terça-feira, julho 05, 2016

A descoberta de Paes - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 05/07

Prefeito tenta se descolar do noticiário negativo sobre o Rio

O prefeito Eduardo Paes descobriu que o governo do Rio não tem "o mínimo de comando", carece de "vergonha na cara" e faz um "trabalho terrível" na segurança. É tudo verdade, mas ele omite um detalhe: o Estado está há 13 anos sob controle do seu partido, o PMDB. A descoberta tardia tem motivo. Faltam 31 dias para a abertura da Olimpíada e três meses para a eleição municipal. Paes esperava dois cruzeiros em águas calmas, mas o vento mudou e ele agora enfrenta a ameaça de um duplo naufrágio.

O peemedebista tenta se descolar do noticiário negativo sobre o Rio. Como não é possível negar os fatos, ele passou a dividi-los em duas categorias. Numa, as boas notícias são obra da prefeitura. Noutra, os problemas são culpa do governo estadual.

A separação é fajuta e ignora mazelas 100% municipais, como o desabamento da ciclovia e a poluição da lagoa Rodrigo de Freitas, que receberá as competições de remo.

O prefeito sabe que um fiasco olímpico frustraria o plano de eleger o sucessor e alçar voos maiores em 2018. Por isso passou a criticar o descalabro no Estado como se não fosse ligado a quem o causou. A pirueta faria inveja à pequena Flávia Saraiva, esperança de ouro na ginástica.

Há outro obstáculo às ambições de Paes. Ele planejava usar a revitalização da zona portuária como principal vitrine de sua gestão. Agora o projeto, batizado de Porto Maravilha, passou a frequentar o noticiário policial da Lava Jato.

O caso envolve Eduardo Cunha, outro aliado que o prefeito preferia exilar em Maricá. Há poucos meses, o deputado se referia a Paes como seu próximo candidato à Presidência.

Lava Jato sob ameaça - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 05/07

A Operação Lava Jato e o que ela simboliza, o combate implacável à corrupção, estão ameaçados. As investigações que se intensificaram nos últimos dois anos e pouco, e resultaram na condenação de políticos, funcionários de estatais, dirigentes de empresas privadas e operadores financeiros, agora começam a expor importantes figurões da política, personagens que até pouco tempo atrás eram considerados intocáveis. Como a toda ação corresponde uma reação oposta da mesma intensidade, na medida em que as investigações os atingiram em cheio os políticos sob suspeição tornaram-se os principais adversários da Lava Jato. Sua reação está em pleno curso. Com a circunstância agravante de que são eles que têm poder para impor restrições legais à atuação da Lava Jato.

Até como consequência da crescente abrangência de suas investigações, a Lava Jato está cada vez mais sujeita a controvérsias resultantes de procedimentos passíveis de contestação e eventuais falhas operacionais cometidas por seus agentes: policiais, procuradores e juízes federais. Essas controvérsias se concentram em duas questões principais: o instituto da delação premiada e as denúncias de abuso de autoridade. É a partir daí que surgem os pretextos para acabar com a “sangria” nos negócios políticos que provocam a indignação do notório senador Romero Jucá (PMDB-RR). Muitos políticos defendem também a revisão, pelo STF, da decisão que determinou a obrigatoriedade do cumprimento das penas de prisão a partir de sentença de segunda instância.

Tanto a delação premiada, responsável em grande parte pelo sucesso da Lava Jato em suas investigações, quanto o abuso de poder por juízes, procuradores e policiais são questões que precisam ser levadas a sério e corrigidas sempre que for o caso. É claro que o poder de magistrados e investigadores não se pode sobrepor à lei. Mas é óbvio também que essas questões são frequentemente mero pretexto para proteger corruptos ou preservar interesses corporativos.

O fato é que, como ficou sobejamente demonstrado pelas escutas telefônicas feitas pelo delator Sérgio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, importantes líderes políticos – no caso, peemedebistas, como o delator – não se conformam com a possibilidade cada vez mais próxima de virem a ser julgados por corrupção e estão de alguma maneira se articulando para promover um “acordão” que os livre da cadeia.

Além de restrições à delação premiada e a imposição de controle mais rígido sobre o poder dos juízes criminais de primeira instância e investigadores, circula nos meios políticos a ideia extravagante da criação do acordo de leniência – em moldes similares ao que já existe para as empresas – também para os partidos. Muitos consideram um acordo dessa natureza indispensável à sobrevivência dos partidos políticos, pois julgam inevitável que as legendas venham a ser obrigadas a restituir valores altíssimos aos cofres públicos, como já aconteceu com o PT, multado em R$ 23 milhões, pelo TSE, no caso do mensalão.

De acordo com o que apurou o jornalista Raymundo Costa, em matéria publicada pelo Valor, cresce em Brasília a disposição das lideranças partidárias de estabelecer um “acordão”, respaldado por uma regulamentação legal adequada, que a partir de determinado momento estabeleça um divisor de águas entre o passado e o futuro, respeitando as condenações judiciais até então tomadas ou na iminência de sê-lo e deixando o resto como está, mais ou menos na base do “o que passou passou”. Esse é um entendimento que, em princípio, atende aos interesses de todas as legendas partidárias, principalmente as maiores e, de modo especial, o PT, cujas lideranças estão ávidas pela oportunidade de zerar seu enorme déficit político e começar tudo de novo.

Um arranjo dessa natureza dependeria de os políticos se entenderem a respeito. Uma coisa seria capaz de evitá-lo: a justa indignação das pessoas de bem do País expressa num clamor popular contra essa obscenidade.


A urgência do emprego - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/07

A expressão mais dolorosa da recessão que se abateu no país pode ser vista no rosto dos brasileiros. Uma legião de 11 milhões de cidadãos está atingida pelo desemprego, e os prognósticos indicam que a taxa de desocupação deve se manter ascendente até 2018. A geração de vagas no mercado de trabalho depende diretamente da recuperação econômica, e o país ainda está longe de restabelecer as condições que retirem o setor produtivo do estado de paralisia. Neste momento crítico, o governo tem um papel fundamental, pois precisa emitir sinais convincentes para resgatar a confiança de investidores e do setor privado. Mas o governo Temer entendeu que existem outras prioridades, como chancelar o aumento salarial aos servidores públicos, que já têm uma renda garantida e não correm o risco de se juntar às fileiras do desemprego. Aguardam-se ainda medidas mais consistentes que demonstrem de forma clara e inequívoca ao maior contingente de trabalhadores do país, e não apenas a uma parcela do funcionalismo público.

Pelo comportamento do presidente interino, presume-se que decisões de maior impacto estejam previstas para depois de agosto, quando estará definido o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Se existe um timing político a ser considerado, é também justo que se peça a superação exígua do impasse, respeitando os ditames estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal. Brasília precisa definir o caminho do país, pois o brasileiro não aguenta mais. Há meses passa pela provação de ver a carestia destruir seu poder de compra, amargar um quilo de feijão valer mais do que R$ 10, observar um aumento de 30% no litro de leite em seis meses.

Está claro, pois, que o governo precisa envidar esforços e investimentos em iniciativas que promovam a criação de empregos. O compromisso de manter um teto para os gastos públicos e a negociação para reforma da Previdência são essenciais para evitar a calamidade na máquina pública. Também merece registro o entendimento entre a União e os estados para evitar o colapso em algumas unidades da Federação estranguladas pela desordem fiscal. Mas não basta sanear as despesas públicas. É preciso encontrar soluções que estanquem o violento processo de degradação nos setores da indústria e dos serviços. Ontem, a indústria automobilística registrou, no primeiro semestre de 2016, as piores vendas dos últimos 10 anos. Queda na produção significa menos empregos, não há outra conta a fazer.

Recuperar empregos consiste, pois, a meta a ser seguida de forma obstinada. Ressalte-se que a missão do governo é criar um ambiente de crescimento econômico, sem intervenções paternalistas ou dificuldades para a realização de negócios. A visão de que o Estado deve ser o principal motor da economia, aliada a métodos de privatização que impedem a real participação da iniciativa privada, é um dos equívocos - sem mencionar a corrupção - cometido pelas últimas administrações em Brasília. Michel Temer tem a missão de corrigir a rota.

De Dilma para Cunha - JOSÉ CASADO

O Globo - 05/07

Dilma deu a Cunha acesso ao dinheiro do FGTS. Durante quatro anos, Dilma Rousseff manteve Fábio Cleto na vice-presidência de Fundos de Governo e de Loterias da Caixa Econômica Federal. Como todos no Palácio do Planalto, a presidente sempre soube exatamente qual o papel desempenhado por Cleto no loteamento político de seu governo: ele representava os interesses privados do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Dilma herdou de Lula e manteve, em 2011, a partilha de empresas públicas entre PT, PMDB e outros aliados. Entregou o Banco da Amazônia e uma vice-presidência da Caixa ao PMDB na Câmara. Cunha preferiu a vice da Caixa. Levou o currículo de Fábio Cleto ao líder da bancada Henrique Alves (PMDB-RN). Alves, seu parceiro de empreitadas, apresentou o pedido de Cunha ao chefe da Casa Civil Antonio Palocci, que convocou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Cleto foi nomeado.

Cunha percebeu a vice da Caixa como uma ponte para o futuro, pelo potencial de acesso a informações privilegiadas e ao dinheiro de 30 milhões de trabalhadores. A Caixa gerencia os recursos, via Conselho do Fundo de Garantia e Comitê do Fundo de Investimentos (FI) do FGTS, num ambiente de governança débil — segundo o TCU —, com decisões opacas, sem controle sobre conflitos de interesses e documentos confidenciais circulando por e-mails privados.

Cunha recebeu de Dilma uma cadeira cativa na gestão do patrimônio do Fundo de Garantia (R$ 207 bilhões em janeiro), com direito a senha para um dos maiores bancos de dados do mundo (600 milhões de contas individuais), e poder de influência, em nome da Caixa, sobre negócios do FI-FGTS com empresas privadas. 


Foi um período em que R$ 21 bilhões da poupança dos trabalhadores, já dilapidada pelos padrões de baixo rendimento e indigente governança, vitaminaram o caixa de algumas poucas empresas, a maioria de capital fechado, com projetos em saneamento, petróleo, aeroportos, estaleiros, papel e celulose. 

Toda terça-feira, às 7h30m, Cunha recebia Cleto em Brasília para revisar pleitos privados de acesso ao dinheiro do FGTS. Privilegiava alguns, vetava outros que interessavam aos operadores do PT de Dilma e Lula — relatou Cleto à Justiça. Na sequência, despachava outro de seus agentes, Lucio Bolonha Funaro, para visitar as empresas “eleitas”.

O Ministério Público suspeita que o grupo de Cunha cobrou propina sobre investimentos do fundo do FGTS na Eldorado/J&F, Sete Brasil, Amazônia Energia, OAS Óleo e Gás, LLX Açu (atual Porto do Açu), Cone Suape, Brado Logística, J. Malucelli e Viarondon.

Investigam-se também negócios da Odebrecht com um antigo representante da Central Única dos Trabalhadores no comitê do FGTS: André Luiz de Souza renunciou em 2014 sob suspeitas. O operador de Cunha permaneceu na vice da Caixa.

Em dezembro passado, 72 horas depois da abertura do impeachment na Câmara, o governo anunciou a saída de Cleto, como retaliação. Na vida real, ele sobreviveu até maio, um mês depois do afastamento de Dilma.

O operador de Cunha representou a Caixa até o último 23 de maio em decisões de investimento do FGTS no projeto “Porto Maravilha”, no Rio. Dessa obra o deputado teria extraído R$ 52 milhões em propina das empreiteiras Odebrecht, OAS e Carioca-Christiani Nielsen.


Brexit litigioso - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ

O Estado de S. Paulo 05/07

Os burocratas de Bruxelas tomaram uma decisão ruim em face do plebiscito de 24 de junho que confirmou a saída da Inglaterra da União Europeia (UE). Como frisou o presidente da comissão quer preside a União, a entidade cobrará caro a saída dos ingleses, a fim de que o evento sirva como lição aos remanescentes 27 países-membros. Não será uma separação amigável, mas um divórcio litigioso. Quem quiser sair pagará um preço alto, em termos de perda de vantagens comerciais e de benefícios para os seus cidadãos.

A decisão do centro do poder de Bruxelas pode, de momento, estancar a corrida para fora da União. Mas não acabará com os problemas, porque o que mais incomodava os súditos da rainha Elizabeth era, justamente, a prepotência de Bruxelas, que baixa normas e age à vontade, como se fosse dona da bola.

Lembremos que a Magna Carta, há 800 anos, visava a controlar, na Inglaterra, a autoridade real, inclusive no referente à fixação de impostos, tradição que foi confirmada em várias oportunidades, como em 1689, quando da proclamação do Bill of Rights. Os americanos, na sua briga contra a metrópole, em meados do século 18 adotaram o princípio de “no taxation without representation”, que se inspirava nessa antiga tradição.

Ora, os excessos de poder de Bruxelas incomodavam aos britânicos, que são particularmente sensíveis diante da autoridade em geral. Como lembrava redator da revista The Economist (Revolucionários improváveis, O Estado de S. Paulo, 26/6, página A12) comentando o Brexit, os ingleses sempre foram meio anarquistas em relação aos poderes constituídos. O escritor George Orwell, que se tornou famoso por seu clássico 1984, referindo-se às canções populares dos soldados na 1.ª Guerra Mundial, escrevia: “O único inimigo que chegava a ser nomeado nas letras era o sargento”.

Convenhamos que, em termos de obrigações, a Grã-Bretanha fez o dever de casa durante o tempo da sua permanência na União Europeia: saneou as contas públicas, baixou a inflação, desenvolveu programas eficientes de controle contra o terror e a insegurança, além de pagar rigorosamente em dia as suas contas com a União. Ora, não é isso exatamente o que outros membros da eurozona fazem, ao permitirem o gasto público descontrolado e favorecerem elites econômicas corruptas (como ocorreu na Grécia), que comprometeram a realização das metas exigidas por Bruxelas. Além do mais, a questão dos refugiados apresenta-se como uma variável difícil de ser equacionada por um país, como a Inglaterra, já sobrecarregado de imigrantes.

O pragmatismo dos ingleses sempre olhou com desconfiança para a ausência de controles sobre o poder central vigente no continente europeu. John Locke, em pleno século 17, quando da sua viagem pela França absolutista de Luís XIV, referia-se às práticas autoritárias desse país como o “mal francês”, utilizando ironicamente uma expressão que, nos meios médicos, se referia à sífilis, a qual pululava entre os dissolutos súditos da corte de Versalhes. O “mal francês” era, portanto, duplo: a sífilis, de um lado, e, de outro, o estatismo.

Se o filósofo prussiano Gottfried Leibniz pensou, no século 17, a integração europeia construída verticalmente ao redor do absolutismo francês com o auxílio da Grande Armée, no século seguinte outro pensador da mesma origem, Immanuel Kant, pensou a integração europeia em termos que remetiam à assimilação das Luzes no continente. Na sua Paz Perpétua (1795) Kant imaginava uma Europa unida por um pacto federativo entre os seus integrantes, ao redor de um modelo de democracia alicerçada no direito cosmopolita que, incorporando as exigências da moral social, buscasse evitar a guerra mediante a implantação de regimes compatíveis com a liberdade. Essa é a base filosófica da comunidade europeia. Kant não acabava com as diferenças entre as várias unidades. Deixava em aberto a solução daquelas, ao ensejo da negociação em torno aos problemas que fossem surgindo, sem cair no jesuitismo de tocar para debaixo do tapete as diferenças mediante a “restrictio mentalis”, mas enfrentando-as com coragem.

O grande legado da União Europeia foi ter afastado o perigo da guerra entre os seus membros, a par de ter efetivado ousado plano de progresso econômico consolidando o maior mercado comum do planeta. Contudo, como frisou Lourival Sant’Anna (Repensar a democracia, Estado, 26/6, página A13), “(...) o processo de tomada de decisões sobre um número cada vez maior de questões foi se afunilando e centralizando em Bruxelas. Com o passar dos anos, os cidadãos europeus foram sentindo que decisões que afetam suas vidas são tomadas por burocratas – ou eurocratas – de outros países, reunidos em uma cidade distante e sem nenhum contato com suas realidades”.

Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, no Estoril Political Forum, promovido em Lisboa pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, ressaltou, em 29 de junho: “Portugal e os outros países têm de ver a União Europeia não como uma potência externa, mas como sendo parte ativa da UE. Se continuarmos sistematicamente a usar a UE como bode expiatório, não vamos a lado nenhum (...). Se continuarmos a nacionalizar os sucessos e a europeizar os fracassos, então temos um problema”.

Acontece que o desemprego que afeta os trabalhadores das indústrias inglesas e motivou o seu voto favorável ao Brexit foi condicionado pelas medidas da União Europeia. Agora é esperar para ver se o bom senso volta a prevalecer em Bruxelas e se o pragmatismo inglês encontra uma saída negociada que salve a colaboração com a União Europeia, mesmo que redefinida em termos diferentes.

*Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do centro de pesquisas estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e professor emérito da Eceme e docente da Faculdade Arthur Thomas, em Londrina


Filão esgotado - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 05/07

A emissão quase ilimitada de moeda foi o grande achado dos bancos centrais que salvou as grandes economias da crise financeira, por meio da qual esperavam afugentar a paradeira e o desemprego. Mas esse recurso parece ter chegado agora ao seu limite. Apesar da abundância nunca vista de dólares, de euros, ienes e francos suíços, a economia mundial continua capengando, mais parando do que andando. O crescimento econômico é fraco, o comércio mundial avança muito lentamente e, salvo umas poucas exceções, não há sinal de recuo do desemprego, especialmente na Europa. O Brexit, a decisão tomada pelo Reino Unido de abandonar a União Europeia, é, por si só, fator de aumento da recessão, não apenas na Inglaterra, mas também no resto da Europa.

O que emperra tudo é o aumento das incertezas, que adia os investimentos, especialmente porque as regras conhecidas serão revogadas e as novas ainda não são conhecidas. Se fosse para repetir o padrão dos anos anteriores, os grandes bancos centrais deveriam responder com novo despejo de moeda, por meio da recompra de títulos públicos privados no mercado secundário. No entanto, nas economias maduras, os juros ou são negativos ou muito próximos de zero. Novas injeções de moeda afundariam ainda mais o seu preço, que são os juros, e tenderiam a aumentar as distorções que tomam a economia. Já há relatos de que, ao fim do mês, mutuários que levantaram empréstimos hipotecários, em vez de pagar os juros previstos em contrato, estão recebendo os créditos correspondentes a esses juros negativos.

Os que detêm cotas em fundos de aposentadoria complementar começam a temer pela redução dos seus benefícios e já não se interessam por novos investimentos. Para fazer aplicações financeiras, além de não receberem nada, ainda têm de pagar. Ou seja, nesses casos, metido no forro do colchão, o dinheiro teria retorno melhor, ainda que comido em alguma proporção pela inflação. Mesmo a custos baixíssimos, em toda parte a demanda por crédito continua fraca, porque não há perspectivas encorajadoras de retorno. Este é um ambiente em que os grandes bancos centrais não têm muito a fazer nem a propor.

Há quase dois anos, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) vem ensaiando o início da operação de enxugamento de dólares, mas sempre é levado a desistir da empreitada, seja por um fato novo, como agora foi o Brexit, seja pela falta de sinais de recuperação da economia. Em outros tempos, as respostas bem-sucedidas a crises tão profundas ou foi o New Deal de Franklin Roosevelt, que sepultou a Grande Depressão, ou o Plano Marshall, que desatolou a Europa no pós-guerra.

Mas projetos de tal envergadura exigem grandes orçamentos fiscais, algo impensável agora, quando por toda parte os Tesouros nacionais estão sugados e esgotados. É por isso que a reação dos governos se limita ou a aumentar a austeridade, o que tende a aprofundar a recessão, ou a esperar que alguma coisa aconteça, o que os deixa sem iniciativa.




Nos gráficos, como evoluiu a percepção dos agentes econômicos tanto a respeito do comportamento da inflação quanto do PIB.

CONFIRA
Gols a favor

Nesta segunda-feira foi divulgado o primeiro levantamento feito no mercado depois de conhecido o primeiro Relatório de Inflação da administração Ilan Goldfajn. Os resultados sugerem que o novo presidente do Banco Central vem conseguindo conduzir as expectativas do mercado após suas primeiras entrevistas. Se isso se confirmar, a política de juros ganha eficiência no controle da inflação.

Contas no vermelho - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 05/07

O governo está fazendo as contas para fechar a meta que terá que enviar ao Congresso entre hoje e amanhã. A maior dificuldade está em calcular as receitas num período em que há divergência nos cálculos da retomada. Sobre a dimensão do déficit primário de 2017, a estimativa dos otimistas está em R$ 100 bilhões, mas caminha-se para R$ 140 bilhões.

No mercado financeiro, a aposta mediana é de um crescimento de 1% do PIB em 2017, mas há previsões maiores como a da MB Associados, que está em 2%,e a do Bradesco, que está revendo para cima a projeção anterior, que estava em 1,5%. Com essa recuperação, a receita pode ser maior. Quanto maior? Depende de que setores puxarão essa melhoria do PIB. Quando o país crescia puxado pelo consumo, o aumento da receita acontecia rapidamente, mas agora deve ser puxado pelas exportações e agricultura, que têm um efeito na arrecadação menor, segundo a análise feita no próprio Ministério da Fazenda.

O governo está contando —e o mercado também — com a aprovação da PEC de limite dos gastos, mas essa mudança constitucional não é apenas difícil de ser aprovada, como o seu efeito não é tão garantido quanto parece. Existem outras despesas que crescerão acima da inflação independentemente desse limite, como a Previdência e os benefícios, por exemplo.

Para projetar o que vai acontecer nas contas públicas no ano que vem, o governo está contando com receitas extraordinárias. E no mercado, os que fazem projeções mais otimistas, digamos assim, estão apostando neste tipo de receita, que vem de concessões e privatizações.

Na lista das próximas privatizações ou concessões está a venda das hidrelétricas de Minas, São Paulo e Paraná que não tiveram seus contratos renovados. Mas essa licitação pode acontecer este ano ainda, entre novembro e dezembro.

Outra notícia com a qual se conta no Ministério da Fazenda é a dos leilões de petróleo. Este ano será o de campos maduros, cuja receita será menor, mas no ano que vem haverá o leilão das áreas “unitizadas”, como se diz no setor de petróleo. São campos que estão ao lado de áreas que já estão produzindo, portanto a certeza da produção é muito grande.

Nas despesas, há algumas melhoras pequenas como a conta de subsídios que cairá de R$ 30 bilhões para R$ 27 bilhões. A economia será de R$ 3 bi, mas de qualquer maneira continua sendo alto o custo dos subsídios. Há outros itens que subirão fortemente por causa das “políticas equivocadas”, adotadas anteriormente, segundo avaliação da atual equipe econômica. O abono salarial, por exemplo, vai ter uma forte elevação. Sempre foi pago de julho a outubro, e no ano passado foi jogado para frente: e se passou a pagar de julho a março. Com isso, a conta de seguro-desemprego e abono caiu R$ 9 bilhões no ano passado, mas aumentará em R$ 12,4 bilhões este ano. Foi de R$ 47 bilhões em 2015 para R$ 59,9 bilhões.

O governo está olhando outros itens das despesas para ver se consegue cortar. No caso do auxílio-doença, a intenção é fazer uma redução através da solução dos casos pendentes. Metade do que se gastou no ano passado com auxílio-doença foi com benefícios que estão sendo pagos há mais de dois anos, ao todo R$ 13 bilhões. Uma grande parte não deixa de receber o benefício por falta de perícia, segundo se diz na Fazenda.

O Planalto está trabalhando com a data de cinco ou seis de julho para enviar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, porque o projeto terá que estar aprovado até 14 ou 15 de julho pelo recesso do Congresso. Está se contando, ao fazer o projeto orçamentário, com a aprovação de controle dos gastos, com aumento de arrecadação pela melhoria do quadro econômico e com as receitas extraordinárias com a privatização e concessões.

No caso de alguns dos negócios projetados, o ganho não será tão grande quanto parece. Na Caixa Seguradora, o governo só arrecadará o pagamento de imposto pago pela CEF sobre o valor de venda, mas como o ativo é do banco, a receita irá para os seus cofres.

O governo está agora mergulhado em contas para fechar a meta, mas terá que dar muitas explicações sobre o déficit de 2017 porque a sensação que passa diante de mais um ano no vermelho é de descontrole. O que se diz no governo é que o déficit do ano que vem será alto, mas menor do que o deste ano.


Entregando os anéis - RICARDO BALTHAZAR

Folha de SP - 05/07

Para quem acredita que o avanço da Operação Lava Jato transformará o capitalismo brasileiro, afastando do jogo empresas que cresceram à sombra do governo e de políticos corruptos, surgiram na última semana sinais de que algo se mexe no meio empresarial.

Primeira das grandes construtoras a colaborar com as investigações, a Camargo Corrêa anunciou na sexta-feira (1º) a venda de suas ações na CPFL Energia para a chinesa State Grid. No fim do ano passado, quando pôs à venda alguns negócios para reduzir dívidas e se concentrar em áreas mais rentáveis, a Camargo Corrêa nem sequer cogitava se desfazer de sua parte na companhia de energia.

No mesmo dia, a Odebrecht anunciou a venda de suas participações em duas empresas, a concessionária responsável por uma via expressa prestes a ser inaugurada no Rio, a Transolímpica, e a que opera a Linha Amarela do metrô de São Paulo.

Desde o início do ano, a Odebrecht negocia um acordo para colaborar com as investigações em troca de alívio nas penas impostas a seus executivos. Ela vendeu as duas empresas à CCR, que administra várias concessões e cujo controle é dividido pela Camargo Corrêa com duas outras empreiteiras na mira da Lava Jato.

Por enquanto, são os barões da construção civil entregando seus anéis. No fim da semana, as investigações alcançaram a família Batista, dona da gigante de carnes JBS e de outros negócios. Um ex-diretor da Caixa Econômica Federal acusa os controladores do grupo de pagar propina em troca de um investimento na indústria de celulose Eldorado.

Os Batista anunciaram recentemente a intenção de transferir o controle da JBS para uma nova empresa, com sede no exterior e ações na Bolsa de Nova York. É cedo para saber se o cerco policial forçará o grupo a rever seus planos, mas esse é o tipo de coisa que costuma dar dor de cabeça nos Estados Unidos, onde a Odebrecht já é alvo de uma investigação do Departamento de Justiça.

Hartung quer idade mínima para servidor - RAYMUNDO COSTA

VALOR ECONÔMICO - 05/07

Folha de pessoal é o maior problema fiscal dos Estados

Nem todos os governadores foram favoráveis à reabertura da negociação da dívida dos Estados, uma agenda do fim dos anos 1990. Este é o caso, por exemplo, de Paulo Hartung, que governa o Espírito Santo pela terceira vez. Na realidade, Hartung era um dos mais ferrenhos adversários da nova negociação, mas, diante do fato consumado, acha que o presidente interino, Michel Temer, deve aproveitar o momento para assegurar o compromisso dos governadores com as reformas e tocar em temas politicamente mais delicados como a previdência dos servidores. A dívida, na opinião de Hartung, não é o maior problema por trás da crise dos Estados. É a folha de pagamentos dos servidores ativos e inativos do serviço público.

Se a reforma não for a fundo nessa questão, inclusive estabelecendo para os servidores a mesma idade mínima que se propõe para o regime geral, a renegociação das dívidas e o teto para os gastos públicos deve resolver por algum tempo a crise dos Estados, mas a longo prazo ela voltará a bater à porta. Não basta uma meia sola. A previdência pública está por trás da falência do Rio Grande do Sul. Se alguma não for feito com urgência, cenas de aposentados sem poder pagar as contas, com pagamento atrasado, como se vê no Rio de Janeiro, devem se tornar a regra, não a exceção.

Politicamente, os governadores em geral têm dificuldades para atacar o problema dos inativos, pois enfrentam a dura oposição de categorias organizadas e influentes eleitoralmente. É nesse aspecto que o governo federal pode ajudar os Estados, não em um abraço de afogados, mas num acordo mútuo de sobrevivência. A crise é uma oportunidade única. O presidente interino poderia ter envolvido mais os governadores com uma reforma de fundo quando aceitou a moratória até o fim do ano. Poderia ter feito como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003.

Naquele que foi considerado o ato de maior simbolismo político de seu governo, até então, Lula atravessou a rua que separa o Palácio do Planalto do Congresso Nacional para entregar pessoalmente as propostas de reforma da Previdência Social e tributária. Ele estava havia quatro meses no cargo e ainda não tinha dissipado de todo as desconfianças do mercado em relação ao governo do PT. Falou durante 13 minutos no plenário da Câmara. "A sorte está lançada", disse Lula.

Não precisava de muito mais que isso: os projetos chegaram ao Legislativo depois de Lula negociar com cada um dos 27 governadores. Individualmente. O ex-presidente chegou ao Congresso acompanhado de 22 dos 34 ministros, de todos os chefes de executivo estadual, de 10 prefeitos de capitais e de 38 dos 83 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Era tanta gente que a comitiva foi de ônibus. Claro, havia manifestantes à espreita, protestando contra a reforma da Previdência, como acontecia também nos tempos do governo do PSDB.

Ao contrário de Lula, no entanto, Temer não acaba de sair de uma eleição, com a legitimidade conferida em milhões de votos. O governo do presidente interino entrou mais fraco na negociação por dois motivos, pelo menos. O primeiro foram as liminares concedidas a 14 Estados peloSupremo Tribunal Federal (STF) suspendendo o pagamento de parcelas da dívida. Estava no fim, também, o prazo de 60 dias que o STF deu para que os Estados e a União chegassem a um acordo. O presidente estava pressionado pelo tempo.

O segundo certamente foi o fato de Temer ser interino, chefiar um governo provisório. Há muitas decisões em suspenso à espera de uma definição do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O presidente do Senado, Renan Calheiros, prestou um desserviço ao país ao esticar desnecessariamente os trabalhos da comissão de impeachment. Collor não teve dez por cento do prazo concedido a Dilma para se defender, e no entanto, não há como dizer que o ex-presidente teve a defesa cerceada.

"O governo é tanto melhor quanto mais tem consciência de suas limitações", diz Hartung. Para o capixaba, "o lado positivo dessa renegociação é o que ela constrói para o futuro", pois o acordo está assentado em contrapartidas que permitem atacar o que de fato é o maior problema fiscal dos Estados - a folha de pessoal.

Na avaliação de Paulo Hartung, a reforma previdenciária é uma agenda que "não pode ser negligenciada". Juntamente com as propostas de reforma no regime geral da Previdência com a adoção de uma idade mínima "compatível com a expectativa de vida dos brasileiros", o governador do Espírito Santo defende que haja uma "convergência de regras para reforma dos regimes próprios do serviço público". Neste último caso, defende que deve se assegurar a revisão e o reequilíbrio dos regimes especiais de aposentadoria.

Ponto importante na confecção de uma agenda para recolocar os Estados no caminho de volta ao equilíbrio fiscal, segundo Hartung, seria a criação de um instrumento especial para aqueles que desejam reduzir dívidas, mas sem empurrar a conta para outras instâncias. "Em vez de buscar artifícios para reduzir estoque das dívidas, os governos precisam aderir ao programa de desestatização do governo federal, tendo como atores o BNDES e a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias e Investimentos". Para o governador Hartung a "desmobilização de ativos e a busca por parcerias com o setor privado precisa estar associada à necessária redução estrutural do endividamento no Brasil".

"Se a raiz da atual crise é o problema fiscal que mergulhou o país na maior depressão da sua história", argumenta o governador capixaba, "somente o equacionamento das contas brasileiras no longo prazo é que trará de volta a confiança, mais investimentos, emprego, renda e receitas públicas". Segundo Hartung "não adianta forçar a marcha por mais alívios de curto prazo, numa tentativa de pressionar um governo de transição". Isso sim, diz ele, "será o verdadeiro abraço dos afogados".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

O crime compensa? - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 05/07

Estarrecida, a opinião pública brasileira é surpreendida, todo santo dia, com uma nova operação da Polícia Federal e detalhes nauseantes de corrupção. Num dia, assalto ao crédito consignado de servidores endividados. No outro, desvio de verbas da Lei Rouanet para casamentos luxuosos. Num terceiro, mensalinho para a madrinha da bateria de uma escola de samba e R$ 18 milhões para empresa desistir (!) de contrato. E os valores?! Ladrão de colarinho branco não é nada modesto, tudo é na casa dos R$ 70 milhões, R$ 100 milhões, R$ 370 milhões...

Por trás desses desvios “pitorescos” de dinheiro público e desses milhões surrupiados da saúde, da educação, da habitação..., há sempre um esquema envolvendo agentes públicos, empresas privadas, doleiros e, invariavelmente, políticos. Um “abismo” de corrupção, como ilustra o nome da nova operação, com foco no Centro de Pesquisa da Petrobrás.

Há um lado péssimo nisso tudo, a revelação de quão corrupto o Brasil se tornou, até bater nesse “abismo”. E há um lado ótimo: nunca antes neste país as investigações foram tão longe, atingiram tantos culpados e remexeram tanto as entranhas de um poder doentio, fétido. Mas há ainda incertezas quanto às consequências. Quando um Carlinhos Cachoeira ressurge, todo sorridente, sendo mais uma vez preso, para ser solto no dia seguinte, a sensação é de indignação. Santa falta de tornozeleiras!

Em 2002, Cachoeira filmou um pedido de propina de Waldomiro Diniz, braço direito de José Dirceu no início da era Lula. Em 2012, Cachoeira caiu na Operação Monte Carlo, sobre um esquema de máquinas caça-níquel, e ficou nove meses preso. Em 2013, foi flagrado dirigindo embriagado e se safou ao pagar fiança. Em 2016, caiu de novo, agora na Operação Saqueador, sobre lavagem de R$ 370 milhões.

Foi aí que a opinião pública descobriu que, apesar de condenado a 39 anos por peculato, corrupção ativa, violação de sigilo e formação de quadrilha, Cachoeira vai muito bem, obrigada, com mulher bonita e filha bebê – enquanto os não delatores, como José Dirceu, amargam a dura vida na cadeia. O que ainda falta para que esse contraventor pare de rir e pague pelos crimes que cometeu, comete e continuará cometendo?

A isso se some a boa vida dos ladrões de colarinho branco que entregam os comparsas. A delação premiada é um instrumento efetivo, reconhecido e essencial nas investigações, mas, com o número de delatores chegando perto de cem, o prêmio começa a parecer excessivo. Muito roubo para pouca pena. Como mostrou a revista IstoÉ desta semana, Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobrás (atenção: nem diretor era!), fez delação, comprometeu-se a devolver US$ 100 milhões (quase R$ 400 milhões) e, assim, livrou-se da cadeia e está recolhido ao aconchego do lar, uma bela mansão com piscina, na praia de Joatinga, com uma das vistas mais lindas do Rio.

E vai por aí afora. Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Fernando Baiano e, não tarda muito, também Sérgio Machado, roubaram, roubaram e roubaram dinheiro público, mas, como delataram os outros, são punidos com tornozeleiras e trocam celas inóspitas, macacões coloridos, banhos frios e rancho indigesto – destinados, por exemplo, a Roberto Jefferson – e vão lamentar a sorte em mansões de milhares de metros quadrados, quadras desportivas, piscinas espetaculares, vistas estonteantes. Vale a pena delatar! Vale a pena roubar?

Só falta agora o deputado afastado Eduardo Cunha delatar todo mundo, devolver um bocado de verdinhas das suas trustes na Suíça e aderir a uma tornozeleira eletrônica para curtir férias douradas num apartamento milionário, abastecido com os melhores uísques e os vinhos mais caros, com a mulher desfilando suas bolsas Prada do quarto para a sala e da sala para a cozinha. Pronto, Justiça feita!


O golpe, o golpe, o golpe - ARNALDO JABOR

O Globo - 05/07

Dilma e o PT continuam a bradar que está em curso um golpe contra eles. Vão berrar isso na Olimpíada, vão continuar até 2018, quando esperam eleger o Lula. Mas creio que esse demagogo narcisista encontrará seu destino antes disso.

É espantoso ver o ardor com que a “barbie” de esquerda Gleisi Hoffmann e o Lindbergh Farias, bem conhecido em Nova Iguaçu, defendem Dilma. Por que será? Para mostrar força, já que ambos são investigados na Lava-Jato? E o José Eduardo Cardozo? Ele parece estar lutando pela própria vida. Sua fidelidade canina é emocionante. Que será que ele quer? Algum sonho de poder ou é só amor?

Todos se aferram à tecnicalidade das chamadas “pedaladas fiscais”, questionando-as, periciando-as, como se esse detalhe fosse a única razão para o impedimento.

Sem dúvida, foram o irrefutável crime contábil de seu governo. Mas, não só as malandragens da administração são crimes; também foram espantosos os desastres econômicos e políticos que essas práticas provocaram. Foi golpe sim quando deram as pedaladas, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, para fingir que as contas estavam sob controle. Mais do que aumentar o endividamento, o governo recorreu a manobras para fechar as contas públicas. A chamada contabilidade criativa incluiu, por exemplo, repasses do Tesouro ao BNDES, que não aparecem como aumento de dívida.

O verdadeiro golpista foi o PT, esse partido que nos desmanchou. O golpe começou desde o governo Lula, que abriu para o PT e aliados as portas para o presidencialismo de corrupção.

Suas ações foram tão incoerentes, tão irracionais, que explicações políticas ou econômicas não bastam. Para entender a cabeça desses elementos, temos de recorrer à psiquiatria. O diagnóstico é um sarapatel feito de estupidez ideológica, falso amor ao povo, bolivarianismo, oportunismo e a deliciosa descoberta da facilidade de roubar num país tão permissivo com os ladrões.

Foram muitos os golpes que Dilma e sua turma cometeram.

Foi golpe quando mentiram espetacularmente na campanha eleitoral dizendo que o país estava bem, quando desde 2014 já rondava a falência. A presidente assumiu o segundo mandato já sabendo que dificilmente poderia cumprir as promessas de campanha.

Foi golpe quando, em decorrência da transgressão da Lei de Responsabilidade Fiscal, os gastos públicos disfarçados provocaram o desemprego de mais de 12 milhões de trabalhadores, com a inflação subindo para mais de 10% O endividamento do setor público disparou no governo Dilma. Em 2014, o setor público gastou R$ 32,5 bilhões a mais do que arrecadou com tributos — o equivalente a 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB), o primeiro déficit desde 2002. A dívida pública líquida subiu pela primeira vez desde 2009, de 33,6% do PIB em 2013, para 70% agora. Sua herança maldita faz a dívida pública crescer quase dois bilhões por dia.

Foi um golpe quando permitiram que nosso rombo fiscal chegasse a R$ 170 bilhões.

Foi um golpe sim quando Dilma comprou a refinaria de Pasadena por 1 bilhão e meio de dólares, 300 vezes o preço original de 43 milhões. É assustador ouvir de Dilma que ela não sabia de nada (nunca sabem nada) e que o caolhinho Cerveró a teria enrolado.

Isso já poderia ser motivo para impedimento: ou ela fez vista grossa para as roubalheiras da Petrobras (“oh... malfeitos toleráveis para a ‘revolução’ petista...”) ou por incompetência e negligência criminosa mesmo, ao não examinar direito, como “presidenta” do Conselho de Administração, a caríssima compra de uma refinaria lata velha. Só isso, já era motivo.

Aliás, o Cerveró reagiu às explicações de Dilma: “Ela sabia de tudo... ela mentiu e me sacaneou”. A chanchada está cada vez mais vulgar.

Foi imenso o crime da destruição de nosso maior orgulho, a Petrobras, que virou um ferro velho endividado, vendendo ativos. Foi golpe.

E vêm aí mais coisas horrendas na Eletrobrás do Lobão, nos fundos de pensão, nas empresas públicas. São golpes de morte.

Foi um golpe o aparelhamento do Estado pelos petistas. Foi golpe nomear mais de 50 mil elementos para lotear o governo.

Os gargalos na infraestrutura brasileira foram ignorados, e encareceram os custos da indústria. Foi golpe o atraso em obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e também a demora nas licitações de ferrovias, rodovias e portos. Foi golpe também financiar portos e pontes na Venezuela e em Cuba.

Mantega foi um “golpe”, denunciado por todos os economistas sérios do mundo. Dilma abandonou de vez o chamado “tripé macroeconômico” de FHC em favor de uma “nova matriz” que quebrou tudo. Não demitiram Mantega porque seria admitir um fracasso, inadmissível para uma velha comuna.

Foi golpe o termo de posse que Dilma enviou para Lula em segredo, para livrá-lo da Justiça comum.

Golpes pouco lembrados são os gigantescos gastos para fazer propaganda. Uma prática vexaminosa sempre foi o dinheiro que se gastou em propaganda dos órgãos públicos para enganar a população sobre fracassos inconfessáveis.

Só em 2014, Dilma gastou mais de 2 bilhões e meio em propaganda. Em 2015, dois bilhões e trezentos. Total: seis bilhões de reais para engambelar a opinião pública em dois anos. E mais: desde o início do governo do PT foram gastos mais de 16 bilhões de reais em publicidade. Não é um golpe?

E o pior golpe é o inconcebível desrespeito às instituições do país. Dilma acusa o Supremo Tribunal, a Procuradoria Geral, o Congresso, milhões de pessoas nas ruas, de tramarem o golpe contra ela.

E mais ainda:

É um golpe feio a arrogante “presidenta” pedir sanções contra o Brasil a países vagabundos da Unasul bolivariana... A presidenta do Brasil fala mal do Brasil no mundo todo. Pode?

Isso poderia até ser o caso de infração à lei de Segurança Nacional. Lei 7.170/83.


Economia esboroada - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 05/07

A economia brasileira esboroou-se, literalmente, nos últimos anos. Além de ficar emperrada e finalmente afundar na maior recessão em muitas décadas, degradou-se fisicamente e perdeu capacidade de operação. O investimento em máquinas, equipamentos e construções tem sido insuficiente para cobrir a depreciação do capital físico. O primeiro alerta com a indicação de números partiu há poucos meses do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Todos sabiam da redução do investimento, medido pela formação bruta de capital fixo. Os dados já eram assustadores, mas um estudo publicado pelo instituto chamou a atenção para um fato mais grave. O investimento líquido – obtido quando se leva em conta a depreciação de equipamentos, estradas e outras instalações – havia despencado 40% no ano passado. Que a deterioração havia continuado em 2016 todos sabiam. A novidade, agora, é o cálculo, divulgado pelo Tesouro Nacional, de um balanço de operações do governo geral – da União, dos Estados e dos municípios – no primeiro trimestre. Os dados mostram a continuação do desastre no setor público, mas o desempenho do setor privado, nesse quesito, foi com certeza também muito ruim.

De janeiro a março deste ano, o investimento líquido do governo geral ficou negativo em R$ 4,25 bilhões, de acordo com as Estatísticas Fiscais Trimestrais publicadas pela primeira vez pelo Tesouro. Os três níveis de governo aplicaram o total de R$ 19,16 bilhões em ativos fixos, mas a depreciação chegou a R$ 23,41 bilhões. No primeiro trimestre do ano passado, o investimento líquido negativo havia ficado em R$ 1,29 bilhão. Em valores correntes, o desinvestimento aumentou 229,1% em um ano.

O pior desempenho foi o do governo central, com investimento líquido negativo de R$ 3,03 bilhões nos três primeiros meses deste ano. O valor ficou em R$ 2,28 bilhões no caso dos Estados. A contração foi atenuada pela cifra positiva dos municípios, de R$ 1,06 bilhão.

Mesmo antes da recessão o investimento em capital fixo, no Brasil, ficava muito abaixo do necessário para um crescimento econômico de pelo menos 4% ou 5% ao ano em bases sustentáveis. O valor investido pelos setores público e privado raramente bateu em 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 15 anos, mesmo quando as condições da economia, interna e externamente, foram favoráveis. Enquanto isso, muitos outros emergentes mantiveram taxas de investimento iguais ou mesmo superiores a 25% do PIB.

Mas o problema brasileiro é mais grave que aquele mostrado pela insuficiência do investimento bruto e, nos últimos tempos, do investimento líquido. Embora muito ruins, esses números ainda mostram um cenário melhor que o real.

Muito dinheiro aplicado em projetos do setor público foi perdido, em vez de resultar em aumento da capacidade produtiva. Parte do desperdício decorre da superavaliação das obras ou do mero desvio de recursos. Algumas obras, como indicam investigações policiais, nem foram executadas, mas os valores certamente entraram nas estatísticas do investimento. Outra parcela foi desperdiçada porque muitas obras foram paralisadas e algumas, embora utilizáveis, nunca foram aproveitadas.

Cerca de 5 mil obras estão paradas em todo o País, segundo reportagem do Estado publicada no domingo. São investimentos originários de projetos de todos os níveis de governo: obras de saneamento, rodovias, ferrovias, construções habitacionais, entre outros. A reportagem mostra desperdícios em empreendimentos tão variados quanto o Museu da História de São Paulo, paralisado há mais de seis meses, e ferrovias com grandes atrasos na construção. Entregue em 2014, com três anos de atraso, o trecho de 855 quilômetros da Norte-Sul entre Palmas e Anápolis continua sem uso. Só de superfaturamento foram apontados R$ 600 milhões. Muito mais graves que a escassez de dinheiro têm sido a incompetência na elaboração e na gestão de projetos e, naturalmente, a farra com o dinheiro público.


Mercosul precisa sair do imobilismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/07

Presidente argentino acerta ao defender convergência entre bloco e a Aliança do Pacífico para realização de acordos comerciais com outros blocos e parceiros



Mauricio Macri aproveitou a reunião dos representantes da Aliança do Pacífico na semana passada, da qual participou como observador convidado, para exortar os países do Mercosul, em especial o Brasil, a saírem do “congelamento”. O presidente da Argentina disse que este é um passo fundamental para que o grupo que reúne Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela possa concluir seu processo de formação e integrar-se a outros blocos por meio de acordos de livre comércio.

Macri defendeu especificamente convergência com a Aliança do Pacífico, composta por Chile, México, Peru, Colômbia e Costa Rica, afirmando que os dois blocos devem compartilhar informações e integrar o comércio regional.

Ele tem razão. Esse tipo de iniciativa tornou-se ainda mais urgente após o plebiscito que aprovou a saída do Reino Unido da UE e diante da popularidade de Donald Trump na campanha presidencial americana. Os dois fenômenos representam a ascensão de ideias protecionistas e xenófobas e ameaçam décadas de integração e globalização.

A Aliança do Pacífico já eliminou tarifas cobradas sobre 92% dos bens negociados entre os países do bloco este ano. No encontro da semana passada, avançaram em acordos de liberalização na área de serviços. Além disso, a Aliança possui uma estrutura ágil e pouco burocrática.

Desde que assumiu a Presidência da Argentina em dezembro passado, Macri vem desmantelando as restrições comerciais e o controle cambial montados em 12 anos de governo do casal Kirchner. Na reunião da Aliança do Pacífico, o presidente argentino disse que é fundamental que o Brasil, como principal sócio do Mercosul, resolva de uma vez por todas o impasse institucional gerado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff para que o bloco saia do imobilismo.

Em pouco mais de um mês de gestão do presidente interino Michel Temer, o Brasil demonstrou que pretende reativar o comércio externo e a integração com parceiros estratégicos. Também deu mais liberdade ao setor privado, destravando medidas protecionistas e autorizando a participação estrangeira em setores como petrolífero, aviação e agroindústria. Trata-se de um sinal positivo, pois vai na direção inversa ao do discurso protecionista que orientou a política de comércio exterior do país nos últimos anos.

Uma convergência com os potenciais parceiros do Pacífico, como sugeriu Macri, seria benéfica para o Mercosul em várias frentes, inclusive pela maior flexibilidade que o bloco se veria estimulado a adotar, desfazendo-se do excesso de centralização e burocracia. Também permitiria que Mercosul e Aliança do Pacífico se integrassem, juntos, às negociações entre EUA e nações da Ásia para o chamado Tratado Transpacífico.