domingo, março 13, 2016

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Chegou a hora de dizer: basta! - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO 13/03

A maioria dos brasileiros, conforme atestam há tempos as pesquisas de opinião, exige que a petista Dilma Rousseff deixe a Presidência da República. A oportunidade de expressar concretamente essa demanda e, assim, impulsionar a máquina institucional responsável por destituí-la, conforme prevê a Constituição, será oferecida hoje, nas manifestações populares programadas Brasil afora. Chegou a hora de os brasileiros de bem, exaustos diante de uma presidente que não honra o cargo que ocupa e que hoje é o principal entrave para a recuperação nacional, dizerem em uma só voz, em alto e bom som: basta!

Que as famílias indignadas com a crise moral representada por esse desgoverno não se deixem intimidar pelo rosnar da matilha de petistas e agregados, cujo único interesse na manutenção de Dilma na Presidência é preservar a boquinha à qual se habituaram desde que o PT chegou ao poder.

Essa turma é hoje minoritária, quase marginal, totalmente destituída da força que um dia teve, quando seduzia a parte ingênua da opinião pública nacional com a promessa de um governo de vestais, empenhado apenas em promover a justiça social. Como essa farsa foi desmascarada pelos fatos – o Brasil se viu mergulhado em escândalos inéditos em sua história e o desastre do governo Dilma transformou o sonho do fim da pobreza no pesadelo da década perdida –, restou aos petistas insinuarem que os cidadãos comuns, aqueles que não se organizam em sindicatos ou “movimentos sociais” destinados, por incrível que pareça, a defender privilégios, correm algum risco se forem às ruas.

Já faz tempo que, ao farejar o fim dessa era de privilégios, a tigrada lançou no ar suas ameaças, com a pretensão de se impor pela força, já que pela razão não era mais possível. Em fevereiro de 2015, o chefão petista, Luiz Inácio Lula da Silva, se disse pronto para a “briga” e invocou o “exército do Stédile”, em referência ao raivoso líder do MST. Depois, em agosto, em pleno Palácio do Planalto, sob o olhar cúmplice de Dilma, o presidente da CUT, Vagner Freitas, pediu a seus colegas sindicalistas e assemelhados – essa turma de boas-vidas alimentados pelo trabalho alheio – que saíssem às ruas “entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a presidente”. Agora, encurralado pela Justiça, Lula tornou a arrotar suas ameaças, que encontram eco nos ouvidos de um número cada vez mais reduzido de seguidores, desesperados para ter algo em que se agarrar diante do esboroamento do poder petista.

Já ficou claro, no entanto, que esse punhado de irresponsáveis nada pode contra a maioria dos brasileiros honestos. Suas bravatas destemperadas nada são diante da resolução do povo, agora mais do que nunca convencido de que o País não suporta mais tanta corrupção e tanta incompetência. Já em seu primeiro mandato Dilma havia revelado, para quem quisesse ver, toda a sua incapacidade de governar. Mesmo assim, graças a uma campanha eleitoral baseada no medo e em mentiras de todo tipo, Dilma conseguiu se reeleger – para levar o País a um dos mais calamitosos períodos recessivos de sua história e a uma aguda crise política e moral.

Sem nenhuma vocação nem para a política nem para a administração, Dilma não teve forças para resistir ao sequestro de seu governo por oportunistas de variados naipes. É a eles que o País está entregue hoje e é contra eles todos – Dilma, Lula e os demais condôminos desse indecente edifício construído à base de corrupção e de mentiras nos últimos 13 anos – que os brasileiros erguerão hoje sua voz nas ruas.

Tudo isso poderia ter sido evitado se Dilma tivesse tido a grandeza de renunciar ao cargo. Na undécima hora, ela enfim revelaria algum traço da estadista que Lula prometeu para o País. Esse gesto serviria para evitar o sempre traumático impeachment, agora praticamente inevitável, e aceleraria a urgentíssima transição para um governo munido da legitimidade indispensável para reunificar o País e conduzi-lo para longe da tormenta. Mas já ficou reiteradamente claro que Dilma, Lula e os petistas são incapazes de pensar senão em salvar seus mesquinhos interesses, além da própria pele. Diante disso, resta aos cidadãos brasileiros mostrarem seu poder, proclamando, inequivocamente, que não admitem mais que o lulopetismo, desonesto e incompetente, continue encastelado no governo.

É com essa que eu vou - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 13/03

Dilma tem respirado à custa da nossa asfixia. O governo cairá, está podre. Esse era o título de uma coluna em que falava da manifestação de hoje. Os fatos correm tão rapidamente neste capítulo final que sou obrigado a escrever novas versões a cada dia. Dois acontecimentos, entre tantos, representam uma espécie de salto na linha de notícias: a denúncia de Lula, seguida de um pedido de prisão, e os documentos que a Andrade Gutierrez entregou à Justiça sobre doações ilegais à Dilma, em 2014.

A denúncia de Lula se dá no contexto daquela cooperativa Bancoop que lesou três mil famílias e terminou com a cúpula em apartamentos no edifício Solaris, em Guarujá. Ainda não ouvi ninguém defendendo a trajetória da Bancoop, exceto um lacônico depoimento de João Vaccari. Para um partido igualitarista é um movimento mais condenável ainda, salvar a pele enterrando os outros. Ao ler o texto que pede a prisão de Lula, constato que o famoso vídeo feito pela deputada Jandira Feghali foi anexado a ele. No vídeo, Lula aparece ao celular dizendo que quer que enfiem o processo no cu. O vídeo rodou pela internet e parece revelar o oposto do que dizem os defensores de Lula sobre sua boa vontade para atender à Justiça.

Curiosamente, os celulares de Jandira e de Lula só foram possíveis com a quebra do monopólio nas teles, que eles tanto combateram. A antena da Oi em Atibaia mostra como passaram de adversários a intérpretes radicais da privatização das teles. Ela serve apenas ao sítio de Lula, os vizinhos não têm sinal. Se o vídeo foi mesmo usado pelos promotores, voltaremos ao poeta Jorge de Lima: “o mundo começa nos seios de Jandira”. E diremos que o mundo acaba no celular de Jandira. Mas ainda não acabará assim: o pedido de prisão será avaliado por uma juíza e pode ser rejeitado.

Ao longo desses anos, consumi muita energia combatendo os erros do PT e satélites. Uma de minhas expectativas, após o domingo, é de olhar para frente, imaginar que Lula, Dilma e o PT em breve podem sair da agenda. Os adversários definem muito o que somos.

Combater gente mentirosa, cheia de truques, mastigando vulgarmente alguns conceitos marxistas, talvez tivesse sentido no fim do século passado. Hoje, isto me dá uma sensação de perda de tempo, como se tivesse de fazer um giro pelas aldeias chinesas que acham que a ida do homem à lua não aconteceu, foi apenas propaganda mentirosa dos americanos.

Olhar para frente é apenas uma necessidade. Não vislumbro nada de grandioso. Pelo contrário, uma dura fase de transição, em que será preciso ajustar a economia para deter a queda livre do nosso PIB. Se as pessoas que saírem às ruas hoje compreenderem isto, vão querer se manter unidas mesmo depois da queda de Dilma. Não será tão fácil assim: caiu, soltamos fogos e voltamos ao nosso cotidiano.

Estamos diante de desafios que dependem de todos. Impossível reestruturar a economia sem uma base responsável na opinião pública. Impossível combater o mosquito e seus estragos sem uma ponte entre governo e sociedade. Mosquitos e, certamente, ratos multiplicam-se com nossa passividade. Dilma está fora do baralho. Ela vive um único objetivo: o de não cair. E todos, inclusive o PT, sabem que ela não tem experiência política, capacidade de articulação nem habilidade para conduzir a crise.

O PT e alguns delinquentes do PMDB, que estão em busca da quadrilha ideal, usam Dilma apenas para continuar no poder, usufruir os últimos instantes de um projeto que sabem condenado. Eles não se importam com o tamanho do buraco. A experiência recente da Espanha, por exemplo, mostrou como certos processos econômicos são devastadores para a juventude. O alto nível de desemprego impediu que uma geração realizasse seu potencial.

Lá, pelo menos, os jovens compreenderam isso e se revoltaram. Por causa disso também vou à manifestação. Não a limito apenas ao desejo de punir a corrupção, atropelar o cinismo e botar os saqueadores na cadeia. Eu a vejo como um feixe de compromissos. O primeiro deles é com a credibilidade que nos dê a chance de crescer. O segundo, e também importante: como foi possível que o Brasil tenha chegado a esse ponto, onde estávamos todos que não impedimos o país de ser levado ao abismo?

Sinais de incompetência não faltaram. Evidências de desvios tampouco. O país foi incapaz de deter o processo e até hoje há quem pense que os bandidos vão vencer no final: PT e PMDB continuarão nos assaltando pela eternidade. Como foi possível conviver com tanta ladroagem? Como foi possível aceitar versões tão enganadoras? Como foi possível cultuar o cinismo que nos corrói? Ainda agora, surgem as velhas trapaças. O PT ameaça soltar nas ruas barbudos de camisa vermelha, e há garotas fazendo gestos obscenos com o dedo.

Ao PT interessa a hipótese de conflitos. Se as pessoas tiverem medo, não sairão às ruas. E alguns cronistas vão dizer: caiu o ímpeto do impeachment, Dilma respira de novo. Dilma tem respirado à custa da nossa asfixia. O governo cairá, de qualquer maneira, porque está podre. Abundam provas contra ele por ter usado dinheiro roubado nas eleições. A delação de um diretor da Andrade Gutierrez comprova isso, assim como as transferências da Odebrecht para o marqueteiro João Santana.

Lula será preso em algum momento, porque também contra ele avolumam-se os indícios de ser o chefe da quadrilha. Para que Dilma, Lula e o PT prossigam incólumes, é preciso que o Congresso desapareça na podridão, que o Supremo se revele petista, que a própria Polícia Federal e o Ministério Público engulam suas investigações. E que todos fiquem em casa com medo dos homens de barba.

O sinal das ruas - MERVAL PEREIRA

O Globo - 13/03

A importância dos protestos de rua para o fim de um mandato. Em seu clássico estudo “Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul”, a professora Kathryn Hochstetler, hoje na Universidade de Waterloo, aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.

Temos no país uma situação exemplar desse tipo estudado pela professora americana, e é por isso que as manifestações de hoje a favor do impeachment são estimadas como as maiores já realizadas nessa impressionante série que começou em 2013. A presença ou a ausência de grandes manifestações populares, exigindo sua deposição, mostra-se crucial para determinar os destinos dos governos em xeque, segundo ela.

Desde 1978, os desafios mais sérios vieram “de atores civis, no Legislativo e nas ruas, ou em ambos.” A presidente Dilma se escudava no fato de que nada havia contra ela pessoalmente, e seus defensores passaram a alegar que, como ela não participara dos escândalos, não poderia ser impedida. Embora o impeachment não seja uma ação apenas contra a corrupção, mas um instrumento das democracias para retirar do poder um presidente que, como Dilma, cometer crimes de responsabilidade, a característica eminentemente técnica das pedaladas fiscais serviam de biombo para sua defesa.

Mas agora, com a delação premiada de Delcídio Amaral mostrando que ela, além de ter sido ajudada por esquemas corruptos de arrecadação financeira para as duas campanhas em 2010 e 2014, tentou obstruir a ação da Justiça na investigação do petrolão, cooptando um ministro do Superior Tribunal de Justiça para que soltasse os presidentes das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht, justamente as duas que mais dinheiro oriundo da corrupção colocaram em suas campanhas presidenciais, ficou exposta a atuação direta da presidente no esquema de corrupção.

Perdida a maioria parlamentar com o desembarque do PMDB programado ontem na sua convenção nacional, e registrada a participação direta de Dilma no esquema de corrupção, a mobilização popular provavelmente ganhará impulso hoje nas ruas.

Uma observação “crucial” sobre esses casos, destaca o estudo da professora Kathryn, “é a de que deles todos resultaram novos presidentes civis num curto prazo. Em outras palavras, as quedas presidenciais são mudanças dentro do regime. Não são rupturas de regime, que pressupõem uma transição para um regime civil. De maneira uniforme, os vice-presidentes e os líderes legislativos assumiram mandatos constitucionais na qualidade de presidentes após as quedas presidenciais.”

Ela mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. “De modo geral, os presidentes, cujos partidos tinham minoria no Congresso, apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem.”

Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente.” Ela lembra que os protestos contra Collor tiveram até um milhão de pessoas, e os índices de popularidade dele caíram abaixo dos 10% no seu último ano, exatamente o que acontece hoje com a presidente Dilma. A professora Kathryn diz que a importância central do protesto das massas populares nas quedas presidenciais “sugere a necessidade de maior reflexão sobre o papel do público no presidencialismo.”

Para ela, as discussões sobre o presidencialismo deixaram de examinar “as formas pelas quais a população pode evidentemente retirar o mandato que concede, um fenômeno que se está tornando mais comum no cronograma da consolidação democrática.” Kathryn diz que em muitos casos “os legisladores pareciam calcular se as populações tinham maior tendência a puni-los por ação ou inação contra presidentes.”

Os protestos de rua em larga escala, “clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles.” Os protestos têm também a capacidade de “transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido.” Exatamente o que acontece hoje no país, como o PMDB e grande parte da antiga base aliada do governo aguardando o parâmetro que as ruas lhes darão.

Os políticos saem da sombra - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S. Paulo - 13/03

O mundo político está ansioso com o tamanho das manifestações de hoje. Os discursos já estão prontos. Se a rua encher, quem é contra Dilma Rousseff sairá repetindo que seu governo acabou. Se esvaziar, quem é a favor da presidente dirá que o impeachment perdeu força.

A turma do Fora PT terá reforços. As passeatas ganharam apoio aberto de entidades patronais, comandadas pela Fiesp, e de partidos de oposição, liderados pelo PSDB. Formou-se um bloco de profissionais para emparedar o governo, embora os jovens do Facebook ainda se apresentem como líderes do movimento.

O fim do mito das manifestações apartidárias deve trazer outra novidade: a presença de políticos no palanque. Em março de 2015, na maior onda de protestos que Dilma enfrentou até agora, não foi bem assim.

A avenida Paulista vaiou o deputado Paulinho da Força, veterano em escândalos de corrupção. O senador Aloysio Nunes, anunciado no carro de som, foi impedido de discursar. O senador Aécio Neves ficou em seu apartamento na praia de Ipanema. Limitou-se a aparecer na janela com uma camisa da seleção.

Agora Aécio promete ir à rua com o governador Geraldo Alckmin. Os dois são pré-candidatos a presidente e querem aproveitar a irritação geral com o petismo para assumir o leme dos protestos. Se der certo, os atos podem se transformar em comícios extemporâneos do PSDB.

Na quarta-feira, Alckmin se reuniu com deputados da oposição e representantes dos movimentos que se diziam "sem partido". O pretexto era discutir o esquema de segurança na Paulista. Hoje a polícia do governador divulgará a estimativa oficial de público na avenida. Mas quem ainda acredita nas contas da PM?
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A convenção do PMDB juntou Eduardo Cunha, Renan Calheiros e cartazes de apoio à Lava Jato. Isso é um partido profissional, os outros todos são amadores.

Os dois gumes da lâmina - PEDRO MALAN

ESTADÃO  - 13/03


“O passado é uma terra estrangeira: eles lá fazem as coisas de modo diferente”, escreveu Hartley (em O Mensageiro, 1953). O tempo do verbo é instigante: fazem, não faziam ou fizeram. Afinal, a terra estrangeira do passado pode ser visitada, no presente, por viajantes interessados em saber como eles fazem por lá. E por que viajam? Porque cada geração visita, aprende, interpreta e por vezes reescreve o passado, à luz de exigências interrogativas impostas pelo presente e de sonhos, desejos - e temores - sobre o futuro. Há encruzilhadas-chave desse infindável diálogo.

O Brasil encontra-se hoje - como raras vezes em nossa História - num desses angustiantes momentos definidores de sua trajetória futura. É obvio que não há soluções simples e as que parecem sê-lo estão erradas (na economia como na política). Não haverá uma grande batalha que tudo defina. Não há um dia D. Não há um(a) salvador(a) da pátria (como o Brasil, espero, tenha aprendido ou esteja aprendendo). Mas é imperativo acelerar o processo de ampliação do espaço das convergências possíveis.

Na área econômica, é mais do que chegada a hora de avançar na tentativa de convencer governos (nos três níveis), políticos e eleitores a aceitar a existência de restrições à tendência natural do Estado à expansão de suas incumbências, com frequência por pressão da própria sociedade. Mas o Estado apenas redistribuiu recursos que por ele transitam e que lhe vêm de tributação, do endividamento, da venda de ativos, do imposto inflacionário e/ou do uso sub-reptício de poupanças compulsórias. Tem aumentado, gradualmente, a percepção de que há claros limites para esse processo de expansão, quando o Estado já se sobrecarregou de obrigações. Ao dispersar demais suas atividades, o Estado fica mais suscetível a ceder ainda mais a interesses isolados, a persistir em fazer promessas que não pode cumprir, a criar expectativas de mais direitos por adquirir e a assumir metas e objetivos inalcançáveis - que acabam, com frequência, em retumbantes problemas de dívidas por equacionar.

Como afirmei em artigo neste espaço (12/1/2014) sobre um descabido, primitivo e maniqueísta “debate” sobre o Estado (que não deveria ser nem mínimo nem máximo, apenas mais eficiente naquilo que faz, e se propõe a fazer): “É possível que uma discussão aberta, transparente e não ideologizada mostre situações em que existam incumbências, existentes ou programadas, que poderiam estar além das possibilidades técnicas, humanas, financeiras e fiscais do próprio Estado - e de suas empresas”. Faltou acrescentar: como vem demonstrando cabalmente a nossa experiência ao longo dos últimos anos.

Apenas uma ilustração exemplar, e típica, do dito acima, há cerca de dois anos (21/4/2014) a presidente Dilma declarou o seguinte: “Só em 2014, estão em construção ou contratados para serem construídos aqui no Brasil, 18 plataformas, 28 sondas de perfuração e 43 navios-tanque (...). Graças à política de compras da Petrobrás, iniciada no governo Lula e desenvolvida no meu governo, renasceu uma indústria naval dinâmica e competitiva, que irá disputar o mercado com as maiores indústrias navais do mundo”.

Este é apenas um dentre incontáveis exemplos de voluntarismo explícito em outras áreas, como petróleo e gás, energia elétrica, concessões em infraestrutura (ferrovias, rodovias, saneamento, trens-bala, etc.). Exemplos adicionais podem ser encontrados na memorável, reveladora e imperdível longa entrevista do ex-presidente Lula, no auge da inflação-de-si, ao jornal Valor (17/9/2009).

Essas lembranças me vieram à mente ao reler uma conferência do ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers sobre uma discussão específica de política pública no seu país, mas que tem uma aplicação mais geral - e relevante para a necessidade que teremos ao longo dos próximos anos de lidar com consequências de descaminhos do tipo dos mencionados acima.

Disse Summers: “A primeira coisa que você sempre tem que se perguntar ao propor mudanças em uma importante política pública é: bem, esta política foi posta em vigor por alguma razão? Talvez seja uma boa razão e a política deve permanecer; existe sempre alguma presunção a favor do status quo e, portanto, você devia ter razões convincentes para superar tal presunção”. Summers concluiu: “Mas você também pode chegar à conclusão de que não há nada, na história do estabelecimento daquela política, que gere qualquer razão para acreditar que ela seja funcional, numa base continuada, hoje”.

O Brasil precisará aprofundar esta questão, como vem insistindo número crescente de respeitados economistas brasileiros: análises cuidadosas, não ideologizadas, mas baseadas nas melhores evidências e informações disponíveis, que permitam avaliar não conjecturas e opiniões, mas projetos, políticas e programas em execução e/ou em estudo. A experiência mostrará que as grandes diferenças na área de políticas públicas não são sobre os objetivos gerais a serem alcançados, e sim sobre as formas mais eficazes de fazê-lo.

Quero concluir este artigo, nestes dias turbulentos, com espesso nevoeiro à frente e um governo à deriva, com duas observações de dois exemplares “espectadores engajados”. Uma, de Raymond Aron, que escreveu: “A sociedade moderna precisa ser vista sem arroubos de indignação ou de entusiasmo”. A outra, de Eduardo Giannetti, que expressou preocupação semelhante: “A lâmina da serenidade precisa de dois gumes, para eliminar excessos de otimismo e de pessimismo”.

Estamos precisando, agentes políticos, agentes econômicos e espectadores engajados, usar um pouco mais os dois gumes das lâminas de Aron e Giannetti. Porque, não nos iludamos, estaremos “no sereno” por alguns anos mais. O futuro é terra estrangeira.