domingo, maio 15, 2016

Dilma cai, Maduro perde - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 15/05

Em meros seis meses, a Venezuela bolivariana perdeu dois dos seus já poucos aliados na América do Sul, exatamente os dois países mais importantes no subcontinente (Argentina, primeiro, e Brasil, agora ).

No caso da Argentina, deu perda total: Cristina Kirchner era uma defensora incondicional do chavismo, até porque seu governo, como o de seu marido, recebia precioso financiamento de Hugo Chávez.

Mauricio Macri, o novo presidente, antes mesmo de assumir, já propunha impor à Venezuela a cláusula democrática do Mercosul, no pressuposto que se tratava de uma ditadura, incompatível, portanto, com as regras do grupo.

No caso do Brasil, a perda talvez seja ainda mais terrível, pela simples e boa razão de que o país pesa mais no cenário global e, portanto, ainda mais no panorama regional.

É verdade que o governo Dilma já vinha se afastando dos amigos bolivarianos. Mas, ainda assim, o fazia com aquela paquidérmica lentidão que é uma característica permanente da diplomacia brasileira.

A nota de sexta-feira (13) criticando os bolivarianos em geral já é um primeiro sinal. Mas foi apenas reação a um ataque. Falta agora a ação, a iniciativa.

Há uma segunda ressalva a fazer na expectativa de que José Serra à frente do Itamaraty representará perda total para a Venezuela: o novo ministro, por sua formação centrada na economia, tenderá a dar prioridade à negociação de acordos comerciais, território de que o Brasil ficou afastado nos últimos muitos anos.

A propósito, Brasil e União Europeia acabam de trocar as ofertas indispensáveis para eventualmente fechar um acordo de livre comércio, que é negociado desde 1995.

Logo, é razoável supor que Serra poderá, nessa seara, aterrissar já acelerando.

Mas seria um erro deixar de lado o dossiê venezuelano. Afinal, Serra já disse, como senador, que a Venezuela é uma "ditadura". Não é exatamente assim, mas não fica muito longe disso.

Logo, seria coerente que o novo ministro desse todo o apoio ao esforço da oposição para convocar o chamado "referendo revogatório" do mandato do presidente Nicolás Maduro.

Como Maduro é um fracasso administrativo muito mais portentoso do que Dilma Rousseff, caberia ao vizinho Brasil, além disso sócio no Mercosul, apoiar uma saída que permita salvar a Venezuela de uma crise aparentemente terminal.

Sugiro a Serra, como leitura inicial a respeito, o texto para "The Atlantic" dos analistas venezuelanos Francisco Toro e Moisés Naïm, que já foi colunista da Folha.

Dizem, para começar: "O que o país está enfrentando é monstruosamente único. É nada menos do que o colapso de uma nação grande, rica, aparentemente moderna, aparentemente democrática, a poucas horas de voo dos Estados Unidos" [e do Brasil, acrescento].

Não é exagero. A mazela venezuelana (recessão impressionante, inflação recorde mundial, criminalidade idem, escassez de quase tudo) é arquiconhecida.

O hiperativo Serra vai assistir inerme ao colapso?


O Brasil não conhece o Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 15/05

DESDE A VOTAÇÃO do impeachment na Câmara, elites ilustradas ou que assim se imaginam temos tido chiliques frequentes com as criaturas do Parlamento.

O tumulto da posse do ministério "homem, branco, conservador" de Michel Temer tampouco causou boa impressão, se não horror. Diz-se, de modo farisaico, que se redescobriu o Brasil profundo.

Depois de 22 anos, o Brasil "moderno" está fora do poder federal, embora o Brasil "profundo" tenha composto uns três quartos das coalizões que governaram com PT e PSDB. Uma diversão recente tem sido contar quantos integrantes do governo de direita de Temer foram sócios do tucanato e do petismo. Quase todos.

Essa oposição entre "moderno" e "profundo" ("atrasado", como dizia FHC) sempre foi em parte falsa, embora se tenha tornado mentira quase integral nos anos em que PSDB e PT apodreceram ou revelaram algo de sua natureza profunda.

Mas é difícil negar que tucanos e petistas poliram brutalidades brasileiras, econômicas e sociais. O partido da elite econômica mais ilustrada, o partido de sindicatos e movimentos sociais e a economia industrial que os produziu, digamos, foram as simulações, as fantasias ou os ensaios mais próximos que tivemos de "sociedade capitalista avançada".

O que será do futuro dessa ilusão? Quais seriam hoje as forças "modernas" que poderiam formar um ou dois partidos "mais autênticos"? Note-se quantas aspas. É sinal de que o articulista não sabe precisar o que diz. Talvez não seja só culpa dele.

Quem é o novo? Coletivos da periferia, movimentos horizontais de jovens, embriões de Podemos, o partido novo da esquerda espanhola, como devaneia a esquerda? O ainda desorganizado precariado, trabalhadores de direitos reduzidos, que ficará maior com a recessão?

A elite econômica se dispersou entre interesses diferentes, por vezes conflitantes. De qualquer modo, não se vê agregação de seus novos representantes ilustrados, quando há.

Outros frutos maduros da modernização que deu também em PT e PSDB, porém, assumem ainda mais relevância. Elites ditas ilustradas não sabem lidar com esse Brasil que não é eterno ("elite velha de 500 anos", diz a tolice) nem moderno ("progressista"), mas majoritário. Na política, PT e PSDB em geral faziam apenas um quarto da Câmara.

Boa parte dos ruralistas do Centro-Sul, Oeste em particular, não existia até os 1980, se tanto.

Os oligarcas regionais do PMDB já fundam dinastias, mas são muita vez recentes, figuras de classe média que ascenderam socialmente com as vitórias do MDB logo depois do fim da ditadura.

A explosão do poder evangélico começou nesses tempos também, nas periferias de Rio e São Paulo, um precariado com quem pouca gente conversava, afora pastores, depois televangelistas. A Igreja Universal, big bang do evangelismo pop e politicamente forte, foi fundada em 1977.

Há o risco, digamos sarcasticamente, de que uma grande reforma econômica liberal, "moderna", seja tocada pelo PMDB e pelas bancadas evangélica e ruralista, maiores partidos reais do Congresso, ao lado da bancada da bala. Isso que restou do PSDB será coadjuvante menor. Isso que restou do PT nem sabe o seu papel.

Esse Brasil complexo aparece mal na foto da política.


A hora da verdade - HENRIQUE MEIRELES

Folha de SP - 15/05

Na primeira coluna que publiquei aqui, em 9 de setembro de 2012, defendi que o debate sobre a economia deveria ultrapassar os muros do governo e dos círculos especializados, uma vez que as decisões econômicas impactam direta e intensamente a vida de todos. Nada mais natural e necessário, portanto, que todos entendam as medidas que são tomadas, seus custos, seus benefícios e suas consequências.

Naquela época, já era possível vislumbrar sinais da crise que vivemos hoje. Mas, apesar de alguns esforços, o debate econômico seguiu em boa parte intramuros, o que certamente contribuiu para a evolução negativa da situação.

Se o debate fosse mais abrangente e eficiente, talvez a população pudesse ter sido mais incisiva na defesa do equilíbrio fiscal e da inflação controlada, fundamentos que os brasileiros aprenderam a valorizar, mas não conseguiram defender, interditados, entre outras coisas, pelo debate hermético ou diversionista.

Por mais presente que seja o passado, mais importante é falar do futuro. A retomada do crescimento sustentável, que pode e deve unir o país neste momento, virá da adoção de medidas críveis e exequíveis para equilibrar as contas públicas, restaurar a confiança, garantir previsibilidade e destravar investimentos. E com eles voltarão emprego, renda, consumo e inclusão social, criando um ciclo virtuoso na economia.

As soluções não são fáceis, mas são possíveis e conhecidas. Os últimos anos trouxeram lições importantes. O fracasso de teses históricas caras a partes do pensamento econômico e político brasileiro deve servir para aperfeiçoar e estimular o entendimento sobre as causas do crescimento e da recessão.

Para promover as mudanças necessárias, será fundamental um debate honesto e construtivo e uma comunicação clara e contundente, para que todos entendam os custos e os benefícios das medidas econômicas.

Como escrevi na estreia em 2012, enquanto a distribuição dos recursos públicos é objeto de intenso debate político e ideológico, a distribuição dos custos das medidas econômicas não é transparente. Os governos são capazes de encontrar caminhos para financiar o aumento de despesas sem que os cidadãos que pagam por elas notem, avaliem e aprovem.

Quase cinco anos depois daquela primeira coluna, me despeço deste nobre espaço para assumir o Ministério da Fazenda com a certeza de que as discussões econômicas precisam ser mais abrangentes, claras e sinceras. Assim, serão ferramentas fundamentais para retomarmos o caminho do desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo.

Muito obrigado à Folha e aos leitores pela atenção.

HENRIQUE MEIRELLES deixa de escrever nesta coluna porque assumiu o cargo de ministro da Fazenda.


Ganhar confiança - SUELY CALDAS

O Estado de São Paulo - 15/05

O presidente interino Michel Temer escolheu a palavra confiança para iniciar seu discurso de posse. Confiança dos brasileiros, dos investidores, das empresas, das instituições, do mundo. Confiança no governo e no futuro da economia, em recuperar o que foi perdido neste segundo mandato de Dilma Rousseff e fez o País andar para trás, o PIB recuar 8% em dois anos e o desemprego disparar para mais de 11 milhões de pessoas. Se ele vai conseguir conquistar essa confiança o tempo dirá, mas a equipe do ministro da Fazenda e Previdência, Henrique Meirelles, precisa trabalhar rápido e com intensidade, não perder tempo nem errar. Os próximos seis meses serão a prova de fogo e o passaporte para Temer deixar de ser chamado de interino e dilatar seu mandato até 31 de dezembro de 2018.

Como todo governante que chega, Temer enfrenta um dilema relacionado com a recuperação da confiança: toma decisões impopulares já, aproveitando capital político e a torcida da população por mudanças, ou as adia para não assustar a classe política e trabalha para ganhar condições de aprovação no Congresso? Citadas por Temer em seu discurso como “matérias controvertidas”, as reformas trabalhista e previdenciária há décadas são necessárias e urgentes, mas há décadas são abando- nadas, perdem-se no tempo e no mandato de governantes egocêntricos que abominam a ideia de perderem popularidade, que por oportunismo não explicam à opinião pública as razões da reforma e eternizam um problema que sangra a receita com impostos pagos pelo contribuinte. Como lembrou o ministro Meirelles na sexta-feira: no fim, quem paga a conta é a população.

Pois bem, governo estreando e o tema já encontra divergências entre os ministros de Temer. A área econômica, Meirelles à frente, quer enviar logo ao Congresso projeto de reforma da Previdência, argumentando que estancar o explosivo rombo do INSS é fundamental para provar ao mercado financeiro e investidores que podem confiar no compromisso do governo de ajustar as contas públicas e reverter a trajetória de crescimento da dívida pública em relação ao PIB. A ala política (são tantos os ministros!) propõe adiar o envio ao Congresso com a desculpa de que os parlamentares precisam ser preparados para aprová-la.

A mesma desculpa tem atravessado seguidos governos: desde Sarney, passando por Collor, Itamar, FHC (limitou a reforma ao fator previdenciário), Lula e Dilma. A reforma é abandonada ou dela o governo fala quando o déficit das contas públicas se descontrola para, em seguida, esquecê-la. Enquanto isso, o rombo previdenciário cresce sem parar e nos últimos anos de Dilma explodiu, passando de R$ 51 bilhões (2013) para R$ 86 bilhões (2015). E a projeção do governo é somar R$ 134 bilhões em 2016 e R$ 168 bilhões em 2017, podendo passar disso.

É certo que o País torce para o governo Temer dar certo e tirar a economia do atoleiro. Mas é certo também que o tempo é curto e a composição de sua equipe – em que figuram ministros protagonistas da viciada prática política do Congresso, três deles investigados na Operação Lava Jato – fragiliza avaliações e deixa dúvidas se sua gestão será mesmo diferente do desmoralizante toma lá dá cá de Lula e Dilma, além de encurtar ainda mais o prazo para ele provar disposição para fazer a coisa certa. Portanto, as mudanças na Previdência exigem firmeza, persistência e envolvimento de todo o governo.

Na sexta-feira o ministro Eliseu Padilha relacionou a generosa votação que o impeachment recebeu na Câmara e no Senado à necessidade de 2/3 de votos para o Legislativo aprovar as reformas. É hora, pois, de fazer valer essa base parlamentar e induzir a uma tramitação rápida da reforma previdenciária. Se o governo conseguir aprová-la nos seis meses de interinidade, dará um bom salto na conquista da confiança de quem tem capital para investir no crescimento econômico. Além, é claro, de resolver um problema estrutural que se arrasta por quase meio século, com ganhos e vantagens sobre a redução do déficit orçamentário e da dívida pública.


O acerto e os atrasos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/05

O governo Michel Temer começou com alguns acertos e inaceitáveis atrasos. Na economia, o que os ministros e o presidente interino falaram faz todo o sentido. O país está, de fato, diante de uma emergência fiscal e é preciso buscar o equilíbrio perdido. Outros sinais dados pelo novo governo mostram que ele não entendeu a lógica do mundo atual. Não percebeu sequer o simbólico.

Não ter mulher no Ministério diz muito. Revela que eles nunca olharam como se formam governos em outros países atualmente. É impensável uma administração só de homens brancos, porque é preciso ser preconceituoso para não ver os talentos que a diversidade de um país oferece. Não é um detalhe. Não é para fazer figuração. É que o poder hoje em qualquer lugar do mundo é compartilhado, e a diversidade é um valor. Olhem para fora, senhores. Nos governos de François Hollande, Pierre Trudeau, Barack Obama, Angela Merkel e David Cameron há muita diversidade. Na França, a divisão é meio a meio, com 9 mulheres e 9 homens, entre 18 pastas. No Canadá, elas são 14 das 31. Na Alemanha, além da chefe de governo, Angela Merkel, 5 de 15 ministros são mulheres. Na Inglaterra de governo conservador, um terço, com sete dos 21 secretários de Estado, e mais 3 de 8 ministros. Nos Estados Unidos, são 4 dos 15 secretários e 3 dos 7 postos que têm status de ministro. E elas são brancas, negras, diversas, como deve ser. Ninguém hoje, exceto em um país árabe, teria uma ideia tão ruim quanto uma composição apenas masculina.

Instalar a Secretaria de Direitos Humanos sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, que tem uma coleção de controvérsias exatamente na área de direitos humanos, é demonstrar desprezo por bandeiras que são parte da democracia moderna. Nomear ministros investigados pela Lava-Jato e defender a operação no discurso de posse é, no mínimo, estranho.

A grande batalha será travada na economia. Ela está aos pedaços. Como disse o ministro Eliseu Padilha, é a maior crise econômica do país. Quando o ministro Henrique Meirelles diz que buscará a estabilização da dívida pública, ele está escolhendo um alvo que é síntese de vários outros. Muitas decisões precisam ser tomadas na direção certa para que ela pare de subir; tarefas duras e difíceis. É preciso que o déficit primário volte a ser superávit, o déficit nominal caia, a economia cresça, a arrecadação suba, os gastos sejam reduzidos, e as reformas sejam aprovadas. Muita coisa tem que dar certo para que a dívida interrompa a trajetória de alta acelerada do governo Dilma. Parece a história da sopa de pedra. Só fica pronta se houver todos os outros ingredientes.

E é fundamental interromper o crescimento da dívida pública, por um motivo central: os credores somos nós, todos os que aplicam em títulos da dívida pública brasileira. Foi muita irresponsabilidade da presidente Dilma ter deixado a dívida crescer como cresceu. Ela foi alertada e desprezou o alerta. O novo governo fez bem em focar esse ponto.

A última vez que o PMDB foi tão forte quanto agora foi em 1986, quando o sucesso do Cruzado encheu as urnas de votos no partido. Há 30 anos, eles foram beneficiários da abundância e da euforia. Agora serão sócios da penúria. E terão que aplicar remédios amargos. Farão isso?

O Palácio do Planalto estava lotado de políticos, a maioria do PMDB, na quinta-feira de tarde. E quem olhava a paisagem humana ficava na dúvida se as concessões a serem feitas para aqueles políticos todos não iriam revogar as promessas de austeridade no gasto. O que Eliseu Padilha disse na coletiva de sexta-feira é que justamente por ter base ampla e sólida o governo tem condições de fazer o programa difícil, de salvação nacional.

O presidente Temer queria acertar o tom e pediu uma cerimônia discreta e sóbria. E deu errado. Em vez de fazer a posse coletiva dos ministros no Salão Nobre do Planalto, ele escolheu o Salão Leste, mais acanhado. O ar-refrigerado não comportou, o empacotamento das pessoas tirou a visibilidade dos fotógrafos, que se revoltaram. Um pouco antes de começar, gritaram em coro: “Não vai ter foto”. Foi servida apenas água. Foi assim que o governo Temer começou. Com sinais mistos. A austeridade é bem-vinda. O projeto econômico é difícil e necessário. Mas há sinais em descompasso entre este governo e o mundo contemporâneo.


Estrutural horrível, o ciclo ajuda - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP - 15/05

O momento atual pode ser caracterizado pela expressão "estrutural horrível, o ciclo ajuda".

A situação estrutural da economia é horrível, pois estamos em plena crise fiscal estrutural e a solução requererá repensar todo o desenho de nosso Estado. A lista de medidas que precisam ser adota- das é longa e interferirá na vida de quase todos.

No entanto, o ciclo ajuda. O elevadíssimo custo social, na forma de desemprego e perda de produto, que a sociedade já pagou até o momento, sugere que nos próximos trimestres o ciclo econômico será favorável: a inflação vai cair, a taxa Selic deve iniciar um ciclo de baixa na virada de 2016 para 2017 e a economia deve voltar a crescer no segundo semestre do ano que vem.

Todo esse cenário otimista tem uma condicionante: o mercado não pode ficar melindrado com a dívida pública testando limites de 75% a 80% do PIB até 2018.

Se o mercado não aceitar a piora do endividamento público, em algum momento à frente o risco e o câmbio serão pressionados e, com eles, as expectativas de inflação. A piora do cenário inflacionário abortaria o ciclo de baixa de Selic, e o espaço para recuperação da economia encolheria.

Essa última possibilidade me parece ser o cenário mais provável. Nele, o governo Temer reproduzirá a trajetória observada na passagem de Joaquim Levy pelo Ministério da Fazenda, iniciada com uma lua de mel.

Conforme se evidenciam os sinais de dificuldades de aprovação de medidas que encaminhem nosso problema fiscal estrutural, os mercados voltam a olhar a evolução do endividamento público. Em algum momento eleva-se a percepção de risco de rolagem da dívida pública. Nessa hora, o câmbio desvaloriza-se e o ajuste cíclico vai para as calendas.

No cenário otimista, Temer consegue aprovar duas ou três medidas importantes, que sinalizam enfrentamento do problema fiscal e que em alguns anos a dívida pública estabilizar-se-á como proporção do PIB. A perspectiva de estabilização da dívida pública mantém o câmbio no patamar atual, e o ciclo, que é favorável, segue seu curso normal: a inflação cai, inicia-se ciclo de queda de Selic e a atividade recupera-se. A economia poderia crescer forte em 2018.

O júri será dado pela política. Ela determinará o espaço que há para aprovações de medidas difíceis, mas necessárias, para encaminhar o problema fiscal estrutural.
Há, portanto, dois cenários políticos. O cenário pessimista lembra que Temer não foi eleito. Não houve um processo de discussão franco e aberto pela sociedade de nossos problemas fiscais. Não há, portanto, delegação para Temer e o Congresso aprovarem medi- das duras, mas necessárias. Quando ficar clara essa incapacidade, o risco-país subirá e, com ele, o câmbio e os juros.

O cenário político otimista assevera que os políticos que votaram favoravelmente ao impeachment da presidente Dilma Rousseff vincularam seu futuro político ao sucesso do governo Temer. Particularmente, um retorno de Lula em 2018 seria muito ruim para eles.

Esses políticos olham o futuro. Se forem convencidos por Temer de que a aprovação de medidas difíceis é necessária para a economia estar bem em 2018, eles as aprovarão. O custo político agora será mais do que recompensado pela elevação da popularidade de um governo Temer, se a economia e o emprego estiverem bem melhores em 2018 do que estão agora.

Façam suas apostas.

A desgraça dos salvadores - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 15/05

Brasília — Passei dia e noite ouvindo discursos. O último nome de senador que ouvi foi o de Vicentinho, que viajava num carro negro para entregar a Dilma a notícia do fim de jogo. A longa sessão foi um pouco diferente da da Câmara. Mais discursos, menos gestos. Ainda assim, creio que já havia amanhecido, ouvi o senador Ivo Cassol dedicar quase toda sua fala à pílula do câncer. Para ele, Dilma estava caindo porque hesitou em colocar laboratórios oficiais produzindo a pílula. Foi a única saudação aberta ao obscurantismo. O dia já estava claro, e consultava a lista de oradores como nos desfiles de escola de samba, aqueles em que algumas aparecem já com dia claro.

Quando olho para trás, ainda meio tonto de cansaço, tento alinhar algumas ideias verdadeiramente sinistras, aquelas que levaram a esquerda brasileira a essa derrota histórica. Seduzir-se pelo chamado socialismo do século XXI é uma delas. Costumo compará-la aos pedaços do Muro de Berlim, não os verdadeiros que foram vendidos logo após a queda. Com as fortes vendas, os camelôs de Berlim tiveram que falsificar pedaços do muro para atender à demanda.

O socialismo do século XXI tornou-se atraente na América do Sul com a vitória do chavismo. A ideia era conquistar o governo pelo voto e, progressivamente, dominar as instituições autônomas: Congresso, Judiciário, Forças Armadas e, dentro das possibilidades, a imprensa. O modelo teve êxito na Venezuela, se podemos chamar de êxito um regime que empobreceu o país e cria enormes filas até para comprar papel higiênico. Lá foi possível dominar o Congresso, ganhar as principais disputas na Justiça e ter comandantes militares partidários do governo. A imprensa independente foi mantida sob intenso ataque.

No Brasil, essas expectativas começaram a falhar no mensalão. Para dominar o Congresso, era preciso injetar muito dinheiro nos partidos aliados. O escândalo acabou sendo descoberto, e um juiz indicado pelo governo do PT, Joaquim Barbosa, conduziu o inquérito com admirável lisura. Os militares brasileiros mantiveram-se distantes do choque partidário. A imprensa, cortejada pelo PT nos seus tempos de oposição, foi demonizada. Não porque tenha, através da investigação, descoberto os grandes lances da corrupção. Ela noticiou o resultado do trabalho de duas instituições também autônomas: Polícia Federal e Ministério Público, em sintonia com o juiz Sérgio Moro.

Uma outra ideia sinistra que sobreviveu na esquerda brasileira foi que os fins justificam os meios. No fundo, isso significa dizer: estou fazendo o bem, danem-se as regras democráticas. Para avançar nesse terreno contaminado, tornou-se necessário desenvolver uma nova língua e prosseguir com a tática já esboçada na campanha: culpabilizar os seus críticos.

Se na campanha eram chamados de preconceituosos os que tinham reservas sobre as ideias e atitudes de Lula, no governo tornaram-se, principalmente, reacionários a serviço das elites. Ao optar sempre pelo contra-ataque, o PT não percebia que a crise se aprofundava e o partido se afastava cada vez mais da única possibilidade de superá-la: um esforço de união nacional. O PMDB, como sócio menor, fez muitas coisas erradas em parceria com o PT. Nunca embarcou, entretanto, no discurso nós contra eles, nem se refugiou numa suposta superioridade moral em relação aos seus críticos. A chance, ainda que precária, de realizar um tipo de união nacional, ideia sedutora em crises profundas, acabou levando as águas para os moinhos do PMDB. Era uma questão de tempo.

A troca não significa substituir um esquema corrupto por algo puro e imaculado. Mas é sempre possível denunciar as falcatruas das raposas do PMDB sem que te acusem de estar a serviço das elites e afirmem sua superioridade moral como portadora de um projeto único de salvação.

Nesse sentido, o choque com o PMDB abre uma chance de recuperar um diálogo político, sem, necessariamente, se defender de estar a serviço das elites, colonizadores de olhos azuis, brancos, machos e heterossexuais. Esse processo de critica à esquerda para mim já está se encerrando, pois acredito que ela própria terá de refletir sobre os caminhos que a levaram a esse fracasso. O mais importante é olhar para a frente, inventariar o rombo deixado nas contas nacionais e a amplitude do processo de corrupção.

Não é preciso parar a reconstrução. Mas, se não tivermos todos os dados sobre nossa desgraça econômica, será difícil traçar um caminho realista para superá-la. Quanto ao processo de corrupção, nunca é demais esquecer que os governos Collor e Dilma caíram sob acusações semelhantes. E olha que tanto Collor como o PT, nos palanques das diretas, eram as estrelas do futuro. Caçador de marajás, Collor prometia combater a corrupção, e Lula defendia a ética na política. Hoje, ambos são acusados no escândalo do Petrolão. Nossa jovem democracia falhou nesse quesito.

Em vez de acreditar em salvadores, será preciso conhecer e discutir as condições básicas que levam os governos brasileiros à ruina moral, independentemente de suas propostas moralizadoras. Redentores caíram no mesmo buraco. São responsáveis por seus erros, mas também é preciso desmontar as armadilhas do caminho.


PT não tem plano B - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 15/05

Os fatos e as fotos que registraram a passagem de Luiz Inácio da Silva no último dia de Dilma Rousseff no exercício da Presidência da República, disseram mais que todas as análises de especialistas e discursos de petistas sobre o futuro do partido, em sua volta para a oposição e a necessidade de encontrar o cominho do recomeço a partir da estaca zero.

O silêncio, o retraimento e o semblante desolado do ex-presidente no dia fatídico – para não dizer “histórico”, devido à banalização do termo –, tanto podiam ser vistos como sinais de desnorteio quanto serviriam para traduzir a consciência de que, ao fim e ao cabo, foi ele o grande responsável pelo fim melancólico de um ciclo de glórias.

“Não merecíamos isso”, parecia querer dizer diante da derrota arrasadora de um partido que se acostumou a colecionar vitórias. Na realidade, os petistas não precisariam estar passando por isso, caso tivessem preparado as respectivas cabecinhas para assumir o poder. Partindo do princípio de que é algo que se exerce com moderação, principalmente quando se tem muito dele à disposição. O abuso dessa preciosa matéria-prima, nas democracias, leva à perdição.

Se o constrangimento de Lula, praticamente escondido atrás de Dilma (sua genial invenção) quando iam ao encontro do povo na saída do Palácio do Planalto em clima muito diferente daquele de saudação nacional de janeiro de 2003, decorria da constatação realista sobre os motivos da derrocada, melhor para ele e seu partido. Há boas chances de recuperação. Afinal, o PT não é um agrupamento de venais. É, antes, uma agremiação que se deixou tomar pelas venalidades da ambição, do DNA firmado na lógica do atrito e pela ideia equivocada de que ao governante vencedor de eleições tudo é permitido.

Agora, a questão não é nem só para onde ir, mas como ir. Seria exagero dizer que o PT acabou, mas é fato que se colocou na trajetória descendente de legendas que se perderam ao longo do tempo. Um exemplo (sempre guardadas as proporções) é o ex-poderoso PFL, hoje reduzido a um acanhado DEM que tentou, mas não soube se reinventar ao querer se livrar da má fama de fisiológico, coronelista e obsoleto.

Dos 91 deputados federais que tiveram no seu auge (a eleição de Lula), os petistas têm hoje 57. Dos 148 deputados estaduais eleitos com Dilma em 2010, restam 96. O número de prefeitos caiu de 818 (em 2004) para 544. Os vereadores aumentaram expressivamente (de 1.977 em 2002 para 5.185). Há, no entanto, uma eleição municipal pela frente na qual todos os partidos terão dificuldades por causa do fim das doações de pessoas jurídicas, mas ao PT vão se apresentar obstáculos adicionais.

A maior delas decorrente da perda do poder central e, com ela, dos instrumentos de mobilização do eleitorado dos pequenos municípios e, nas grandes cidades e capitais, da crescente rejeição ao discurso (aliás, qual?) petista. Raros também serão os candidatos e partidos dispostos a fazer alianças com o PT, que terá um baque em suas contas com o fim do dízimo recolhido dos filiados postos em cargos de confiança. Isso sem falar nos presumíveis efeitos da Lava Jato.

O horizonte não é favorável e as ideias até agora lançadas para o PT se reorganizar indicam a falta de um plano B delineado para atuar como oposição. Das hipóteses cogitadas – caravanas de Lula para animar a militância, montagem de um gabinete de resistência no Palácio da Alvorada, denúncia do “golpe” e não reconhecimento da legitimidade do governo Temer, organização de uma frente de movimentos sociais, defesa de novas eleições já, entre outras – todas foram testadas e devidamente fracassadas enquanto o PT estava no comando e na posse do direito de manejar recursos públicos.

Por mais razão não é crível que o partido consiga executá-las depois de apeado do poder.


O novo Brasil - ALBERT FISHLOW

 Estado de S. Paulo - 15/05

Há mais alguma coisa importante a dizer? Agências de notícias nacionais e internacionais cobriram extensivamente o julgamento no Senado de Dilma Rousseff mesmo antes do voto na Câmara que aprovou a continuação do processo de impeachment. Raramente se viu tão ampla cobertura do Brasil.

Duas questões importantes foram menos discutidas e justificam uma análise.

A primeira é a clara diferença entre a cobertura nacional e a internacional. Ao passo que as fontes nacionais enfatizaram o extenso processo de julgamento, estabelecido pela Constituição, daí sua legitimidade, no exterior falou-se mais sobre um vergonhoso “golpe” perpetrado pelos ricos cujo poder foi reduzido pelo PT para favorecer os pobres. Na América do Sul, Venezuela e Bolívia se uniram ao clamor.

Simplesmente, tenha sido o processo judicial ou político, o fato é que a frustração com mais uma década perdida transbordou para uma ação imediata.

A segunda questão vem depois. E neste caso analisei rapidamente as perspectivas de mudança como resultado do ato do Senado.

Hamilton, baseado na vida do primeiro secretário do Tesouro norte-americano, Alexander Hamilton, é hoje o musical mais popular em Nova York, e com justiça. O grande interesse público fez com que ele continue estampado na nota de 10 dólares. Era um homem sábio e à frente do seu tempo. Lembro uma das suas citações: “o maior perigo será de que o (impeachment) seja dirigido mais pela força comparativa dos partidos do que por uma real demonstração de inocência ou culpa”. Onde o político termina e a lei constitucional começa?

Não há dúvida que os “restos a pagar” ocultos de Dilma, a insistência no congelamento de preços e a rápida ampliação de uma burocracia de Estado com fraco desempenho contribuíram diretamente para a queda do Brasil, afastando-se de um avanço iminente para a condição de país em desenvolvimento. Envolvida como dirigente do Conselho da Petrobrás desde 2005, o que ocorreu na estatal com a Lava Jato é outro caso. Sua inabilidade para trabalhar com o Congresso e a total insistência na sua própria capacidade econômica são bem conhecidas.

Isso é suficiente para um impeachment? Até certo ponto, o impeachment politicamente motivado se converteu em um voto de confiança do Parlamento e daí a necessidade de uma nova eleição. Em agosto do ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apelou à renúncia de Dilma como um meio de solucionar a crise persistente. Na semana passada, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa sugeriu uma nova eleição como a única maneira de sair do impasse, mas para isso seria necessária a renúncia de Dilma e do vice Michel Temer. O que certamente não sucederá.

Agora, Temer está no comando por um prazo máximo de 180 dias, período em que o Senado deverá reconsiderar seu voto anterior, 55 senadores a favor de uma saída temporária de Dilma e 22 contra. Um gabinete de governo modestamente menor foi formado, consistindo de homens brancos e mais velhos vindos de 11 partidos políticos. Muitos foram selecionados entre membros do Congresso, indicando o reconhecimento de Temer de que a maior tarefa que tem pela frente nos próximos dois anos e meio é aprovar leis que permitam a retomada do crescimento econômico.

Temos de saber mais do ministro da Fazenda Henrique Meirelles sobre suas opções para postos dentro do ministério, como também o presidente do Banco Central. Ele não descartou impostos provisórios, como a CPMF, e também se referiu a reduções de gastos. O que já levou muita gente a rever para cima suas estimativas de crescimento de renda e reduções no déficit fiscal, mesmo para 2016 e mais para 2017. Há uma confiança internacional em sua liderança e provavelmente teremos um aumento dos investimentos, nacionais e estrangeiros.

Uma revisão séria, contudo, levará tempo. Este Congresso, afinal, fez pouco até agora. O grande perigo é acreditar que os problemas econômicos e políticos serão resolvidos em breve. O excesso de confiança comporta riscos, como quando Dilma prometeu em 2011, quando os preços do petróleo estavam na faixa dos US$ 150 o barril, dobrar a renda pessoal em 2022. Prometer demais e muito rapidamente é uma prática ruim que uma boa liderança deve evitar.

Temer já se comprometeu a manter os avanços sociais realizados nas últimas décadas. Similarmente, está se abrindo a uma maior participação privada para ajudar a financiar os necessários investimentos na infraestrutura brasileira e em outras áreas. E mudanças são necessárias nos campos da educação, saúde, habitação e saneamento, além da Previdência Social.

Bons projetos demandam tempo para planejar e supervisionar. A pressa pode ter resultados negativos: O BNDES e o PAC são bons exemplos. Sempre existe a tentação de responder com novas nomeações políticas para satisfazer demandas que naturalmente ocorrerão. O que logo intensificará o grande problema do Brasil: um Estado inchado sempre necessitando de recursos adicionais sem resolver de modo adequado os problemas subjacentes. Foi exatamente o que sucedeu nas últimas décadas.

No âmbito político, revisões há muito tempo prometidas do processo eleitoral e uma redução no número de partidos têm despertado atenção limitada. O foco maior é no debate acadêmico e não na implementação de medidas. Entretanto, são mudanças necessárias se o objetivo é evitar o que ocorre neste momento: a decisão de antigos líderes do PT dentro de municípios de buscar alternativas mais complacentes. Um número menor de partidos políticos se traduzirá numa escolha popular de fato e uma melhor governança.

Foi prometido que as investigações judiciais continuarão. Não sabemos quais novas evidências surgirão. Pela primeira vez, líderes da indústria e políticos enfrentam a possibilidade de sentenças de prisão longas ou delação premiada. Esta última, como temos visto, tem sido cada vez mais usada. Agora que Dilma também está sob investigação, esse processo deve acelerar.

O Ministério Público atraiu procuradores jovens e empenhados que estão gerando mudanças reais e cada vez maiores. Enquanto muitos líderes políticos hoje de algum modo se apagaram, as multidões nas manifestações e em respostas a pesquisas populares deixaram clara sua importância. Na verdade, Dilma nomeou novamente Rodrigo Janot no início do seu segundo mandato e não existe nenhuma evidência de que contabilizou ganhos. O juiz Sergio Moro é reverenciado pelos seus esforços persistentes na busca da verdade.

E como ficamos? Nos últimos anos escrevi dois livros, O Novo Brasil, e uma versão posterior mais curta em inglês, Starting Over. Talvez os títulos tenham sido muito otimistas. A combinação de uma boa macroeconomia, uma classe média em expansão e uma substancial redução da pobreza era a promessa de um Brasil melhor no futuro.

Não é tarde demais, mas recomeçar não será tarefa fácil. Houve avanços importantes. Tudo o que é necessário agora é uma melhor governança e racionalidade econômica. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

*Albert Fishlow é economista e cientista político

Maria Antonieta - CARLOS HEITOR CONY

Folha de SP - 15/05

Não sei quem disse pela primeira vez que Deus escreve certo por linhas tortas.

Pessoalmente, acho que é ao contrário: Deus sempre escreve errado por linhas que às vezes são certas. De qualquer forma, os acontecimentos desta semana trágica são uma prova que dá razão às duas versões e deixam Deus numa situação parecida com a de Eduardo Cunha: não se pode mais confiar nos dois, nem em Deus, nem em Cunha. Muito menos em mim.

O afastamento de Dilma Rousseff é a prova de ambas as hipóteses. Sofreu um impeachment por uma causa que está sendo discutida e será por muito tempo: crime de responsabilidade. É um assunto que pode ser discutido até que a vaca tussa. As pedaladas fiscais também podem ser discutidas até um século antes do Nada.

No entanto, o seu afastamento não foi injusto, pelo contrário, foi uma medida útil e necessária para o bem do povo e do Brasil. Ela entrou em campo substituindo Lula, que é ao mesmo tempo o titular e o dono do PT que ficou desmoralizado.

Bem ou mal, em seus oito anos de governo, ele fez coisas boas, apesar da pretensão de fazer de seu partido o dono absoluto e eterno do poder. Por muitos motivos, quebrou a cara ao indicar um poste de saias para levar adiante o seu plano mirabolante.

Bem verdade que a nação não afastou dona Dilma por causa das pedaladas fiscais e muito menos por causa de um crime de responsabilidade. A causa única e bastante para o seu afastamento foi a sua incompetência e arrogância, que criaram milhões de desempregados sem criar um mercado de trabalho para absorvê-los. Pelo contrário: jogou o Brasil no fundo do poço com a desculpa de alguns planos sociais, que na verdade foram criados pelo seu antecessor.

Maria Antonieta tentou impedir a Revolução Francesa mandando dar brioches ao povo faminto. Não adiantou. Terminou na guilhotina.


São Michel - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 15/05

A senadora Vanessa Grazziotin nos chamou, aos integrantes da classe média brasileira, de analfabetos políticos. Realmente, essa lenda urbana frequenta a cabeça dos próceres do PT. Não foi a primeira nem a última vez em que as classes médias serão mal avaliadas pelo PT, PSol e PSTU (extrema esquerda), conquanto a maioria de suas lideranças sejam de classe média, como Dilma, Stédile (MST), Ivan Valente (Psol) et caterva. No fundo, essas classes não aderem ao petismo, daí a birra.

Por outro lado, o suposto moralismo político da classe média a leva a atitudes politicamente erradas. No presente instante, por exemplo, ela exige do presidente Temer um ministério de notáveis, sequer políticos, como se o futuro mandatário não necessitasse do Congresso Nacional para governar o país. Essa pretensão é moralística e, sobretudo, irrealista, por desconhecer a existência de mais de 20 partidos com assento no Congresso e blocos partidários, sem os quais Temer - que já disse ser contra a reeleição - não conseguirá tirar o nosso país do abismo profundo em que o PT o colocou por irresponsabilidade política, ética e econômica.

É utópico querer um presidente angelical no país do pior presidencialismo do mundo, o chamado presidencialismo de coalizão. Não que devamos nos conformar. Uma constituinte exclusiva e leis que punam duramente a corrupção, bem como a securitização das obras públicas e que diminuam os muitos partidos anódinos, são providências urgentes mas não imediatas. A preocupação maior deve ser com o equilíbrio das contas públicas, e com a economia, sob pena de crise no serviço da dívida, em constante crescimento, servida por juros altíssimos de curto prazo, numa economia que já regrediu 10% seu PIB em seis anos, com desemprego de 11 milhões de pessoas.

O núcleo econômico será coeso e técnico. É natural que pastas, como as da saúde, educação, previdência social, agricultura, sejam tratadas politicamente com os partidos de sustentação. Política implica negociações e consultas constantes à opinião pública.

Para acabar com a corrupção e a gastança, temos caminhos convergentes. O primeiro é reduzir o tamanho do Estado, privatizar e conceder o que for possível. Quanto mais estatais maior será a corrupção. A lição é universal. O segundo caminho é o da persecução penal implacável e penas duríssimas. Para quem gosta de dinheiro, o confisco e a prisão longa são sanções eficazes. A China reduziu em 80% a corrupção com a pena de morte para os casos graves, tipo petrolão.

Por último, temos a securitização das obras públicas e a auditoria dos departamentos de compra dos órgãos do Estado, lugares eleitos para os superfaturamentos e aditivos contratuais. No mundo desenvolvido, essas atividades são securitizadas, se os preços licitados desbordarem, o segurador paga, razão pela qual as seguradoras auditam e fiscalizam obras e compras públicas, impedindo a corrupção, caso contrário, sairiam prejudicadas. É veneno contra veneno ou fogo contra fogo. São providências de médio prazo.

Para começar, o foco é na economia e no conserto das contas públicas, além de cortes profundos nos gastos. Estou informado de que ONGs, MSTs, sindicatos e despesas discricionárias serão cortadas imediatamente e, também, cargos em comissão de recrutamento restrito e amplo, além do congelamento de despesas novas.

Mas o perigo vem do bolchevismo do PT e do PSol que são, sabidamente, comunistas. Vão perturbar, como fizeram com o idiota vice-presidente da Câmara, o sr. Waldir Maranhão, na semana passada. Corre solto que o palácio residencial de Dilma será o QG da agitação e da propaganda petista (agi-prop). Pensamos que uma ré de crime de responsabilidade - como todo réu - deve ficar em silêncio, contrito, sob pena de perturbar o processo de julgamento e a vida da nação. Onde já se viu ré de crime, seja comum, seja de responsabilidade, agitar o país, parar o trânsito, transformar palácio de governo, mesmo sendo de moradia, em centro estudantil de perturbação da ordem pública? Algo precisa ser feito para impedir essa baderna.

Temer merece, pela sua vasta experiência na vida pública, um voto de confiança e de boa vontade. Creio que nos surpreenderá positivamente e saberá nos representar perante um mundo abismado com tanta ignorância política e apego ao poder, sem falar na deslavada corrupção. Basta dizer que destruíram a Petrobras. Não me surpreenderei se, num dia desses, abençoados, Lula e Dilma adentrarem o recinto sombrio de uma prisão. Será o legado que deixarão para a história do Brasil. Quem certamente mente, como ela mentiu na campanha, mata, rouba e furta. Diz o ditado popular que cesteiro que faz um cesto faz um cento. Quem fez guerrilha um dia, outra fará para reconquistar o poder. Ela e Lula jamais entenderam de democracia, só de tiros e eleições. Querem o poder, seja na bala, seja no voto. Essa é a questão que doravante se põe.


Uma outra Argentina - MARIO VARGAS LLOSA

O ESTADÃO - 15/05

Terá acabado finalmente para a Argentina o tempo dos desvarios populistas e o feitiço suicida que o “socialismo do século 21” de Chávez e Maduro exerceu sobre o governo dos Kirchners? Depois de passar uma semana nesse país, alegra-me dizer que sim.

Nos poucos meses desde que assumiu o poder, Mauricio Macri realizou reformas corajosas e radicais para desmontar a máquina intervencionista e demagógica que estava arruinando uma das nações mais ricas do mundo, isolando-a e empurrando-a para o abismo.

Não é necessário recorrer a sondagens e a estatísticas para demonstrá-lo. A mudança está no ar que as pessoas respiram, em sua maneira de falar sobre o momento atual, no alívio e no otimismo com que ouço se expressar a maioria dos conhecidos e desconhecidos sobre a atualidade política. É verdade que a oposição peronista – embora talvez seja melhor dizer kirchnerista, pois o peronismo, constituído por um leque de tendências, não é unívoco em sua oposição, mas diversificado e matizado – não deu ao novo governo um período de graça e começou a atacá-lo sem piedade e a sabotar toda a luta pela transparência na economia – o cancelamento dos subsídios que a asfixiavam – e a opor-se às reformas. Mas os benefícios já são visíveis e inequívocos.

Desde seu acordo com os administradores dos chamados “fundos abutres”, a Argentina recuperou o crédito internacional e o desaparecimento desses grilhões devolveu à sua moeda uma estabilidade de que não desfrutava havia tempo. A visita do presidente Obama, que significou um aval importante para a nova Argentina, abriu um desfile de visitantes de grande destaque, das áreas política e econômica, com o fim de explorar a possibilidade de investir numa terra pródiga em recursos que as políticas nacionalistas de Cristina Kirchner estavam levando a uma ruinosa autarquia.

Quanto à política internacional, o governo de Macri deu uma guinada total em comparação à do regime anterior, manifestando sua vocação democrática, criticando a violação da legalidade e dos direitos humanos na Venezuela. Em relação a isso, particularmente, ele pediu que o regime de Maduro abra um diálogo com a oposição a fim de assegurar que uma transição pacífica ponha fim à lenta desintegração de um país que o estatismo e o coletivismo levaram à fome e ao caos.

Tom. Que diferença ligar a televisão e, em vez dos lugares comuns e dos slogans terceiro-mundistas que faziam as vezes de ideias nos discursos de Cristina Kirchner, ouvir o presidente Macri numa coletiva à imprensa explicar com clareza, simplicidade e franqueza que sanear uma economia paralisada pelo construtivismo demagógico tem um alto preço, impossível de evitar. Além disso, sem esse saneamento que consiste em abandonar a quimera e voltar para a realidade, a Argentina nunca sairia do poço em que a atirou uma ideologia fracassada em todos os países em que foi aplicada.

O presidente explicou também, de maneira absolutamente persuasiva, o motivo pelo qual a mal definida ‘lei anti-demissões’ que a oposição no Senado acaba de ver aprovada só servirá para dificultar a criação de novos empregos por desestimular as empresas a estenderem seus serviços e contratar mais funcionários. Em todas as intervenções públicas e nas conversas privadas do novo chefe de governo argentino que ouvi esta semana, ele me pareceu desprovido da arrogância que costuma acompanhar o poder, da retórica sem substância de tantos políticos, empenhado em lançar pontes e em convencer seus compatriotas de que os sacrifícios imprescindíveis que o fim do nefasto populismo exige são o único caminho pelo qual a Argentina pode recuperar a prosperidade e a modernidade de que já desfrutou no passado.

E há razões para acreditar nele. A Argentina é um país muito rico em recursos naturais e humanos. O sistema educacional exemplar que teve no passado, embora deteriorado em razão das más políticas de governos anteriores, ainda produz cidadãos mais bem formados em relação à média latino-americana – talvez nenhum outro país da região tenha exportado mais técnicos de alto nível para o resto do mundo.

Dinamização. Indubitavelmente, com as reformas em curso, os investimentos estrangeiros, retraídos durante todos esses anos, voltarão em grande número a uma terra tão generosa, criando os tão necessários empregos e elevando os níveis de vida e as oportunidades para os argentinos.

Há um aspecto que gostaria de destacar entre as mudanças que a Argentina vive neste momento. Com a liberdade de expressão, que sofreu tantas avarias durante os governos dos Kirchners, a corrupção – que no âmbito desse Estado, definido por Octavio Paz como “ogro filantrópico”, proliferou de maneira cancerosa – sai à luz, assim como, nestes dias precisamente, as notícias estarrecedoras a respeito das cifras vertiginosas que os testas de ferro dos antigos mandatários acumularam, monopolizando as obras públicas de regiões inteiras e saqueando seus orçamentos de maneira vergonhosa, transformando em multimilionários os donos do poder que se gabavam de ser revolucionários anti-imperialistas e inimigos jurados do capitalismo.

Duvido muito que haja um único capitalista no mundo que tenha acumulado uma fortuna tão prodigiosa quanto Lázaro Baez, testa de ferro, ao que tudo indica, de Néstor Kirchner e agora na prisão, antigo caixa de um banco de Santa Cruz que, não muitos anos depois, tinha cerca de quatrocentas propriedades rurais e urbanas, cerca de uma centena de automóveis em seu país e comprava apartamentos e casas em Miami por mais de cem milhões de dólares.

O sucesso da Argentina nas pacíficas reformas democráticas e liberais que está empreendendo é de uma importância que transcende suas fronteiras. A América Latina pode aprender muito com esse país que quase chegou ao fundo do abismo por culpa da ideologia coletivista e estatista que por pouco não o arruinou – e, no entanto, se levantou das cinzas com os votos dos seus cidadãos e teve a coragem de abandonar o caminho equivocado para seguir o dos países que graças à liberdade – a única verdadeira, a que abrange a política, a economia, a cultura, o âmbito social, cultural e pessoal – alcançaram os melhores níveis de vida do nosso tempo, reduzindo ainda mais a violência nas relações humanas. É também o caminho dos que criaram a maior igualdade de oportunidades para que seus cidadãos pudessem concretizar suas aspirações e seus sonhos.

Embora, às vezes de maneira confusa, acredite que esse é agora um ideal que foi lançando raízes nos países latino-americanos, onde os antigos modelos que disputavam entre si o favor das pessoas – as ditaduras militares e as revoluções armadas socialistas – perderam prestígio, atualidade e só valem para minorias insignificantes. Por isso, com as exceções de Cuba e Venezuela, em toda a região há ainda democracias, ainda que algumas sejam muito imperfeitas e ameaçadas pela corrupção. A Argentina pode ser o exemplo a ser seguido para renová-las, purificá-las e pô-las em dia, de modo a se integrarem ao mundo e aproveitarem das grandes possibilidades que ele oferece aos países que promovem a cultura da liberdade. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA


Ordem e progresso - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 15/05

A marca “Ordem e Progresso” não apenas prestigia o lema positivista da bandeira brasileira como contém uma comparação entre o governo que entra e o governo que sai, por ora, temporariamente. A intenção de Michel Temer é dar “ordem” à bagunça na administração direta, nas estatais, nos fundos de pensão e nas agências, além de tomar medidas duras, mas necessárias, para interromper o ciclo de recessão e retomar um ritmo de “progresso”.

Foi nessas duas direções que Temer montou um ministério que em muitos casos não faz nenhum sentido para a opinião pública em geral (e já apanha de corporações e nichos), mas faz sentido quando ele tem de enfrentar com coragem o problema mais urgente: o rombo das contas públicas. A redução de ministérios, o enxugamento da máquina e sinais de austeridade são apenas sinalizações, mas, quando Temer tenta fazer, a gritaria é ensurdecedora.

Muita calma nessa hora. Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma tiveram uma trégua ao assumirem a Presidência. Por que não dar uma trégua a Temer, que chega em circunstâncias muito mais difíceis, em meio a um somatório inédito de crises? Criticar, sim, mas jogar contra, neste momento, extrapola para a irresponsabilidade. A estreia do homem forte da economia, Henrique Meirelles, mobilizou o mundo político e empresarial e o que ficou claro é que a situação fiscal do governo, já dramática, é ainda pior do que se imagina. Vem aí uma auditoria nas contas, para ver o tamanho real do buraco.

Aliás, um dos ralos visados pela equipe de Temer é nos programas sociais, não só para identificar o “mau uso” por incompetência, como disse Meirelles, mas também para descobrir como, quanto e para quem flui, ou pode fluir, o financiamento de CUT, MST, UNE e MTST, que ameaçam infernizar a vida do novo governo. A intenção é secar a fonte, mas distinguindo o que é “programa social” e o que é gás para “grupos articulados” (e inimigos). Um terreno pantanoso.

Em seu derradeiro discurso, enquanto militantes agrediam jornalistas, Dilma acrescentou um novo item na lista para minar a imagem e as chances do presidente interino. Antes, ela dizia que Temer acabaria com os programas sociais e bombardearia a Lava Jato. Na saída, disse que ele também iria “reprimir os movimentos sociais”. Foi uma casca de banana para o sucessor e uma senha para a militância petista.

O governo não pode se expor a cenas de batalha campal, mas também não pode assistir passivamente a um punhado de gatos pintados, numa nova versão dos black blocs, queimando pneus, bloqueando estradas e prejudicando milhares de cidadãos que precisam ir e vir para escolas, fábricas, lojas e escritórios, além de caminhões carregados de mercadorias. Nem pode ser truculento, nem pode ser omisso. Dilma e os militantes trabalham para que seja truculento.

No fim, ela também lançou outra senha: o marketing contra o impeachment “no mundo”. Lula, primeiro, e Dilma, depois, foram lenientes com Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Essa brincadeira acabou. Já na sexta-feira, José Serra iniciava o resgate do Itamaraty e a guinada da política externa, lançando notas em tom diplomático, mas duras, contra a ingerência indevida e atrevida desses “bolivarianos” e da Unasul em questões internas.

O grau e a forma da “repressão aos movimentos sociais” podem ser discutíveis, mas a reação brasileira à acusação ou insinuação de “golpe” é inquestionável. E, com certeza, sob aplausos da esmagadora maioria da população, que está cansada dessa lengalenga da esquerda falida da América Latina. A Unasul e os bolivarianos que cuidem da Venezuela, país estraçalhado, onde as pessoas nem têm o que comprar e comer. Aliás, o que anda faltando por lá é um bom, legal e saudável impeachment...


Lula e a manipulação do radicalismo - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 15/05

Estava estranho aquele Lula logo atrás de Dilma Rousseff enquanto ela discursava para a militância petista. Ausente, cofiava o bigode, alisava a barba, enxugava o rosto e raramente olhava para ela. Aplaudiu poucas vezes e apressou-se com as palmas quando percebeu que Dilma concluiria. Era um momento penoso, fazia um calor de rachar e sua camisa estava ensopada, mas Lula é um profissional de palanque. Um simples gesto teria cortado esse constrangimento explícito.

A rainha de copas saiu do baralho, mas o rei de paus está na mesa. Gilberto Carvalho, assessor e confidente de Lula durante os dois mandatos em que governou o país, informou: “Ele vai continuar a luta. Vai andar pelo Brasil todo” buscando uma “unidade de ação” contra o governo de Temer.

Lula promete “percorrer o Brasil” desde 2014, quando começou a Lava-Jato. Promete, mas não vai. Já se foi o tempo em que percorreria o Brasil de ônibus juntando multidões e simpatia. Seus últimos percursos deram-se em jatinhos de amigos. Admita-se que ele de fato tente formar uma frente oposicionista ao governo Temer.

Com 13 anos de poder, o comissariado petista tem conhecimentos para fazer oposição parlamentar, tanto a construtiva como a destrutiva. (Tem também um arquivo superior ao do juiz Sérgio Moro, mas deixa pra lá.)

Contudo, no universo político de Lula aparece outro tipo de oposição. Em fevereiro do ano passado, ele avisou: “Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”. (A ver se João Pedro Stédile tem exércitos sem verbas oficiais.) Poderia ser um arroubo de palanque, mas os grampos que captaram suas conversas telefônicas informam que, na noite de 9 de março passado, Lula contou ao presidente da CUT: “Hoje eu disse para os senadores que eu não quero incendiar o país! Eu sou a única pessoa que poderia incendiar este país... Eu não quero fazer como Nero, sabe? Não quero! Sou um homem de paz, tenho família”.

Lula sempre manipulou habilmente o radicalismo alheio. Não é à toa que estão na cadeia grandes empresários, o tesoureiro do PT e José Dirceu, chefe de sua Casa Civil. Todos foram para lá levados pela cobiça, nenhum por delitos decorrentes do radicalismo político.

O imaginário petista parece estar esperando um passo em falso de Temer. Discursando dentro do Planalto, Dilma especulou sobre a conduta de “um governo que não terá a legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do Brasil, um governo que pode se ver tentado a reprimir os que protestam contra ele”. Pouco depois, falando à militância, repetiu a praga.

Assim, são duas as cartas manipuladas. Lula com a ameaça do incêndio e Dilma com o verbo “reprimir”. Se as coisas continuarem no campo da retórica, tudo bem. Desde 2013, o povo vai à rua, o Brasil mudou com muito pouca violência. Além disso, no Brasil de hoje há um professor de Direito Constitucional na Presidência e outro, Alexandre de Moraes, no Ministério da Justiça. Tanto Temer como Moraes são também ex-secretários de Segurança de São Paulo. Moraes mostrou-se um chefe de polícia enérgico nos atos e apocalíptico nas palavras.

Referindo-se a desordeiros que bloquearam estradas, disse que “eles agiram como atos de guerrilha”.

Comparar quem bloqueia rua a guerrilheiro é uma manipulação semelhante à classificação dos assassinos de um marinheiro inglês que visitava o Rio como militantes da causa democrática, combatendo a ditadura do século passado.



EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota notável. Ele sabia que o PT devia deixar o Palácio e decidiu apoiar integralmente o governo de Michel Temer. Só não sabe por quê.

BRINCADEIRA

Em 1961, numa crise pior que a atual, Tancredo Neves tornou-se primeiro-ministro do governo de João Goulart e escolheu os seguintes ministros: Indústria e Comércio: Ulysses Guimarães. Trabalho: Franco Montoro. Fazenda: Walther Moreira Salles. Relações Exteriores: San Tiago Dantas. Não adiantou nada, mas todo o Ministério de Temer cabe na biografia de qualquer um deles e ainda sobra espaço.

INDICADOR

O economista Mansueto Almeida deverá ser o próximo secretário do Tesouro. Se for e se ficar até o fim do governo, terá sido uma escolha indicativa da boa qualidade dos propósitos de Temer.

Ele diplomou-se em políticas públicas pelo Massachusetts Institute of Technology.

Até aí, é pouco. Vale o que disse a sua professora Judith Tendler: “Um aluno como ele é um presente dos céus”.

(No início da sessão de fogos de artifício da caravana de Temer, apareceu o nome do professor Ricardo Paes de Barros para coordenar a área social. Sumiu, pois tem currículo mas não tem partido.)

MADAME NATASHA

Madame Natasha apoia o governo Temer porque ele teve a audácia de usar uma mesóclise no seu primeiro discurso:

“... Sê-lo-ia pela minha formação democrática...”.

Enfiar o pronome no meio do verbo exige competência e é um recurso elegante.

Natasha admira o presidente Jânio Quadros porque ele gostava de mesóclises. A mais famosa, talvez apócrifa, explicava seu prazer pelo uísque:

“Bebo-o porque é líquido. Se fosse sólido comê-lo-ia”.



AS VIVANDEIRAS ALVOROÇARAM-SE

Desde que foi criado, o Ministério da Defesa foi ocupado com suavidade por três civis. Os sábios da caravana de Temer conseguiram duas proezas.

O advogado Antonio Mariz de Oliveira foi convidado e recusou o cargo. Depois, apontaram o deputado Newton Cardoso Jr., filho do ex-governador mineiro de estrondosas lembranças. Seu nome saiu da roda depois que apareceu a temível referência ao descontentamento de chefes militares. Nomeou-se o deputado Raul Jungmann.

Deixando-se de lado as qualificações que a equipe de Temer viu em Newton Cardoso Jr., a memória nacional pede que se repita a frase dita pelo marechal Castello Branco em 1964, quando deparou-se com a desordem militar que engolfaria seu governo:

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”.

Na anarquia militar do século passado, um dia levaram a um oficial o texto de um manifesto de coronéis contra o governo Vargas. Ele não assinou, pois era “indisciplina”. Meses depois levaram-lhe outro, dando solidariedade ao ministro da Guerra. Também não assinou: “Chefe não pode receber solidariedade de subordinado”.

Chamava-se Ernesto Geisel e em 1977 restabeleceu a autoridade da Presidência da República sobre os quartéis.

OS ESCOMBROS - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/05

Mais difícil que matar um monstro é remover seus escombros. A frase de Ulysses Guimarães que ouvi várias vezes o Jorge Moreno, seu amigo e assessor, repetir, é muito adequada à situação que o governo Temer está vivendo nos seus primeiros dias. Se já esperava tamanha resistência interna, parece que não se preparou para tamanhas ousadias.

Servidores públicos fazerem manifestação contra a extinção do Ministério da Cultura diante do novo ministro da pasta que unificou Educação e Cultura é compreensível, mas chamar o novo governo de golpista dentro do Palácio do Planalto é um ato político que exige uma reação vigorosa do governo.

A administração aparelhada fará “o diabo” para dificultar o exercício normal do novo governo, e qualquer sinal de fraqueza pode inviabilizá-lo. Já foi vergonhosa a recusa de fazer a transição com os novos ministros, que terão cada qual que abrir a caixa-preta dos ministérios.

Jornalistas contratados pelas empresas de comunicação governamentais estão gastando os últimos dias de contrato para usar seus espaços com críticas duras ao novo governo, como se não houvesse amanhã. A própria presidente afastada já dera o sinal para esses movimentos quando, do nada, afirmou em seus discursos de despedida que o novo governo reprimiria os movimentos sociais com violência.

Ora, não é possível admitir que estradas e avenidas sejam fechadas, e propriedades invadidas e depredadas por manifestantes sem que os governos afetados não reajam, para que a maioria da população possa viver normalmente. Da mesma maneira que os taxistas não podem fechar as ruas em protesto contra o Uber, também os integrantes do MST ou do MTST não têm o direito de perturbar a vida dos cidadãos.

Esses resistentes à nova ordem são capazes de gestos ridículos como o do deputado Jean Willys a pregar a desobediência civil, mas são minoritários na sociedade e no Congresso. Não quer dizer que o governo Temer seja majoritário, pois o presidente interino ainda não é uma figura reconhecida nacionalmente, e dependerá do que fizer a sua popularidade.

Para quem não pode errar, no entanto, já cometeu muitos deslizes desnecessários, como o descuido de não colocar uma mulher ao menos no ministério que substituiu o governo de uma mulher. Essa questão de gênero deveria ser secundária, mas num país que ainda precisa avançar muito no campo da igualdade, sinais simbólicos são importantes.

Quanto ao ministério da Cultura, existem muitos artistas e intelectuais de peso que não consideram sua extinção uma calamidade, ou mesmo discordam da sua existência, e o governo simplesmente não levou em conta essa disputa política que tem muito mais de simbólica do que de real.

Ainda há tempo para rever certos atos, mas a distribuição de ministérios para partidos já está demonstrando a precariedade da solução. O novo ministro da Saúde Ricardo Barros, que substituiu a primeira escolha do médico Raul Cutait por que seu partido, o PP, não aceitou uma designação técnica, já deu declarações no mínimo polêmicas.

Barros disse que a pílula do câncer pode dar resultado, apesar da críticas dos especialistas, porque “a fé remove montanhas”, e admitiu que terá que colocar indicações políticas em setores do ministério, uma das razões pelas quais Cutait acabou sendo rejeitado: ele queria nomear técnicos para as secretarias técnicas, como a sociedade esperava.

Uma coisa é entregar a partidos políticos ministérios, outra é colocar ministros incapazes em lugares estratégicos. O ministério das Relações Exteriores está nas mãos do tucano José Serra, e teve reação imediata à ação dos governos bolivarianos que tentam transformar em realidade a fantasia golpista que veem no impeachment de Dilma.

O Itamaraty, que foi palco nos últimos dias de cenas degradantes como a de um diplomata que enviou mensagens para várias embaixadas brasileiras no mundo denunciando o suposto golpe e não foi punido com o rigor devido, reagiu com firmeza a essa tentativa de desacreditar o país, com o apoio do governo afastado, e reagirá diante da hostilidade do governo venezuelano que retirou seu embaixador para consultas.

Como se vê, o governo já terá muitos problemas com a máquina estatal aparelhada para criar ele mesmo problemas para si. Já será bastante trabalhoso remover os escombros do monstro.


As marcas de um novo estilo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 15/05

Realismo, austeridade e eficiência no uso do dinheiro público foram os grandes temas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em sua primeira entrevista coletiva. Ao insistir nesses pontos, ele tentou marcar a diferença entre o novo governo e a administração anterior, com suas metas irrealistas e promessas descumpridas. A mesma preocupação ficou clara nas palavras de seu colega do Planejamento, Romero Jucá, logo depois da primeira reunião ministerial conduzida pelo presidente interino Michel Temer. Segundo Jucá, o modelo da nova gestão será “mais estável, equilibrado, menos intervencionista, menos ideológico e menos centralizador”. Na mesma fala, o ministro do Planejamento anunciou a extinção, até o fim do ano, de 4 mil cargos preenchidos sem concurso. Isso corresponde, acrescentou, ao dobro dos cortes prometidos e nunca realizados pela equipe da presidente recém-afastada.

Mudar a meta fiscal para 2016 é uma das preocupações imediatas do novo governo, confirmada, em entrevistas separadas, pelos dois ministros. A administração anterior já havia mandado ao Congresso um projeto de alteração, para tornar admissível um déficit primário de até R$ 96,95 bilhões. Mesmo esse valor já parece inalcançável, observou Meirelles, sem mencionar, no entanto, um alvo diferente. O passo inicial, esclareceu, é tentar conhecer a situação real das contas públicas, para evitar uma nova mudança de objetivo.

O ministro Meirelles confirmou a disposição de rever os gastos e de buscar maior eficiência no uso do dinheiro. O governo manterá os programas sociais, como indicou o presidente Michel Temer, mas deverá reavaliar o uso do dinheiro. A mesma revisão deverá ocorrer no caso das desonerações e outros benefícios fiscais, incluídos no bolo já batizado como bolsa empresário.

Essa bolsa, de acordo com o ministro da Fazenda, é muito mais custosa que os chamados programas sociais. Bater nesse ponto é especialmente importante, como esclarecimento. Segundo a presidente afastada, as pedaladas fiscais ocorreram porque o governo insistiu em manter o apoio aos beneficiários daqueles programas – uma alegação contrária à evidência dos números.

O ministro poderia ter mencionado, ainda, a ineficiência da bolsa empresário como instrumento de política econômica, um ponto evidenciado pelo baixo desempenho da economia nos últimos cinco anos.

O controle de gastos deve ser, segundo o ministro da Fazenda, o caminho principal da arrumação das contas. Mas ele recusou descartar um aumento de impostos, se a política de austeridade for insuficiente. Se houver aumento, esclareceu, será temporário. Mas também preservou a possibilidade de retorno, por tempo limitado, do imposto do cheque, a CPMF. Se o governo recorrer a isso, será a parte negativa do programa de ajuste, especialmente se a receita for dividida com os Estados. Neste caso, a marcha a ré será muito mais difícil, até porque o ministro promete ser duro na renegociação das dívidas estaduais. Conseguirá negociar dessa forma sem ceder, por exemplo, na manutenção da CPMF?

Conter o avanço da dívida pública, para reduzir seu peso na fase seguinte, deve ser um dos objetivos da política fiscal. A nova estratégia deve incluir, segundo o ministro da Fazenda, mecanismos de limitação dos gastos. A estratégia deverá incluir, antecipou Meirelles, a fixação de metas nominais, sem, portanto, indexação de valores. Mas essas medidas estão sendo maturadas, admitiu.

A política deve incluir, para efeito de prazo mais longo, a reforma da Previdência, com fixação de idade mínima e de uma regra de transição. O debate já avançou e o governo deve aproveitar o ambiente inicialmente favorável para propor inovações desse tipo.

O ministro ainda marcou a mudança de estilos ao anunciar critérios profissionais para a seleção de diretores dos bancos públicos. Mas será preciso muito mais para reduzir a influência partidária nas estatais e na administração. Por esse caminho o Brasil acabará chegando ao século 21.

Impeachment mostra que Brasil não é Venezuela - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 15/05

Estranho golpe este em que a vítima recorre à Justiça, seu afastamento do poder é decidido com transparência pelo Legislativo e ela ainda pode voltar ao cargo



Épossível que a campanha de agitação e propaganda (Agitprop) desfechada pelo lulopetismo também no exterior, para difundir a delirante versão de que o processo de impeachment da agora presidente afastada Dilma Rousseff é um “golpe”, tenha induzido a se pensar lá fora que o Brasil passa por um preocupante retrocesso político-institucional.

Nada mais falso. As instituições republicanas, mais consolidadas do que em 1992, quando houve o primeiro impeachment de um presidente, Fernando Collor, funcionam bem, e os pesos e contrapesos característicos de uma democracia representativa atuam a contento.

A patranha de denunciar um “golpe” no Brasil é facilmente desmontada se forem feitas algumas perguntas simples: por que a presidente suposta vítima desta ruptura da ordem institucional não busca asilo no exterior? Em vez disso, por que recorre com frequência ao Supremo Tribunal Federal, quando, em golpes, o Poder Judiciário, junto com o Legislativo, é sempre manietado?

Estranho golpe este, em que o Congresso funciona livremente, a ponto de admitir o processo de julgamento do chefe do Executivo, por crimes de responsabilidade. E o Judiciário medeia divergências entre Executivo e Legislativo em torno do assunto, e suas deliberações são, estranhamente, obedecidas.

Tivesse ido o Brasil no mesmo caminho da Venezuela chavista — bem que alguns seguidores do lulopetismo gostariam —, a presidente Dilma estaria imune a qualquer ação do Legislativo e do Judiciário.

Porque uma característica básica dos regimes da onda nacional-populista que começou a varrer a América Latina a partir do início da década de 90 — e já perde força, felizmente — é eles serem verticais. O chefe do Executivo detém todos os poderes, e a ele se subordinam o Legislativo e o Judiciário.

A Venezuela chavista, em crise terminal, é exemplar. A assembleia nacional só recentemente passou a ter maioria oposicionista, mas, como resposta, o regime, com Nicolás Maduro à frente, passou a governar com o tribunal superior, aparelhado de juízes militantes. Uma excrescência. O que a oposição aprova na assembleia é revogado pela Corte.

É uma evidência gritante que o Brasil nada tem a ver com a Venezuela. E por isso é possível o Congresso processar um presidente, e puni-lo. Não importa a votação que tenha obtido nas urnas.

Este aspecto tem sido de difícil compreensão para petistas e em especial a presidente afastada. Ela costuma citar os 54 milhões de votos que amealhou na reeleição como se pudessem torná-la inimputável. Ideia equivocada. Nenhuma quantidade de votos coloca o governante a salvo de preceitos constitucionais e de leis. Afinal, por suposto, Brasil não é Venezuela.

Saída para o caos fiscal - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 15/05

Ainda sem concluir o estudo que indicará o tamanho do rombo nas contas públicas, a nova equipe econômica tem pelo menos uma certeza: em vez de superavit de R$ 24 bilhões, antes previsto pelos antecessores, haverá deficit superior a R$ 100 bilhões. Ao valor, se somarão frustração de arrecadação e renegociação de dívidas dos municípios e das unidades da Federação, o que ampliará o saldo negativo para quase 2% do Produto Interno Bruto. Caótico é adjetivo brando para qualificar a situação do caixa do governo. Desafio é transformar o que é vermelho em azul.

Reduzir os gastos públicos, por meio de cortes de cargos comissionados, diminuição do número de ministérios, fusões de órgãos, é economia insuficiente para tirar o Executivo do atoleiro para o qual foi empurrado. Os gastos do período petista extrapolaram em demasia a capacidade do Estado. A caótica situação já estava prevista. O governo de Dilma havia pedido ao Congresso autorização para elevar o deficit fiscal, ciente de que estava descartada a possibilidade de equilíbrio das contas governamentais.

Entre as dificuldades do governo de Michel Temer, está o engessamento das receitas do Estado: 90% são carimbados, ou seja, têm destinação fixa, por força de lei. Restam 10% para que o governo possa movimentar em função das necessidades. Será preciso obter do parlamento autorização para ampliar para 30% a DRU (Desvinculação da Receita da União) e, assim, elevar a margem de manobra dos recursos públicos.

Mas a conta não será paga somente por meio da contenção de gastos. O ônus também pesará sobre os ombros de contribuintes e empresas. O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não descarta a necessidade de volta da CPMF, o imposto do cheque, que chega indistintamente para todos os cidadãos. Essa iniciativa precisa ser tratada com extrema cautela e responsabilidade, pois é forte a convicção, dentro e fora de Brasília, de que os brasileiros não suportam mais um aumento de carga tributária.

O não detalhamento das medidas econômicas por Meirelles eleva o grau de ansiedade do mercado, que quer sinalizações mais claras o quanto antes para que possa se organizar e apontar caminhos para o setor produtivo. Embora não se possa exigir tanto de um governo empossado há menos de 100 horas, urgência nas decisões é a imposição do momento. Como assegurou o presidente em exercício, Michel Temer, os ajustes devem preservar os programas sociais, sob risco de aprofundar a dramática situação hoje enfrentada por aqueles que, há muito pouco, foram retirados da via marginal do desenvolvimento nacional.


Se arrependimento matasse... - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 15/05

Valem mais do que palavras as imagens do homem que estava atrás de Dilma Rousseff, na ensolarada manhã de quinta-feira em que ela cometia a temeridade de falar de improviso aos manifestantes reunidos diante do Palácio do Planalto para prestar solidariedade à presidente que acabava de ser afastada. As fotos estampadas em todos os jornais, de um homem tristonho, abatido, desanimado, a cofiar o bigode com o pensamento provavelmente perdido em reminiscências de mais de 15 anos, podem ser interpretadas numa singela legenda de três palavras: “Se arrependimento matasse...”

Era ele o responsável original pelo desastre econômico, político, social e moral que resultou no afastamento constitucional da mais incompetente e contestada presidente da história da República. Chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Mais de dois anos antes de concluir seu segundo mandato, Lula passou a dedicar-se à escolha monocrática de seu sucessor. Inebriado pelo status quase divino que naquele momento lhe era atribuído, Lula tinha em mente alguém que preenchesse pelo menos dois pré-requisitos indispensáveis.

Primeiro: não representar ameaça a sua liderança. Um sucessor que aceitasse a missão de tomar conta da cadeira presidencial por quatro anos, já que estava escrito nas estrelas que em 2014 o Grande Chefe retornaria triunfalmente ao Palácio do Planalto. O segundo requisito era mais sensato: o candidato à Presidência deveria ter inegáveis qualidades de administrador, já que o manejo da política ficaria, é claro, por conta do próprio Lula. Deu Dilma Rousseff, a “gerentona”, apresentada como uma lutadora rigorosamente honesta e devotada a servir o povo. E ainda oferecia a inédita vantagem: se eleita, seria a primeira mulher presidente da República.

Lula não se deu ao trabalho de consultar ninguém, e quando o fez cumpriu apenas mera formalidade. Ignorou a resistência do petismo à indicação de uma candidata oriunda do brizolismo e sem forte tradição de militância no partido, já conhecida por ter um temperamento difícil, autoritário, expresso pela maneira rude como tratava pares e subordinados. Lula manteve-se irredutível. Sabia que tinha prestígio suficiente para eleger, como dizia, um poste e o pleito seria, portanto, outra formalidade.

Mas bastou Dilma vestir a faixa de presidente para o projeto lulopetista de perpetuação no poder começar a dar com os burros n’água. A troca do pragmatismo populista de Lula pela autossuficiência dogmática de Dilma abriu espaço para os defensores da “nova matriz econômica”, que haviam obtido resultados positivos com as medidas anticíclicas pontuais de combate aos efeitos da crise mundial de 2009. Sob Dilma, a “nova matriz” passou a ser um programa de governo pautado pelo fortalecimento da intervenção do Estado na economia.

Exemplos disso foram as tentativas erráticas de induzir com incentivos e desonerações arbitrárias o crescimento de grupos nacionais escolhidos a dedo – os tais “campeões”. Em nome da “defesa dos interesses nacionais”, impôs restrições à participação do capital estrangeiro em empreendimentos públicos.

Paralelamente, permitiu que se ampliasse a farra com dinheiro público na tentativa de estimular a produção de bens não pelo apoio à atividade industrial, mas pela concessão de crédito farto aos consumidores. Essa medida foi a alegria do povo, até que este se descobriu endividado até o pescoço. Então, o crédito farto revelou-se também incapaz de sustentar a produção e de evitar o sucateamento da indústria.

Do ponto de vista político, a soberba e a prepotência de Dilma selaram o destino do governo petista já no começo do segundo mandato, quando ela tentou alijar o PMDB, o seu maior aliado, do comando do Parlamento.

O coroamento da obra veio com a violação ostensiva das leis de responsabilidade fiscal e orçamentária e o julgamento que poderá resultar na cassação do mandato de Dilma e no desprestígio fatal do PT.

Era o autor dessa façanha, o tal criador de postes, que cofiava o bigode atrás de Dilma, com expressão de réu arrependido.


O ajuste necessário - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 15/05

Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária


Na primeira entrevista que concedeu no cargo de ministro da Fazenda, Henrique Meirelles apresentou de forma realista e pragmática o caminho que pretende trilhar para fazer novamente o país crescer. Meirelles declarou que a prioridade neste momento é equilibrar as contas do governo e evitar o crescimento da dívida pública. Enfatizou também o compromisso em atingir a meta de inflação, deixando claro que a função primordial da pasta será a de garantir estabilidade do cenário econômico.

O ministro terá de agir rápido. Na próxima semana o Congresso Nacional deve votar a revisão da meta fiscal. Com a arrecadação em queda, a meta de superávit primário de R$ 25 bilhões, fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, virou ficção e a proposta feita ainda no governo Dilma é de que fosse alterada para registrar déficit de até R$ 96,7 bilhões. Conseguir do Congresso a aprovação da nova meta é crucial para evitar a paralisia da máquina pública, caso haja novas necessidades de contingenciamento orçamentário neste ano. Isso significa que Meirelles precisará apresentar já na próxima semana um número realista sobre o verdadeiro estado das contas públicas.

Durante a entrevista, o ministro centrou seu discurso em questões fiscais e monetárias, não mencionando a criação de programas de estímulos de crescimento ou geração de empregos. A ausência do tema não evidencia que medidas desta natureza estão, ao menos no âmbito da pasta, fora de cogitação. Mas que não constituem prioridade. Pelo contrário, o ministro pretende rever a qualidade do gasto público, mantendo programas sociais e de estímulo econômico que estejam funcionando e, ao mesmo tempo, removendo benefícios que não fazem mais sentido, o que requererá uma análise criteriosa.

Ainda em relação ao desafio de consertar as contas públicas, Meirelles acerta ao dizer que pretende criar um teto de gastos para o governo. Isso permitirá que o gasto público não suba à medida que cresce o PIB – uma proposta necessária e que conta com o consenso no mercado.

Talvez nestes primeiros meses o maior desafio do novo ministro será o de conseguir a aprovação da reforma previdenciária. O momento é crítico e não existe ajuste de longo prazo se não forem mexidas as regras da previdência. Sem rodeios, Meirelles se posiciona de forma realista ao falar que terá de encaminhar um projeto que altere a idade mínima para a aposentadoria e estabeleça regras de transição – algo que deve gerar insatisfação especialmente junto às centrais sindicais. Essa pode ser a negociação mais difícil que levará a cabo neste momento.

Para ter sucesso, a condução do processo terá de ser muito diferente da que foi feito no governo Dilma. O ex-ministro Nelson Barbosa demorou tempo demais para construir a proposta em consenso com as centrais sindicais e empresários e, depois, o projeto foi desfigurado no Congresso Nacional com a ajuda do próprio PT. O resultado, a aprovação de uma lei que no longo prazo traria mais problemas às contas públicas. Com razão, Dilma vetou a proposta, mas garantiu que iria enviar outra parecida neste ano.

O estilo de Meirelles pode facilitar a negociação da reforma da previdência junto ao Congresso. Com perfil mais político que o de Joaquim Levi, Meirelles reúne condições de sair vitorioso onde o antigo ministro de Dilma falhou. As circunstâncias também o favorecem – os parlamentares sabem da necessidade do ajuste. Sem elas, o país não sairá da crise.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

MINISTROS JURARAM A TEMER QUE SÃO INOCENTES

Escolhas de Michel Temer para o ministério foram recebidas com reserva em razão do histórico de algumas delas em denúncias, até na Lava Jato. Esses ministros, velhos companheiros de PMDB do presidente, garantiram-lhe que não temem investigações. Michel Temer decidiu conceder-lhes crédito de confiança, mas todos estão cientes de que nada será feito para protegê-los, diante eventuais investigações.

TURISMO
Henrique Alves (Turismo) é um dos novos ministros citados na Lava Jato: teria recebido propina de Leo Pinheiro, o ex-presidente da OAS.

GOVERNO
Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) é citado em mensagens no celular de Leo Pinheiro, suspeito de receber propina do empreiteiro.

FORO GARANTIDO
Tanto Henrique Alves quanto Geddel Vieira Lima não têm mandato e, portanto, não tinham foro privilegiado até serem nomeados ministros.

OPÇÃO TÉCNICA
Sinalizando que nada fará contra a Lava Jato, Michel Temer decidiu manter o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello.

IMPEACHMENT VAI PREJUDICAR O PT NAS ELEIÇÕES
Senadores do PT se dizem pressionados por prefeitos do partido, às vésperas da eleição, a serem comedidos na apresentação de recursos contra o impeachment de Dilma, atrasando o andamento do processo no Senado. A ideia é “virar a página” antes do início da campanha. O impeachment preocupa especialmente o PT-SP. O prefeito Fernando Haddad, por exemplo, teme perder aliados como o PR de Tiririca.

IMAGEM TÓXICA
Partidos próximos ao antigo governo federal tentam se afastar da imagem tóxica de Dilma e do PT pois querem “ocupar o vácuo”.

VÁCUO NÃO EXISTE
Apesar do empenho de partidos como o PR, PP, PTB e até Rede e PCdoB, descolando-se do PT, a vinculação a Dilma os prejudicaria.

QUEIMOU
Pesquisa nacional do Instituto Paraná, em abril, mostrou que 62,2% dos eleitores não votarão em candidato pró-Dilma, no impeachment.

TROPA MORTADELA
O ex-chefe da Casa Civil de Dilma afirmou em conversa reservada que várias vezes aconselhou a presidente afastada a renunciar. Mas, segundo Jaques Wagner, ela dizia ser necessário “motivar a tropa”.

LÁ VEM O MORO
O Ministério Público Federal prorrogou pela quinta vez o inquérito da Operação Lava Jato. Desta vez, por 150 dias. Com a decisão, o processo pode ser concluído já em meados de julho deste ano.

COLARINHO BRANCO
Faz a delícia de rodas em Brasília a história de um lobista que todos os dias acorda antes do amanhecer, toma banho, veste paletó e gravata, senta e aguarda a PF bater à porta. Fica assim até sair para o trabalho. Sua explicação aos amigos: “Vestindo pijamas, eles não me pegam!”

DEBANDADA
O PT está preocupado com o estrago que o impeachment e a crise moral causam nas prefeituras. Mais de 70 prefeitos eleitos pelo PT em 2012 não estão mais no partido; redução de 12% dos 619 eleitos.

PROVIDÊNCIA URGENTE
Osmar Terra (Desenvolvimento Social e Agrário) tem um truque para um ministro novato que não conhece ninguém na repartição: fazer amizade, primeiro, com a mulher do cafezinho.

ASPONE OU ASMENE?
Se não extinguir, Michel Temer poderia ao menos simplificar uma típica boquinha petista: “Coordenação de Palácios da Coordenação-Geral de Administração Geral da Diretoria de Recursos Logísticos da Secretaria de Administração da Secretaria-Executiva da Secretaria de Governo”.

PÓS-IMPEACHMENT
Teve festa com a saída de Dilma até no bairro do Che Guevara, em Belém, no Colégio Carlos Marighella, inaugurado por Jaques Wagner em Salvador, e no colégio Carlos Lamarca, em Itaeté (BA).

SINCERICÍDIO
Pegou mal a declaração de Fernando Henrique Cardoso de que “se o governo [Temer] não funcionar, [o PSDB] cai fora”, disse o ex-presidente. Para a cúpula do PMDB, muito ajuda quem não atrapalha.

PERGUNTA NA FILA DO SINE
Como os 23 mil petistas que ocupavam boquinhas no governo Dilma vão sobreviver longe dos cofres públicos?