sábado, junho 25, 2016

O PT vai pagar pelo Custo Brasil? - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

A se confirmar o esquema que levou Paulo Bernardo à prisão, o PT se tornará indefensável como partido



A prisão de Paulo Bernardo, ministro do Planejamento de Lula e ministro das Comunicações de Dilma Rousseff, talvez seja, até agora, o maior golpe contra o Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, em 1980. Não é o “golpe” do atual dicionário petista. A operação da Polícia Federal chamada de Custo Brasil é um golpe mortal no coração de um partido criado, a princípio, para defender quem trabalha contra a exploração e a especulação do capital.

Caso se comprove que Paulo Bernardo, marido da senadora Gleisi Hoffmann (ambos do PT do Paraná), recebeu, por meio de um advogado, R$ 7 milhões, entre 2010 e 2015, desviados de empréstimos consignados para funcionários públicos, o PT se tornará indefensável como partido. Para sobreviver, precisará promover um expurgo geral, pedir desculpas à nação, refundar valores e renovar lideranças. Segundo os investigadores, o esquema de roubo envolve um total de R$ 100 milhões em contratos entre a Pasta de Planejamento de Lula e a empresa de tecnologia Consist.

Respeitando a presunção de inocência característica das democracias, muito ainda precisa ser respaldado por provas incontestáveis do “esquema de lavagem” que teria sido comandado por um dos ministros mais importantes de Lula e Dilma. Só assim Paulo Bernardo poderá ser considerado culpado por usar propina para pagar despesas pessoais suas e da mulher. Caso seja inocente, seria um caso gigantesco de danos morais, porque a reputação do casal foi seriamente atingida.

O PT considera ilegais a prisão preventiva de Paulo Bernardo e a apreensão de documentos e computadores do apartamento funcional de Gleisi, devido ao foro privilegiado da senadora. Sou contra o foro privilegiado para crimes comuns – eu, ministros do STF e a maioria da população. O que importa é se o ex-ministro cometeu um crime tão mesquinho quanto o de roubar milhões de servidores públicos. De centavo em centavo, o galo encheu o papo. É isso ou não é isso? O argumento único deveria ser: Paulo Bernardo não roubou e Gleisi não teve despesas pagas por propina. São inocentes.

Isso veremos, com o avanço da investigação sob o comando do procurador Andrey Mendonça, do Ministério Público Federal de São Paulo, e a ajuda de Fábio Ejchel, da Receita Federal. “É um exemplo de como a corrupção e a sonegação prejudicam o cidadão e aumentam o custo das operações”, disse Ejchel. Isso a gente já sabe. Quando o Rio de Janeiro decreta “calamidade pública”, alguém realmente acredita que foi por causa apenas do preço do barril do petróleo? Ou é o preço cobrado pela desonestidade de nossos sultões?

Se for verdade que, de cada R$ 1 cobrado mensalmente de cada servidor federal como taxa para manter o empréstimo consignado, só 30 centavos eram usados para o fim declarado e 70 centavos eram desviados como propina para a Consist... e que, dessa propina de R$ 100 milhões, um terço foi passado a Paulo Bernardo e outros no Ministério do Planejamento e dois terços para o PT... se tudo isso for comprovado, será a desmoralização do partido. A nota do PT diz que “o PT não tem nada a esconder”.

O esquema com a Consist, revelado pelo jornal O Globo em agosto, saiu em setembro das mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, e foi para a Justiça Federal de São Paulo. “É uma resposta àqueles que celebravam com champanhe o declínio do caso em Curitiba, para mostrar que não é só Curitiba que faz investigação”, afirmou o procurador Andrey Mendonça.

O esquema envolveria os ex-tesoureiros do PT Paulo Ferreira e João Vaccari Neto e o ministro da Previdência de Dilma Carlos Gabas. Gabas foi quem levou Dilma na garupa de sua moto Harley-Davidson para passear. Como era divertida nossa República.

Outro argumento de petistas é que a Operação Custo Brasil visa desviar o foco “deste governo (Temer) claramente envolvido em desvios”. Numa semana em que o Supremo Tribunal Federal confirmou Eduardo Cunha como réu, novamente por unanimidade de 11 votos a zero, é difícil crer que as investigações sejam seletivas ou políticas.

Com a ampliação das operações da Polícia Federal contra “o câncer da corrupção”, não há hoje na política quem ri por último, mas quem chora por último. Aconselha-se que ninguém celebre a prisão do outro. Nenhum partido está em condições de festejar. Está em jogo não “a propina de cada um”, mas o aparelhamento, ano a ano, de um Estado acusado de agir com má-fé contra a população, e com apoio de políticos de vários matizes ideológicos.

A cada nova temporada, o seriado da Lava Jato parece se reinventar com a entrada de coadjuvantes, até que todos os atores sejam eliminados. O cadáver de um empresário foragido, envolvido na Operação Turbulência, surgiu num motel em Pernambuco. Suicídio ou assassinato?


É a hora do ajuste nos Estados – e de privatizar - EDITORIAL REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA

A renegociação das dívidas estaduais não é um presente. É um teste de seriedade. Cada governador terá de responder pelo uso da oportunidade

Nos meses à frente, o eleitor terá um ótimo período para avaliar quais governadores entenderam o recado das manifestações de rua e a gravidade da crise econômica. A oportunidade de ouro entregue a cada governador, para demonstrar sua sintonia com os anseios da população, surgiu graças ao acordo de renegociação das dívidas estaduais com a União, fechado na segunda-feira, dia 20, após quatro meses de debates. Governador sério será aquele que aproveitar o momento para ajustar as contas públicas.

Pelo acordo, os Estados deixam de pagar R$ 50 bilhões à União até 2018. Ganharão fôlego para se reorganizar e receberão descontos nas parcelas mensais por dois anos. Não há perdão de dívida, apenas adiamento. Termina a disputa judicial entre as esferas de governo, e as dívidas serão alongadas por mais 20 anos.

Renegociar não era o ideal, porque pune quem se esforçou mais para honrar o acordo anterior. Era, contudo, indispensável. Os governos estaduais não adequaram suas contas como deveriam, após o acordo de 1997 com a União. O Rio de Janeiro se tornou financeiramente inviável. Rio Grande do Sul e Minas Gerais seguem o mesmo caminho. O novo acordo só terá sentido se exigir, desta vez, um ajuste real.

O novo acordo tem um ponto-chave: os Estados entrarão na Proposta de Emenda Constitucional que congela o gasto público no nível de 2016 (com correção pela inflação). Há muita incerteza política no caminho da proposta, que depende do Legislativo e demanda reformas nos sistemas de Previdência. Ganha força, ainda assim, a ideia fundamental: os governos têm de aprender a fazer melhor gastando menos.

Graças à renegociação, outra questão urgente voltou ao debate: as privatizações estaduais. Como a União, os Estados ganharão eficiência e fecharão brechas para corrupção se venderem estatais. A maioria dos governadores é reticente. Deveriam ouvir três vozes sensatas e importantes nessa discussão.

Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro, coordenou a negociação com os Estados e os exortou a adotar programas de privatização.Maria Silvia Bastos Marques, presidente do BNDES, reafirmou a nova missão da entidade, de ajudar a fazer essas vendas e desinchar o setor público. Ana Carla Abrão, secretária de Fazenda de Goiás, empenha-se em explicar aos cidadãos por que é boa ideia vender a empresa de energia de seu Estado, a Celg. Não há como saber se as três terão sucesso. É um alívio, de qualquer forma, ouvi-las divulgar a mensagem correta. Que os governadores as ouçam.


Esqueceram do Brasil - CRISTOVAM BUARQUE

O Globo - 25/06


Para beneficiar cada grupo, sacrificamos todos e o país


Nesta semana, ouvi um professor chileno dizer: “Tenho pena do Brasil”. Esta frase me incomodou mais do que as matérias sobre as tragédias brasileiras destes tempos sombrios. Ainda mais quando imaginei a pergunta que ele não fez: “Como vocês deixaram o Brasil chegar a esta situação?” Como senador, senti constrangimento por esta pergunta não feita, e pela resposta que daria: “Há décadas, os políticos não colocam o Brasil como o personagem central de suas decisões”.

O Brasil tem sido preocupação de sociólogos, literatos, jornalistas, economistas, mas não dos políticos. A Lava-Jato está mostrando que alguns usam a política para o enriquecimento pessoal; outros, para financiar campanhas e continuarem com seus mandatos; os melhores fazem política servindo a desejos imediatos de grupos específicos dos eleitores que os apoiam; as leis são feitas para beneficiar trabalhadores, empresários, aposentados, servidores públicos, consumidores, mas raramente ao Brasil como um todo, no longo prazo.

Há parlamentares dos professores, não da educação; dos aposentados, não da aposentadoria; dos universitários, não da ciência e tecnologia; da assistência social, não da emancipação do povo; do apoio à indústria, não ao desenvolvimento industrial; dos médicos, não da saúde. Ao longo da história, querendo atender cada grupo no imediato, sem considerar o Brasil no longo prazo, relegamos a opção por prioridades: o resultado tem sido o aumento nos gastos públicos acima da disponibilidade de recursos e, em consequência, o endividamento e a inflação. A ausência do Brasil nas decisões políticas provoca um esquecimento da perspectiva de nação ao longo das décadas e séculos no futuro. Para beneficiar cada grupo, sacrificamos todos e o país.

O debate sobre o impeachment é um exemplo de que “esqueceram o Brasil”. Com opção já tomada, defende-se a cassação ou a continuidade do mandato da presidente, sem aprofundar o debate sobre o que será melhor para o Brasil. A disputa se dá entre os que desejam a continuidade do governo do PT, depois de 13 anos, mesmo sabendo dos riscos de a volta da irresponsabilidade fiscal desestruturar ainda mais as finanças públicas e de o corporativismo vir a desarticular ainda mais o tecido social e o futuro do Brasil; os outros não querem a continuidade do governo de Dilma, sem refletir sobre as consequências da interrupção do mandato do segundo presidente entre os quatro eleitos.

Não há consideração sobre qual destas duas alternativas será capaz de consolidar nossa democracia, assegurar estabilidade fiscal e monetária, induzir o país na direção de uma economia produtiva, uma sociedade justa, um setor cientifico e tecnológico sólido, cidades eficientes, educação de qualidade igual para todos; não há consideração sobre qual será capaz de conduzir as reformas de que o Brasil necessita.

Esqueceram do Brasil, esta é a causa de o Brasil dar pena em quem observa sua tragédia atual.


Conjunção carnal das letrinhas - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 25/06

No dia 15, agendei-me para ir ao centro de Porto Alegre tratar de um assunto na Secretaria Municipal da Fazenda. O táxi não conseguiu chegar nem perto. A região central e seu entorno estavam bloqueados em indescritível engarrafamento. Segui a pé. Diante da secretaria, uma tenda e um carro de som tocavam pagode. Pequeno grupo de funcionários ocupava a via e uma grande faixa afirmava com admirável senso de humor: ´Essa crise não é nossa!. Meninos, eu vi!

A poucos metros, defronte à agência do Banco do Brasil, o distinto público era informado de que o governo Temer, quando propõe que os fundos de pensão (esses que as gestões petistas quebraram) tenham administração profissional e conselheiros independentes, não partidários, está pretendendo privatizar e age contra o interesse de seus participantes.

Na Assembleia Legislativa, um grupo de supostos estudantes retirava-se do prédio que invadira dois dias antes. No Centro Administrativo do Estado, professores mantinham-se no edifício que haviam invadido na segunda-feira anterior. Estado afora, mais de uma centena de escolas continuava tomada por pequenos grupos de professores e estudantes, como parte de uma ação orquestrada. Tudo coincidência? Fruto indigesto do acaso? Claro que não. Trata-se de uma conjunção carnal. O descontentamento com o impeachment uniu-se ao oportunismo ideológico dos demais partidos revolucionários.

Examinemos por partes esse roteiro, começando pela piada emplacada diante da prefeitura. ´Essa crise não é nossa!´. Em que país vizinho vivem aqueles manifestantes? A qual cidade estrangeira, próxima a Porto Alegre, servem tais funcionários? Onze milhões e meio de desempregados, inflação reduzindo o poder de compra de toda a população, empresas fechando as portas, economia encolhendo para além do mais negativo registro histórico, receita fiscal em queda, e eles se consideram cidadãos de uma bolha onde, por vontade do ´coletivo´, a crise não está autorizada a entrar. Disse-me um dos guardiões da porta do prédio a quem expus meus direitos de ser atendido e de livre movimentação na cidade: ´Se não fizermos isso, politicamente não se consegue nada´. Politicamente palavrinha mágica. ´Conheço bem as letrinhas dessa política´, respondi.

Diante do Banco do Brasil, as mesmas letrinhas armavam o velho truque de atribuir aos outros os próprios erros. O governo petista e as administrações sindicalistas e partidárias servis, entre outros abusos, usaram recursos dos fundos de pensão para os fracassados delírios do pré-sal e das empresas campeãs. Em alguns casos, essa conta vai para todos. Mas para as letrinhas em conjunção carnal, quem pretende meter a mão nos fundos é o novo governo. Então tá.

Malgrado as portas fechadas e aferrolhadas, não havia como esconder ao conhecimento público o caráter político e ideológico da invasão das escolas. Ainda que tratadas eufemisticamente pela mídia como ´ocupações´, o que ocorreu em todo o Estado foram invasões. Pequeno grupo de alunos e um número ainda muito menor de professores agiram a serviço da causa num indisfarçado treinamento de militância. Qual causa? A causa das letrinhas, ora essa: envenenar as mentes juvenis com a ideologia do atraso econômico e social, desconstituir os poderes, corromper os conceitos de democracia e liberdade, atacar a autoridade dos pais, romper com a ordem. ´A escola é nossa!´, proclamavam os invasores, mão canhota erguida, punho cerrado. É? Ganharam-na de quem? Quem acha que esses alunos e professores apenas brincam de ´cidadania´, saiba que não é brincadeira e que o objetivo disso, lá adiante, é revolução.

Se um partido político orienta e dá suporte para que professores motivem alunos a invadir escolas, infringindo a lei e frustrando o direito de acesso dos demais às atividades escolares, esse partido e seus agentes no episódio devem ser investigados e responsabilizados. É notória, neste caso, a atuação de estudantes profissionais e de docentes a serviço das letrinhas em conjunção. Pautas de reivindicação são meras plataformas para o que consideram sua tarefa política e partidária. Como cidadão, rejeito que o dinheiro dos impostos que pago sirva para remunerar tais ativistas e suas atividades.


De onde virão as boas notícias? - MARCOS SAWAYA JANK

Folha de São Paulo - 25/06

Finalmente começa a haver uma mudança de expectativa em relação à economia, que ao menos parou de se deteriorar. Mas, para haver uma real reversão, espera-se que o novo governo apresente diretrizes e reformas consistentes.

Como sempre, o mercado quer ver reformas de grande impacto na economia, como cortes drásticos nos gastos públicos, reformas nas áreas fiscal e previdenciária ou a tão sonhada reforma política, que é certamente a mãe de todas as reformas.

Mas grandes reformas são difíceis de implementar, ainda mais em uma conjuntura de quase falência do Estado, com um governo que terá apenas 2,5 anos pela frente, se o impeachment for confirmado.

Sem descartar a possibilidade de reformas mais sonoras e abrangentes, gostaria de sugerir que o governo se concentrasse em pequenas reformas laterais, que podem trazer resultados rápidos e consistentes. Na maioria dos casos, basicamente mudanças em modelos de gestão.

Na área do comércio exterior, o novo governo propôs o fortalecimento da Camex (Câmara de Comércio Exterior), agora sob a Presidência da República, para agilizar a coordenação de mais de uma dezena de departamentos em diferentes ministérios e agências que se ocupam do tema. Essa coordenação envolve, também, a retomada da agenda perdida das negociações bilaterais com os nossos principais parceiros.

Na promoção de exportações e investimentos, por exemplo, o ministro José Serra propôs uma gestão mais articulada entre o Itamaraty e a Apex, otimizando pessoas e recursos disponíveis. Mas o sucesso da iniciativa depende de formatos mais modernos e consistentes de parceria entre o setor público e as entidades e as empresas do setor privado. São elas que, afinal, fazem acontecer o comércio e os investimentos.

Comparado com outros países, a presença do Brasil no exterior é medíocre, seja em termos de representatividade pública ou privada. Grandes resultados podem ser obtidos com pequenos esforços coordenados de gestão e internacionalização.

Na área da agricultura, a ex-ministra Kátia Abreu introduziu um sistema eletrônico de informações que reduziu bastante o tempo de tramitação dos processos de habilitação de unidades industriais para exportar. Pequenas mudanças de pessoas e processos acarretam na obtenção de dezenas de milhões de dólares adicionais em exportações.

O novo ministro Blairo Maggi vai aprofundar o tema, dando prioridade ainda maior ao aumento das exportações do agro, incluindo parcerias estratégicas com países-chave como China e EUA. No caso da China, essas parceria deveria ir além das atuais demandas unilaterais de acesso a mercados, chegando à construção de cadeias integradas de valor que envolvam a atração de investimentos em infraestrutura, atendimento de demandas de qualidade e rastreabilidade de produtos nos mercados de destino, facilitação de comércio, inovação e adição de valor aos produtos exportados.

Na área da energia, já se vê mudança positiva de humor com o anúncio de novos mecanismos de precificação de derivados de petróleo e eletricidade que respeitarão a realidade dos mercados e a competitividade das empresas.

Intervenções esdruxulas pelo "Diário Oficial", congelamentos artificiais de preços e controles da taxa de retorno das empresas felizmente parecem ser, agora, páginas viradas da história.

O caminho é longo e árduo, mas a direção está correta. Não custa cultivar sonhos impossíveis sobre o mundo ideal todas as noites. Mas de dia a receita resume-se a três palavras: gestão, gestão e gestão.


Formação de quadrilha - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de São Paulo - 25/06

Hebe Mattos, Lilia Schwarcz, Laura de Mello e Souza e João José Reis, entre tantos outros, participam do movimento Historiadores pela Democracia, que foi ao Alvorada prestar solidariedade à presidente afastada. Eles anunciam um livro coletivo intitulado "O Golpe de 2016: a Força do Passado". Todos os cidadãos têm o direito de se manifestar sobre a cena nacional. A iniciativa, porém, viola os princípios que regem o ofício do historiador.

Não se tece a narrativa histórica em bando, sob uma baliza política coletiva. O historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos. Do diálogo entre narrativas historiográficas distintas nasce alguma luz. Mas não é luz que eles buscam.

Historiadores pela Democracia é um nome de vocação totalitária, cuja implicação lógica é excluir os demais historiadores do universo democrático. O projeto do movimento é desenrolar o fio da história a partir da conclusão. Eles decidiram (ou, de fato, o Partido decidiu) que o impeachment é "golpe" –e isso, antes mesmo da deliberação final do Senado. Querem inscrever nos livros de história a versão útil para o Partido. Não é história, mas propaganda política coberta pelo manto da autoridade historiográfica.

Democracia, abusa-se da palavra. A Associação Juízes pela Democracia (AJD) define-se como entidade consagrada à "defesa intransigente dos valores do Estado Democrático de Direito", mas escancara sua natureza político-partidária ao adotar ritualmente a expressão "presidenta da República", tornada compulsória por Dilma Rousseff. Nomear é desnudar-se: a AJD está dizendo que os demais juízes transigem na defesa do Estado Democrático de Direito –ou seja, que seriam inaptos para exercer a magistratura.

Efetivamente, a inaptidão está em outro lugar. Não se fazem sentenças em bando: a magistratura exige a independência do juiz, que aplica a lei segundo a interpretação de sua consciência. Como conciliar tal exigência com a lealdade política à AJD? A pergunta nada tem de retórica, pois remete ao problema da apropriada revisão judicial. Como garantir a proteção dos direitos de um acusado que, por acaso, depara-se na instância inferior e também na superior com juízes pertencentes à AJD?

Só um passo lateral separa o alinhamento ideológico do alinhamento corporativo.

A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) gerencia uma operação de assédio judicial contra cinco jornalistas da "Gazeta do Povo" que ousaram publicar reportagem sobre os salários e benefícios extraordinários dos juízes estaduais. A entidade estimulou os magistrados a ingressarem com dezenas de processos quase idênticos, nas mais diversas cidades, oferecendo um modelo de ações individuais por danos morais. Há dois meses, os cinco acusados deslocam-se diariamente por centenas de quilômetros para comparecer às audiências. Na prática, impedidos de trabalhar e cuidar de seus afazeres pessoais, já cumprem penas tácitas de privação de liberdade.

Corporação é corporação. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, negou um recurso do jornal para suspender as ações, recusando o argumento óbvio de que os juízes paranaenses carecem de isenção para julgar a causa corporativa dos juízes paranaenses. Para todos os efeitos, ela fingiu não entender que está em curso um sequestro do sistema de justiça com as finalidades de intimidar a imprensa e enquistar os privilégios de seus pares numa cápsula de aço.

Na Alemanha, em 1931, o Partido Nazista encorajou a publicação da obra "Cem Autores contra Einstein", uma coleção de críticas à teoria da relatividade oriundas da velha guarda acadêmica. A réplica de Einstein: "Por que cem autores? Se eu estava errado, um seria o suficiente!". Na história e no direito, como na ciência, a razão de um argumento não deriva do número de seus apoiadores.


O que ronda a Europa - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/06

Um terremoto tem sempre choques que vêm depois e que são, ao mesmo tempo, certos e imprevisíveis. Sabe-se que os novos tremores virão, mas não se sabe a intensidade. Assim estava ontem o Reino Unido depois da decisão de deixar a União Europeia, sem saber exatamente de onde viria o perigo. O primeiro recado de diversas autoridades do bloco foi que os britânicos saiam logo, porque este não é um divórcio amigável.

A estratégia que resta aos líderes europeus é endurecer com o Reino Unido. Se o país tiver ao mesmo tempo a vantagem da separação, e um custo baixo, isso será um incentivo para outras saídas. Será o começo do fim da Europa como nós a entendemos hoje. Além do mais um processo muito demorado alimentará a incerteza. Por isso, as lideranças da União Europeia querem que o processo seja rápido — “as soon as possible”, como vários disseram ontem — apesar de o artigo 50 do acordo que formalizou a união dar dois anos para a negociação da saída.

A indústria dos serviços financeiros será a primeira a sofrer porque a City de Londres, que sempre reinou absoluta na Europa, deverá ficar menor. Ontem o site do “Financial Times” (FT), ao invés do seu tradicional rosa, estava com tarja escura. Muitos bancos vão temer que a separação crie barreiras e taxas extras para as transações entre os países, e podem preferir, por exemplo, se instalar em Frankfurt, na Alemanha. O segmento é responsável por dois milhões de empregos no país e no ano passado pagou US$ 91 bilhões de impostos. Indústrias — como fez a Ford ontem — já começam a pensar em nova sede para a sua produção, por temer barreiras ao comércio com outros países do continente. A economia inglesa é basicamente de serviços, mas também esse setor pode encolher após a separação.

Evidentemente haverá perdas para todos, por isso ontem foi dia de destruição de riqueza nos mercados financeiros, com quedas fortes nas bolsas e oscilações no mercado de moedas, com a Libra perdendo valor. Haverá perdas econômicas e políticas. A Europa amanheceu menor, o Reino Unido, mais fraco, e a ideia da união, mais vulnerável. Na área política, basta ver de onde vieram as comemorações: dos políticos de direita da França, como Marine Le Pen, da Itália e da Holanda e do candidato republicano nos Estados Unidos, Donald Trump.

O primeiro-ministro David Cameron é o grande perdedor político. Foi dele a ideia de convocar o plebiscito no meio de uma tensa negociação com a Zona do Euro, depois tentou recuar e não foi possível. Fez campanha pelo “fica” e ganhou o “sai”. A atitude natural era renunciar, como ele fez. No discurso ele se creditou por várias vitórias, e citou a aprovação do casamento gay, a formação de um governo de coalizão e a recuperação da economia britânica. Mas, como disse uma análise do “FT”, sempre ficará como a pessoa que tirou o Reino Unido da Europa.

Uma economia fragilizada como a brasileira não tem nada a ganhar em ambiente de muita incerteza, em que o capital foge atrás de algum porto seguro, em que as empresas entram no modo “esperar para ver” antes de confirmar investimentos, em que se fortalecem barreiras.

A tendência dos ingleses de ainda se acharem o centro do mundo é motivo para uma velha piada. Dizem que quando o país está coberto pelos seus nevoeiros, o britânico típico costuma dizer: “o continente está isolado”. Os defensores do “Brexit” devem estar dizendo isso, mas, como nos “fogs”, quem se isola é a ilha. O continente, contudo, corre diversos riscos na economia e na política. O maior dos perigos é enfraquecer a mais brilhante ideia política nascida do pós-guerra que foi a da construção de uma federação de nações que abriram mão de parte de sua autonomia pelo projeto comum, que uniu inclusive os velhos inimigos de duas guerras. O Reino Unido escolheu se isolar, mas no meio do nevoeiro destas horas seguintes ao primeiro choque, o que se pode ver é que o velho espectro da desunião ronda a Europa.


Blocos e lógicas - IGOR GIELOW

Folha de São Paulo - 25/06

O estrondoso sismo político e econômico decorrente do referendo que vai tirar o Reino Unido da União Europeia ecoará por décadas. Efeitos deletérios à parte, ele apenas confirma a exaustão do bloco por suas contradições internas.

É uma pena. Como ideia, a UE é um avanço civilizatório, por buscar funcionalidade de democracias a ela associadas, evitando assim guerras, se só um argumento for necessário.

O "Brexit" é fulgurante sinal do renascimento dos nacionalismos, que segue um padrão pendular histórico, apesar da náusea gerada por suas facetas racistas e xenófobas.

Símbolo sombrio da onda, a ascendente sigla Alternativa para a Alemanha evidencia nó fulcral do projeto europeu: como lidar com a identidade germânica. O fenômeno não é restrito e possui graus diversos de sofisticação, vide Donald Trump.

Mas tachá-los só de fascistas é ignorância histórica e preguiça mental. Nacionalismo está na origem da democracia liberal, assim como sistemas de freios e contrapesos. Fascismo rejeita controle, e perverte o nacionalismo encarnando-o num líder.

E o Brasil com isso? É má notícia, já que tudo o que não precisamos é de mais turbulência externa. A UE é nossa maior parceira comercial, apesar do protecionismo do grupo —a França mina o acordo com o Mercosul, esse arremedo de cópia dos europeus.

Se os britânicos empurram a UE e seu próprio reino à dissolução, por aqui perdemos tempo com um cartório de entraves burocráticos que poderia buscar inspiração no bloco andino, mais pragmático. Para piorar, nos anos PT o Mercosul tornou-se foro de proselitismo que não sabe lidar com o real, simbolizado hoje em saques na Venezuela.

A atual derrocada de regimes esquerdistas na região é senha para reformulação do Mercosul, já sinalizada pela nova gestão do Itamaraty. O Brasil precisa abandonar sua insularidade mental e requalificar sua inserção num mundo em mudança.


O bem que faz a inidoneidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 25/06

De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), há provas suficientes para declarar inidôneas 16 empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, proibindo-as de participar de licitações e firmar contratos com o poder público. Sendo mais um reconhecimento da amplitude da corrupção praticada durante os governos petistas, o resultado da auditoria do tribunal serve também de alerta sobre as tentativas enviesadas de alterar a legislação anticorrupção, com o intuito de abrandar as penas de quem fraudou o poder público. É hora de aplicar a lei, não de alterá-la.

Vinculado ao Poder Legislativo e responsável por apurar prejuízos à União, o TCU avaliou material sobre corrupção na construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, compartilhado pela 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. A auditoria do tribunal concluiu que o conteúdo de apreensões, perícias e delações premiadas, entre outros elementos obtidos pela Lava Jato, comprova o conluio entre as empreiteiras para corromper dirigentes da Petrobrás, fraudar concorrências e elevar o preço das obras, que alcançaram a cifra de R$ 24 bilhões, após inúmeras revisões. Por exemplo, apenas três contratos da construtora Odebrecht relativos às obras da refinaria receberam 61 aditivos, o que elevou em R$ 960 milhões o valor final – de R$ 5,1 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões – pago pela Petrobrás à empreiteira.

“Todos os documentos, registros e citações, colhidos dos trabalhos dos diversos órgãos que atuam na Operação Lava Jato, indicados nesta representação, convergem para um único desfecho: um cartel fraudou, com o auxílio essencial de funcionários da Petrobrás, as licitações conduzidas pela empresa estatal para implantar a refinaria”, diz o relatório do TCU.

A lista das empresas, contra as quais a auditoria do TCU considera haver provas suficientes para declará-las inidôneas, inclui grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Mendes Júnior, Engevix, UTC e Galvão Engenharia. Após a defesa das empresas, o tribunal dará a palavra final sobre a declaração de inidoneidade.

Prevista na Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a declaração de inidoneidade é uma sanção administrativa para casos de fraude a concorrências públicas e pode ser aplicada diretamente pelo governo ou pelo TCU. A declaração de inidoneidade também serve como uma proteção ao bom uso dos recursos públicos, pois impede que o poder público contrate empresas com histórico de fraudes em licitações.

Tamanha é a preocupação em afastar essas empresas dos processos licitatórios que a legislação prevê pena de detenção de 6 meses a 2 anos, além de multa, ao servidor que “admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo”. E incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a administração pública.

Ao envolver as maiores empreiteiras do País, a auditoria do TCU reveste-se de especial importância. Com a aplicação das penalidades previstas em lei, o trabalho do tribunal pode representar uma ruptura com a impunidade, ajudando a interromper esse ciclo de corrupção largamente estendido no âmbito da administração federal petista. Há muito o País espera por esse momento.

Há também o risco de tentar abrandar as penas, com o falso argumento do impacto econômico que causaria a declaração de inidoneidade dessas empreiteiras. Foi o que tentou fazer, no fim do ano passado, a presidente afastada Dilma Rousseff quando alterou, com a Medida Provisória (MP) 703/2015, algumas regras relativas aos acordos de leniência. Felizmente a manobra para transformar esses acordos em caminhos para a impunidade não teve sucesso, já que a MP 703/2015 perdeu eficácia antes de ser votada no Congresso.

Os efeitos da declaração de inidoneidade não devem ser temidos pela sociedade. São eles muito positivos, a começar pelo reforço da ideia de que o respeito à lei é uma condição para contratar com o poder público.

Remédios amargos - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S. Paulo - 25/06

Diz o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), que só remédios amargos conseguirão dar um jeito nas crises econômica, política e ética enfrentadas pelo Brasil. São enfermidades, concluiu o ministro, e já estão sendo tratadas.

Teori não disse. Mas um desses remédios amargos vem sendo ministrado justamente pelo STF ao presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ministros da Corte admitem que nunca um político foi tratado ali como Cunha vem sendo tratado. E não é um ato gratuito não. É porque há entre aqueles magistrados uma eterna desconfiança a respeito de Cunha. Eles suspeitam até mesmo de que seus gabinetes de trabalho tenham sido grampeados a mando do presidente afastado da Câmara.

Alguns se lembram de que, durante os trabalhos da CPI da Petrobrás, no ano passado, a presidência da Câmara contratou os serviços da Kroll, empresa especializada em espionagem e contraespionagem. Quem sabe, desconfiam alguns ministros, em vez de procurar informações sobre a Petrobrás, a companhia não atravessou a rua e foi ao STF instalar uns grampos?

Réu em dois processos no Supremo, o que lhe vale permanente ameaça de prisão, Cunha teve o mandato de deputado suspenso – e, por consequência, o afastamento da presidência da Câmara –, em decisão inédita e unânime de todos os ministros.

Na época, repórteres indagaram a alguns deles se tomariam a mesma medida caso o presidente da Câmara fosse, por exemplo, Michel Temer, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) ou Aécio Neves (PSDB-MG), todos eles antecessores de Eduardo Cunha. A resposta foi um taxativo “não”.

Cunha continua solto, apesar dos pedidos de prisão contra ele feitos pelo procurador-geral da República. Mas seus passos estão sendo muito bem vigiados.

Tão bem vigiados, que o ministro Luís Roberto Barroso, ao negar habeas corpus impetrado por Cunha para ter livre trânsito na Câmara, respondeu que o deputado suspenso das funções só pode ir lá para se defender no Conselho de Ética. Não pode circular pela Câmara nem se aproximar dos colegas parlamentares para abordá-los sobre qualquer assunto. Caso contrário, concluiu Barroso, estaria sendo desrespeitada a decisão da Corte que levou à suspensão do mandato.

Não poderia haver decisão pior para Cunha. Ele depende da conversa ao pé de ouvido para tentar convencer seus colegas a não votar a favor do processo de cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar. De uma forma bem sutil, Barroso proibiu que Cunha faça aquilo que mais gosta, que é a conversa frente a frente, quando pode fazer uso de seus argumentos. Se a situação do deputado do PMDB já era difícil, visto que hoje há uma onda contrária a ele, agora se torna praticamente irreversível em relação à perda de mandato.

As doses amargas que o Supremo tem ministrado a Cunha não param por aí. Numa decisão tomada na quinta-feira, 23, à noite, o ministro Teori Zavascki manteve bloqueados todos os bens do deputado suspenso. Significa que a vida de gastança dele e de seus familiares, tão divulgada e tão comentada, ficou agora bem distante. A queda no padrão de vida continua ser um golpe muito duro em quem se acostumou com a bonança.

O remédio mais amargo imposto pelo STF a Eduardo Cunha, no entanto, foi a decisão da Corte de manter com o juiz Sérgio Moro – ou, na gíria do momento do Judiciário, “lá embaixo” – a ação contra a jornalista Cláudia Cruz, mulher do deputado, e o inquérito contra Danielle Dytz da Cunha Doctorovich, filha. A ação contra Cláudia trata de lavagem de dinheiro, por causa de contas secretas na Suíça. Moro, como se sabe, costuma decidir condenações rapidamente.

Cunha não está preso, como quis Janot. Mas o remédio amargo em forma de garrote que o STF vem lhe aplicando é praticamente igual à prisão.

Canal chapa-branca - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de São Paulo - 25/06

Era de prever e foi previsto neste espaço: a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) nasceu e cresceu como aparelho de propaganda a serviço do governo de turno.

Passou da hora de pôr termo a mais esse desperdício de dinheiro público.

Acreditou quem quis na fábula de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criava em 2007 uma BBC brasileira. A empresa teria por núcleo uma emissora de televisão pública —a TV Brasil— e independente do Executivo.

A EBC abarca também várias rádios e a Agência Brasil. Emprega hoje 2.564 pessoas. Seu gasto em 2015 remontou a R$ 547,6 milhões —cifra comparável ao faturamento de algumas emissoras comerciais.

Desde o princípio o Planalto controlou e aparelhou seus conselhos curador e de administração. A EBC tornou-se cabide de empregos para petistas e profissionais simpáticos ao partido, abrigados à sombra da esfinge da "comunicação pública".

Seus dirigentes fizeram da TV Brasil uma emissora partidária e assim querem mantê-la, doravante na oposição, ao longo do governo interino de Michel Temer (PMDB) e do próximo.

Alegam, cinicamente, que o mandato de quatro anos do presidente nomeado por Dilma Rousseff (PT) dias antes do impeachment seria a principal garantia de independência da empresa.

A EBC nunca será de fato autônoma, com o PT ou outro partido. No Brasil real, o governo —qualquer governo— sempre utilizará um estabelecimento desses como braço do Executivo, e não do Estado.

Está no DNA da classe política nacional cooptar as instituições para promover —aqui em sentido literal— seus objetivos eleitorais. Quando não para coisa pior, como se viu na transmissão ao vivo, pela TV Câmara, da patética entrevista do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Já se contam na casa dos bilhões os gastos anuais da União e de suas estatais com publicidade. Usam e abusam do pretexto de que lhes cabe informar a população de seus atos, realizar campanhas de interesse público e, no caso das empresas públicas, competir com concorrentes do setor privado.

Na prática, tudo acaba em propaganda pessoal ou partidária, disfarçada ou não.
Acrescer a esse descaminho reiterado o meio bilhão de reais da EBC é um desplante; no contexto atual de grave crise orçamentária e desastre nas contas públicas, beira o escárnio.

O presidente interino, noticia-se, cogita extinguir a TV Brasil e reduzir os gastos da EBC. Se não for capaz de impor normas que garantam a independência da empresa, faria melhor ao extinguir o aparelho inteiro.


Quando democracias erram - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S.Paulo - 25/06

O povo falou e falou errado. Até onde a vista alcança, o Brexit,a saída do Reino Unido da União Europeia, causará mais prejuízos econômicos e políticos para os britânicos e para a Europa do que trará soluções. Mas, como nas democracias a vontade popular é soberana, só resta agora aos dirigentes acertar os termos da ruptura, tentando reduzir os danos.

Por que democracias às vezes levam a decisões objetivamente erradas? O problema, como sempre, é a natureza humana. Quando lidamos com características indesejáveis que se distribuem aleatoriamente pela população, como o pendor para o radicalismo, as democracias até se saem bem. As posições mais extremas do espectro ideológico tendem a anular-se, resultando em regimes cuja marca é a moderação e a responsabilidade. Não há registro de guerra entre dois países democráticos.

Quando, porém, os erros não são aleatórios, mas sistemáticos, isto é, quando se calcam em vieses cognitivos, a coisa muda de figura. Dependendo das circunstâncias, a democracia pode agravá-los. Um bom exemplo, que influiu na decisão dos britânicos, é o viés antiestrangeiro.

Por razões evolutivas, tendemos a desconfiar de gente que não pertence a nosso grupo. Não é preciso mais do que uma alta no desemprego e um orador oportunista para magnificar e instrumentalizar o sentimento xenófobo. A imigração, que, na verdade, é a solução para o grave problema demográfico enfrentado pela Europa, passa a ser vista como uma ameaça não apenas a empregos como também aos valores da nação.

As democracias, no fundo, funcionam não porque promovam as melhores decisões, mas pela razão mais modesta de que disciplinam a disputa pelo poder, tornando-a menos violenta. Não é pouco. Apesar de o Brexit causar uma enorme crise na UE, nem os mais pessimistas cenários incluem guerras -que eram a regra no continente até meados do século 20.


Ganância sem limites - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/06

Duas operações policiais distintas, mas envolvendo figuras de proa de nosso mundo político, demonstram a que ponto chegou a corrupção no país, atingindo as camadas mais desassistidas e, também, a classe média baixa da população, justamente as que o governo petista dizia proteger com suas políticas sociais.

Já havia um caso anterior com a quebradeira da cooperativa Bancoop, dirigida pelo indigitado tesoureiro petista João Vaccari Neto. Os apartamentos da maioria dos cooperados não ficaram prontos, mas os de Lula e sua turma, sim.

Além do mais, Lula foi flagrado em um comentário preconceituoso sobre seus seguidores mais afetados pela crise. Disse que o famoso tríplex do Guarujá mais parecia um apartamento do programa Minha Casa Minha Vida. Não servia para ele.

Das operações policiais dos últimos dias, uma, apelidada de “Custo Brasil”, revelou que o sistema de crédito consignado, criado para reduzir os custos dos empréstimos aos servidores, não escapou da sanha dos que se acostumaram a viver à custa da dilapidação do dinheiro público.

Se há um setor em que o governo Lula podia se jactar de ter cumprindo as promessas de campanha é o da expansão do microcrédito.

Houve um “choque de crédito popular” no país, cujas consequências foram contraditórias: não apenas um crescimento do consumo interno, marca da expansão de 5,2% do PIB no ano passado, mas também a necessidade de altas taxas de juros para conter a inflação.

Segundo os especialistas, o crédito ao consumidor teve um aumento real de 14%, especialmente devido ao desconto em folha de pagamentos, que permitiu taxas mais baratas com a garantia do desconto direto.

Esse programa de crédito consignado, aliás, já se iniciara sob a suspeita de um beneficiamento específico ao BMG, que teve autorização para explorar essa nova forma de crédito popular antes dos demais bancos, decisão fruto de uma negociação no âmbito do mensalão.

Hoje se sabe que o sucesso do programa atraiu a ganância dos corruptos, que criaram uma instância desnecessária de intermediação nos contratos apenas para tirar alguns centavos a mais dos milhões de necessitados, que passaram a alimentar mais um esquema de corrupção montado a partir, desta vez, do Ministério do Planejamento, um dos mais importantes dentro do governo.

Outra operação tem a ver com os fundos de pensão dos Correios, o Postalis, e da Petrobras, o Petros. Ambos fundos tradicionais que garantiam a aposentadoria dos funcionários públicos de duas estatais que já foram de excelência.

Foram desviados em cada um dos casos cerca de R$ 100 milhões, distribuídos por espertalhões do mercado financeiro que encontraram em figurões do mundo político parceiros ideais para falcatruas.

São esquemas de corrupção que não poupam os servidores públicos, uma das bases de sustentação do esquema político petista que ficou no poder durante 13 anos.

A distorção dos projetos, como se vê, não se limitou ao campo político-partidário, mas extrapolou as fronteiras morais, não deixando intocado qualquer nicho dos programas sociais que pudesse render financiamento para o projeto de permanência no poder.

Não será surpresa se encontrarem falcatruas semelhantes no cadastro do Bolsa Família, programa social dos mais relevantes, mas que, desde seu início, sofreu injunções políticas para se transformar em instrumento eleitoral. Concebido para substituir o Fome Zero, o Bolsa Família transformou-se em uma máquina eleitoral de peso para o PT e passa por um pente-fino do governo interino.

Visão conspiratória e vitimização lulopetistas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/06
O PT, mais uma vez, deve se explicar diante da descoberta de outro caso de corrupção no primeiro nível da administração de seu governo

Desde março de 2014, quando foi lançada a Operação Lava-Jato, casos de roubalheira de lulopetistas e aliados se concentraram no grupo Petrobras e em alguma outra empresa pública. Golpes dados contra o Erário na administração direta, na manipulação de verbas de ministérios, em que os desvios no Denit (Transportes) são grande exemplo, haviam ficado para trás.

Mas, vê-se agora, na Operação Custo Brasil, na qual foi preso o ex-ministro Paulo Bernardo, que a corrupção no primeiro nível da administração federal continuou campeando. O esquema montado no Planejamento, com Paulo Bernardo, é prova disso. Por ele foram ordenhados, segundo o MP de São Paulo, R$ 100 milhões em cobranças indevidas de servidores federais clientes de crédito consignado. Parte foi para o PT, sobraram R$ 7 milhões para o ex-ministro, e assim por diante.

A sede do partido, em São Paulo, também foi visitada pela Operação. Logo, parlamentares petistas e outros representantes do PT , inclusive a executiva nacional da legenda, reagiram de forma típicamente petista: pela vitimização e a partir de uma visão conspiratória.

Nessas circunstâncias, o partido sempre se apresenta como vítima de tenebrosas maquinações dos adversários e inimigos. Desta vez, tudo acontece porque o Planalto de Michel Temer enfrenta desgastes devido ao envolvimento, de alguma forma, de gente do governo interino com a Lava-Jato. Por serem investigados ou acusados pela operação, como também por tramarem para conter o desbaratamento do petrolão, com leis aprovadas no Legislativo e lobbies em Cortes judiciais.

Acham petistas — ou dizem achar — que o governo interino, jogado às cordas por gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, por exemplo, manobrou para que o Ministério Público e a Polícia Federal desfechassem a Custo Brasil.

Acredite quem quiser que o MP, independente por determinação constitucional, e a PF, operacionalmente autônoma, aprontaram esta operação para prejudicar o PT e nesta hora. O partido se prejudica a si mesmo, sem ajuda. Ele precisa é, mais uma vez, se explicar. Há várias descobertas graves feitas pelas investigações: a Consist, empresa contratada, cobrou um sobrepreço na tarifa de serviço aos clientes do crédito e com isso arrecadou R$ 100 milhões, dos quais saíram propinas e dinheiro para o PT. Uma das ligações do caso com a senadora Gleisi Hoffmann (PT), mulher de Bernardo, é a participação no esquema do seu advogado em campanhas, Guilherme Gonçalves.

Um aspecto relevante em tudo isso é que a operação comprova que a “organização criminosa” do partido e aliados (PMDB, PP, PCdoB) não atuou apenas na Petrobras. Já haviam sido detectadas ramificações dela no setor elétrico (Eletronuclear, Belo Monte). Agora, na administração direta. E obedecendo ao mesmo padrão: financiamento eleitoral e bolsos pessoais.