos políticos da ex-presidente comprovaram que o brasileiro não tem “complexo de vira-latas” por causa das vicissitudes do futebol, mas porque é reduzido a essa condição por políticos agrupados em matilhas.

Essa imoralidade abre precedente para uma catadupa de escândalos. O que aconteceu ontem não foi motivo apenas para que o PSDB e o DEM ameaçassem romper a coalizão com o governo Temer, comprometendo todo o esforço de recuperação nacional. Trata-se de um episódio que expõe a inesgotável capacidade da classe política nacional de trair a confiança dos brasileiros de bem.

Para que jamais haja outro impeachment - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/09
A partir de agora, governante que desejar tomar atalhos, e não apenas no manejo do orçamento, para contornar a Carta, sabe o risco que corre

O impeachment da presidente Dilma Rousseff, economista oriunda do brizolismo gaúcho, é o segundo, na vigência do estado democrático de direito, em 24 anos. O primeiro, de Fernando Collor de Mello, senador por Alagoas, e um dos 61 que votaram pela saída de Dilma, foi importante demonstração de vigor das instituições da democracia representativa, dada havia apenas quatro anos da promulgação da Constituição de 1988, marco do retorno ao estado democrático, após duas décadas de ditadura militar. Mudou o status do Brasil no mundo civilizado. O fato de o afastamento de Dilma ter obtido sete votos a mais que o mínimo exigido de dois terços dos senadores não pode ser ofuscado pelo desencontro entre PSDB e PMDB na aprovação, contra a posição dos tucanos, da liberação para que Dilma ocupe cargos públicos.

São um feito os dois impeachments, sem rupturas, num continente cuja trajetória é pontilhada de acidentes institucionais e autoritários, à direita e à esquerda, tendo como ligação, entre esses dois campos que se opõem, o nacionalismo, muitas vezes turbinado pelo populismo, como tem sido na tragédia do chavismo e foi na debacle do lulopetismo, com a mais grave desestabilização da economia brasileira na República.

É de notável ineditismo, na América Latina, o fato de esses incidentes institucionais no país serem contornados sem as rupturas clássicas na região. É tema de debates e estudos de cientistas políticos a incapacidade de o Brasil, no arranjo inaugurado na Nova República, não permitir maiorias estáveis no Congresso, para dar governabilidade aos inquilinos do Planalto. A discussão continuará.

O PT resolveu literalmente comprar a base parlamentar, para viabilizar um projeto de eternização no poder. Para isso, assaltou a Petrobras, outras empresas públicas e se enredou em um novelo do qual está longe de se livrar nos tribunais. Sempre guiado pelo máxima dos “fins que justificam os meios”.

A razão do impeachment de Dilma é de outra natureza. Restou provado na acusação encaminhada à Câmara por Hélio Bicudo, procurador que combateu o Esquadrão da Morte em São Paulo, fundador dissidente do PT; os advogados Miguel Reali Jr., ex-ministro da Justiça, na gestão FH, e Janaína Paschoal, professora do Largo de São Francisco, simbólica Faculdade de Direito da USP, que Dilma cometeu crimes de responsabilidade de ordem fiscal e orçamentária.

Foi diferente do que aconteceu com Collor, condenado no Senado por quebra de decoro, devido a denúncias de corrupção, mas inocentado no Supremo. Tudo também dentro das regras legais. Pois o julgamento no Congresso é de cunho político. No processo contra Dilma, não há acusações de corrupção, mas crimes que têm a ver com a visão ideológica lulopetista, com o tempero brizolista da ex-presidente. Não passou despercebido que, ao se defender no Senado, Dilma Rousseff usou tática do guia Leonel Brizola: nunca responder as perguntas e falar o que quiser.

Dilma se converteu à responsabilidade fiscal muito tarde, ao vir a dizer, só nesta semana, no Senado, ante o cadafalso, que lamentava o PT não haver votado para aprovar a LRF. No poder, atropelou-a sem piedade. Dilma não fez qualquer menção, por óbvio, mas o partido pelo qual se elegeu, o PT, também não assinou a Constituição de 1988. Louve-se a coerência: a legenda sempre avança contra a Carta e a LRF. Ao propor “Constituintes exclusivas”, por exemplo.

Dilma e os “desenvolvimentistas” não gostam da responsabilidade fiscal. Consideram-na “neoliberal”, um obstáculo conservador ao ativismo fiscal do Estado, esta uma obsessão da esquerda latino-americana do pós-Guerra. Mas todos precisam cumpri-las, a Carta e a LRF, com as respectivas normas decorrentes

Dilma perdeu o cargo por sectarismo ideológico e voluntarismo, por achar que “vontade política” é o que resolve problemas no governo. Algo de sabor stalinista. Ao ir contra leis, a Carta e princípios técnico inamovíveis, cometeu suicídio. Collor sofreu impeachment devido à ética; Dilma, por investir contra pilares institucionais que o Brasil começou a construir no Plano Real, a partir de 1994, com Itamar e Fernando Henrique Cardoso.

Eduardo Cunha é, na “narrativa” lulopetista, peça central de um onírico complô em que se misturam corruptos temerosos da Lava-Jato, defensores do ex-presidente da Câmara e “inimigos das conquistas sociais”. E, claro, a “mídia”.

Mas foram a obsessão com o ativismo estatal e gastos sem medidas, maquiados por técnicas da “contabilidade criativa”, que construíram a enorme crise fiscal, visível a todos a partir de 2015, quando afloraram os números reais. Ou próximos deles. Assim, edificou as bases do seu enforcamento legal. Mas nem tudo é pura ideologia. Houve também forte dose de esperteza, a fim de esconder o lixo debaixo do tapete, marquetear um país inexistente na propaganda política de 2014, e ganhar a reeleição em rotundo estelionato. Depois, veio o tarifaço, porque o governo congelou combustíveis, energia elétrica etc., para represar de maneira artificial a inflação, a fim de faturar a reeleição.

Lulopetistas devem ter aprendido com Ulysses Guimarães e José Sarney quando, em 1986, fizeram o mesmo para o seu PMDB ganhar as eleições no fim daquele ano, nos estertores do Cruzado. Elegeram 22 governadores. Dias depois, executaram os ajustes necessários, com liberação de preços e tarifas. O filme passou mais uma vez em 2015, com Dilma. Mas não chegou ao fim, porque as instituições republicanas estão solidificadas.

A edição de decretos de gastos sem aprovação do Congresso e as “pedaladas” — deixar instituições financeiras pagar despesas do Tesouro, numa operação ilegal de crédito à União — demoliram Dilma. O conjunto da obra de malfeitos fiscais é de enormes proporções. Eles vêm desde o final do segundo governo Lula, mas bastaram os crimes cometidos em 2015, conforme limitação imposta pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao aceitar o pedido de impeachment, para derrotar Dilma e o lulopetismo de pedigree brizolista.

O saldo desses empréstimos ilegais concedidos à União, por decisão do Planalto, pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES e até o FGTS chegou em 2015 a pouco mais de R$ 50 bilhões, cifra gigantesca. O Brasil havia voltado ao passado, à antessala da pré-hiperinflação, quando o BB se financiava diretamente no Tesouro e governadores ordenhavam seus bancos estaduais como casas da moeda privadas. Costuma-se dizer que a estabilização econômica permitida pelo Plano Real se tornou patrimônio da sociedade. O impeachment de Dilma é prova cabal de que isso é verdade. A partir de agora, qualquer governante que pense em atalhos à margem da lei, no manejo orçamentário, precisará refletir sobre as implicações de seus atos. O mesmo vale para delírios no campo político-institucional. O fortalecimento não é apenas das cláusulas da responsabilidade fiscal, mas da Constituição como um todo, para desaconselhar de vez projetos bolivarianos como o do lulopetismo. Serve de aviso geral à nação.

Governo novo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 01/09

Consumou-se, enfim, o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Por 75% dos votos, o Senado tornou definitivo o afastamento da presidente determinado em 17 de abril pela Câmara, na qual 71% dos deputados haviam votado por suspender a mandatária e levá-la a julgamento –ambas maiorias superiores aos dois terços exigidos em lei.

O processo decorreu em estrita obediência à Constituição, assegurado amplo direito de defesa e sob supervisão de suprema corte insuspeita. As acusações de fraude orçamentária, porém, embora pertinentes enquanto motivo para impeachment, nunca se mostraram irrefutáveis e soaram, para a maioria leiga, como tecnicalidade obscura –e, para uma minoria expressiva, como pretexto de um "golpe parlamentar".

Esta Folha teria preferido, como manifestou diversas vezes, que a extrema gravidade da crise e o inconformismo da sociedade houvessem conduzido à renúncia da chapa eleita em 2014 ou a sua impugnação, caso confirmados na Justiça os indícios de crime eleitoral. Isso levaria à realização de eleições diretas, única forma de conferir legitimidade inconteste ao novo governo. Raramente, no entanto, cenários ideais se concretizam em política.

Michel Temer (PMDB) é o sucessor legal da ex-presidente Dilma Rousseff e está investido, até prova em contrário, da legitimidade formal para governar o país até dezembro de 2018.

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal e do julgamento, Ricardo Lewandowski, de dissociar a perda do mandato e a inabilitação para exercer cargo público deu ao Senado ensejo para poupar a ex-presidente desta última sanção, quando, em segundo escrutínio, não se alcançou a maioria de dois terços.

Essa conduta pode traduzir falta de convicção condenatória ou desejo de desarmar espíritos, mas viola o parágrafo único do artigo 52 da Constituição, que prescreve a inabilitação como consequência automática da perda do mandato. O destino de Dilma Rousseff, entretanto, é agora assunto privado, conforme seu governo, um dos piores da história nacional, desaparece de vez para ser recolhido aos livros de história.

A prioridade máxima da administração agora confirmada é a recuperação de uma economia em frangalhos. Para tanto, é preciso abandonar as hesitações da interinidade e adotar, como sugeriu o próprio Temer em suas primeiras falas como governante efetivo, atitude mais corajosa e firme. É mandatório que o presidente emita sinais convincentes de que não será candidato a ficar no cargo em 2018.

É, sobretudo, imperativo aprovar no Congresso os projetos de reforma econômica —teto para o gasto público e revisão nas regras da Previdência— que se configuram como alavancas sem as quais o Brasil não emergirá da recessão calamitosa em que atolou há dois anos.