segunda-feira, julho 18, 2016

Perder-se - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 18/07

Você acredita em destino? Sei, parece uma pergunta estranha. Principalmente num mundo como o nosso, cozido na crença e no projeto de domínio de tudo pelo indivíduo que escolhe as coisas com a força de quem traz o Visa entre os dedos.

Outro dia, conversando com amigas, perguntei quem acreditava em destino. Apenas aquela que já viveu mais, respondeu "sim". As demais, mais jovens, responderam "não". Pareceu-me que ali pesava a maior sabedoria daquela que viveu mais (e trata-se de uma mulher muito bem-sucedida, para que nenhum desavisado pense que era uma "coitada").

Sim, sou um falso contemporâneo: duvido da capacidade humana de controlar sua vida. Cada vez mais. Sendo eu um contemporâneo, minha suspeita de que exista destino deve ser alguma forma de patologia cognitiva. Prefiro minha patologia ao invés do delírio dos meus contemporâneos.

Nesse sentido, ponho sob suspeita a máxima do mundo burguês moderno: sou dono do meu destino, basta que eu calcule, seja competente e monte estratégias. Nos meus piores momentos, suspeito que essa crença seja mais um dos males da caixa de Pandora, que Zeus deu a ela para nos castigar contra nosso conhecimento do fogo (símbolo da técnica) e seus delírios de poder.

Lembremos que o pior dos males naquela caixa era a esperança. Ter esperança é um engano, porque não há esperanças, pensa o grego antigo. Entendo que a crença na liberdade individual contra o destino seja um pouco como a esperança de Pandora: mais um engano, entre tantos outros, que nos faz acreditar em nossa infinita capacidade de dominar as coisas.

De onde viria essa certeza de que somos livres e de que não existe um destino "traçado" sobre nossas cabeças?

Quando olhamos para o mundo antigo, é comum encontrarmos a crença nalguma forma de destino. Esse destino seria traçado por forças divinas. No mundo grego, o famoso oráculo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, aquele conhecido por dizer "Conhece-te a ti mesmo", citado por Sócrates, tinha um "complemento", que era: "Saibas que tu és mortal".

Estava aí o destino: o homem é sempre menos do que um deus porque ele é mortal e, por isso mesmo, tem como destino a perda de si mesmo. Entendo que a perda de si mesmo vá além da ideia concreta da morte. A perda de si mesmo se dá de diversas formas. Enquanto escrevo para você, me perco, me traio.

O engano contemporâneo com relação a inexistência do destino estaria não apenas no fato que continuamos mortais, mas também no fato que continuamos a perder a nós mesmos das mais variadas formas: viver é perder-se (nas paixões, nos desejos, nos fracassos, nos sucessos, nas guerras), e se você tenta evitar isso, você se perde mais rápido ainda e de forma definitiva e miserável. É aí que se encontra minha suspeita, além da mortalidade da qual fala Delfos, de que exista algo como um destino invadindo nossas vidas. Mas, sendo a modernidade uma "teenager" encantada com seu sucesso, acabamos por interpretar os palhaços da liberdade.

Pensando a partir de um materialismo social, a ideia de destino parecia mais comum quando os homens e as mulheres tinham poucas opções na vida, fosse por conta de pouca técnica, pouca longevidade, pouca liberdade individual, pouco conhecimento, pouca democracia, poucos shopping centers. Este último principalmente: a fé na liberdade moderna é um misto de fé na técnica (o fogo de Prometeu) e no poder do Mastercard.

Por isso, a fé na liberdade individual me parece fruto do avanço da sociedade de mercado e suas ferramentas de sucesso, descritas acima. Se você quiser ver esta liberdade caminhando por ai, vá ao Iguatemi. A riqueza fez de nós descrentes no destino, porque pensamos poder "comprá-lo".

Não duvido dessa premissa: mais dinheiro, mais técnica, mais sensação de liberdade. Mas suspeito que esta crença seja parte da esperança de Pandora. No fundo da caixa de Pandora tinha mais um mal escondido: a crença na liberdade do consumidor como liberdade contra o destino. O destino moderno é enganar-se com o próprio poder de controlar das coisas.


Coincidências e coincidências... - JOAQUIM FREITAS

O PONTO CEGO AQUI

Quem não gosta de coincidências? Elas normalmente são ótimas, nos fazem pensar que o universo conspira a favor de nós ou contra, quando ela não ajuda.

Eu tenho uma que adoro contar, já contei umas 300 vezes, e talvez depois de contar aqui não precise mais contar tanto, já estou um pouco cansado dela.

Mas de fato ela é incrível, vejam só:

Certa vez em Brasília fui assistir a então recém “eleita” primeira monja budista brasileira, a paulistana Monja Coen em uma palestra sobre espiritualidade e assuntos correlatos.

Durante sua palestra, cismei que ela parecia com a amiga paulistana Dona Glaucia, minha vizinha em Natal, que também tem um lado espiritual bem aguçado.

Ao término, fui falar com a Monja e perguntei se ela tinha alguma parente que morasse em Natal. Ela disse não lembrar de ninguém. Falei da semelhança, ela não deu muita importância, e pronto.

De volta a Natal, me encontrei com Dona Glaucia e perguntei se ela tinha alguma parente budista que por ventura fosse monja. Mais uma negativa. Assunto encerrado.

Isso foi em maio.

Em novembro, eu fui a São Paulo com Dona Glaucia, almoçávamos no Ráscal, quando de repente, quem senta na mesa ao lado?

A Monja Coen!!

Fui lá, a chamei, lembrei a ela da nossa conversa em Brasília, apresentei uma a outra, que logo descobriram que moraram na mesma rua na infância em São Paulo.

Coincidência incrível, né?

E as duas quando juntas, notei que não se pareciam nada, vai entender...

No Brasil, ler é coisa que se faz por obrigação - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 18/07

Há tempos, assisti a um comercial de TV sobre um produto esportivo, talvez um tênis, cujo mote era a necessidade de "liberar o corpo". O anúncio falava de pessoas "reprimidas", que seriam mais felizes se vivessem ao ar livre usando o produto. Entre estas, mostrava uma moça sentada, lendo um livro, dentro de uma biblioteca - o Real Gabinete Português de Leitura, no centro do Rio. Mensagem subliminar: a leitura é uma chatice, uma obrigação, o contrário de ser livre e feliz.

Uma pesquisa recente do Instituto Pró-Livro e do Ibope, "Retratos da Leitura no Brasil", citada pelo colunista Antônio Gois, do "Globo", traz dados alarmantes: 44% da população brasileira não têm o hábito de ler livros, e esse número não se alterou nos últimos 12 anos. Apenas 33% dos brasileiros tiveram a influência de alguém para adquirir o gosto pela leitura, quase sempre a mãe - o que não é um mal, mas por que não citar igualmente um professor?

Porque, diz a pesquisa, os professores também leem pouco e mal. Embora 84% tenham dito que leram um livro nos três meses anteriores à pesquisa, a maioria não se lembra do título ou não respondeu, e, quando se lembra, o mais citado é a Bíblia. Sim, não podemos nos esquecer dos seus baixos salários, que os impedem de comprar livros. Mas não é para isto que existem as bibliotecas?

Não no Brasil. Segundo a pesquisa, 75% dos entrevistados associam a biblioteca a um lugar para estudar ou pesquisar (naturalmente, por obrigação), não como um espaço de lazer, para ler por prazer, trocar livros ou fazer amigos. Em 2015, apenas 53% das escolas brasileiras tinham biblioteca ou sala de leitura.

Quanto ao Real Gabinete Português de Leitura, um monumento carioca, sua beleza faz dele um cenário requisitado pelos comerciais de TV. Até para veicular mensagens que o degradam e ofendem.

Prendam esse boneco - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA 

ESTAMOS DIANTE DE MAIS UMA TENTATIVA DE GOLPE CONTRA OS COMPANHEIROS. COMO SOFRE ESSA ELITE VERMELHA!


O boneco inflável de Ricardo Lewandowski é o mais novo investigado pelo Supremo Tribunal Federal. O presidente da Corte máxima pediu à Polícia Federal que aja contra essa "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário. Ou seja: estamos diante de mais uma tentativa de golpe contra os companheiros. Como sofre essa elite vermelha!

Se o atentado é inaceitável, a coisa deve ser grave mesmo. Por curiosidade: o que seriam atentados aceitáveis? Tráfico de influência noSTF, por exemplo, seria um atentado aceitável? Aparentemente, sim. Senão, a tropa de choque petista que há anos corta um dobrado no Supremo para defender Lula e Dilma no mensalão e no petrolão já estaria em maus lençóis.

Mas estão todos muito bem, obrigado, sob suas togas. Tanto que Sergio Moro, esse terrorista a serviço da elite branca, foi instado a prestar informações sobre os grampos de Lula. Adivinhe por quem? Acertou: por Lewandowski, o ministro inflável.

A relação de afilhados inflados pelo filho do Brasil é extensa - e não param de aparecer novos felizardos. A Lava Jato está investigando o ex-garçom inflável que hoje anda de Porsche e detém empresas como a gráfica Focal, que recebeu R$ 24 milhões da campanha de Dilma, no amor. Veja como pode ser proveitoso passar com uma bandeja à frente de Lula no ABC paulista. Você só continua garçom porque não atendeu o freguês certo.

O garçom de Lula tem estreitas relações com a família Demarchi, de onde partiu a indicação de Lewandowski para o círculo do próprio Lula - uma história bonita que atingiu seu clímax no Supremo Tribunal Federal. Um ex-operário que fez bem a tanta gente não pode terminar na cadeia - e os supremos companheiros estão aí para isso.

Dias Toffoli soltou o ex-ministro Paulo Bernardo, mesmo com o risco concreto de novos crimes de lavagem - e logo a seguir surge um relatório da Receita Federal indicando a ligação entre o braço direito de Bernardo e as negociatas da campanha de Dilma envolvendo a gráfica Focal. Dá para entender quanto é importante um bom círculo de amizades?

E prossegue a impressionante seqüência de atentados aceitáveis, produzidos pelos amigos dos ministros infláveis. A PF descobre na delação do ex-presidente da Andrade Gutierrez a evidência de que um ex-diretor do BNDES negociou propina na veia para o PT. É mais um flagrante do uso obsceno dos maiores bancos públicos do país por Lula e Dilma - que bastariam, relacionados aos demais delitos, para tipificar a cúpula do governo do PT como quadrilha, com todas as medidas policiais preventivas e coercitivas necessárias para sustar a gestão do patrimônio criminoso. Mas o STF tomou a providência de decretar que a quadrilha não é quadrilha.

Então fica tudo bem. E ficamos sabendo que a Odebrecht, vitaminada pelo BNDES sob a varinha de condão de Lula, escalou uma empresa afiliada para comprar um imóvel de 5.000 metros quadrados para o Instituto Lula - mesma empresa que pagou jatinho para levar o ex-presidente a Cuba. O mesmo BNDES onde floresceram as jogadas do ex-ministro Fernando Pimentel, amigo do peito de Dilma - laranja de Lula, que ocupou a Presidência para dar cobertura a essa farra toda.

Um boneco inflável com a cara de Ricardo Lewandowski perambulando pela Avenida Paulista é um atentado inaceitável à credibilidade de um tribunal que vem blindando, como pode, essa dupla do barulho. A investigação da dobradinha de criador e criatura para calar o companheiro Cerveró foi tirada das mãos de Sergio Moro. Tudo o que chega lá implicando a mulher honrada, afastada e do lar é indeferido. Até o rito de impeachment na Câmara foi operado pelo Supremo, em evidente atropelo institucional, para tentar refrescar os padrinhos delinquentes. Como se vê, há pouco que um boneco inflável possa fazer para prejudicar essa credibilidade.

As sabotagens ao impeachment não adiantaram nada - como, ao final das contas, não vão adiantar todas as outras pantomimas solidárias. Lula e Dilma cometeram uma avalanche de crimes, estão fora do poder e a Lava Jato não é comprável pela elite vermelha. Mas a história há de registrar que, durante o maior assalto aos cofres da nação, a ordem pública foi gravemente ameaçada por um boneco inflável.

Os partidos sem povo - JOÃO DIONÍSIO AMOÊDO

REVISTA VEJA

As legendas nacionais vivem do Estado e desprezam os cidadãos. Melhor seria se funcionassem sob a lógica das empresas: sem agradarem ao cliente, deveriam desaparecer



AS PROPOSTAS DE UMA REFORMA política ressuscitaram no Brasil desde que Michel Temer assumiu a Presidência. O assunto não é novo. De tempos em tempos, projetos para implementar um sistema parlamentarista, instituir uma cláusula de barreira para novos partidos e proibir coligações ressurgem com promessas de sanar nossos males. Contudo, todas elas pecam ao pretender alterar mecanismos e sistemas como se apenas eles, e não as pessoas, fossem os responsáveis pela situação atual.

A reforma política - melhor dizendo, a reforma da política - deve ser discutida com a amplitude que o assunto merece. É algo que demanda uma identificação correta dos problemas existentes. Um dos mais fundamentais, quase sempre deixado de lado, é a fraca representatividade dos partidos que hoje existem no Brasil.

Não foi por outro motivo que muitos se assustaram ao assistir pela televisão às declarações dos parlamentares que votaram pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Seus discursos anacrônicos soaram estranhos para uma boa parte da população. Esse distanciamento entre os partidos e a sociedade é fácil de constatar quando se observa o ínfimo número de filiações partidárias. Nas últimas duas décadas, elas nunca estiveram tão em baixa. Entre os mais jovens, a cena é ainda mais dramática. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de filiados a partidos políticos com idade entre 16 e 24 anos caiu 56% de sete anos para cá nas cinco maiores legendas: PMDB, PT, PP, PSDB e PDT. O PT foi o que mais perdeu: a soma dos seus integrantes com menos de 24 anos caiu 60% desde 2009.

Basta abrir o Facebook para entender esse fenômeno. Das dez páginas políticas com maior número de seguidores, as cinco mais populares são de personalidades. A explicação é que, sem se identificarem com os partidos, os brasileiros criaram uma fidelidade às pessoas e a seu currículo, e não a um conjunto de ideias ou valores que, em teoria, seria representado pelas siglas. Das outras cinco páginas com mais seguidores que vêm na sequência, três são de partidos (o Novo, do qual faço parte, é um deles). As outras duas que restam são de movimentos que surgiram nas manifestações de rua: o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua.

Partidos deveriam funcionar sob a mesma lógica das empresas privadas. Nenhuma companhia, em lugar algum do planeta, consegue sobreviver se não for capaz de atender bem seus clientes. Para a política, seria suficiente trocar essa última palavra por "cidadãos". No Brasil, as regras existentes empurram os partidos para longe deles. As legendas recebem muito dinheiro do governo e é com esse capital que se financiam. O dinheiro fácil torna desnecessário qualquer compromisso mais duradouro com seus apoiadores. Basta ser menos ruim que os concorrentes para garantir espaço. É significativo que o PMDB, o maior partido brasileiro, tenha recebido 86 milhões de reais do fundo partidário em 2015 e nada de pessoas físicas.

O desgaste dos partidos e sua falta de representatividade explicam muito dos obstáculos que temos quanto à governabilidade do país. A corrupção é um dos mais danosos entre eles. Quando os partidos são sustentados pelo Estado, e não pelos cidadãos, os políticos não se sentem na obrigação de prestar contas a seus eleitores. Ao contrário, trabalham para a consolidação de um Estado com amplo espectro de atuação, com leis excessivas, muito intervencionista, extremamente burocrático e voraz arrecadador de impostos. A consequência disso é um ambiente propício à venda de favores na gestão pública. Dos esboços já divulgados de uma reforma política, nenhum parece consertar esse sistema. Pelo contrário, o risco é eles perpetuarem seus defeitos.

Para resolvermos a questão de maneira definitiva, deveríamos adotar medidas simples, mas que dessem um incentivo na direção correta. Uma delas é a extinção do fundo partidário, a verba que sai diretamente dos cofres da União para alimentar as siglas. No meu entender, nenhum dinheiro público pode ser destinado a financiar partidos políticos. Cada agremiação deve ser sustentada pelos próprios apoiadores. À medida que as siglas conquistassem o coração dos brasileiros e recebessem doações de seus seguidores, elas garantiriam sua sobrevivência. As contribuições poderiam começar com valores baixos, permitindo a participação de grande parte dos cidadãos. O Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), por exemplo, não estabelece um limite mínimo para doações. Conheço gente de baixa renda que, mesmo assim, envia 12 reais ao Graacc por mês. Se o PT, que tem 1,6 milhão de filiados, recebesse metade desse valor de cada um deles, já teria aproximadamente 9,6 milhões de reais por mês, o equivalente ao que recebe do fundo partidário atualmente.

Também é preciso acabar com o horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Essa propaganda, apesar do seu nome, custa dinheiro do pagador de impostos. Seria mais saudável se essa soma fosse direcionada a serviços essenciais. A adoção do voto facultativo também daria uma grande contribuição ao favorecer o voto consciente e preservar a liberdade das pessoas. Seria importante ainda facilitar a montagem de partidos políticos de caráter nacional ou local. Tal flexibilização permitiria que qualquer grupo que não se julgue bem representado se organizasse adequadamente para manifestar seus interesses nas urnas.

A busca da representatividade e a preservação das liberdades individuais devem ser os principais objetivos de uma reforma política. A partir daí, a boa governabilidade do país viria como uma consequência natural. As demais medidas deveriam acontecer mais à frente, somente quando os brasileiro*, já tivessem a seu serviço um Legislativo que, de fato, represente de forma legítima e coerente seus anseios e interesses.

*João Dionisio Amoêdo é administrador de empresas e presidente do Partido Novo

O chororô de nossos políticos - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Rodrigo Maia chora na vitória. Eduardo Cunha chora na derrota. São chorões só os políticos ou todos os brasileiros?



Brasileiro chora quando perde (Eduardo Cunha) e quando ganha (Rodrigo Maia). Enquanto o primeiro-ministro britânico David Cameron, agora ex, se despede do comando do Reino Unido fazendo piada e cantando “doo dooo, doo doooo”, os políticos brasileiros ficam com olhos cheios de lágrimas. Na vitória ou na derrota.

E é sempre ao falar da família. Eduardo Cunha abandonou a frieza quase psicopata, ficou com a voz ainda mais fina e os olhos injetados, a boca entortando como menino que teve a bala roubada, ao mencionar a mulher, Cláudia Cruz, e uma filha, atingidas por seu “trust” inocente na Suíça alimentado por dinheiro público e propina. Não me pareceram lágrimas de crocodilo, só de perdedor.

Rodrigo Maia aguentou firme na Câmara até mencionar o pai em seu discurso, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia. Ao agradecer ao pai, virou menino também, enxugou as lágrimas, os olhos ficaram vermelhos, quase soluçou, juntou frases improvisadas e ficou um pouco fora de si.

Não é virtude nem defeito. É cultural? Essa emoção incontida parece muito verde-amarela. Nenhum inglês, francês, americano, alemão faria isso na Câmara ou no Senado ao assumir um comando. Aliás, nem espanhol, italiano ou português. Talvez, nem argentino.

Ao assumir como presidente na Argentina, Mauricio Macri ensaiou uns passos muito cafonas de dança, bem desengonçado. Claro, nenhum poderoso neste planeta chega aos pés de Barack Obama, que dança em qualquer ritmo, discursa em qualquer país, universidade ou situação delicada, de diplomacia, emergência ou terror, sem escorregar na pista ou na palavra.

Acho engraçado, curioso mesmo, que um cara de 46 anos como Rodrigo Maia, deputado veterano há quase duas décadas, ao ser eleito presidente da Câmara faça um discurso lacrimoso e diga publicamente que tomou três calmantes! Você não sabe se chora junto com ele ou se ri. Você afinal se envergonha ou se comove? Para quem está acostumado aos rituais políticos bem mais sóbrios na Europa, parece uma pantomima. O presidente da Câmara também falou, no discurso de vitória, do “Rodriguinho”, seu filhinho caçula e único varão. Rodrigo Maia é pai ainda de três filhas.

Perguntei ao psiquiatra Luiz Alberto Py os motivos dessa emoção que extravasa e expõe. “Primeiro, é cultural. É óbvio. A cultura do norte da Europa, anglo-saxônica, é mais fria que a cultura mediterrânea e latina. Mesmo no convívio e na rua, brasileiros se abraçam, se beijam, são mais expansivos. Em países do norte, emoção é algo reservado, privado, íntimo. Aqui no Brasil não há o menor constrangimento, nenhum esforço para reprimir. Até quando se ri, é com gargalhadas. Nada a ver com o humor britânico. Nosso humor é escrachado, rimos de nossas desgraças. E reagimos com uma intensidade que chega ao nível da falta de educação.”

Py lembra que uma vez, em Londres, estava no vagão do metrô e o trem parou de repente. Ninguém falou nada por vários minutos. Silêncio total. Até que uma voz no alto-falante disse que tinha havido uma pane e todos ficariam ali por um tempo ainda indefinido. “O cara que estava sentado a meu lado deu um profundo suspiro! E só”, disse Py. Sabemos bem que, se um trem para de repente num túnel no Brasil, todo mundo vai reclamar em voz alta, puxar conversa com o vizinho, gritar. Essa expansividade pode ser mais que um traço latino. Pode ser resultado de nossa mistura particular de latinos, indígenas e africanos. Nosso caldeirão.

Já que estamos às vésperas da Olimpíada, preparem seus lenços. Quando um atleta brasileiro, esforçado, estiver disputando uma medalha, em qualquer modalidade, todos se esquecerão das inconveniências do prefeito Eduardo Paes, e do governador parado no hospital, e do governador parado em exercício e até da Secretaria de Insegurança. Publiquei aqui uma coluna, em 2008, intitulada “Essa gente bronzeada e o chororô olímpico”. Os leitores se dividiram, entre elogios e ataques a meu suposto “antipatriotismo”. Eu escrevi, há oito anos:

“A mídia dá cambalhotas para minimizar o constrangimento de anunciar repetidas derrotas de atletas brasileiros para telespectadores insones. Ninguém aguenta mais acordar cedo para ver o Brasil perder. Na falta de medalhas, a mídia entrevista famílias com voz embargada. E vamos todos à maternidade, onde está o filho recém-nascido do Marcelinho do vôlei. Close nos olhos vermelhos de todos. A musa Ana Paula também chora com saudade do filho. E o brasileiro chora junto, porque é sentimental e adora uma novela. Na categoria de choro derramado, o Brasil já é ouro.”

Brasileiro também chora com o hino, embora nem saiba a letra inteira. Tudo bem. Só não dá para chorar por político nenhum, em exercício ou afastado, em presídio ou em liberdade. Não merecem um pingo de nossa emoção.

Quando agosto vier - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

VALOR ECONÔMICO - 18/07

É a vez da volta dos valores liberais de uma economia privada eficiente e gerida com competência


A renúncia do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados - e a eleição de Rodrigo Maia como seu sucessor - é o penúltimo passo na direção de novos rumos na política brasileira. O simples fato de que o novo presidente pertence ao Democratas, partido de centro direita no espectro partidário brasileiro, já é um sinal claro das mudanças que vêm ocorrendo depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Afinal, este grupamento político foi perseguido com violência, nos últimos 10 anos, pelo PT.

Para que a hegemonia política dos últimos 14 anos seja declarada oficialmente morta falta apenas que o afastamento definitivo da presidenta petista seja aprovado pelo Senado. E isto deve acontecer quando agosto vier.

A mudança do equilíbrio político no Congresso é a condição necessária para que - também na economia - a sociedade brasileira possa encarar o futuro com mais otimismo. A equipe econômica do presidente Temer, nestes poucos meses no comando do Ministério da Fazenda e do Banco Central, já mostrou que tem condições técnicas para colocar a economia no rumo correto. Mas sem o apoio decisivo do Congresso não pode ir muito longe nesta sua tarefa. O estrago deixado pela gestão petista é profundo demais para ser superado apenas com medidas conjunturais. Reformas estruturais de peso precisam ser alcançadas nos próximos anos.

Por esta razão a vitória de Rodrigo Maia me faz ainda mais confiante no futuro. Ela pode ser considerada a peça que faltava em meu cenário - construído ao longo de várias décadas de analista das coisas da política e da economia - no qual a sociedade brasileira se levanta quando colocada diante de um abismo profundo. Já vivi pelo menos três situações como esta e tenho convicção que vou viver uma quarta. Vencemos a ditadura sem sangue, enfrentamos com serenidade o afastamento de Color e, depois de décadas de hiperinflação, construímos uma estabilidade monetária com sucesso. Não será agora que vamos sucumbir sob o peso dos erros desta hegemonia política nefasta construída a partir da vitória de Lula em 2002.

Com um Congresso operacional e com uma liderança política com valores corretos, a recuperação cíclica, que já vivemos, vai prosperar e trazer o crescimento econômico de volta ao Brasil a partir de 2017. Com isto, os novos valores na gestão da economia serão perenizados nas eleições de fins de 2018 pois certamente os eleitores vão sancionar nas urnas as mudanças em curso. E a partir de um novo mandato presidencial - legitimado por eleições livres - poderemos enfrentar os novos desafios que se colocam diante de nós.

A sociedade brasileira mudou muito desde que a constituição de 1988 estabeleceu as prioridades para nosso desenvolvimento econômico e social. Como já escrevi neste espaço mensal de reflexão o Estado foi definido pelos constituintes de 1988 como o pilar principal para o desenvolvimento de nossa sociedade. Fazia sentido à época quando mais de dois terços dos brasileiros viviam na informalidade econômica e sem vinculação direta com a economia de mercado.

Mas hoje este quadro mudou radicalmente e 70% da população vive e respira a dinâmica da economia de mercado. A consequência é a crise que vivemos hoje, com o desemprego e a queda da renda pessoal afetando a vida dos brasileiros que não dependem dos programas sociais. As promessas e sonhos de uma economia comandada pelo Estado do período lulista se transformaram em sofrimento e desesperança. Algo de novo precisa ser colocado em seu lugar para que o futuro volte a ser encarado com otimismo.

Por isto é a vez da volta dos valores liberais de uma economia privada eficiente e gerida com competência. Mas esta será uma estrada longa e com partes importantes da sociedade abrindo mão de privilégios construídos ao longo de muitos anos. Para que estas mudanças ocorram com sucesso alguns marcos precisam ser vencidos com sabedoria. O mais importante deles - e que caberá aos políticos a responsabilidade maior - é o respeito aos valores ideológicos e de comportamento que marcam a sociedade brasileira de hoje. Não vivemos - nem viveremos no futuro próximo - uma revolução social de natureza liberal que permita transformar radicalmente o jeito de ser do brasileiro. Estado mínimo e comando da economia pelas forças de mercado livres de limitação regulatória não faz parte de nossa história e não vai acontecer do dia para a noite como defendem muitos. Reações que ocorrem hoje ao jeito conciliatório do presidente Temer são provas deste risco que corremos.

A construção de um processo de mudanças ao longo dos próximos anos me parece ser a alternativa que se coloca diante de nós. E as dificuldades para ter sucesso serão ainda maiores no quadro de carência de líderes novos gerado pelos anos de hegemonia deletéria que vivemos por um longo período de tempo. A corrupção política sistemática, usando o Estado como fonte de recursos ilícitos, é um exemplo marcante desta situação.

Mas não há outra saída senão irmos todos à luta.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Crise e responsabilidade - JORGE J. OKUBARO

ESTADÃO - 18/07

O que mais espanta na crise em que o País está mergulhado não são seus sinais econômicos e sociais, que continuam a piorar e, assim, a solapar as esperanças daqueles que viam no afastamento da presidente Dilma Rousseff a oportunidade para que, embora lentamente, se começasse a recolocar as coisas no lugar. Para boa parte da população, pior do que a renitência e até o agravamento das dificuldades com que tem de se haver é a constatação de que seu sofrimento diuturno não comove quem tem poderes para encaminhar as soluções e a responsabilidade de fazê-lo.

Não se trata do presidente em exercício Michel Temer, cuja interinidade no cargo naturalmente lhe impõe restrições ao poder de decidir, sobretudo nas questões que implicam consequências de longo prazo – embora em diversos episódios ele próprio tenha demonstrado no mínimo timidez para exercer o poder, mesmo nos limites a que se considera confinado. Trata-se daqueles que, espertamente, se valem dessa interinidade para auferir vantagens de diversas naturezas, sobretudo pessoais, pois de sua aprovação dependem medidas indispensáveis para debelar a crise.

Deputados e senadores, mesmo alguns dos mais influentes entre eles, não demonstraram ter entendido o sentido de urgência que a gravidade da crise econômica, e sobretudo fiscal, impõe à busca de medidas realistas para enfrentá-la. Não faltam exemplos da resistência dos parlamentares à assunção da responsabilidade que lhes cabe. Um recente, da semana passada, talvez sintetize o comportamento médio dos congressistas, quando há conflito entre interesses pessoais e coletivos. Eles pensam primeiro nos seus.

Mesmo estando o País abalado pelos graves desequilíbrios das contas públicas, que só podem ser combatidos com corte de gastos ou aumento de receitas – ou ambas as medidas, a depender da evolução do quadro –, o relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017, senador Wellington Fagundes (PR-MT), acrescentou R$ 2,4 bilhões às despesas propostas pelo governo. A maior parte desse acréscimo (R$ 1,6 bilhão) seria destinada às emendas parlamentares obrigatórias, aquelas que os congressistas adicionam ao Orçamento elaborado pelo Executivo, em geral para atender a seus interesses paroquiais. Era a contrapartida para a aprovação da meta fiscal para 2017 (déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo federal) proposta pelo Executivo – em resumo, uma chantagem parlamentar. A irresponsabilidade de uma iniciativa como essa era tal que, pressionado pela área econômica do governo, o relator desistiu dela. Embora encerrado, o episódio ilustra o modo de pensar e agir de parte do Congresso, ao qual cabe decidir sobre as grandes questões nacionais.

Também mostram a natureza e a qualidade dos atuais membros do Congresso, as manobras que, mesmo tendo renunciado à presidência da Câmara e com altíssimo índice de rejeição popular, o ainda deputado (afastado do exercício do mandato) Eduardo Cunha (PMDB-RJ) vinha conseguindo impor à Comissão de Constituição e Justiça da Casa para retardar o processo de sua cassação. A flacidez e a volubilidade dos acordos e blocos que resultam de entendimentos que esse material humano consegue alcançar – e que ficaram nítidas na disputa para a sucessão de Cunha na presidência da Câmara – não oferecem ao governo, qualquer que seja, segurança de contar no Legislativo com o apoio necessário para fazer avançar seus projetos. Mais do que o governo, o País se tornou refém de interesses menores. É bem-vinda, por isso, a disposição do presidente em exercício Michel Temer de, como disse ao Estado, “desidratar” o Centrão, o grupo multipartidário que pratica com volúpia esse jogo de trocas. Com a nova mesa da Casa, presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), a atuação desse grupo deverá perder exuberância.

No ambiente político que prevaleceu até agora, porém, a crise só poderia persistir, mesmo tendo sido afastado o que, para a maioria da população, parecia ser seu foco – a presença de Dilma Rousseff na Presidência da República. Data tradicionalmente comemorada pelo comércio, por causa do aumento de vendas que costuma propiciar, desta vez nem o Dia das Mães trouxe alívio para o varejo. Contrariando as expectativas dos analistas, as vendas do varejo restrito (que exclui veículos e material de construção) caíram 1% em maio na comparação com abril.

O mercado de trabalho continua ruim e talvez ainda piore, antes de começar a melhorar. O aumento do desemprego e a queda de renda real inibem as compras. Acrescentando-se a esses fatores a manutenção dos juros reais em nível muito alto, o que penaliza a tomada de empréstimos, e o aumento da cautela dos bancos na concessão de financiamentos, para fugir do risco crescente de inadimplência, não fica difícil entender os problemas pelos quais passa o comércio. É claro que, se o comércio não aumenta as vendas, a indústria não aumenta a produção, o que estende a já longa crise do setor manufatureiro, comprometendo ainda mais o mercado de trabalho, sobretudo com o fechamento de postos de trabalho que exigem melhor qualificação e, por isso, oferecem remuneração mais alta.

O Produto Interno Bruto (PIB), que encolheu 3,8% em 2015, no pior resultado anual em um quarto de século, continuou a recuar no primeiro trimestre deste ano. De acordo com o IBGE, a redução foi de 0,3% na comparação com o último trimestre de 2015. O recuo de maio do Índice de Atividades do Banco Central (IBC-Br), considerado um termômetro da economia, é uma indicação forte de que o resultado do primeiro semestre será negativo. É possível que, até o fim do ano, haja alguma melhora, mas também em 2016 o PIB encolherá – talvez até mais do que em 2015. Melhora, mas modesta, deve vir só no ano que vem.

Se as coisas não piorarem, ficarão como estão, mas num nível muito baixo. Quem vive de seu trabalho sabe quanto isso é ruim. Mas o estado de morbidez do quadro econômico, social e político ainda não preocupa o suficiente quem tem a responsabilidade de combatê-lo.


Lei das estatais e o começo do fim do uso político - CLAUDIO J. D. SALES

CORREIO BRAZILIENSE - 18/08

Temos testemunhado a sequência interminável de escândalos envolvendo duas de nossas maiores empresas estatais: Petrobras e Eletrobras. Enquanto observamos a corrupção e o uso político dessas duas empresas, o Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais (Projeto de Lei do Senado nº 555, de 2015, ou "PLS 555/2015") acaba de ser sancionado pelo Presidente da República.

A destruição de valor para o contribuinte brasileiro pode ser materializada com números. A Petrobras teve um prejuízo acumulado de 63,5 bilhões nos dois últimos anos (2014 e 2015). Já a Eletrobras gerou prejuízos nos quatro últimos exercícios: 6,8 bilhões em 2012; 6,1 bilhões em 2013; 3,0 bilhões em 2014; e inacreditáveis 14,4 bilhões em 2015, levando a um prejuízo acumulado de R$ 30,5 bilhões entre 2012 e 2015.

Colocando foco na Eletrobras, seus relatórios anuais dos quatro anos acima (a estatal teve o mesmo executivo à sua frente de 2011 até junho de 2016) buscam explicar a permanente situação de prejuízo com expressões como "evento pontual" ou "evento não recorrente". De acordo com o mercado, eis três dos principais eventos que mais têm influenciado os resultados: (1) a aceitação de adesão da Eletrobras à Medida Provisória 579 (convertida na Lei 12.783), imposta pelo governo em 2012, que arrasou com o fluxo de caixa de suas geradoras e transmissoras; (2) os prejuízos recorrentes de suas distribuidoras, todas ocupadas politicamente e posicionando-se entre as piores empresas do país nas dimensões financeira e operacional; (3) a participação em projetos de geração e transmissão de duvidosa rentabilidade.

As três explicações acima são todas derivadas de interferência política. Se a Eletrobras tivesse uma gestão profissional, com executivos recrutados no mercado, respondendo para acionistas com visão de sustentabilidade empresarial: (1) não teria havido a adesão à MP 579 nos termos impostos; (2) as distribuidoras já teriam sido vendidas para operadores mais eficientes ou completamente reestruturadas, a começar pela expulsão de políticos e seus "afilhados" de seus cargos; (3) os projetos com baixa rentabilidade não teriam sido assumidos porque não haveria pressão do governo para vencer leilões a qualquer custo.

Diante das evidências sobre o efeito tóxico do loteamento político sobre as estatais, o PLS 555 do Senado impôs critérios de seleção mais rígidos para membros do conselho de administração e da diretoria de estatais: a) experiência profissional na área de atuação da estatal; b) atuação profissional em cargo de direção de empresa de mesmo porte de pelo menos dois anos; e c) formação acadêmica compatível com o cargo. Outro avanço é a proibição de indicação de: ministros de Estado, dirigentes estatutários de partidos políticos, representantes do órgão regulador, e titulares de mandatos no Poder Legislativo, ainda que licenciados do cargo.

Apesar de tentativas de retrocessos na tramitação do projeto de lei na Câmara dos Deputados, o Senado descartou grande parte das alterações para, nas palavras do presidente do Senado, "repor a linha-mestra do parecer do relator" do projeto original. As posições do Senado e do Presidente da República buscaram bloquear a pressão de grupos que se beneficiam do loteamento de cargos estatais há décadas e temem perder privilégios.

Os mesmos princípios moralizadores precisam ser estendidos, agora, para os fundos de pensão estatais, conforme propõe o Projeto de Lei Complementar 268/16 do Senado.

É preciso transformar nossas estatais e seus fundos de pensão em organizações que, em vez de destruir, passem a gerar valor para a nação. Essa missão, já difícil em função do estado atual das estatais, será impossível se não as retirarmos das mãos de partidos políticos e seus aliados para devolvê-las aos seus reais proprietários: os cidadãos e contribuintes brasileiros.


O desafio do investimento - ALBANO FRANCO

O GLOBO - 18/07

O descompasso abissal entre a expansão da despesa pública em relação à arrecadação de tributos, sem contrapartida de bons serviços à sociedade, tem gerado déficits


Impõe-se neste momento de transição do governo interino do vice-presidente Michel Temer o resgate de dois ingredientes que serão decisivos para o futuro do país: gestão competente e governabilidade política. Binômio, sem dúvida, indispensável para a retomada dos investimentos pela elevação da confiabilidade dos empresários na nova gestão pública, capaz de induzir a economia ao crescimento. Esta, como dizem os franceses, será la raison d’être dessa interinidade. Uma missão impossível de se realizar em 180 dias, mas avanços decisivos poderão ser contabilizados neste curto prazo, como por exemplo, medidas de contenção do mega déficit público, estimado em R$ 170 bilhões para este ano.

O profundo desajuste fiscal do Estado brasileiro colocou o país às portas da insolvência. Os recentes rebaixamentos do grau de investimento pelas agências internacionais de risco atestam este fato. O descompasso abissal entre a expansão da despesa pública em relação à arrecadação de tributos, que já se aproxima de 40% do PIB, sem uma contrapartida de bons serviços à sociedade, tem gerado déficits cada vez maiores, com consequências desastrosas para o endividamento público, para o controle da inflação e para o crescimento da economia.

Segundo dados do Tesouro, da Receita e do IBGE, entre 2008 e 2015, a receita do governo cresceu 73%, enquanto que a despesa subiu 130%, mais do que dobrando. Tal disparidade provocou o crescimento exponencial da dívida pública em 130%, acima da despesa. O fato é que a dívida do governo federal, que representava 56% do PIB, em 2008, subiu para 66%, em 2015 e, estima-se que este ano se aproximará de 80% do PIB.

Com vista a limitar o gasto público, o presidente interino Michel Temer encaminhou ao Congresso Proposta de Emenda Constitucional que impõe um teto para o crescimento dos gastos públicos por um período de dez anos. O objetivo é exatamente reduzir o rombo fiscal e frear a exponencial elevação da dívida pública.

A aprovação desta PEC é, sem dúvida, um avanço importante para disciplinar e racionalizar a despesa pública e consolidar uma cultura de austeridade iniciada com a basilar Lei de Responsabilidade Fiscal. É sempre bom lembrar que o equilíbrio fiscal implicará menores taxas de juros, de fundamental importância para a retomada dos investimentos produtivos; e, também, para a manutenção de baixos índices inflacionários.

Outro importante avanço que o governo poderia contabilizar na interinidade desses 180 dias, mas que será deixado para o pós-impeachment, se refere à reforma da Previdência, certamente um dos maiores problemas financeiros da atualidade, cujo déficit, este ano, atingirá a estratosférica cifra de R$ 139 bilhões. Reduzir este passivo é tarefa prioritária, que deve ser realizada sem delongas.

Enxergo tais avanços como passos importantes para a retomada dos investimentos privados. Outras reformas deverão constar de uma agenda modernizante, a exemplo da tributária e da trabalhista, mas que deverão ficar também para o pós-impeachment. Acho, ainda, que nessa interinidade, o governo deveria avançar nas privatizações, o que estimularia o investimento privado, ao tempo em que proporcionaria recursos para abatimento da dívida.

Cabe ainda ressaltar que o presidente interino Michel Temer, na área econômica, montou uma equipe de elevado nível técnico e operacional, que tem plena consciência de que, para voltar a crescer, o país precisa de investimento e inovação. Para tanto, medidas impopulares deverão ser tomadas, mas que, no futuro, redundarão em beneficio de todos. Urge começar, por que o Brasil tem pressa.

Albano Franco é membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp e conselheiro emérito da CNI

Mapeamento tecnológico - JOSÉ GOLDEMBERG

ESTADÃO - 18/07

Mapa aponta caminhos para desenvolvimento sustentável que traga benefícios econômicos



Mapas foram no passado instrumento essencial não só para a navegação, como para o comércio entre países e a própria locomoção das pessoas em tempos de paz e dos exércitos em tempos de guerra. São bem conhecidas as histórias de grandes batalhas que foram perdidas no passado pela falta de conhecimento das melhores estradas e rotas que permitiriam aos comandantes escolher suas estratégias.

O grande império colonial português teve início com o mapeamento gradativo da costa da África, que permitiu a Vasco da Gama atingir a Índia, em 1498. Até recentemente qualquer viagem por via terrestre, no Brasil ou no exterior, exigia a compra de um pacote de mapas que davam em maior ou menor detalhe informações dos caminhos a seguir. Mesmo assim eram frequentes erros de trajeto devidos à falta de sinalização adequada.

Mapas começaram a se tornar obsoletos a partir da década de 1990 com o desenvolvimento do GPS (global positioning system, sistema global de posicionamento) que utiliza sinais emitidos por satélites girando em torno da Terra para nos localizar. Mais ainda, as versões modernas do GPS, que temos nos nossos automóveis, escolhem não só a rota para chegar ao destino escolhido, mas a “melhor” rota, desviando-nos de engarrafamentos e acidentes ao longo do caminho.

Inspirada no exemplo do GPS, a Agência Internacional de Energia, sediada em Paris, decidiu preparar “mapas tecnológicos” detalhados para identificar as oportunidades de redução de emissões de gases de efeito estufa nos diferentes setores da indústria e os caminhos a seguir para se modernizarem e se tornarem mais eficientes e competitivos. Essa busca se tornou particularmente importante pelo fato de que o extraordinário desenvolvimento tecnológico no século 20 foi feito com máquinas e equipamentos movidos a combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural) com contribuições pequenas de outras formas de energia, como a solar e a hidrelétrica.

Uma consequência inevitável do uso de combustíveis fósseis é a emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Reduzir essas emissões é o objetivo principal da Convenção do Clima, adotada no Rio de Janeiro em 1992, e decisões importantes para atingir esse objetivo foram tomadas recentemente na Conferência de Paris, onde cada país apresentou metas de redução a serem alcançadas até 2025 ou 2030 e estratégias gerais para atingi-las.

Uma dessas propostas é a adoção de uma taxa sobre a quantidade de carbono emitido – como, por exemplo, US$ 50 por tonelada. Se isto fosse feito, o custo de um barril de petróleo aumentaria significativamente, o que aceleraria o uso de fontes de energia renováveis em todas as cadeias industriais que usam combustíveis fósseis ou estimularia o uso de tecnologias mais eficientes. Contudo é pouco provável que elas sejam adotadas nos próximos anos.

O que ocorre hoje, todavia, e vai continuar, é a busca incessante de processos tecnológicos que reduzam os custos de produção e emissão de poluentes, o que é feito no mundo todo por milhares de indústrias e empreendedores criativos. De quando em quando são feitas descobertas revolucionárias, como aconteceu na área de informática. Na grande maioria dos casos, porém, os avanços são incrementais, mas não menos significativos.

A preparação de mapas tecnológicos envolve um grande número de técnicos das próprias indústrias, que conhecem a tecnologia atual, e cientistas e técnicos das universidades e dos institutos de pesquisa, que podem ver mais à frente. No processo, mais especialistas se capacitam, o que é particularmente importante em países em desenvolvimento.

Até agora 23 desses mapas foram produzidos, cobrindo temas tão variados como produção de cimento, hidrelétricas e energia nuclear. Estão em preparação mais três, estes sobre energia eólica, bioenergia e redes inteligentes para o suprimento de energia.

Todos eles dão um panorama mundial da tecnologia, mas para serem realmente úteis precisam ser detalhados para as condições existentes em cada país, levando em conta seu estágio de desenvolvimento, seus recursos naturais e sua capacitação técnica.

Isso é o que está sendo feito atualmente para o setor de cimento no Brasil, que é bastante moderno e tem a interessante característica de se tratar de um setor com menores emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, quando comparadas com as emissões de outros países.

Seria muito recomendável que esse esforço de mapeamento tecnológico fosse estendido para outras atividades industriais do nosso país. Um dos aspectos mais interessantes desse tipo de trabalho é que ele permite também identificar as barreiras institucionais e regulatórias que impedem o avanço tecnológico.

Dispondo de um desses “mapas” o governo poderia aperfeiçoar seus instrumentos regulatórios; os bancos, seus investimentos; e os industriais, suas escolhas. Por exemplo, no mapa tecnológico da indústria de cimento na Polônia verificou-se que o uso de resíduos urbanos como combustível, nessa indústria, cresceu de menos de 20% para mais de 80% quando lixões foram proibidos e impostos elevados foram criados para desencorajar a disposição dos resíduos em aterros sanitários. Sem outra opção as indústrias passaram a usar os resíduos como combustível na produção de cimento.

Os mapas tecnológicos da Agência Internacional de Energia têm como foco principal a redução de gases de efeito estufa, mas esse é apenas um dos aspectos do problema. Mais do que isso, porém, eles apontam caminhos para a modernização e um desenvolvimento sustentável que traga benefícios econômicos e ambientais.


*PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FAPESP)

Petismo sugere um novo refrão populista: rouba, mas distribui - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 18/07

É curioso o resultado do Datafolha acerca do principal problema do país. Na média, confirma-se o destaque da corrupção como a resposta bem mais frequente, dada por 1/3 dos pesquisados.

Para um grupo populoso, porém, saúde e desemprego são temas tão valiosos quanto a corrupção. Nesse estrato, cada um dos três itens obtém pouco mais de 1/5 das respostas.

Trata-se dos eleitores cuja renda familiar mensal não excede dois salários mínimos (R$ 1.760), que representam 49% da amostra. Esse padrão de desvio da média global se repete entre os 35% que estudaram no máximo até o nível fundamental.

Esse eleitor mais pobre e menos instruído, tão preocupado com emprego e saúde quanto com corrupção, proporciona melhores resultados para o petismo na pesquisa. Rejeita menos Lula e lhe dá mais intenção de votos. Apoia menos o impeachment e a permanência de Temer. É o vetor que por ora evita a implosão eleitoral do PT e de seu líder.

O populismo sempre foi uma resposta provável à degradação das condições de vida de grandes contingentes sociais. No Brasil, várias configurações da elite política já entoaram a melodia populista, que associou ao ademarismo e ao malufismo o bordão "rouba, mas faz".

A elite oriunda do sindicalismo, de movimentos católicos, da burocracia e da academia estatal agora adapta o slogan. Fazemos o que todos os outros fazem, sugere em sua ginástica mental, mas pelo menos distribuímos renda e oportunidades.

O "rouba, mas distribui" pode colar, pois há substrato demográfico para absorver a mensagem. Será, no entanto, uma via minoritária, pela qual o PT dificilmente obterá os principais cargos eletivos do país.

A fatia dos que concluíram o ensino médio, hoje 2/3 do eleitorado, está em franca expansão. É improvável, dado o colchão social brasileiro, que a base da pirâmide de renda volte a crescer como tendência secular.


Muito além da impunidade - THOMÁS TOSTA DE SÁ

O GLOBO - 18/07

Tributação exagerada é uma ação típica do Poder Executivo em prejuízo da sociedade como um todo. Hoje, e desde priscas eras



O Brasil vive um dos seus períodos de maiores mudanças, comparável a outros momentos marcantes de sua história, como a Inconfidência Mineira, a Independência e a Abolição da Escravatura. Não sou um historiador, porém; apenas um observador atento aos fatos históricos de nosso país.

Entre 1993 e 1995, quando presidi a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), havia um processo — esperando julgamento por mais de quatro anos — contra o investidor Naji Nahas, responsável pela quebra da Bolsa do Rio de Janeiro. A credibilidade no mercado como um todo e a confiança dos investidores dependiam da credibilidade do órgão fiscalizador e regulador. Por isso, priorizei o julgamento do “caso Nahas”, que sofreu a maior condenação já aplicada por aquela comissão no seu julgamento, em fins de 1994.

Para os investidores, nacionais ou estrangeiros, o prestígio e a confiança das agências reguladoras de mercados, como o de capitais, estão e precisam estar associados ao combate à impunidade. E impunidade se combate com fiscalização eficiente e penalização exemplar.

Tenho repetido que a sociedade brasileira é vitima há 500 anos do “furor arrecadatório”, do “delírio regulatório” e da impunidade. O furor arrecadatório foi responsável pela transferência da riqueza brasileira, durante séculos, para Portugal. E não acabou: no ano passado, com uma arrecadação tributária próxima a 36% do PIB e um déficit nominal de 10% do PIB, o setor privado sofreu um sequestro de 46% do PIB de sua poupança. O nível de inadimplência tributária ficou próximo a R$ 2,3 trilhões, superior à arrecadação tributária em 2015 — evidência clara de que não adianta simplesmente o governo aumentar impostos. Tributação exagerada é uma ação típica do Poder Executivo em prejuízo da sociedade como um todo. Hoje, e desde priscas eras.

Por outro lado, desde a Constituição de 1988, mais de três milhões de atos regulatórios foram publicados — emendas constitucionais, portarias, normas e resoluções. Isso nos coloca sempre entre as piores performances nos relatórios “Doing Business” do Banco Mundial, considerados uma espécie de balizador da facilidade de ser desenvolver a atividade empresarial num país frente à sua legislação.

Já o estigma da impunidade, contra o qual já clamava o padre Antonio Vieira em seus “Sermões”, no século XVII, é responsabilidade do Poder Judiciário, e finalmente apresenta uma luz no fim do túnel por meio da Operação Lava-Jato. Mesmo assim, infelizmente, temos visto um grande número de manifestações contra ela, não só nas ruas, disfarçadas em apoio à presidente afastada, mas na quebra de sigilo de gravações de políticos, acatadas ou não pelo Supremo Tribunal Federal.

Em apresentação a que assisti recentemente, o procurador-chefe da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, pediu a todos a manifestação pública de apoio ao processo e ao projeto de lei de ação popular com dez proposições anticorrupção, que se encontra no Congresso para ser votado. Acredito que a quebra da impunidade levará ao reordenamento das bases institucionais do país. A transformação se dará com uma atuação mais presente da Justiça, apoiada numa revisão de seu marco legal, do Legislativo, fruto de uma reforma política, e de um Executivo menos arrecadador e mais eficiente, resultante de uma outra reforma, a tributária.

Dia 31 de julho próximo, em convocação feita na mídia eletrônica, teremos oportunidade de apoiar essas reformas seguindo o conselho de Ulysses Guimarães: “A voz das ruas é mais forte que a voz das urnas”.

Thomás Tosta de Sá é presidente do Instituto Ibmec

Consensos - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 18/07

Em meio à tempestade provocada pelas crises brasileiras, alguns consensos vão se formando sobre desafios e caminhos possíveis para o país.

Há consenso, por exemplo, de que a produtividade média no Brasil é muito baixa para uma nação ainda com elevada proporção de jovens, e que isso se deve a vários fatores, entre eles, a baixa escolarização da nossa população.

Também sabemos que, com esgotamento do bônus demográfico -o contingente recorde de pessoas em idade ativa- o PIB tenderá a crescer menos no longo prazo e aumentará demanda por despesas previdenciárias e de saúde.

É opinião dominante que empreender no Brasil é tarefa para poucos, dado os obstáculos à inovação -excesso de regras federais, estaduais e municipais; leis trabalhistas complexas; ausência de um mercado de capitais eficiente, que viabilize investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em infraestrutura tecnológica por parte das empresas.

Ninguém duvida que o Estado é provedor de serviço ineficiente e que seu gigantismo deprime perspectiva de crescimento de longo prazo, que é necessário mais agilidade e políticas para o futuro.

Ou que a excessiva tributação desestimula o esforço e o acúmulo de poupanças daqueles que são tributados, dirigindo recursos para quem não deveria estar sendo subsidiado.

Pois bem. Sendo tudo isso matéria prima para a formação de alguns importantes consensos, o que, afinal, estamos esperando para mudar o rumo das coisas no país?

A lista de reformas é extensa e complexa, mas imprescindível para aumentar a eficiência da economia e criar novos fatores de propulsão do crescimento econômico. E isso exigirá mudanças estruturais, muito especialmente dos marcos regulatórios existentes, para, por exemplo, garantir uma efetiva independência às agências reguladoras, assim como a extinção de "cartórios" garantidos por lei.

É imperativo preservar direitos dos trabalhadores mas também melhorar a legislação trabalhista brasileira, que impõe custos que inviabilizam competição em mercado globalizado. E avançar mais na reforma fiscal, para além do teto de despesas públicas. Não há como adiar reforma previdenciária, que precisa ser enfrentada com coragem social.

Esses são apenas os primeiros passos na direção de um Estado mais eficiente, capaz de oferecer proteção aos mais frágeis e um real compartilhamento de riscos.

Ousadia, espírito público, liderança política, transparência, compromisso com o futuro e capacidade de diálogo são condições imprescindíveis para pavimentar um modelo de desenvolvimento sustentável.

Com isso, o Brasil irá construir as bases para enfrentar os desafios que ainda nos aguardam no século 21.


Jornalismo substantivo - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 18/07

Carente de informação e boa dialética, o leitor sente-se conduzido por nossas idiossincrasias



Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência.

A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.

Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem “olhos de ver”. Não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz numa incapacidade crescente de elogiar o que deu certo. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado, trabalhador, independente.

A fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada.

Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas. Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo de quem sabe “o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma”. O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. Todos os dias. O coração do repórter deve pulsar em cada matéria.

Alguns desvios, no entanto, podem comprometer o resultado final do trabalho. A precipitação é um vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. O poder público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é importante, mas não é a única. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir do show político e fazer a opção pela informação que realmente conta. Só assim, com didatismo e equilíbrio, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

A incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E, surpreendentemente, nada acontece. O jornalismo é o único negócio em que a satisfação do cliente (o leitor) parece interessar muito pouco. O jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. A chave de uma boa edição, no impresso e no digital, é o planejamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas são feitas só pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado, está na hora de repensar todo o processo de edição.

O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. E o dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.

Por outro lado, ao tentar disputar espaço com o mundo do entretenimento, a chamada imprensa séria está entrando num perigoso processo de autofagia. A frivolidade não é a melhor companheira para a viagem da qualidade. Pode até atrair num primeiro momento, mas depois, não duvidemos, termina sofrendo arranhões irreparáveis no seu prestígio, na sua marca.

Registremos, ademais, os perigos do jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa. Checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.

Finalmente, precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos eventuais equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legendas é fácil. Porém admitir a prática de atitudes de prejulgamento, de manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige coragem moral. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva.

*JORNALISTA

Governo Temer se ajeita e joga pelo resultado - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 18/07

Pouco mais de dois meses após tomar posse, o governo Temer vai se ajeitando e começa a melhorar na reta final de sua primeira batalha decisiva: o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff.

Como diriam os cronistas esportivos, sobe de rendimento na hora certa. Não chega a ser um desempenho que encante a galera, que se mostra mais confiante com o novo técnico do país, mas ainda está com um pé atrás sobre seu potencial.

Esse é o retrato da pesquisa Datafolha, que corrobora o que a equipe de Temer vinha dizendo nos bastidores e joga uma ducha de água fria na presidente afastada e aliados.

Dilma contava com um fracasso na gestão Temer para ouvir o grito das arquibancadas de "volta, Dilma". No início do jogo, ficou até animada com os tropeços de seu reserva, que ocupou seu lugar no campo e está com toda pinta de virar titular.

Afinal, o Datafolha mostrou que metade da população prefere que Temer continue no lugar da petista. Até que Dilma não fez feio, 32% desejam sua volta, mas é número incapaz de gerar uma pressão avassaladora pelo seu retorno ao posto.

Mais importante para Temer é que seu governo passou a despertar mais otimismo nos brasileiros em relação ao futuro da economia e sua situação pessoal. E tem avaliação melhor do que a da antecessora.

Daí que a hipótese de volta da petista gera arrepios em muita gente. Em três conversas, um empresário, um executivo e um banqueiro tiveram a mesma reação sobre tal possibilidade: o país interrompe a tímida reação e quebra de vez.

Dois gostavam de Dilma. O terceiro, nem um pouco. Refletem o sentimento de que ela pode até sofrer um julgamento juridicamente frágil, mas errou e seu tempo passou.

Enfim, o clima começou a desanuviar no Palácio do Planalto com o time de Temer jogando para o gasto na hora certa, perto de sua primeira grande batalha. Superada, terá de mostrar a que veio. A conferir.


Brasileiros preferem Temer a Dilma - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 18/07
"Um governo eleito não pode ser derrubado. Nem pela violência. Nem por artimanhas jurídicas" DILMA ROUSSEFF


Números do Datafolha são positivos para Temer. Tome-se como positivos para o presidente interino, Michel Temer, por de fato serem, os resultados da pesquisa nacional do instituto Datafolha realizada nos dias 14 e 15 de julho e que ouviu 2.792 eleitores em 171 municípios. Temer elegeu a economia como prioridade de seu governo. Montou uma equipe econômica que nem a presidente afastada Dilma Rousseff ousou criticar até aqui. Está se dando bem.

SÃO MUITOS os indicadores oferecidos pela pesquisa de que os primeiros 60 dias do governo provisório valeram a pena para Temer. O índice dos que consideram sua gestão ótima ou boa é de 14% - um pontinho percentual acima dos que pensavam o mesmo da gestão de Dilma no início de abril último. A reprovação, contudo, é bastante inferior à que amargava Dilma antes de ser afastada do cargo.

O GOVERNO de Temer é avaliado como ruim ou péssimo por 31% dos entrevistados. Em abril, 65% avaliavam como ruim ou péssimo o governo de Dilma. A diferença é explicada, segundo o Datafolha, pelos que acham a gestão Temer regular (42%) e pelos que achavam regular (24%) a gestão de Dilma. Pelo menos 13% não souberam dizer o que acham da gestão Temer.

EM ABRIL, quando Dilma ainda governava o país, o Datafolha mediu as expectativas dos brasileiros sobre um eventual futuro governo Temer. As expectativas eram de que seria um governo ruim ou péssimo para 38% dos consultados. Agora, o percentual dos que continuam pensando assim caiu para 31%. As expectativas de que o governo seria regular subiram nove pontos, de 33% para 42%.

MELHORARAM AS EXPECTATIVAS dos brasileiros sobre o futuro da economia do país e sobre sua situação pessoal, atingindo o maior patamar desde dezembro de 2014. Eles estão mais confiantes na queda da inflação, na diminuição do risco de ficar desempregados e no aumento do poder de compra. O Índice Datafolha de Confiança registrou avanços em cinco dos sete indicadores que o compõem.

EM DEZEMBRO DE 2014, dois meses após a reeleição de Dilma, apenas 9% viam a corrupção como o principal problema. A corrupção, agora, é citada espontaneamente como o principal problema por 32%. Compreensível, dada às investigações da Lava-Jato. Depois vêm a saúde (17%), desemprego (16%; índice mais alto desde março de 2009), violência e falta de segurança (6%) e educação (6%).

PARA DILMA, e os que apostam no seu retorno ao cargo, a pesquisa trouxe más notícias. O afastamento definitivo dela é defendido por 58% dos brasileiros. Só 35% se opõem à saída. Há ainda 3% que declaram ser indiferentes e 3% não opinaram. Em abril, 61% defendiam o afastamento e 33% eram contrários. As variações ocorreram praticamente dentro da margem de erro da pesquisa.

À PARTE A POSIÇÃO de cada um sobre o impeachment, 71% acreditam que Dilma será afastada de vez da Presidência, contra 22% que não acreditam. Entre a volta dela e a permanência de Temer até 2018, 50% imaginam que o melhor para o país seria a segunda opção. A primeira opção (volta de Dilma) seria o melhor para o país na opinião de apenas 32% dos pesquisados.

O QUADRO ELEITORAL para 2018 permanece muito indefinido. Quando confrontados com qualquer lista de candidatos, 25% dos eleitores respondem que no primeiro turno votariam em branco ou nulo. Lula lidera as simulações de primeiro turno, mas perderia para Marina Silva ou José Serra no segundo. Ele é o candidato mais rejeitado: 46% dizem que não votariam nele de jeito nenhum.


A próxima reforma - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/07

Se reverter a crise de confiança na solvência do Estado é o passo imediato fundamental para estancar a ruína econômica, as esperanças de prosperidade futura do país dependem de uma agenda de modernização institucional que estimule a produtividade e reduza o custo de fazer negócios.

Entre os obstáculos a serem equacionados, destaca-se a obsoleta legislação trabalhista, gestada nos longínquos anos 1940 e causadora de um anômalo e crescente contencioso entre empregados e empregadores.

Conforme noticiou esta Folha, somente no ano passado foram iniciadas 2,66 milhões de ações do gênero, um recorde histórico que infelizmente deverá ser superado neste 2016, em razão da expansão das taxas de desemprego.

Na raiz do problema está uma cultura paternalista na gestão de conflitos, reforçada pela estrutura sindical oligopolizada, abrigada no Estado e financiada por contribuições obrigatórias, inclusive de trabalhadores não afiliados.

O paternalismo enfraquece a disposição à negociação e a autonomia das partes em decidir conforme suas preferências. Na tradição brasileira, o legislado tende a se sobrepor ao acordado em convenções coletivas.

Merece apoio, portanto, a disposição manifestada pelo governo Michel Temer (PMDB) de encaminhar ao Congresso uma proposta de modificação das regras trabalhistas -reforma que, de acordo com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, será a segunda na ordem de prioridades do Planalto, logo depois da previdenciária.

Já seria progresso digno de comemoração a retomada do projeto que regulamenta a terceirização da mão de obra, conforme propósito manifestado pelo ministro. O texto, apresentado em 2015 na lista de prioridades do PMDB, encontra-se parado no Senado.

Como diretriz geral, deve-se fugir do populismo que considera qualquer alteração uma afronta aos direitos dos trabalhadores. O importante é facilitar a geração de mais empregos formais, requisito básico para uma inclusão social sustentável.

Modernizar a CLT e a estrutura sindical com vistas à ampliação do espaço de negociação entre empresas e trabalhadores traria maior flexibilidade ao mercado. Atuar para reduzir a propensão do sistema atual à geração de gigantesco contencioso incentivaria contratações.

As conquistas da cidadania e a dignidade do trabalho não serão garantidas com a manutenção de um sistema ineficaz, que aumenta o custo da formalização do emprego e tolhe a liberdade de associação sindical.


Simples e profunda - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/07

A eleição de um novo presidente da Câmara, semana passada, em substituição ao afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abre perspectivas positivas para o Legislativo levar adiante uma reforma política eficaz. Esta é uma demanda que se arrasta no sistema representativo do Brasil por anos, jamais enfrentada com a necessária seriedade pelos parlamentares. Eleito o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a Casa, pelas palavras dele, tem a oportunidade de enfim se reencontrar com a agenda política do país.

Antes, o presidente interino Michel Temer já havia sinalizado, de um Executivo que busca implementar necessárias mudanças no país (política, econômica e fiscal) para um Congresso que ainda reluta a abandonar o crônico paradigma do excesso de fisiologismo, quais os pontos mais imediatos de uma reforma política simples, como deve ser, mas não menos profunda: a adoção de uma cláusula de desempenho para os partidos e a proibição de coligações nas eleições proporcionais.

A oportuna particularidade de, no espaço de poucos dias, os chefes do Executivo e de uma das Casas do Legislativo terem mostrado sintonia num tema vital para o futuro político do país não pode ser desperdiçada. A degradação do sistema de representação do país passa não só pelos gargalos mais visíveis, expressos em mecanismos que perpetuam o jogo do toma lá dá cá. Nela há também um inequívoco componente cultural, na forma de parlamentares que disputam eleições para, ao anteparo de seus mandatos, obter dividendos materiais. Neste particular, esta não é uma exclusividade do Brasil. Corrupção política, em maior ou menor grau, existe em todo o mundo. O que lhe dá no país a dimensão de “malfeitos” levados ao extremo são os dispositivos — legais mas deletérios — que, na prática, a “institucionalizam”.

A proliferação própria de um sistema como o brasileiro, que não impõe critérios realistas para o funcionamento das legendas, é uma grande mola a impulsionar práticas deletérias como o fisiologismo e o clientelismo, as faces mais visíveis da corrupção política. E, ainda que se abstraia esse aspecto — num esforço de apequenamento do papel da política na vida do país —, é impossível que a pulverização represente, sem redundância, o arco de opiniões da sociedade e que negociações políticas envolvendo 28 partidos sejam produtivas. No caso das coligações, o efeito mais nocivo está no fato de o eleitor votar num candidato e eleger outro, não raro sem qualquer afinidade ideológica.

O correto, na reforma sugerida por Temer e, espera-se, a ser abraçada por Maia seria criar uma barreira pela qual a legenda se veria obrigada a atrair 5% dos votos nacionais, sendo 2% em pelo menos nove estados, para ter assento na Câmara. Em 2006, uma cláusula de desempenho foi posta nestes termos para o STF apreciar. Na época, o Supremo a barrou — equívoco que agora, por certo, em face do novo perfil da Corte, não se repetiria. Mas que hoje o Legislativo pode, e deve, vir a desfazer no Congresso, pela sanidade do futuro político do país.


Anos de desperdício - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 18/07

Os anos de lulopetismo no governo foram tempos nos quais se viveu com os olhos atados ao presente



O Brasil não aproveita adequadamente seu capital humano, aponta estudo do Fórum Econômico Mundial. Entre 130 países, o Brasil ficou na 83.ª posição do Índice de Capital Humano, que mede como cada nação desenvolve e cultiva o potencial de seu capital humano.

Criado em 2013 para ser uma ferramenta de análise da dinâmica entre educação, emprego e força de trabalho, o índice tem a finalidade de auxiliar a tomada de decisões do poder público e dos agentes privados. Como lembra o Fórum Econômico Mundial, um adequado desenvolvimento do capital humano é decisivo não apenas para a produtividade de uma sociedade, mas também para o funcionamento de suas instituições sociais e políticas.

O estudo analisa a situação de cinco faixas etárias da população – menores de 15 anos, entre 15 e 24 anos, entre 25 e 55 anos, entre 55 e 64 anos e mais de 65 anos – a partir de indicadores de ensino, capacitação e emprego. Em 2015, o foco principal foi estudar os fatores que contribuem para o desenvolvimento de uma adequada, produtiva e saudável força de trabalho. Em 2016, o estudo concentrou seus esforços na busca por melhorar o desenho das políticas educacionais e o planejamento da força de trabalho do futuro.

O cenário global do capital humano está cada vez mais complexo e com evoluções mais rápidas, lembra o Fórum Econômico Mundial. Calcula-se que, até 2020, a cada dia entrarão 25 mil novos trabalhadores no mercado de trabalho, e, em todo o mundo, 200 milhões de pessoas estarão desempregadas. Ao mesmo tempo, estima-se que na próxima década haverá escassez de 50 milhões de trabalhadores altamente qualificados. Desafiador, o cenário impõe aos países repensar tanto a educação ofertada como a gestão do mercado de trabalho.

No topo do índice está a Finlândia, que, entre outros aspectos, conta com uma população jovem altamente qualificada, oferece a melhor educação primária e tem a maior taxa de ensino superior completo na faixa de 25 a 54 anos. Logo abaixo vêm Noruega e Suíça. Na quarta posição está o Japão, que se destaca como primeiro colocado nas duas faixas etárias mais altas – entre 55 e 64 anos e maiores de 65 anos. De acordo com o estudo, 19 países aproveitam ao menos 80% do potencial de seu capital humano.

Com o 83.º lugar no índice, o Brasil ficou em pior posição que Uruguai (60.º), Colômbia (64.º), México (65.º), Bolívia (77.º) e Paraguai (82.º). Aparece na frente de Arábia Saudita (87.º) e Venezuela (89.º), por exemplo.

Ao comentar os resultados brasileiros, o relatório destaca o contraste de ser a maior economia da América Latina e ter índices educacionais tão deficientes. O estudo lembra também que, na percepção dos empresários sobre a disponibilidade de mão de obra qualificada, o Brasil ocupa uma das piores posições. Entre as 130 nações, ficou em 114.º lugar nesse quesito.

Quando se olham os resultados por faixa etária, constata-se que o pior resultado brasileiro se dá entre os menores de 15 anos. Nessa faixa, obteve a 100.ª posição. Dessa forma, sem uma significativa mudança na educação básica, os resultados nacionais tendem a piorar ainda mais com o tempo, já que em relação aos outros países o Brasil desenvolve menos as novas gerações que as faixas etárias mais velhas.

O relatório do Fórum Econômico Mundial afirma que, entre os fatores que propiciam a longo prazo o desenvolvimento de uma nação, o capital humano talvez seja o mais importante. Pode-se, portanto, ver o Índice de Capital Humano também como uma comparação do real investimento de cada país em seu futuro.

Sob essa ótica, não surpreende a posição brasileira no ranking. Os anos de lulopetismo no governo federal foram tempos de desperdício de oportunidades, nos quais se viveu – por deliberada opção política – com os olhos atados ao presente. Característico do populismo, tal imediatismo tem um alto preço social. A população brasileira conhece bem essa conta.


Entrosamento com TCU facilita tarefa de Meirelles - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 18/07

A sabedoria popular consagrou há muito tempo a máxima de que "o combinado não sai caro". Desde que assumiu o comando da economia nacional, há dois meses, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem seguido à risca o mandamento. Não obstante os super poderes a ele conferidos pelo presidente interino, Michel Temer, o ministro fez das consultas e visitas ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma prática quase cotidiana.

As digitais do tribunal estão impressas na raiz do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff - que, por sinal, nunca quis admitir Meirelles em seu governo, apesar das sucessivas indicações do ex-presidente Lula. A presidente afastada reconheceu, na semana passada, que considera Meirelles "competente". A relação do governo Dilma com o TCU, segundo relatos de ministros do tribunal, foi marcada por arrogância mal disfarçada de apreço. Com o governo Lula, foram cenário para críticas e tentativas de suprimir poderes da corte de contas.

Sabedor do grande potencial do TCU para causar dores de cabeça ao governo, Meirelles tem feito consultas preventivas sobre as medidas que planeja pôr em prática. Para as mais importantes, vem optando por ir pessoalmente ao edifício sede do tribunal, sempre acompanhado por integrantes do primeiro escalão da equipe econômica.

Na primeira investida, em junho, apresentou oficialmente a proposta que permitirá ao BNDES antecipar o pagamento de R$ 100 bilhões devidos ao Tesouro Nacional. O plano - que se vingar resultará em uma contração relevante na dívida bruta do governo - foi bem recebido pelos procuradores do TCU, mas ainda divide opiniões do colegiado de ministros.

Vinte dias depois, o plenário do tribunal já discutia outra consulta de Meirelles: o socorro financeiro de R$ 2,9 bilhões ao Estado do Rio de Janeiro. O ministro pediu - e conseguiu - aval do TCU para abrir um crédito extraordinário por medida provisória. Pedido semelhante foi feito há duas semanas, dessa vez para evitar uma parada geral nos serviços da Justiça trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) alega que os cortes excessivos no orçamento de 2016 inviabilizarão seu funcionamento a partir de agosto próximo.

A Constituição determina que os créditos extraordinários só podem ser abertos via MP se o objetivo for atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

A cautela de Meirelles se justifica, já que quatro MPs usadas pela gestão Dilma para abrir créditos extraordinários foram consideradas ilegais pelo TCU, que identificou desacordo com os requisitos constitucionais de urgência e imprevisibilidade. Essas irregularidades sustentam o pedido de rejeição das contas de Dilma referentes a 2015. Pela primeira vez na história brasileira, o governo federal poderá ter a contabilidade oficial reprovada por dois anos consecutivos.

Na última quinta-feira, o ministro da Fazenda voltou ao TCU, acompanhado do colega do Planejamento, Dyogo Oliveira, e do presidente interino do Banco Central, Anthero Meirelles. O grupo apresentou um projeto que visa a securitização de ativos da Dívida Pública da União. Trata-se de mais uma tentativa de ampliar as receitas do governo, que precisará "encontrar" R$ 55 bilhões em recursos novos para cumprir a meta fiscal definida para 2017. O plano é transformar uma parte do gigantesco valor que a União tem a receber em títulos que poderão ser vendidos a investidores no mercado financeiro.

Ainda não há um valor definido para ser arrecadado com esses papéis. O que há é o receio de que a transação seja vista pelo TCU como operação de crédito ilegal, acusação que ajudou a afastar Dilma do Planalto. Meirelles fez questão de explicar pessoalmente ao vice-presidente do TCU, Raimundo Carreiro, que a securitização dos recebíveis pretendida nada mais é do que uma operação de venda de ativos.

Independentemente das manifestações do TCU sobre os pedidos, a estratégia de aproximação adotada por Meirelles é crucial para melhorar a interlocução política com o tribunal de contas. Escolhidos por deputados e senadores, e em muitos casos originários do Congresso, os ministros do TCU são autoridades cercadas de técnicos qualificados, mas que têm a política correndo nas veias. O diálogo institucional teria evitado muitos dos problemas de Dilma.