sexta-feira, janeiro 08, 2016

Por motivo de força maior - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 08/01

RIO DE JANEIRO - Há um ano, Marcelo Odebrecht pediu a um executivo da Petrobras dados para um "aide-mémoire" que estava escrevendo para Lula usar numa visita que faria à Argentina. O homem se empolgou e escreveu demais. Odebrecht o cortou: "Um terço de página apenas, ou o cara não lê".

Bom saber que Odebrecht escrevia "aide-mémoires" para Lula usar em seus pronunciamentos no exterior. Significa que, naquela época, Lula não precisava falar por conta própria, como no dia em que, em visita oficial à África, em 2003, chegou à Namíbia, olhou em volta e declarou: "Tão limpa que nem parece a África!" – ofendendo todos os países africanos pelos quais passara.

O incrível é constatar como Lula é tido em baixa conta justamente pelo homem que, então, vivia contratando-o para dar palestras nos vários continentes. Não eram palestras comuns, para plateias indiferentes, mas "lectures" dirigidas à nata política, social e econômica de cada país – gente sem tempo a perder e ansiosa para ouvir os ensinamentos de um governante bem sucedido. Eram palestras tão importantes que Odebrecht pagou a Lula, em um ano, R$ 4 milhões por elas – R$ 400 mil cada.

Uma palestra desse porte dura duas horas. Como falar duas horas sobre qualquer assunto sem dominá-lo? E como fazer isso sem ter lido balanços, relatórios, pareceres e análises, ou mesmo resumos preparados por assessores? E será possível guardar de cor todos os dados? Não, o palestrante terá sempre de se valer de papéis à sua frente. Mas, segundo Marcelo Odebrecht, textos de mais de um terço de página, "o cara não lê".

Um dia, alguém terá acesso a um vídeo, áudio ou transcrição de uma palestra de Lula paga por Odebrecht – ninguém viu nada até hoje. Só então se descobrirá o insuperável palestrante que ele era e, hoje, por motivo de força maior, deixou de ser.


Passarela para o amanhã - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/01

Nos dias animados do impeachment, lá por outubro, o PMDB mandou fazer roupa nova no alfaiate. O banho de loja era uma tentativa do partido de se candidatar a líder confiável de uma nova coalizão antipetista. Era um programa liberal de governo, a "Ponte para o Futuro", também um obituário da política econômica de Dilma 1 e das ideias do PT, às quais atribuía a ruína do país.

Pois então. O pessoal do PMDB diz agora que Dilma Rousseff ofereceu uma gambiarra para o presente, um acordo de paz com o partido. Nos termos do armistício, está a adoção de partes da "Ponte para o Futuro", o "Plano Temer". Segundo o pessoal do PMDB, foi o que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) ofereceu na reunião de quarta-feira com o vice-presidente, Michel Temer, que havia se tornado um dos líderes da destituição da presidente.

Há versões conflitantes sobre o que teria sido proposto e do que já foi conversado, por outras vias, com o PMDB. De menos incerto, seria o seguinte.

Primeiro, pode se discutir um limite para o crescimento das despesas de custeio do governo, que aumentariam a uma velocidade menor que a da economia, da expansão do PIB.

O que quer dizer "despesas de custeio" ninguém soube explicar direito (em tese, são todos os gastos que não os de investimento "em obras"). Várias despesas crescem mais do que o PIB (Previdência) ou tendem a crescer, em anos bons (tais como saúde e educação), pois são vinculadas ao tamanho da receita (se a arrecadação de impostos aumenta mais que o PIB, tais gastos vão junto). Qual gasto seria limitado?

Segundo, o governo se comprometeu com a fixação de uma idade mínima para o direito à aposentadoria, como disse ontem também a presidente em entrevista, em termos igualmente vagos.

Terceiro, o governo apresentaria um plano "amplo" de simplificação de impostos (menos variedade de impostos, menos alíquotas diferentes, menos exceções).

Quarto, haveria menos burocracia para a criação de empresas e para licenciamentos vários, ambientais inclusive.

Quinto, seriam criados programas de avaliação da eficiência de políticas públicas.

Gente do governo diz que a oferta não foi assim tão longe. Em especial, "não haveria hipótese" de acabar com a vinculação de recursos para saúde e educação ou com o reajuste automático, indexado, do salário mínimo e do piso dos benefícios do INSS.

Difícil acreditar que o PMDB vá se comover tanto assim com concessões programáticas, ainda mais tão vagas. Mas, caso o impeachment vá mesmo para o vinagre, pode ser um modo de o partido dourar a pílula da paz, de passar um verniz na reaproximação com o governo. Temer gostou da ideia.

Mais difícil ainda é acreditar que boa parte desse plano vá andar. Pode se tratar apenas de uma daquelas histórias dos recessos de verão (em anos mais amenos, por exemplo, a ideia de "reforma política" sempre aparecia em janeiro). Quando volta a briga de facas da política, tudo isso tende a virar picadinho.

Por enquanto, porém, o governo precisa de uma passarela para o amanhã, um caminho de vaca até abril, que seja, pois Dilma Rousseff ainda vive da mão para a boca, atolada na ruína econômica que criou e ameaçada ainda de deposição. Precisa de paz com Temer.

As razões da quebradeira dos Estados - RAQUEL LANDIM

FOLHA DE SP - 08/01

Depois que os hospitais do Rio de Janeiro colapsaram por atraso no pagamento de médicos e enfermeiros, o desastre nas finanças estaduais entrou de vez no radar da opinião pública.

Ao contrário do rombo do Tesouro Nacional - que tem profundas implicações na economia, mas não é tão perceptível para o cidadão - a quebradeira dos Estados é sentida diretamente pelas pessoas.

Não é só o Rio de Janeiro que está com problemas financeiros. Pelo menos Rio Grande do Sul e Minas Gerais atrasaram pagamentos dos décimos terceiros salários dos servidores públicos. Em Minas, o governo não sabe como pagará os salários dos próximos meses.

Os governadores culpam a recessão, que reduziu a receita com o ICMS e outros impostos, e dívidas deixadas pelos governos anteriores, mas o problema é muito mais grave e estrutural.

No primeiro mandato, a presidente Dilma autorizou o aumento do limite de endividamento para os Estados, permitindo que eles captassem bilhões e bilhões com bancos e organismos internacionais, para custear obras de infraestrutura e saneamento.

Na época, Dilma disse que os Estados "abrirem espaço para investimento, ter finanças equilibradas e, ao mesmo tempo, serem capazes de investir, é uma conquista do Brasil".

A mudança quebrava uma regra de ouro da renegociação das dívidas dos Estados com a União no governo FHC, que impedia que os governadores tomassem mais dinheiro emprestado e contratassem novas despesas.

O ex-ministro Guido Mantega foi ainda mais longe e afirmou que os Estados contribuiriam para um círculo virtuoso. "Eles investem, o país cresce, aumenta a arrecadação e a situação fiscal melhora", disse.

A avaliação não poderia estar mais equivocada. A maioria dos Estados não utilizou os novos recursos para investir em infraestrutura, mas deslocou o dinheiro para bancar e até elevar sua já onerosa folha de pagamentos.

"Quando o crédito foi cortado, os Estados ficaram sem recursos para investimento e uma folha de pagamento alta para pagar. É o típico caso de dar corda para enforcado", disse à coluna Bernard Appy, um dos maiores especialistas em tributação do país e ex-secretário executivo do ministro da Fazenda na gestão do ex-ministro Antonio Palocci.

Também há outras razões para o caos, como aumentos salariais concedidos por antecessores que tem impacto para vários anos. Ou ainda o peso dos reajustes do salário mínimo em parcelas significativas das folhas de pagamento estaduais.

A solução que vem sendo encontrada pelos governadores é a mesma de sempre: ao invés de cortar gastos, aumentam tributos, que vão reduzir ainda mais a renda da população e os investimentos das empresas, agravando a recessão e gerando inflação.

É mais um erro de política econômica que vai custar caro ao país. Só que, dessa vez, o problema estará evidente nos doentes barrados na porta dos hospitais, nas famílias de servidores com salário atrasado que não pagam suas contas e etc, etc, etc.


Nem pacotinho, nem pacotão - RENATO ANDRADE

FOLHA DE SP - 08/01

BRASÍLIA - O Planalto resolveu adotar uma postura mais cautelosa em relação às medidas que a equipe do ministro Nelson Barbosa discute para fazer o país sair do fundo do poço. E isso não é uma má ideia.

Administrar expectativas é uma tarefa fundamental para o bom andamento da política econômica.

Veja o caso da inflação. Se o Banco Central não consegue fazer com que as pessoas acreditem que os preços estarão em patamar adequado no futuro, o efeito das ações tomadas no curto prazo para atingir esse objetivo acaba tendo pouco efeito e os indicadores seguem sua escalada.

Diante da baixíssima taxa de credibilidade que ainda tem na praça, o governo Dilma Rousseff parece ter entendido que é preciso avisar, de antemão, que desta vez não vai ter pacote, pacotinho ou pacotão.

As medidas terão figurino mais austero, em consonância com os tempos magros que vivemos por aqui. O lema é baixar a bola agora para evitar desilusões futuras.

Como resumiu o ministro Jaques Wagner, o país não está mais em condições de oferecer pacotes bombásticos ou tirar coelhos da cartola, apesar de muita gente no PT ainda acreditar que boas intenções são suficientes para gerar dinheiro no caixa.

Vale lembrar que delírio não é uma exclusividade petista. Alguns segmentos da iniciativa privada ainda sonham com uma esticada na festa do dinheiro público bom, barato e direcionado ao cofre dos amigos.

Apesar do surto de sensatez, a pauta de medidas que a presidente pretende tocar ao longo dos próximos meses conta com dois itens que, por si só, garantem muita encrenca.

O mais simples é nada menos do que o renascimento da CPMF, o odiado imposto do cheque. Mas a bomba mesmo é a reforma da Previdência, tema mais impopular do que a própria presidente petista, como mostrou recente pesquisa da CUT.

Não teremos pacotão até o Carnaval, mas o barulho está garantido.

A China tosse - CELSO MING

ESTADÃO - 08/01

A turbulência econômica provém das convulsões da China, que ninguém sabe ao certo o que são, o que aumenta as apreensões



Há alguns anos se dizia que qualquer acesso de tosse dos Estados Unidos espalhava resfriado para o resto do mundo. Agora, esse efeito é atribuído à China.

O ano de 2016 começou sob o efeito de duas turbulências geopolíticas e outra econômica. As geopolíticas são os novos conflitos entre a Arábia Saudita e o Irã, que adicionam novo foco de incerteza ao já fortemente tumultuado Oriente Médio. A outra insegurança geopolítica foi produzida pelo anúncio de explosão experimental de uma bomba de hidrogênio pela Coreia do Norte.


Preços do petróleo


A turbulência econômica provém das convulsões da China, que ninguém sabe ao certo o que são, o que aumenta as apreensões. Com base nelas, os preços do petróleo despencaram para os níveis mais baixos em dez anos, os das demais commodities também vêm sofrendo baixas e as bolsas de todo o mundo operam aos soluços.

A gravidade da crise da China transparece mais das reações do seu governo do que dos indicadores da economia. Uma dessas reações foi a desvalorização de 0,5% do yuan, a moeda chinesa, determinada pelo Banco do Povo da China (banco central). Essa decisão sugere que, além de dar mais fôlego às exportações, o governo de Pequim começa a agir para evitar a fuga de dólares. A redução das reservas externas da China em dezembro, em nada menos que US$ 107,9 bilhões, para US$ 3,3 trilhões, parece confirmar esse refluxo.

E espraia-se a cisma de que o ritmo da atividade econômica na China não seja de crescimento do PIB a 7% ao ano. Pode ser menos. Mas quanto menos? Infelizmente, a baixa transparência das estatísticas deixa isso no ar.

Diante do aumento das incertezas, os mercados se retraem. Mas essa é apenas a reação imediata. Se for confirmada uma desaceleração mais forte da China, toda a economia mundial enfrentará terremotos em cadeia.

Do ponto de vista da economia brasileira, o mau momento da China vem na pior hora, quando a retração do PIB no biênio 2015-2016 pode ultrapassar os 7%, a inflação vai para perto de 11% ao ano e o desemprego ultrapassa os 8%. A China é o maior comprador de commodities do Brasil, especialmente de alimentos e de minério de ferro – e, agora, de jogadores do Corinthians.

Uma desaceleração mais acentuada do seu setor produtivo tende a provocar redução das encomendas de matérias-primas e desova de estoques. Nesse quadro, a fragilidade do setor do petróleo tende a se acentuar.

Nesta quinta, o Financial Times, de Londres, principal diário de Economia e Negócios da Europa, trouxe projeções de um dos maiores bancos de investimento do mundo, o Goldman Sachs. De acordo com elas, as cotações do petróleo podem resvalar para a altura dos US$ 20 por barril. Pode-se retrucar que esse é um palpite entre muitos outros, que se desencontram entre si. O problema é que os preços do petróleo e de um punhado de commodities já não são formados apenas pelos fundamentos do mercado. Os critérios subjetivos tendem a aumentar de importância e não há indicações de que esse quadro possa se reverter ainda no primeiro semestre deste ano.

CONFIRA:

Produção industrial brasileira


A produção industrial de novembro caiu mais do que o esperado: 2,4% em relação à de outubro e 8,1% no acumulado do ano até novembro. A principal consequência é o arrasto negativo para 2016.

Cadernetas

Os rendimentos de R$ 47 bilhões no ano não foram suficientes para aumentar o saldo das cadernetas, que ficou quase 1% menor do que o de 2014. O resultado é consequência do retorno relativamente baixo (em relação a outras aplicações de renda fixa) e da necessidade de socorrer o orçamento doméstico corroído pela inflação.

O veneno da intolerância - PAULO SOTERO

ESTADÃO - 08/01

Duas cenas da tensa passagem de ano expuseram o clima de intolerância política que a crise atual alimenta no Brasil entre pessoas e grupos com opiniões aparentemente irreconciliáveis sobre as causas de nosso infortúnio e as possíveis soluções. O cisma envenena o ambiente e põe em questão a percepção benevolente que nós e outros temos sobre a saudável propensão dos brasileiros a negociar suas diferenças. Os dois episódios aqui citados passaram-se em espaços públicos e envolveram figuras admiradas pela maioria pelo que fizeram no desempenho de seus respectivos ofícios.

Chico Buarque de Holanda, filho da elite que subiu o morro para beber na fonte da música popular e construiu obra exemplar, cantando em verso e prosa nossas esperanças, amores e aflições, foi insultado por antipetistas numa calçada do Rio de Janeiro por ser adepto da impopular presidente Dilma Rousseff e crítico do impeachment que ela enfrenta no Congresso.

Exemplo de superação numa das sociedades mais desiguais do planeta, o juiz federal aposentado Joaquim Barbosa, primeiro negro alçado ao Supremo Tribunal Federal, foi hostilizado por petistas ao sair de um bar em Brasília. O motivo da ira dirigida ao ex-presidente do STF ficou claro nos vivas que autores dos insultos deram ao ex-presidente do Partido dos Trabalhadores José Dirceu de Oliveira, condenado à prisão em 2012 por crimes de corrupção, com outros próceres do PT, em julgamento conduzido por Barbosa e que abriu caminho para a Operação Lava Jato.

Em 1981, o historiador Boris Fausto vislumbrou a divisão expressa pelos constrangimentos vividos pelos dois ícone brasileiros em conversa sobre os desafios que viriam com democracia, já então em nosso horizonte. “O grande teste acontecerá quando começarmos a mandar os bacanas para a cadeia”, previu Boris, que passava um período como pesquisador no Wilson Center. “Mas isso vai demorar, pois cadeia no Brasil serve só para uma parte da população, e seria uma violação dos direitos humanos mandar nossa gente fina para as penitenciárias que temos”, acrescentou ele, sarcasticamente.

Numa ironia da História, quis o destino que coubesse a um juiz descendente de escravos mandar para a prisão gente importante do partido preferido do compositor, em acontecimento que revelou à Nação estarrecida crime organizado em altíssima e vasta escala, cuja existência – desde sempre presumida – foi confirmada por ações conduzidas por agentes da lei sob supervisão do STF. O mesmo, aliás, vale para o processo de impeachment, regulado pelo Supremo.

Há muito a celebrar nos fatos acima. Chico Buarque, autor censurado e perseguido por uma ditadura que combateu, exerce o direito cívico que ajudou a conquistar ao manifestar suas opiniões e lealdades políticas. O fato de elas desgostarem milhões não as invalida nem diminui a contribuição do compositor à Nação. Da mesma forma, o desempenho de Barbosa no caso do mensalão desagradou a uma parcela da elite nacional, nela incluídos os líderes e os intelectuais do PT. A realidade, porém, é que o ex-presidente do Supremo agiu guiado por princípios de justiça inscritos na Constituição e foi acompanhado em seu voto condenatório por sete ministros, vários nomeados para a Corte, como ele próprio, por presidentes petistas – fato que constitui prova de maturidade democrática. As posições políticas que Barbosa assumiu desde que deixou o serviço público são, a exemplo das opiniões de Chico Buarque, as de um cidadão que tem todo o direito de manifestá-las do púlpito privilegiado que conquistou por seus méritos.

Da mesma forma, por tristes e prejudiciais que sejam para a economia, as revelações dos crimes do petrolão mostram o vigor com que uma nova geração de juízes, promotores e agentes da lei formada na democracia se empenha hoje para fazer valer o primado da lei, respondendo à demanda da sociedade por justiça e decência na política – um valor que, vale lembrar, inspirou a mobilização cívica da qual surgiu o PT como partido da ética e foi fator vital na transição democrática em 1985.

A discórdia trazida pela crise está evidente em todos os espaços do debate público. Como muitos que leem estas linhas, tenho amigos em campos opostos da briga. Todos têm formação universitária. A maioria mora em bairros privilegiados. Alguns são vizinhos. Seus comentários no Facebook vão, no entanto, muito além da expressão de diferenças próprias do debate democrático e transmitem mal disfarçado desprezo, para não dizer ódio, por aqueles dos quais divergem.

Aí mora o perigo. Ele não existe só no Brasil. Turbinado pela mídias sociais, está presente nos ataques que desqualificam adversários e ameaçam padrões de convívio também em sociedades onde a democracia tem raízes antigas e profundas.

O sociólogo Simon Schwartzman colocou o dedo na ferida em mensagem de ano-novo aos amigos, na qual tratou da crise brasileira no contexto do que chamou de “nostalgia das grandes narrativas” desaparecidas com o colapso do comunismo soviético, a crise do capitalismo, “a fascinação com os novos totalitarismos do século 21” expressos por fundamentalismos religiosos, “o novo confucionismo oriental e novos populismos” na América Latina.

“Vista nesta perspectiva, a crise que afeta o Brasil vai muito além de um confronto entre políticas econômicas e sociais, problemas de corrupção e firulas jurídicas sobre se o governo cometeu ou não crime de responsabilidade (…)”, escreveu Simon. “Tudo isso tem sua importância, mas o que está em jogo é se o país vai conseguir, em algum momento, incorporar os valores e a cultura de uma sociedade pluralista, democrática e moderna, ou vai continuar atolado no pântano de ideologias degradadas e sua outra face, que é o predomínio dos interesses imediatos e predatórios, na economia e na sociedade.” Eis o desafio da crise que nos assombra.

* PAULO SOTERO É JORNALISTA, DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE DO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS, EM WASHINGTON

A guinada silenciosa - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 08/01

Riscos para a inflação só pioraram de dezembro para cá



A ordem no governo é estabilizar o crescimento. Fazê-lo parar de cair para, em um segundo momento, conseguir que a atividade econômica volte a crescer. Simultaneamente a essa tarefa, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, precisa se livrar da marca de "pai da nova matriz econômica" e conquistar credibilidade junto ao mercado. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, nessa nova etapa do governo Dilma Rousseff, também não pode perder a margem de credibilidade que conquistou nos últimos tempos.

É assim, trilhando caminhos pantanosos que ambos, Barbosa e Tombini, vão buscar tirar a economia brasileira do fundo do poço em que se encontra.

A troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa significa mudança, mas esta deverá ser uma "guinada silenciosa", na visão de um atento observador da política econômica. Silenciosa porque nada será feito de forma escancarada nem o governo vai se aventurar em medidas tresloucadas.

A engenharia montada para o pagamento das "pedaladas", que levou o Tesouro Nacional a irrigar com R$ 55,8 bilhões o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa e o FGTS é um modelo que pode inspirar novas decisões. Algo que não seja nem tanto ao mar nem tanto à terra.

A operação de "despedalada" aparentemente não tem impacto fiscal futuro. Mas se os recursos forem usados para reforçar a carteira de empréstimos dos bancos públicos, como indica o governo, significará uma conta de subsídios à frente. O BNDES, por exemplo, emprestará com base na TJLP, taxa de juros de longo prazo de 7,5% ao ano.

Levy não queria pagar os R$ 22 bilhões ao FGTS de uma só vez, como fez Barbosa. E queria que o BNDES devolvesse os R$ 30 bilhões de aporte do Tesouro que não foram emprestados. Na operação feita, porém, o BNDES só pagou R$ 15 bilhões à União. O que o FGTS fará com os recursos recebidos não precisa ser decidido de imediato, porque o fundo tem orçamento para a primeira metade do ano.

O Comitê de Política Monetária, no entanto, pode ser um entrave na estratégia de estabilizar o crescimento. O Banco Central sentiu, nos últimos dias, a pressão que vem do PT e de ministros do partido com gabinete no Palácio do Planalto para parar de elevar a taxa básica de juros e, de preferência, começar a cortar a Selic, hoje em 14,25% ao ano.

A próxima reunião do Copom, nos dias 19 e 20, será a primeira após a troca de comando da Fazenda. No dia do anúncio da substituição de Levy por Barbosa, o BC divulgou nota adiantando que a mudança "não representa qualquer mudança na política monetária em curso". Desde a ata da reunião do comitê de novembro o BC vinha afirmando que faria o necessário para levar a inflação para o intervalo da meta em 2016 e para a meta de 4,5% em 2017. O mercado entendeu que a retomada do ciclo de aperto monetário ocorreria na reunião deste mês.

Nos últimos dias, porém, restabeleceu-se a dúvida sobre se o Copom vai aumentar a Selic. Diante das notícias de que o Palácio do Planalto não gostaria de ver os juros em alta e de temores relativos à nova posição de Barbosa no governo, a presidente Dilma Rousseff foi perguntada e respondeu a jornalistas ontem, durante café da manhã, que "ninguém no governo, a não ser o presidente do BC, está autorizado a falar sobre juros". Resposta semelhante foi dada no dia anterior pelo ministro da Fazenda.

No BC, a informação é de que sobre esse assunto vale o que está escrito na última página da apresentação do relatório de inflação, dia 23 de dezembro: "Independentemente do contorno das demais políticas, o Banco Central adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo CMN, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017".

Do dia 23 para cá a taxa de câmbio teve mais uma rodada de desvalorização, indo para a casa dos R$ 4, os preços dos alimentos estão em alta e os transportes urbanos de dez capitais tiveram aumento, decisão que o BC não esperava para um ano de eleições municipais. Pioraram, assim, as fontes de pressão sobre uma inflação que deve ter encerrado o ano de 2015 em 10,8%. Hoje o IBGE divulga o IPCA do ano passado e, a partir daí, a qualquer momento o Copom divulgará carta aberta ao ministro da Fazenda para explicar as razões do não cumprimento da meta (cujo teto é de 6,5%) em 2015. Descreverá, também, a estratégia para forçar a convergência da inflação para o intervalo da meta em 2016 e para a meta de 4,5% em 2017. A carta será publicada antes da reunião do comitê.

Se a decisão for de não subir os juros este mês, a comunicação do Copom terá que ser bem construída para não alimentar a ideia de que a mudança do comando da Fazenda representou, também, a flexibilização da política monetária. Uma interpretação que não melhoraria a credibilidade de Barbosa e minaria a de Tombini.

Nos prognósticos de grandes bancos, a variação do IPCA será de 0,95% em janeiro e de 0,80% em fevereiro. A taxa de 12 meses deve ficar acima de 9% até abril para então começar a cair.

Economistas do setor privado se dividem, hoje, em relação ao juros. Não será necessariamente um erro o Copom não elevar a Selic mesmo com pressões adicionais sobre a inflação, dado o tamanho da recessão e da crise política que se arrasta desde o ano passado. O erro maior, na visão desses profissionais, é estar com uma política fiscal flexível e a monetária restritiva, enquanto a situação do país requer exatamente o contrário.

A hora da verdade para Barbosa será em meados de fevereiro, quando ele terá que apresentar o decreto de contingenciamento do orçamento tendo como objetivo o superávit primário de 0,5% do PIB. Essa decisão vai preceder o desfecho do processo de impeachment, cuja votação no plenário da Câmara é prevista para abril. Isso obrigará o governo a assumir compromissos sem saber com que forças políticas poderá contar. Se o primeiro sinal da política fiscal, em fevereiro, for crível, com a demonstração de receitas compatíveis com as despesas, o ministro terá vencido bem a primeira etapa.

Toda a estratégia está sendo traçada sem que se considere novas turbulências vindas de fora. O agravamento da situação da China, com o desaquecimento da economia sendo mais forte do que imaginado, não é parte do cenário. Mas, se ocorrer, muda tudo, a começar da taxa de câmbio.

Balanço dos riscos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 08/01

O mercado está com medo da desaceleração global. Essa é a tese do economista Ilan Goldfajn, ao comentar mais um dia de queda na bolsa chinesa, que foi acompanhada por outros índices mundo afora. A China saiu de 12% de crescimento em 2010 para algo em torno de 6% agora, mas ainda é o que segura o crescimento mundial. Os Estados Unidos estão com uma taxa de 2%, sendo considerada boa recuperação.

A dúvida, segundo Ilan, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, é o quanto mais a China vai desacelerar: - O medo é que, na descida da ladeira, a China leve um escorregão e caia muito mais do que está previsto. A dúvida nos últimos dias é por que o Banco Central está depreciando tanto a moeda? O temor é de que o crescimento vá para 4% ou menos - disse.

Quanto mais a China desacelerar, mais o crescimento mundial será afetado e mais incerta fica a recuperação americana. Isso também tem reflexos no ritmo de elevação da taxa de juros nos Estados Unidos. O que faz com que 2016 tenha começado com duas grandes incógnitas, exatamente sobre as duas maiores economias do mundo. Isso torna mais difícil a vida de um país com as fragilidades do Brasil.

- O problema é a fragilidade, porque choques no mundo sempre há. O país navega e passa. Mas com uma fragilidade de recessão de 4%, será muito difícil administrar um novo choque - explicou.

A mudança no quadro internacional faz sair dólares do Brasil, e isso eleva o câmbio, afetando a inflação. Uma boa notícia é que o dólar mais alto reduziu o déficit em transações correntes. Pelas projeções do banco, que ele mostrou em entrevista que me concedeu na Globonews, vai chegar a US$ 50 bilhões no fim do ano, e isso é metade do que era em 2014. Com essa redução e o alto nível de reservas, há menos riscos de uma crise cambial, como as que o Brasil teve no passado. Alguns velhos riscos, contudo, reapareceram. O pior deles é a elevação da dívida interna, que subiu para 66% do PIB agora e cuja projeção é de que chegue a 80% em 2018.

- Uma dívida que está indo para 80% é uma dívida fora de controle. Não é à toa que o Brasil perdeu o grau de investimento, por causa dessa trajetória. O país não voltará a crescer enquanto não resolver este problema - disse.

Ilan preparou um gráfico sobre o PIB brasileiro que, em vez de mostrar a taxa de crescimento, mostra um índice com o tamanho do PIB. O Brasil cresceu até 2013 e depois começou a cair. Se confirmada a recessão de 2,8% que o Itaú Unibanco projeta para este ano, o país chegará ao fim de 2016 com o mesmo tamanho que tinha em 2010. Todo o ganho foi perdido: - O crescimento só volta com a volta da confiança e isso só acontecerá quando se perceber que a dinâmica da dívida está estabilizada porque o fiscal está resolvido. Ninguém investe sem saber quem vai pagar a conta desse déficit. Medidas de estímulo só resolvem quando não se tem um problema fiscal tão grave.

Apesar de o ministro Jaques Wagner ter falado em não tirar coelho da cartola, o "Valor Econômico" disse ontem que o governo quer usar o dinheiro que foi pago aos bancos públicos e ao FGTS nas pedaladas para expandir o gasto sem impactar as contas públicas. Ilan Goldfajn acha que isso é um novo erro do governo.

- O dinheiro que o FGTS usa e os bancos públicos emprestam é subsidiado a uma taxa que é preciso que o governo banque. Se o governo não quiser pôr isso no gasto primário, em algum momento vai aparecer, como aprendemos. Não tem milagre. Tem que pôr tudo no Orçamento - afirmou.


Guinada, mas para onde? - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 08/01


O estupor com que as declarações de ontem da presidente Dilma foram recebidas pelos movimentos de esquerda e pelos blogueiros chapas-brancas não tem preço. A presidente que chegou para o café da manhã com jornalistas parecia outra pessoa: defendeu o equilíbrio fiscal, a inflação dentro da meta, a reforma da Previdência e uma série de pontos que são opostos ao que PT e o ex-presidente Lula pretendem. E negou que tenha, em algum momento, tratado de uma “guinada à esquerda” na economia.

Está ficando cada vez mais clara essa distância entre os dois. O que é surpreendente é que a presidente Dilma esteja defendendo pontos de vista corretos, mas fica a pergunta: Por que nunca fez isso? Por que passou todo o primeiro mandato fazendo o contrário? Por que colocou o país nessa situação, a troco de quê, se está convencida de que o equilíbrio fiscal é fundamental?

Pelo jeito fez uma experiência que deu errado, e agora tenta consertar retomando o rumo de uma política econômica que seus parceiros classificam de “neoliberal”, a mesma que ela tanto criticou durante a campanha eleitoral. Antes tarde do que nunca, mas o problema vai ser ter apoio no Congresso.

O PT e as centrais sindicais vão recusar apoio à reforma da Previdência nos termos anunciados por Dilma, a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria. Ontem mesmo João Pedro Stédile, do MST, já se levantou contra Dilma, prometendo manifestações pelo país se os direitos dos trabalhadores do campo forem afetados. Também Boulos, do movimento dos Sem Teto, ameaçou um levante popular contra o governo. E a CUT já havia anunciado que não aceitará mudanças na aposentadoria dos trabalhadores.

A presidente vai ter que buscar apoio no PMDB e na oposição, e não creio que tenha condições para refazer sua base partidária assim, de repente. No limite, ela teria que fazer um movimento brusco seguindo o conselho de Cid Gomes: sair do PT. Não creio que possa fazer isso. Mas quando Dilma fala que o governo não responde a um partido apenas, mas à sociedade, está dizendo que o que o PT exige não se coaduna com o que a sociedade pretende.

Um recado claro da presidente, que enfatizou que nunca discutiu com o PT uma “guinada à esquerda”. Essas declarações foram feitas no dia seguinte a uma reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu mais crédito e menos juros para retomada rápida do crescimento econômico.

A presidente repetiu seu ministro Jaques Wagner, dizendo que não há coelho na cartola, que não se resolve com mágica a situação econômica, e o ex-presidente Lula deve ter entendido que já não tem condições de ditar as regras como antigamente. Os tempos mudaram, e nada mais exemplar dessa mudança do que as cinco horas em que Lula passou depondo na quarta-feira na Polícia Federal sobre a Operação Zelotes.

A presidente Dilma não parece preocupada com os arroubos de sua base social, mas em tentar fazer a coisa certa, finalmente. Mas vai ser muito difícil essa mudança de rumo, e não se vislumbra o que a fez ser tão assertiva quando era óbvio que as reações viriam de todos os lados que ainda a apoiam.

O dilema da presidente é que esse apoio, inclusive o de Lula, exige dela uma subserviência que ela parece não estar disposta a dar. E, diante do quadro de instabilidade política que a cerca, com o impeachment que, bem lembrou Lula, “ainda não está enterrado”, é difícil entender a guinada de Dilma, um salto sem rede de proteção.

Ela acabará dando motivos ao PT para se afastar de seu governo, romper politicamente a pretexto de defender os “interesses do povo”. Ir para o PDT, voltando às suas raízes brizolistas, conforme diversos sinais que surgiram nos últimos dias, não seria uma saída política brilhante, pois o brizolismo não é exatamente uma força política que possa sustentar um governo tão fragilizado quanto o de Dilma.

E a fixação de uma idade mínima é importante, sem dúvida, para a saúde financeira da própria Previdência e, por conseguinte, para o país, mas não é nem de longe um tema popular que dê respaldo político a um governante.

A melhor série do momento - NELSON MOTTA

O GLOBO - 08/01

Que time de grandes ficcionistas criaria uma história melhor e mais cheia de emoção, surpresas e mistérios?


Janeiro é o terror dos cronistas (menos os de turismo), o país está em férias, todo mundo viajando, tudo fica adiado para depois do carnaval, nada acontece. Escrevi durante oito anos uma coluna diária no GLOBO e nunca reclamei de falta de assunto, mas o principal motivo para jogar a toalha foram tantos janeiros abrasadores atravessando desertos de notícias.

Este não seria menos modorrento, mas, com a volta do juiz Sérgio Moro às atividades, mais cinco procuradores especiais trabalhando nas investigações do núcleo político do petrolão, e fortes indicações da iminente prisão de eminentes parlamentares, a Lava-Jato volta a pleno vapor e garante que no Brasil raros janeiros terão tanto assunto. O público aguarda diariamente um novo capítulo do melhor reality show do momento.

Certamente, em um futuro próximo a Lava-Jato será transformada em uma série de televisão, com a realidade superando a ficção na sensacional história de uma operação policial que mudou um pais, comandada por um juiz justo e corajoso e uma brigada de jovens e bravos procuradores unidos a uma Polícia Federal honesta e eficiente, mas com seus traidores e corruptos, desvendando a trajetória de heróis e vilões, de chefões e delatores, de empresários poderosos e suas famílias, o drama de cada um, a trama de uma organização criminosa no coração do Estado, a teia de interesses que une políticos, partidos e corruptos profissionais para saquear um país e se eternizar no poder.

Que time de ficcionistas criaria uma história melhor e mais cheia de emoção, surpresas e mistérios?

Quando janeiro passar, a novela da crise seguirá com novas medidas para reanimar a economia. O mistério é como um governo que não tem dinheiro para pagar suas contas, suas dívidas crescentes e um colossal déficit público, e gasta mais do que arrecada, vai investir em crescimento. Só aumentando impostos, ou se endividando ainda mais, e a juros mais altos, depois de perder grau de investimento, ou até torrando reservas internacionais duramente conquistadas nos tempos da “velha matriz econômica”. Para jogar tudo numa receita que não deu certo?

Enquanto isso, em Curitiba...

Muito mel, muita lambança - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 08/01

Alguém no governo e no PT precisa responder a uma perguntinha que não quer calar: por que raios o governador da Bahia, o prefeito da principal capital do País e o presidente do Banco do Brasil tinham tal proximidade com o mandachuva de uma grande empreiteira que viria a ser condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa?!

O tal sujeito é Léo Pinheiro, que foi presidente da OAS, chamava o então presidente Lula carinhosamente de “Brahma” e, conforme mensagens capturadas pela Operação Lava Jato e divulgadas ontem pelo Estado, parecia onipresente. Da Bahia a São Paulo, passando por Brasília, ele estava em todas. Um troféu vivo, e ambulante, à promiscuidade entre público e privado.

Governador da Bahia e hoje chefe da Casa Civil, Jaques Wagner esforçava-se para ser solícito com Léo Pinheiro e dar uma forcinha para seus pleitos na capital da República. Isso sem falar no trânsito intenso de funcionários que ora são da OAS, ora são do governo da Bahia – e decidem sobre obras que a própria OAS toca ou irá tocar.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, deu uma boa resposta para a atuação de Léo Pinheiro junto ao deputado Eduardo Cunha pela aprovação da rolagem da dívida da capital paulista: “Falei com mais de cem pessoas”. Mas o que um empreiteiro tem a ver com negociação no Congresso? Logo um empreiteiro que viria a ser condenado a 16 anos de prisão? Que interesse Léo Pinheiro teria na rolagem da dívida de São Paulo? Só se for puro amor à cidade, ou singela amizade ao prefeito.

E lá está o presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, citado de forma nada inocente num suposto esquema de compra de títulos da dívida da... OAS! E exatamente quando ele presidia o Banco do Brasil, ali pela mesma época do tal empréstimo curioso à socialite Val Marchiori. É preciso esclarecer muitas coisas nessa história, particularmente por que o presidente do BB diz que queria falar com o empreiteiro da OAS, “mas só se estivesse num telefone fixo”. Que segredos havia entre os dois?

As mensagens, por ora, não provam nada, mas levantam muitas lebres saltitantes em torno de altas figuras do PT, do homem-chave do governo Dilma Rousseff e de um executivo que presidiu o maior banco público e preside a maior empresa estatal do Brasil. Confortável não pode ser.

Já seria ruim em condições normais de temperatura e pressão, imaginem no meio de uma tempestade política, com ventos fortes levando a economia não se sabe para onde e com o ex-presidente Lula depondo, mês sim, mês não, na Polícia Federal. Aliás, não apenas depondo, mas depondo por intermináveis cinco horas! A PF tinha muitas perguntas a fazer...

Somando-se as duas pontas – as enormes dúvidas da polícia quanto à Operação Zelotes, que chega a Lula, e as mensagens em mãos da Procuradoria-Geral da República, que atingem Wagner – tem-se que o passado e o futuro do PT estão em xeque ou, pelo menos, na berlinda. Lula é o presidente da República do mensalão, do petrolão, da Zelotes. Wagner, o ministro forte do governo que tenta amenizar o tom beligerante dos governistas e reaproximar o PT da opinião pública. Lula é apontado como candidato do PT em 2018. Wagner fala e age como tal.

Como alardeiam os governistas e admitem os oposicionistas, o impeachment subiu no telhado e parece estar decolando para longe de Dilma e do Planalto, mas isso não resolve tudo. Talvez não seja exagero dizer que não resolve nada. O processo de impeachment, certamente, não é o único e nem mesmo o maior problema de Dilma, de Lula e do PT. Pior é ela ficar, não conseguir estancar a sangria da economia nos próximos três anos (uma eternidade...) e o partido não conseguir explicar, hoje, nas eleições municipais e em 2018, tanto melado e tanta gente lambuzada.

China expõe fragilidade da indústria brasileira - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 08/01

A desaceleração chinesa subtrai bilhões das exportações de matérias-primas do Brasil, e o país não consegue compensar as perdas com a venda de manufaturados


O mercado de ações da China teve ontem mais um dia tumultuado, com as negociações sendo suspensas depois que a bolsa chegou a uma queda de 7%. O mesmo ocorrera na segunda-feira. Pelo tamanho da economia chinesa, a oscilação se espalhou pelo planeta.

Há evidentes problemas na segunda maior economia do mundo, o que afeta o Brasil de maneira direta, e já há algum tempo. Maiores importadores de commodities brasileiras (soja e minério de ferro), os chineses respondem por parte relevante da queda das exportações nacionais. Em dois anos o Brasil perdeu, na conta das vendas ao exterior, uma receita de US$ 50,9 bilhões. Nas commodities, US$ 25,8 bilhões. Ao desacelerar, a China ajudou a reduzir as cotações de matérias-primas.

Ainda assim, o país voltou a acumular superávit, obtendo no ano passado um saldo positivo no comércio de US$ 19,7 bilhões, o maior desde 2011, depois de um déficit de US$ 4 bilhões em 2014. Este superávit, entretanto, deriva de uma crise: a vertiginosa recessão causada por erros da política econômica do primeiro mandato de Dilma. As exportações caíram, no ano passado, 14,1%, mas as importações, puxadas pela recessão, retrocederam 24,3%. Daí o superávit.

A economia brasileira poderia compensar parte do que perde em commodities com a venda de manufaturados, não fosse um erro estratégico crasso cometido na política industrial.

Com todo o crescimento no século XX, o Brasil, na essência, manteve uma relação de padrão colonial com o mundo: exportador de matérias-primas e bens industrializados de baixo conteúdo tecnológico (salvo exceções) e importador de bens mais elaborados.

A chegada do PT ao Planalto reforçou a distorção, enfatizada por um ciclo de ouro de elevação do preço de commodities, na esteira da expansão da China, um período já encerrado. Com o PT, voltou o protecionismo, e o Brasil se apegou a um Mercosul bolivariano, fechado em si mesmo.

A desaceleração chinesa fez desabar as commodities e criou um problema nas exportações brasileiras, ao mesmo tempo em que os “desenvolvimentistas” aplicavam a política do “novo marco" e assim desestruturavam as finanças internas do país. O saldo está aí: recessão, desemprego, inflação elevada, grande desvalorização cambial.

Se o país não tivesse mais uma vez praticado políticas para “proteger” segmentos da indústria, hoje poderia haver um parque manufatureiro moderno capaz de competir em outros mercados.

Repete-se a lição: a economia brasileira precisa se abrir ao exterior, integrar-se às linhas globais de produção. Caso contrário, continuaremos a repetir, séculos a fio, crises agravadas pela queda mundial do preço de matérias-primas que o país exporta.

Já foi com o café no passado, agora são a soja e o minério de ferro. Uma relação de padrão colonial que o Brasil já manteve com Portugal e Inglaterra hoje repete com a China.

Dilma e as amarras do passado - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/01

Nem guinada à esquerda, nem à direita, nem conversão ao bom senso: o governo da presidente Dilma Rousseff continuará tão incompetente quanto sempre foi, incapaz de autocrítica e de aprender com os próprios erros, a julgar por suas declarações durante café da manhã com jornalistas, em Brasília. Ela prometeu fazer “o possível” para alcançar o resultado fiscal prometido para o ano, um superávit primário – sem a despesa de juros – equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para atingir essa meta ela só mencionou aumento de impostos, com a recriação da CPMF, e maior liberdade para gastar, a ser obtida com a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Nada foi dito sobre corte de gastos nem se prometeu gestão mais austera ou mais eficiente. Falou-se a respeito da reforma da Previdência – necessária, sem dúvida, mas com efeito de longo prazo e nenhuma relevância para a melhora das contas públicas em 2016. Não ficou claro se a presidente percebe esses detalhes.

Parte da receita da CPMF, prometeu a presidente, irá para Estados e municípios e deverá servir para a solução de problemas da saúde, principalmente no Rio de Janeiro. Ela parece atribuir a crise da saúde no Rio, portanto, à escassez de dinheiro. Também isso é típico de sua concepção de governo. A crise nos hospitais fluminenses é evidente consequência de uma péssima gestão, denunciada, em primeiro lugar, pela incapacidade do governo de fixar uma lista razoável e decente de prioridades.

Qualquer administrador com alguma competência – e um mínimo de pudor – ficaria corado só de pensar na hipótese de subordinar a educação e a saúde à existência da CPMF, uma aberração tributária, ou a royalties do petróleo. Não parece o caso, no entanto, de governantes e gestores petistas e de seus aliados.

A presidente negou qualquer conversa com dirigentes do PT sobre uma “guinada à esquerda”. Limitou-se a reconhecer, sem dar importância ao fato, as manifestações petistas a favor de uma reorientação da política econômica. Ao falar sobre o rumo da política, mostrou, de forma um tanto surpreendente, haver aprendido pelo menos uma lição: insistiu na promessa de ajuste das finanças públicas – embora sem se referir a austeridade e revisão dos gastos – e evitou mencionar qualquer novo pacote. Não se vai tirar coelho da cartola, disse a presidente, repetindo palavras do chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, pronunciadas no dia anterior.

Mas é insuficiente insistir nas promessas de arrumação das contas e de combate à inflação. Durante um ano a presidente freou as iniciativas do ministro Joaquim Levy e preferiu as opiniões do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, escolhido, afinal, como novo ministro da Fazenda. Ao preferir as ideias de Barbosa, a presidente motivou o rebaixamento do País por duas agências de avaliação. Como se nada disso houvesse ocorrido, ela anuncia, agora, a disposição de lutar “com unhas e dentes” para “criar outro ambiente no Brasil, com outras expectativas”. Para isso bastarão, a curto prazo, aumentar impostos e desvincular receitas?

Também demonstrando alguma cautela, a presidente evitou comentar a política de juros, assunto da competência exclusiva, segundo ela, do Banco Central (BC). Ela nunca teve esse cuidado no primeiro mandato e será necessário mais que esse discurso bem comportado para convencer o mercado. A política de juros tem sido discutida tanto na cúpula do PT quanto em áreas do Executivo federal. A evolução recente da curva de juros, no mercado, é um reflexo desse fato bem conhecido.

Para tornar convincente seu discurso a respeito do ajuste fiscal e do combate à inflação, a presidente precisa dar sinais muito claros de ajuste das próprias ideias e inclinações. Sua política em 2015 foi uma reafirmação gradual de fidelidade às ideias do mandato anterior. Tudo isso culminou na substituição do ministro da Fazenda. É necessário muito mais que a entrevista de ontem para indicar uma efetiva mudança de ideias e de rumos.