terça-feira, janeiro 05, 2016

Ano-novo chinês - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/01

O ano começou com o susto da bolsa chinesa, cujos índices despencaram e levaram à suspensão do pregão. O governo chinês desvalorizou o yuan, e o indicador de atividade do setor industrial veio fraco. Foi o suficiente para que os poupadores tivessem a mesma reação de outras vezes, em que vendem pelo temor de novas quedas. Durante o ano, a dúvida continuará em relação à China.

— A queda da bolsa chinesa reflete a enorme incerteza que ronda o PIB chinês em 2016. O PMI, que é uma sondagem com gerentes do setor industrial, ficou abaixo de 50 pontos e veio mais fraco do que o esperado. Então fica aquela dúvida: será que o PIB vai ficar abaixo de 6%? O governo vai conseguir atingir a meta de crescimento de 7%? Como a China é a segunda maior economia do mundo, ela consegue provocar essa forte volatilidade em todos os mercados —, explicou o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

Além disso, a China foi a economia que mais puxou o PIB global na última década e foi a grande formadora de preços dos produtos que exportamos. O que acontece lá nos afeta diretamente, e isso fez o ano inaugurar com desvalorização do real. Há outra variável pressionando as moedas dos países emergentes, que é a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, mas o grande enigma continua sendo o que acontecerá com a China, diz Sérgio Vale:

— O governo chinês tem pouco espaço para estímulos monetários ou fiscais. Então, quando acontece uma desvalorização do yuan, fica o temor de que o governo esteja pensando em usar a moeda como forma de estímulo, ou seja, que isso seja mais um sinal de que os problemas da economia do país são maiores do que o mercado consegue enxergar.

Esse é sempre o ponto em relação à China. Uma desvalorização da moeda poderia ser vista como um impulso para a manutenção da competitividade das exportações chinesas, mas na verdade a pergunta que surge é: o que o governo chinês está escondendo? Há sempre o temor de que as autoridades estejam camuflando parte da fragilidade. É isso que eleva o temor em relação a uma economia que, no fim das contas, permanece crescendo em ritmo invejável, ainda que reduzindo o patamar ano a ano.

Os juros americanos em alta também afetam o mundo inteiro, inclusive a China, pela intensidade e complexidade das relações entre as duas maiores economias do mundo. A desvalorização do real poderia ser vista também como uma forma de aumentar a capacidade brasileira de exportar, mas há dúvidas sobre por quanto tempo os Estados Unidos subirão os juros e até se esta é a política certa. A economia americana está retomando o crescimento e já recuperou o alto nível de emprego, mas a inflação permanece ainda muito baixa. A elevação dos juros é uma forma de prevenir a formação de bolhas, mais do que o combate a alguma pressão inflacionária.

Na China, há também o temor de que os ativos estejam valorizados demais. As ações tiveram anos de alta e chegaram a mais que dobrar de valor. Depois, caíram, devolvendo parte da valorização. Existe a dúvida sobre se ainda assim as ações estão valorizadas.

Com juros em alta e a incerteza sobre a China, o mundo fica mais hostil para um país como o Brasil, que tem tantos motivos para dúvidas dos investidores. O Brasil está em recessão, com inflação alta, um processo de impeachment em andamento, já perdeu o grau de investimento por duas agências — Standard & Poor’s e Fitch — e pode perder também pela Moody’s. A perspectiva não é boa também para 2016.

O economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, contou em relatório divulgado ontem aos clientes que na viagem que acaba de fazer aos Estados Unidos defrontou-se o tempo todo com perguntas sobre o desdobramento da crise econômica e política. Ele diz que, se a China desacelerar a economia mais do que o esperado, deve ocorrer mais queda das commodities, o que desvalorizaria mais o real. Quando a presidente Dilma assumiu, o dólar estava em R$ 1,66. Ontem, fechou em R$ 4,03. A valorização do dólar foi de 145%; a queda do real foi de 58%. Essa mudança cambial é uma das razões do superávit comercial de quase US$ 20 bilhões em 2015. O que, pelo menos, é uma boa notícia para o ano-novo brasileiro.

Falsa polêmica - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/01

Mais uma vez a oposição está escolhendo o pior caminho na disputa sobre o rito do processo de impeachment, unindo-se ao (ainda) presidente da Câmara, Eduardo Cunha, nos embargos de declaração que serão impetrados para tentar mudar a decisão do Supremo Tribunal Federal.
A oposição questionará unicamente a proibição de haver chapa alternativa na eleição para a Comissão da Câmara que analisará a admissibilidade do processo de impeachment, baseando-se na afirmativa do Presidente da Câmara de que o artigo 19 da Lei º 1.079/1950 alude a “comissão especial eleita”.
No entanto, bastaria que lessem a íntegra do voto do ministro Luis Roberto Barroso para constatar que ele concluiu, e foi seguido pela maioria do STF, que a escolha dos membros da Comissão não é uma eleição, mas sim uma indicação dos líderes para Comissões Temporárias, conforme define o artigo 33 do Regimento Interno da Casa.
Por isso, aliás, o Supremo Tribunal Federal não aplicou o artigo 188 do regimento, que trata especificamente da votação secreta em eleições. Essa, por sinal, é uma controvérsia que o ministro Barroso esclareceu em um artigo no site Consultor Jurídico. Ele não considerou que o artigo 188 do regimento interno da Câmara pudesse ser utilizado, e mesmo assim o artigo não prevê voto secreto para todos os membros da comissão, mas apenas para os presidentes e vices:
“A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos: (...)
III – para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos dois cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições”.
Foi por isso também que o ministro Teori Zavascki, que o havia questionado, admitiu que Barroso estava com a razão nesse caso. A Constituição, no seu artigo 58, diz que as Casas do Congresso formarão comissões com base no seu regimento, e o artigo 33 do regimento interno da Câmara explica como serão constituídas as comissões temporárias, como é a do impeachment: seus membros serão “designados pelo Presidente por indicação dos Líderes”.
No seu voto, Barroso diz acreditar que o artigo 19 da Lei 1.079/1950 foi superado pelo artigo 58, caput e § 1º da Constituição. O raciocínio é lógico: se a Constituição determina que comissões temporárias serão formadas de acordo com o regimento interno da Câmara, e se a comissão do impeachment é uma comissão temporária, fica claro que o artigo da lei de 1950 que determina que a comissão seja “eleita” caducou.
Barroso ainda se esforça para interpretar o espírito da lei, dizendo que “eleita” significa apenas escolhida, de maneira que a formação da comissão de impeachment seguiria, por completo, o regramento padrão do Regimento Interno da Câmara. “Não pode caber ao Plenário da Casa Legislativa escolher os representantes dos partidos ou blocos parlamentares. Logo, eleita significa escolhida, que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis”.
E, mesmo assim, para seguir os mesmos critérios usados no impeachment do ex-presidente Collor, o ministro Barroso admite em seu voto a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que limitada a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas.
Isso por que, explica o ministro Barroso, “se, por força da Constituição, a representação proporcional é do partido ou bloco parlamentar, os nomes do partido não podem ser escolhidos heteronomamente, de fora para dentro, em violação à autonomia partidária”. Fica aberta a interrogação sobre o que fazer se o plenário da Câmara não aprovar a lista apresentada pelos líderes partidários.
Barroso sugere uma solução em seu voto: “Pode haver, por certo, disputa dentro do partido, e pode até ser saudável que se façam eleições internas.” A saída da oposição será mais eficiente, portanto, se estimular chapas dissidentes nos partidos aliados, tentando superar na disputa interna os governistas.
O sucesso da dissidência dependerá também da situação econômica do país na ocasião da escolha da Comissão da Câmara, que é onde se dará a disputa essencial. Caso a Câmara aprove por 2/3 a admissibilidade do impeachment, não haverá clima político para o Senado reverter essa decisão.
Se a oposição não for bem sucedida nessa empreitada na Câmara, será sinal de que o governo ainda tem argumentos, republicanos ou não, para manter sua maioria preventiva.

Foi apenas um sonho... - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 05/01

Mais empregos foram gerados, mais impostos foram recolhidos, pois mais lucro havia sido produzido



O ano de 2016 começou muito bem, após o impeachment da presidente Dilma. O novo presidente Michel Temer fechou um acordo com o PSDB, e Arminio Fraga assumiu a Fazenda, com Gustavo Franco no comando do Banco Central. Na mesma linha da Argentina de Macri, o Brasil começou a desfazer algumas das imensas trapalhadas socialistas, colocando o país novamente na rota do crescimento.

Bastou o choque de credibilidade perante os investidores e empresários para que os indicadores começassem a melhorar. Empresas retiraram os projetos de investimento da gaveta, sacudiram a poeira e foram ao trabalho, apesar de o ambiente ainda ser muito hostil aos negócios no Brasil. Estavam apostando no futuro, nas mudanças anunciadas, na qualidade dos novos técnicos.

O Ibovespa, após perder mais de dois terços de valor real na era Dilma, recuperou-se com uma alta de 70% no ano. Eram os ativos nacionais se valorizando, permitindo maior captação de recursos para investimentos produtivos. A inflação regressou para o centro da meta, de 4,5% ao ano. A atividade econômica, que caíra quase 4% em 2015 e estava prevista para cair mais uns 3% em 2016, caso Dilma continuasse no poder, acabou zerada no ano, com o terreno pronto para um crescimento razoável já em 2017.

Longe do ideal liberal e agindo mais por necessidade do que convicção, como foi no Plano Real, a nova coalização de centro partiu para reformas importantes, como a previdenciária, e retomou o plano de privatizações. A mais importante foi, sem dúvida, a Petrobras, o que acabou com a farra do “petrolão” e salvou a empresa de uma iminente falência.

O resultado foi incrível, como tinha sido antes na Vale, na Embraer, na Telebras. Mais empregos foram gerados, mais impostos foram recolhidos, pois mais lucro havia sido produzido por sócios interessados na sobrevivência da empresa sem muletas estatais. Os trabalhadores eficientes foram recompensados, e os que viviam apenas encostados na era estatal foram demitidos. Meritocracia era o novo lema. O Brasil deixaria de ter a gasolina mais cara do mundo em poucos anos.

A Operação Lava-Jato seguiu seu curso, e houve uma grande festa nacional quando o ex-presidente Lula foi preso. Milhões de pessoas saíram pacificamente às ruas para celebrar, famílias lotavam as principais avenidas, e o “exército de Stédile” nada pôde fazer. Os militantes da CUT, da UNE e do MST, sem mortadela e sem tetas estatais para mamar, abandonaram o PT. O clima era de união, não de intolerância, como aquele fomentado pela esquerda radical.

A derrota do PT tinha reacendido a chama da esperança nos brasileiros. O governo tampão não era perfeito, estava longe do ideal, de algo realmente novo. Mas era infinitamente melhor do que o lulopetismo, o que não é difícil. Não havia aquele DNA totalitário, a incompetência somada à arrogância, o fator ideológico dominando cada decisão. O Mercosul finalmente expulsou a Venezuela por não atender à cláusula democrática, e o foco passou a ser em acordos bilaterais de livre comércio.

A entrada da Fox News Brasil mexeu com a imprensa, pois os liberais e conservadores tinham mais voz agora, e o viés de esquerda da grande mídia ficava mais evidente para o público, antes refém de uma hegemonia “progressista”. Chico Buarque, defensor da ditadura cubana e do PT, descobriu não ser uma unanimidade, e vários pensadores cantaram “Cálice” para o sambista, terminando com um “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. A festa era contagiante e bem-humorada, sem espaço para o típico rancor socialista.

Ia tudo muito bem, quando uma dor de cabeça bateu forte. Ressaca? Talvez, mas o consumo de álcool não fora tão grande assim. Levei automaticamente a mão à cabeça, contraindo os músculos faciais. E abri os olhos, dando de cara com a claridade. Era dia 1º, e horror dos horrores: Dilma ainda era a presidente do Brasil. O duro choque de realidade chegou a machucar, a doer.

A economia ainda estava nas mãos da turma inflacionista da Unicamp, e Nelson Barbosa era o ministro. A destruição do Brasil continuaria em alta velocidade. A segregação do povo em “nós contra eles” continuaria com força total. A hipocrisia dos artistas e “intelectuais” que pregam mais “tolerância” enquanto aplaudem as ditaduras venezuelana e cubana, que perseguem seus opositores, continuaria impune.

Pobre país, ainda tomado por essa gente inescrupulosa, incompetente e corrupta. Acordar do sonho foi o verdadeiro pesadelo. Caberá a nós, brasileiros decentes, lutar para transformar o sonho em realidade...

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

Crise? Que crise? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/01

As praias e seus hotéis estavam lotados, as estradas para o litoral, entupidas, e comer um sanduíche exigia uma hora de fila. "Crise? Que crise?"

Histórias e fotos dos congestionamentos dos feriados fizeram sucesso em blogs e redes insociáveis na virada do ano. "Formadores de opinião" adeptos de Dilma Rousseff faziam troça de "pessimildos". Logo apareciam os críticos, e passava-se ao debate: "coxinha", "fascista", "mortadela", "petralha" e nenhuma ordem nas razões.

Como é comum nesse ambiente, virtual e realíssimo, os que comungavam da mesma opinião se congratulavam pela esperteza esotérica, pelo conhecimento exclusivo da realidade e pela imunidade contra o "derrotismo" do "golpismo midiático" —ou pela indiferença à estatística, para não dizer a sofrimentos.

Hotel de praia lotado é um bom indicador? Aliás, estava lotado?

Ainda não há estatísticas gerais da ocupação dos hotéis no final do ano. Há evidências anedóticas (parciais, casos) de que os negócios não foram mal e de empresários do ramo algo contentes.

Até outubro, o negócio parecia em baixa. A taxa de ocupação então caía 6,8% no ano, segundo os dados mais recentes disponíveis da parceria do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil com o Senac de São Paulo. A receita por apartamento diminuía 10,4%. Em 2014, a receita já subira abaixo da inflação (ou seja, diminuiu, em termos reais). Há alguma crise na hotelaria.

Pode ser que o final de ano tenha sido melhor. É possível, mas ainda não precisamente provável, que brasileiros tenham substituído viagens ao exterior pelo turismo doméstico. Acontece em vários negócios quando há "alta do dólar". Em crises menos bicudas, é assim que começam recuperações econômicas. Em vez de comprar lá fora, voltamos a comprar "produto nacional", de hotel a roupa, passando por insumo industrial.

As despesas com viagens ao exterior, medidas em dólar, começaram a cair em fevereiro. Em reais, passaram a despencar lá por agosto, em média quase 20% em relação a 2014.

Em crises costuma haver mudança de padrões de consumo (os preços se alteram uns em relação aos outros; a perda de renda eleva a procura por produtos inferiores etc.). Difícil julgar o que se passa considerando apenas um ramo de negócio. Mas é um tanto ridículo argumentar essas quase obviedades com quem faz "disputa política", a expressão repulsiva que define o uso de truques para justificar interesses da política politiqueira mais baixa, da situação à oposição.

O fato geral é que o investimento em expansão da economia cai desde 2013. Até outubro de 2015, as vendas do varejo caíam 3,6%. O consumo de eletricidade, mais de 2%, raro. O rendimento médio nas metrópoles caía 8,8% até novembro, o número de pessoas empregadas era 3,7% menor que em 2014.

Até setembro, quem não faz troça da desgraça poderia ficar um pouco aliviado com o fato de que, na média do Brasil, nem a renda nem o número de empregados havia caído —sinal de que o interior ainda resistia, talvez por causa de benefícios sociais. Mas Estados e cidades vão ficando sem dinheiro para ataduras ou salários. Esses são apenas sintomas. A doença, embora curável, é muito pior.

A Revolução Cultural do PT - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 05/01

Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII


O Ministério da Educação está preparando uma Revolução Cultural que transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo, quase um “reacionário burguês.” Sob o disfarce de “consulta pública”, pretende até junho “aprovar” uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental e médio — antigos primeiro e segundo graus. Nem a União Soviética teve coragem de fazer uma mudança tão drástica como a “Base Nacional Comum Curricular.”

No caso do ensino de História, é um duro golpe. Mais ainda: é um crime de lesa-pátria. Vou comentar somente o currículo de História do ensino médio. Foi simplesmente suprimida a História Antiga. Seguindo a vontade dos comissários-educadores do PT, não teremos mais nenhuma aula que trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da herança greco-latina os nossos alunos nada saberão. A filosofia grega para que serve? E a democracia ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o nascimento do cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que são essenciais à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição.

Mas os comissários-educadores — e sua sanha anticivilizatória — odeiam também a História Medieval. Afinal, são dez séculos inúteis, presumo. Toda a expansão do cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental, o mundo islâmico, as Cruzadas, as transformações econômico-políticas, especialmente a partir do século XI, são desprezadas. O Renascimento — em todas as suas variações — foi simplesmente ignorado. Parece mentira, mas, infelizmente, não é. Mas tem mais: a Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII.

O apagamento da História, ao estilo Ministério da Verdade de “1984,” não perdoou a história dos Estados Unidos — neste caso, abriu exceção somente para a região onde esteve presente a escravidão. Do século XIX europeu, tudo foi jogado na lata de lixo: as unificações alemã e italiana, as revoluções — como a de 1848 —, os dilemas político-ideológicos, as mudanças econômicas, entre outros temas clássicos e indispensáveis à nossa História.

Os policiais da verdade não perdoaram também a História do Brasil. Os movimentos pré-independentistas — como as Conjurações Mineira e Baiana — não existiram, ao menos no novo currículo. As transformações do século XIX, a economia cafeeira, a transição para a industrialização foram desconsideradas, assim como a relação entre as diversas constituições e o momento histórico do país, isto só para ficar em alguns exemplos.

Mas, afinal, o que os alunos vão estudar? No primeiro ano, “mundos ameríndio, africanos e afro-brasileiros.” Qual objetivo? “Analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas de povos africanos, europeus e indígenas relacionados a memórias, mitologias, tradições orais e a outras formas de conhecimento e de transmissão de conhecimento.” E também: “interpretar os movimentos sociais negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações, do século XIX ao século XXI.” Sem esquecer de “valorizar e promover o respeito às culturas africanas, afro-americanas (povos negros das Américas Central e do Sul) e afro-brasileiras, percebendo os diferentes sentidos, significados e representações de ser africano e ser afrobrasileiro.”

No segundo ano — quase uma repetição do primeiro — o estudo é sobre os “mundos americanos.” Objetivo: “analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas das sociedades ameríndias a memórias, mitologias, tradições e outras formas de construção e transmissão de conhecimento, tais como as cosmogonias inca, maia, tupi e jê.” Ao imperialismo americano, claro, é dado um destaque especial. Como contraponto, devem ser estudadas as Revoluções Boliviana e Cubana; sim, são exemplos de democracia. E, no caso das ditaduras, a sugestão é analisar o Chile de Pinochet — de Cuba, nem tchum.

No terceiro ano, chegamos aos “mundos europeus e asiáticos.” Se a Guerra Fria foi ignorada, não foi deixado de lado o estudo da migração japonesa para o Paraguai na primeira metade do século XX (?). O panfletarismo fica escancarado quando pretende “problematizar as juventudes, discutindo massificação cultural, consumo e pertencimentos em diversos espaços no Brasil e nos mundos europeus e asiáticos nos séculos XX e XXI.” Ou quando propõe “relacionar as sociedades civis e os movimentos sociais aos processos de participação política nos mundos europeus e asiáticos, nos séculos XX e XXI, comparando-os com o Brasil contemporâneo.”

Quem assina o documento é o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, um especialista brasileiro em Thomas Hobbes. Porém, Hobbes ou o momento em que viveu (o século XVII inglês) são absolutamente ignorados pelos comissários-educadores. Para eles, de nada vale conhecer Hobbes, Locke, Platão, Montesquieu, Tocqueville, Maquiavel, Rousseau ou Sócrates. São pensadores do mundo europeu. O que importa são as histórias ameríndias, africanas e afro-brasileiras.

O documento está recheado de equívocos, exemplos estapafúrdios, de panfletarismo barato, de desconhecimento da História. Os programas dos cursos universitários de História foram jogados na lata de lixo e há um evidente descompasso com a nossa produção historiográfica. A proposta é um culto à ignorância. Nenhuma democracia no mundo ocidental tem um currículo como esse. Qual foi a inspiração? A Bolívia de Morales? A Venezuela de Chávez? A Cuba de Castro? Ou Lula, aquele que dissertou sobre a passagem de Napoleão Bonaparte pela China?

A primeira surpresa do ano - CELSO MING

ESTADÃO - 05/01

O resultado da balança comercial em 2015 é o contraponto fortemente positivo a tantos resultados ruins


Este 2016 vem provocando tanta apreensão que muita gente já vinha desejando Feliz 2017, como querendo pular de uma vez este 2016 prenhe de incertezas. E, no entanto, este início de ano tão preocupante começa com excelente notícia.

O fato de que já era esperada não diminui sua importância. O resultado da balança comercial em 2015 é o contraponto fortemente positivo a tantos resultados ruins. O saldo ultrapassou todas as expectativas, inclusive as mais otimistas: superávit no ano de US$ 19,7 bilhões. Embora parte das exportações de dezembro corresponda a “vendas fictas” de plataforma de petróleo, que na prática não saiu do País, é o maior superávit comercial desde 2011.


Balança comercial 2015


Também é verdade que se trata de consequência de muita coisa ruim, especialmente da recessão, que derrubou o consumo, a produção e, portanto, as importações. Daí a queda de 19,2% na corrente de comércio, item que registra a soma de exportações e importações.

O comércio exterior é o primeiro setor importante da economia a responder ao ajuste geral, apesar da derrubada dos preços das commodities, especialmente do minério de ferro e dos produtos agrícolas. Também contribuiu para a derrubada das importações, e alguma recuperação das exportações, a desvalorização do real, de 37% ao longo de 2015.

Ao contrário do que acontece com o PIB e a inflação, que descarregaram tração negativa para 2016, esse forte superávit comercial de 2015 empurra impulso positivo para este ano, com substancial reforço para todas as contas externas e não só para o fluxo de mercadorias.

Em 2016, o saldo comercial vem com força para ultrapassar a marca dos US$ 35 bilhões. O Banco Central já vinha esperando superávit de US$ 30 bilhões e o mercado, tal como aferido pela Pesquisa Focus, de US$ 35 bilhões.

Esse resultado tende a derrubar substancialmente o déficit em Conta Corrente (fluxo de moeda estrangeira, exceto o da conta de capitais), que deve ter fechado 2015 ao redor dos US$ 60 bilhões, para a altura dos US$ 33 bilhões. Como a entrada de investimentos externos neste ano deverá alcançar alguma coisa entre US$ 55 bilhões e US$ 60 bilhões, segue-se que, apesar das incertezas na área política, fica reduzido o risco de fuga de capitais.

As exportações de manufaturados já mostram reação à desvalorização cambial, o fator que barateou em dólares o produto destinado ao mercado externo. Em todo o ano de 2015, enquanto as exportações de produtos básicos (commodities) recuaram 19,5%, as de industrializados caíram apenas 8,1% (veja o Confira). A queda poderia ter sido ainda menor, caso não houvesse a forte dependência que o setor produtivo interno passou a ter de máquinas, de peças e de componentes importados.

O excelente resultado da balança comercial, a nova queda esperada do rombo externo, a manutenção do estoque de US$ 370 bilhões em reservas internacionais e os juros internos no patamar em que estão constituem o principal conjunto de fatores que, apesar da recessão, do desemprego e das incertezas políticas, devem impedir novas escaladas do dólar no câmbio interno.

CONFIRA:

Exportações por fator agregado

Aí está o comportamento das exportações por setor da produção.

Argentina
Apesar das travas mantidas pelo governo Kirchner, as exportações do Brasil para a Argentina em 2015 caíram apenas 9,3%. Compare essa queda com a de outros blocos: União Europeia, -18,3%; Mercosul, -15,2%; China, -11,3%; Estados Unidos, -9,7%.

Recessão
Nova recessão em 2016 deve derrubar ainda mais as importações e, assim, concorrer com superávit comercial maior.

A falta que a política faz - GUSTAVO PATÚ

FOLHA DE SP - 05/01

BRASÍLIA - Dilma Rousseff não foi a única nem a principal vencedora das eleições presidenciais de 2014. O que angariou a apertada maioria dos votos válidos foi a repulsa a um ajuste econômico baseado em juros altos, tarifaço e corte dos programas de amparo social –a tese básica da monotemática campanha petista.

Daí haver um tanto de contrassenso na crítica da presidente, em artigo publicado pela Folha, a "setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas". Afinal, ela própria inaugurou o desrespeito à escolha que convenceu o eleitorado a fazer.

Dessa transgressão de origem resultou o nó de seu segundo mandato, em que o governo não governa e a oposição não se opõe de forma coerente. Esta prega austeridade e flerta com a demagogia oportunista no Congresso; aquele não dispõe de credibilidade nem para conduzir o ajuste demonizado nem para voltar atrás.

Sem liderança e mediação política, o debate nacional atrofia, cedendo lugar ao bate-boca infantilizado das redes sociais e dos bares do Leblon, aos abaixo-assinados das tribos acadêmicas e a manifestações de rua crescentemente amorfas.

Desfez-se o entendimento mínimo em torno da gestão das contas do governo e da inflação, consolidado sob FHC e Lula. Abriu-se um caminho promissor para palpiteiros, marqueteiros e demais vendedores de discursos fáceis e saídas milagrosas.

O buraco no Orçamento se tornou grande demais para ser tapado com meras providências administrativas: há pela frente embates ideológicos em torno da repartição de sacrifícios e benesses, em que as decisões, quaisquer que sejam, muito provavelmente descontentarão mais da metade dos eleitores.

Recessões são, em geral, períodos em que excessos e desequilíbrios da economia são corrigidos, de forma amarga. Não é o caso da atual, inutilmente profunda e prolongada devido à babel política. Ao que tudo indica, o país sofrerá à toa neste 2016.

Quem nunca comeu melado... - ROSANE DE OLIVEIRA

ZERO HORA - 05/01

A declaração do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, para explicar os desvios de conduta dos companheiros do PT que se envolveram em falcatruas está a um passo do deboche: Quem nunca comeu melado quando come, se lambuza. Pela lógica de Wagner, os petistas, coitados, chegaram ao poder inocentes e ingênuos, mas acabaram reproduzindo metodologias antigas da política brasileira e se lambuzaram.

Como alegoria, até vale: quem nunca comeu melado talvez não saiba que esse derivado da cana-de-açúcar atrai moscas e que é preciso muito cuidado para não se lambuzar. Mas o que significa exatamente que os petistas se lambuzaram? Em entrevista à Folha de S.Paulo, Wagner deu a explicação:

O PT errou ao não ter feito a reforma política no primeiro ano do governo Lula. E aí não mudou os métodos do exercício da política.

O ministro cita como principal erro do seu partido ter usado ´ferramentas que já eram usadas´, como o financiamento privado das campanhas. Teria faltado ´treinamento´:

Quem é treinado erra menos, talvez, né?

No banquete do melado, os petistas, feito formigas insaciáveis, descobriram não apenas o magnetismo das campanhas milionárias, mas as vantagens do poder. Como já disse o próprio Lula, em uma rara autocrítica, os companheiros se empolgaram com os cargos e deixaram de lado a política que, nas décadas de 1980 e 1990, movia o PT.

Ex-governador da Bahia, Wagner usa, com outras palavras, o mesmo argumento de Lula à época do mensalão, quando sustentava que o problema era apenas de caixa 2 (ou de recursos não contabilizados, na definição do ex-tesoureiro Delúbio Soares): o PT fez o que os outros faziam.

É verdade que a corrupção não nasceu com o PT e que um dos méritos da presidente Dilma Rousseff é não tentar impedir a apuração, mas também é verdade que os valores desviados na Petrobras superam tudo o que se conhecia até aqui.

O reconhecimento de que deveria ter feito a reforma política chega tarde. Não só o PT se lambuzou, como entornou o tacho em que faz o melado. A reforma política era prioridade de Lula e não andou um milímetro em oito anos. A candidata Dilma Rousseff a anunciou como prioridade número 1 às vésperas do segundo turno de 2010, com o argumento de que era a mãe de todas as reformas, mas, uma vez eleita, não soube conduzir a mudança.

O que o Congresso aprovou com o nome de reforma política é um arremedo que não merece ser chamado como tal. Se dependesse dos deputados e senadores, até as doações empresariais de campanha continuariam sendo liberadas. Foi preciso que o Supremo Tribunal Federal as declarasse inconstitucionais para a presidente Dilma Rousseff vetar as contribuições de empresas. A restrição será testada na eleição deste ano, quando a Justiça Eleitoral e os próprios candidatos e dirigentes partidários terão de se desdobrar na fiscalização para impedir que o caixa 2 substitua as doações antes legais.

Já é ruína - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 05/01

Numa noite de outubro, dois anos atrás, ela convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão para comunicar: “Passamos a garantir, para o futuro, uma massa de recursos jamais imaginada para a Educação e para a Saúde.”

Enlevada num tom de realismo mágico, anunciou a alquimia: “A fabulosa riqueza que jazia nas profundezas dos nossos mares, agora descoberta, começa a despertar. Desperta trazendo mais recursos, mais emprego, mais tecnologia, mais soberania e, sobretudo, mais futuro para o Brasil.”

Arrematou, com esmero ilusionista: “Começamos a transformar uma riqueza finita, que é o petróleo, em um tesouro indestrutível, que é a Educação de alta qualidade. Estamos transformando o pré-sal no nosso passaporte para uma sociedade mais justa.”

Para gerenciar a riqueza submersa a mais de quatro mil metros no Atlântico, Dilma Rousseff criou a estatal Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A.(PPSA). Deu-lhe amplos poderes para defender os interesses da União, o que inclui a gestão dos contratos de partilha, controle dos custos e das operações de exploração e produção de todo petróleo extraído da camada pré-sal.

Não é pouco. A combalida Petrobras, que nesses campos já produz mais de um milhão de barris, planeja concentrar investimentos numa área de tamanho equivalente a 150 mil campos de futebol, a 170 quilômetros de distância do litoral do Estado do Rio. Libra, como é conhecida nos mapas marítimos, é uma das maiores áreas do planeta reservada à exploração de petróleo. Foi leiloada a uma sociedade composta pela Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC.

Dilma continua com o seu discurso surrealista, com toques de absolutismo groucho-marxista: “Eu represento a soberania nacional, do pré-sal, a defesa dos 30%, a defesa do conteúdo nacional... Esse golpe (o processo de impeachment) não é contra mim, é contra o que eu represento, contra a soberania, contra o modelo de partilha do pré-sal”— disse semanas atrás a uma plateia de sindicalistas aliados do governo.

Longe do espelho d’água do Palácio do Planalto, sobram certezas sobre o desgoverno na condução dos negócios do pré-sal. A empresa estatal (PPSA) criada para recolher a “massa de recursos jamais imaginada” para Saúde e Educação mal começou e já está sucateada.

Tem 15 empregados, acumula prejuízos e patrimônio líquido negativo. Sem dinheiro, atravessou 2015 sobrevivendo da caridade privada. Fornecedores cederam-lhe licenças temporárias gratuitas de software.

Perplexos, auditores do Tribunal de Contas da União registraram: “Há sérios riscos de se comprometer ou até inviabilizar a realização de importantes tarefas técnicas, tais como: a) interpretação sísmica e modelagem geológica; b) construção de modelos estáticos e dinâmicos para simulação de fluxo em reservatórios petrolíferos; c) análise de dados de perfuração de poços e de desempenho petrofísica; d) testes de modelagem de escoamento.”

É real a ameaça aos resultados econômicos para a União, adverte o tribunal.

Com 28 meses de existência, a estatal do pré-sal pode ser vista como novo símbolo do governo Dilma. Parecia que ainda era construção, mas já é ruína.


Que surpresas 2016 nos reserva? - ILAN GOLDFAJN

ESTADÃO - 05/01

O ano de 2015 foi muito pior do que o esperado. Para 2016 a expectativa também é ruim. Na minha visita aos EUA, na última semana do ano, só me defrontei com perguntas sobre os desdobramentos da atual crise econômica e política. Voltando ao Brasil, deparo-me com a esperança de alguns de um 2016 melhor que as perspectivas. Parece promessa de fim de ano. Ou talvez a esperança seja mesmo a última que morre. Fico, então, pensando nas possíveis surpresas para este ano. De fato, surpresas positivas são possíveis, mas as mais negativas também. Para avaliá-las resolvi escrever esta lista de surpresas.

No Brasil quase tudo poderia ser qualificado como surpresa, já que nada parece provável. Mais três anos na atual situação não parecem prováveis, assim como as diferentes rupturas políticas e mudanças econômicas não são fáceis de materializar. Qualquer cenário é de certa forma uma surpresa (por improvável), mas não surpreenderia (por ter sido cogitado, na falta de opções).

No exterior, as surpresas se dividem entre positivas e negativas, e estas últimas preocupam. A fragilidade da situação doméstica é tal que um choque externo negativo poderia levar a um aprofundamento da crise no Brasil com consequências sociais imprevisíveis. A única certeza é que um futuro choque externo levaria a culpa por toda a crise, até mesmo pela situação atual. Um choque positivo, em contraste, daria um tempo precioso para a política/economia local encontrar seu rumo.

Que surpresas poderiam acontecer?

Juros nos EUA. Caso os juros subam bem mais rapidamente que o previsto nos EUA, poderá haver uma reversão rápida dos fluxos de capital em direção a esse país. A saída de recursos do Brasil fragilizaria o balanço de pagamentos, justamente o último alicerce de sustentação da economia brasileira. O governo reagiria vendendo dólares (via swaps ou à vista) para suavizar a situação. Mas a falta de financiamento externo e a depreciação do real aprofundariam a recessão e realimentariam a inflação. Provocariam uma situação ainda mais difícil social e politicamente.

Por sorte, o Fed (o banco central dos EUA), apesar da subida recente de juros, está mais preocupado com o crescimento se consolidar nos EUA do que com a volta da inflação no futuro. Por isso a trajetória de juros implícita nos títulos do mercado tende a ser muito gradual e benigna.

Uma subida mais forte dos juros evidenciaria que o Fed estaria atrasado, a última coisa que o Brasil precisaria neste momento.

O choque inverso também é possível. Uma decepção com o crescimento da economia americana (em linha com a atual e famosa tese da “estagnação secular”) levaria o Fed a ser mais cauteloso com a subida de juros, reduzindo o ritmo e talvez até interrompendo o atual ciclo de alta. A manutenção dos juros nos EUA perto de zero (com o adiamento da normalização da política monetária) prolongaria o incentivo para manter os recursos em ativos de risco com juros maiores. O Brasil se beneficiaria dessa situação, com os capitais permanecendo no País, evitando uma pressão no balanço de pagamentos e ganhando um precioso tempo adicional para ajustar sua economia. Essa surpresa favorável não garante a melhora da situação, mas fornece as condições internacionais e o tempo para que a política e a economia domésticas encontrem seu rumo.

China perde ou ganha o controle. A crise nas economias emergentes, o fim do ciclo de commodities e a desaceleração da China são fenômenos entrelaçados. Caso a China desacelere mais que o esperado, uma nova queda forte das commodities poderá ocorrer, causando nova perda de renda nas economias emergentes. No Brasil, uma nova rodada de queda de commodities depreciaria o câmbio (mais inflação e juros) e tiraria renda da economia. A recessão se aprofundaria, piorando a crise atual. Seria difícil administrar uma nova perda significativa de renda externa na atual fragilidade local.

A China até agora tem administrado a desaceleração de forma ainda ordenada, apesar das dificuldades e da necessidade de rebalancear a economia (para mais demanda interna, mais consumo), além dos receios do mercado. O crescimento do PIB neste ano entre 6% e 7% configuraria a continuidade da estratégia de aterrissagem suave. A prova final seria a estabilidade dos preços das commodities.

A surpresa inversa na China é difícil de enxergar: seria a volta do rápido crescimento de dois dígitos e um novo boom das commodities. Seria a salvação da crise no Brasil, pelo menos no curto prazo. O crescimento viria de fora e melhoraria a arrecadação, o controle sobre o déficit fiscal (e a dívida crescente ganharia um poderoso aliado). Essa surpresa levaria muitos a acreditar que Deus é de fato brasileiro.

Guinadas na política econômica no Brasil. A necessidade de ajuste fiscal e a fragmentação política (que impede a aprovação de reformas e ajustes) continuam sendo o núcleo do problema no Brasil. Uma guinada em qualquer direção nessa questão constitui uma surpresa. Uma guinada para abandonar a necessidade do ajuste fiscal seria o começo do fim, ou talvez o fim do fim. Gastar o que não se tem seria um verdadeiro “expancídio”. Por isso uma guinada irracional (anunciada ou silenciosa) seria uma surpresa.

Uma surpresa positiva seria a capacidade de juntar forças para aprovar as medidas fiscais necessárias, assim como a reforma da Previdência (a idade mínima, por exemplo). Daria um choque de confiança, o que poderia retomar o crescimento.

Lembrei-me agora, no final do artigo, de que surpresas na economia raramente acontecem como imaginamos. As verdadeiras surpresas nos pegam, de verdade, pelo inesperado. Talvez o surpreendente este ano seja a ausência de surpresas. Nesse caso, teríamos o cenário esperado, uma continuação (igual ou pior) de 2015. Tenho a impressão de que isso ninguém quer.

*ILAN GOLDFAJN É ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DO ITAÚ UNIBANCO

Propostas do PT arruinariam de vez o país - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/01

Documento do partido defende a volta ao fracassado ‘novo marco’, e, com isso, cai na síndrome de que uma ideia errada precisa ser aplicada até que funcione


Enquanto a presidente Dilma e seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, redigem um documento sobre o que será a política econômica pós-Levy, como noticiado pelo GLOBO no domingo, o PT se apressou a preparar um documento próprio com propostas de mudança de rumo, a fim de conduzir o país para longe de qualquer ajuste fiscal.

Já entregue ao ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, o documento, com uma lista de 14 medidas, ficará nas gavetas palacianas, caso Dilma e Barbosa estejam de fato comprometidos com ações que restabeleçam o mínimo de confiança na estabilização da economia. Uma delas, a reforma da Previdência, com a fixação de idade mínima, ignorada pelo documento.

O núcleo do documento resgata o sentido de intervenções já defendidas pelo Instituto Perseu Abramo, think tank da intelectualidade orgânica petista, sempre, em sua essência, na linha de mais impostos, para financiar mais gastos. Insanidade.

Entre as medidas há questões já contempladas pelo Planalto — a equivocada volta da CPMF e o incentivo à legalização de dinheiro transferido para o exterior. E sacadas mais delirantes, como pedir emprestado à China para capitalizar empresas brasileiras, no momento em que os chineses se desdobram para estabilizar seu mercado acionário, em perigoso ciclo de baixa.

Podem até emprestar, mas imagine-se a que taxas de juros, devido à perda do selo de bom pagador pelo Brasil junto a agências internacionais de risco. Os chineses têm se revelado especialistas em fazer bons negócios, para eles, em países e empresas com a corda no pescoço — Venezuela, Petrobras, a Argentina de Cristina K.

Com viés anticapitalista, o PT, cuja militância vê o lucro como pecado, volta a defender o fim da possibilidade de as empresas abaterem do Imposto de Renda o que distribuem aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio.

Não parece inteligente, numa recessão que tende a ser a mais grave desde a causada pela crise mundial de 1929/30, descapitalizar empresas que já padecem da retração dos mercados. Assim, num paradoxo, o PT conspira contra os trabalhadores ao incentivar o desemprego, já em alta.

Tampouco demonstra entender que uma das causas importantes da taxa anêmica de investimento na economia dos últimos anos tem sido a baixa rentabilidade dos negócios.

Mais impostos em geral — o sobre heranças é um inexequível mantra conhecido —, inclusive sobre as rendas mais elevadas, não apenas não conseguirão reequilibrar as contas públicas, cujo desequilíbrio é imenso, como aprofundarão a recessão. O nó tributário do país precisa ser cortado por uma ampla e cuidadosa reforma. Medidas tópicas pioram as coisas. Vide as desonerações.

O documento do PT é a renovação da aposta no fracassado “novo marco macroeconômico”. Confirma a conhecida síndrome segundo a qual um modelo errado precisa ser repetido tantas vezes quantas forem necessárias para que enfim funcione.

Sombras nas bolas de cristal - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/01


Se as bolas de cristal da economia estiverem funcionando tão mal quanto no começo do ano passado, os brasileiros têm motivos muito especiais para se preocupar. Em 2015 a recessão e a inflação foram muito piores do que indicavam as projeções dos economistas entre o réveillon e o Dia de Reis. A inflação deveria ter chegado a 6,56% e o Produto Interno Bruto (PIB), aumentado 0,5%, segundo a pesquisa Focus divulgada há um ano, em 5 de janeiro, pelo Banco Central (BC). Mas os preços devem ter subido mais de 10% e a contração econômica, segundo tudo indica, passou de 3%. A pesquisa publicada ontem apresenta perspectivas mais sombrias que as de um ano antes. A inflação projetada para 2016 chegou a 6,67% e o PIB, segundo a nova estimativa, deve encolher 2,95%. Se o erro das previsões for parecido com o do início do ano anterior, os brasileiros poderão ter saudade de 2015.

Nem o governo espera um bom desempenho econômico nos próximos meses. O cenário tomado como referência para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada no fim de dezembro, inclui uma contração econômica de 1,9% e uma inflação de 6,47%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os parlamentares encarregados da redação final acertaram esses números com os técnicos do Executivo.

O avanço do IPCA considerado na LDO é quase igual ao estimado pelos economistas do mercado e a recessão é um pouco menos funda. Mas o cenário inclui também uma taxa básica de juros de 13,25% no fim de 2016. Na pesquisa Focus a taxa apontada chegou a 15,25%, um ponto porcentual acima daquela ainda em vigor. Essa expectativa reflete a disposição anunciada pelos dirigentes do BC de apertar a política monetária, provavelmente a partir deste mês, para tentar atingir a meta de inflação de 4,5% até o fim de 2017.

Seria insensato apostar a casa ou qualquer bem de família nessas ou em outras projeções econômicas, principalmente quando a incerteza política torna mais precário o funcionamento das bolas de cristal, cartas de tarô, búzios, modelos econométricos e outras ferramentas de adivinhação. Mas o esforço de previsão é indispensável a qualquer atividade. Nenhum goleiro, consumidor, produtor ou investidor se permite agir sem alguma concepção do futuro e por isso as projeções, mesmo inseguras, têm sempre alguma importância.

Além do mais, a precisão das estimativas, neste momento, é bem menos importante que os desafios e as tendências mais aparentes. Ninguém pode falar com alguma segurança, neste momento, sobre o desdobramento, a duração e o resultado final de um processo de impeachment. Mas o assunto está no topo das prioridades da presidente Dilma Rousseff e isso afetará as decisões políticas e econômicas por algum tempo.

O Executivo terá de enfrentar esse e outros obstáculos, incluída a pressão do ex-presidente Lula e do PT, para cuidar da gestão das finanças públicas. Investidores e consumidores provavelmente continuarão retraídos, o baixo ritmo de atividade ainda prejudicará a arrecadação de tributos e o governo, em qualquer caso, dependerá da recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), para alimentar o Tesouro. A presidente continua mostrando pouca disposição para o corte e a racionalização da despesa.

Há razões muito sólidas para duvidar do resultado fiscal prometido, um superávit primário (sem os juros) equivalente a 0,5% do PIB. Além disso, conter o endividamento público será mais difícil, se os juros básicos subirem.

Numa hipótese otimista, 2016 será diferente de 2015 em um ponto importante: a recessão e a alta de preços ficarão mais perto das previsões do que ficaram no ano anterior. Ainda assim, o ano será muito ruim. Qualquer cenário mais luminoso dependerá da apresentação, pelo governo, de um programa sensato e crível de arrumação de suas contas e de aumento da produtividade nacional. Não há, por enquanto, nenhum sinal desse tipo.


Alheamento da realidade - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/01


“O ano de 2015 chegou ao final e a virada do calendário nos faz reavaliar expectativas e planejar novas etapas e desafios. Assim, como sempre, nos traz a necessidade de refletir sobre erros e acertos de nossas decisões e atitudes.” É inacreditável que a presidente da República tenha tido o caradurismo de, em artigo publicado na Folha de S.Paulo no primeiro dia do ano, afirmar que, “como sempre”, está disposta a refletir sobre “erros e acertos” de suas “decisões e atitudes”. Esse aparente ato de humildade, que se esgota no segundo parágrafo – “vejo que nossos erros e acertos devem ser tratados com humildade e perspectiva histórica” –, é apenas uma tentativa de dissimular o exercício de soberba que impregna todo o texto.

Dilma Rousseff rompeu a tradição dos pronunciamentos presidenciais de saudação à Nação na virada do ano. Para evitar os panelaços que acompanhavam suas falas em rede nacional de rádio e de TV, manifestou-se – o verbo comunicar seria inadequado e impreciso – por meio de redes sociais, na passagem de 2014 para 2015. Neste fim de ano, limitou-se à publicação do artigo e de uma mensagem no Twitter.

Para refletir sobre erros cometidos é preciso, antes de mais nada, que se admita sua existência. Mas a autocrítica não é da natureza de Dilma. O que ela faz é uma tortuosa tentativa de transferir responsabilidades sobre o desastre a que a economia brasileira foi levada e de alinhavar promessas que insultam o discernimento dos cidadãos.

Assim, tratar erros e acertos “com humildade e perspectiva histórica” para Dilma é responsabilizar pela crise brasileira “fatores internacionais que reduziram nossa atividade produtiva”, com “queda vertiginosa do valor de nossos principais produtos de exportação, desaceleração de economias estratégicas para o Brasil e a adaptação a um novo patamar cambial, com suas evidentes pressões inflacionárias”. Ou seja, a culpa é do mercado internacional.

Cabe, porém, perguntar: não é função do governo, numa economia globalizada, prever e administrar os impactos internacionais sobre a economia interna? Quase todos os governos de países emergentes como o Brasil, tão sujeitos quanto o nosso a influências externas, lograram administrar com maior competência as flutuações da economia internacional. Mas tais governos não tinham, como o de Dilma, certezas absolutas no poder do Estado e na retidão da ideologia que o põe sobre altares.

É claro que as agruras da economia são consequência também de outro fator, este de natureza interna: a crise política. Dilma tem explicação para isso: “Tivemos também a instabilidade política que se aprofundou por uma conduta muitas vezes imatura de setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas”. Em primeiro lugar, quem não está nada satisfeito com o “resultado das urnas” são 2 em cada 3 brasileiros, que querem ver Dilma pelas costas. Este governo só é aprovado por 1 em cada 10 cidadãos.

Por outro lado, a crise política se agravou, e não parou de piorar, quando o governo petista decidiu que podia prescindir da ampla base aliada construída por um peculiar “presidencialismo de coalizão” – que Lula preferia chamar de “toma lá dá cá” – e tentou “cortar as asas” logo de seu maior e mais importante aliado, o PMDB. O que é que a oposição teve a ver com essa manobra desastrada, politicamente fatal, ditada pela prepotência de Dilma?

Ainda na área política, a presidente garante que persistirá na busca dos “necessários ajustes orçamentários, vitais para o equilíbrio fiscal”. Resta saber se PT, CUT, MST, UNE, etc., estão de acordo com isso.

É, porém, nas avaliações otimistas e nas promessas mirabolantes que o artigo de Dilma se supera. Por exemplo: “O investimento direto estrangeiro na casa de US$ 66 bilhões demonstra a confiança dos investidores no nosso país”. E as agências internacionais de classificação de risco que se conformem com isso, porque a presidente da República informa, em tom triunfante: “É hora de viabilizar o crescimento”. Muita gente diria que já passou da hora. Mas antes tarde do que nunca e, afinal, Dilma garante: “Teremos um 2016 melhor”. Amém.


Tributação sufocante - EDITORIAL GAZETA DO POVO -PR

Gazeta do Povo - PR - 05/01

Em 2015, uma montanha de dinheiro representativa de mais de um terço da riqueza gerada pela nação foi transferida ao governo Veja também

Os principais indicadores econômicos de 2015 já são conhecidos, estão circulando pela imprensa e, embora algumas alterações possam ocorrer nos próximos meses, quando será fechada a contabilidade nacional, a essência do que foi a economia no ano passado já é conhecida, a saber: Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 5,855 trilhões; dívida pública bruta de R$ 3,84 trilhões, equivalente a 65,5% do PIB; dívida pública líquida de R$ 2,16 trilhões, equivalente a 36,9% do PIB; inflação medida pelo IPCA em 10,7%; total de juros da dívida pública bruta em R$ 450 bilhões (R$ 372 bilhões correspondem à correção da dívida pela inflação e R$ 78 bilhões são os juros reais).

O PIB e a renda nacional têm o mesmo valor – R$ 5,855 trilhões em 2015 –, do qual a tributação total efetivamente arrecadada deve fechar em R$ 2,1 trilhões, 35,9% do PIB. Embora não sejam números exatos, por serem parciais, essa é a magnitude da tributação brasileira, mas com certas distorções na interpretação do peso do Estado sobre a sociedade. A tributação oficial não inclui, por exemplo, o total gasto pela população com o pagamento de pedágio nas rodovias, que são bens coletivos de propriedade pública, cuja expansão e manutenção, que faziam parte do orçamento do governo, passaram a ser executadas pelas concessionárias com a receita do pedágio. Sem passar pelo orçamento do governo, o pedágio não figura como tributo pelo uso de um bem público, embora tenha a mesma característica.

Deixados de lado certos aspectos, o fato é que a tributação na casa dos R$ 2,1 trilhões no ano é uma montanha de dinheiro representativa de mais de um terço da riqueza gerada pela nação e transferida ao governo. Apesar de a carga ser alta, a nação está ameaçada de sofrer uma avalanche de novos tributos a partir de 2016. É grande o número de parlamentares e governantes do PT que vivem propondo resolver os problemas nacionais por meio de aumento tributário. Há alguns meses, o senador Lindberg Farias (PT) se colocou contra o ajuste fiscal e propôs um imposto sobre grandes fortunas com alíquota suficiente para arrecadar R$ 100 bilhões ao ano, quase 2% do PIB.

Outro fantasma que o governo insiste em ressuscitar é a CPMF, e já avisou que voltará à proposta assim que recomeçarem os trabalhos parlamentares. Nunca é demais lembrar que a arrecadação prevista com a CPMF era de R$ 40 bilhões em 2007, quando Lula tentou aprová-la e foi derrotado. Para compensar, o governo elevou outros tributos e recuperou R$ 21 bilhões anuais – logo, a tal perda equivalente à CPMF extinta não é verdadeira. Outra ideia vem da direção nacional do PT, sempre defendendo mais tributos, com a proposta recente de criar uma alíquota de 40% para o Imposto de Renda de pessoas físicas de alta renda (hoje, a alíquota máxima é de 27,5%).

De forma desonesta, os defensores do aumento do Imposto de Renda costumam dizer que o Brasil não está entre os países com as alíquotas mais altas desse imposto. E é verdade. Porém, o que eles não dizem é que os países com alíquotas mais altas de Imposto de Renda não têm os tributos indiretos existentes no Brasil, como o IPI, o ICMS, o PIS e a Cofins. A única comparação que faz sentido é o tamanho da carga tributária total, e não a comparação isolada das alíquotas de um único tributo. A carga tributária brasileira está no limite, é muito alta, e cabe à sociedade ficar atenta a novas tentativas de aumentá-la, mesmo porque já houve aumentos de impostos em 2015 em todos os níveis de governo.

O sinal do dólar - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/01

A divulgação de dados pouco auspiciosos sobre a economia da China provocou nesta segunda-feira (4) a queda da Bolsa de Valores de vários países, incluindo o Brasil, e levou à desvalorização da maior parte das moedas emergentes. Como em 2015, o real esteve entre as mais prejudicadas –e já não surpreende que seja assim.

É que, de certa forma, pode-se relacionar o grau de desenvolvimento institucional (e de acumulação de poder) de um país à confiabilidade de sua moeda. Quanto mais elevado aquele, maior será esta.

Em alguns casos, atinge-se prestígio tal que a moeda se torna referência de valor global (dólar, euro, libra esterlina e iene, por exemplo), e não só para os cidadãos do país. Oscilações nas cotações tendem a ser consideradas reflexos de diferenças de ciclo econômico e níveis de juros, em geral não indicando um quadro de desconfiança.

Entre muitos emergentes, porém, o padrão monetário local serve como meio de transação apenas interno e reserva de valor menos confiável. A cotação dessas moedas em relação a referências sólidas é percebida como critério para avaliar a economia nacional.

Assim é por aqui, onde a população vê o nível da moeda americana diante da brasileira como atestado de saúde –ou, no momento, de doença. Em 2015, o país se destacou como o mais febril: o dólar saltou de R$ 2,7 para quase R$ 4; a desvalorização do real foi menor somente que a do peso argentino.

Verdade que parte dessa depreciação decorre de razões externas, como os juros nos EUA e a queda de preços de matérias-primas. Até aí, portanto, nada de anormal na perda de valor do real.

De fato, até meados do ano passado, a dinâmica da moeda brasileira seguia o padrão global, salvo por um surto de desvalorização em março, no auge da insegurança em relação ao balanço da Petrobras.

A partir de julho, todavia, o cenário muda. Quando o governo Dilma Rousseff (PT) abandona as metas de economia no Orçamento, escancarando o descontrole da dívida pública, a perda de valor do real se acentua e adquire vida própria.

Tem-se aí um dos resultados do descalabro administrativo da gestão petista: o enfraquecimento dos fundamentos que dão guarida ao valor da moeda, fazendo o país regredir a um padrão de instabilidade que se acreditava superado.

Parte desse ajuste no câmbio até é desejável, pois ajuda a devolver competitividade à indústria nacional e a diminuir o deficit nas contas externas (facilitando exportações, e não importações). Mas não se trata apenas disso, infelizmente.

A cotação do dólar, no fundo, reflete o temor de que, sem a adoção de medidas adequadas, o crescimento exponencial da dívida interna levará a uma erosão institucional ainda mais dramática e selvagem –um processo de inflação crescente, que atinge a todos, sobretudo os mais pobres.

Em outras palavras, a preocupante desvalorização do real é apenas sintoma de um quadro bastante grave da economia brasileira.


Pedaladas digitais - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/01

Assim fica fácil. Ao fazer comentários sobre o programa Banda Larga nas Escolas, o Ministério das Comunicações, sem considerar a qualidade do serviço prometido, diz que "o objetivo de massificação do acesso à internet nas escolas públicas urbanas foi alcançado."

A afirmação, feita a propósito de reportagem destaFolha, pode ser levada a sério somente de uma perspectiva muito restrita.

Segundo informações dos ministérios das Comunicações e da Educação, o programa do governo federal chega hoje a quase 70 mil escolas urbanas, o equivalente a 91,7% do total.

Se, em 2008, "à época de lançamento do programa, poucas escolas possuíam algum acesso", houve avanço digno de nota –mesmo considerando que a meta era conectar 100% dos colégios até o final de 2010.

Quem der atenção a outro aspecto, contudo, dificilmente chegará a diagnóstico tão otimista. É de apenas 2,3 megabits por segundo a velocidade média da internet nas escolas atendidas. São meros 3% do que o próprio governo considera ideal, 78 megabits por segundo.

Sem aprimorar a velocidade da conexão, uma iniciativa do Ministério da Educação perde muito de seu sentido. Em 2012, a pasta lançou edital para comprar tablets e distribuir entre professores da rede pública. Quase 500 mil equipamentos foram adquiridos, ao custo de R$ 152 milhões.

Pensava-se, sem dúvida, em estimular o uso de novas tecnologias no ensino. Como muitas escolas não dispõem de internet com boa velocidade, porém, docentes não conseguem fazer pesquisas e, às vezes, nem mesmo usar o tablet para tarefas administrativas online.

A inadequação é tanta que o próprio MEC adaptou seu site para que diretores e professores da rede pública não precisem manter navegação permanente na internet ao consultar documentos sobre o currículo nacional para a educação básica, atualmente em debate.

Seria mais proveitoso que o Ministério das Comunicações, em vez de celebrar um objetivo ainda longe de ser atingido a contento, se empenhasse em encontrar soluções para o problema. A não ser, é claro, que a pasta pretenda inovar com essa espécie de pedalada digital.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CÂMARA GASTA R$ 14 MILHÕES COM COMBUSTÍVEIS

O abastecimento da frota de carros oficiais dos deputados federais, uma das benesses concedidas pela Câmara, custou mais de R$ 13,8 milhões ao contribuinte no ano passado. A crise econômica parece não ter sido sentida por suas excelências, que gastaram quase o mesmo valor de 2014, R$ 13,9 milhões, em combustíveis e lubrificantes. O levantamento é da Operação Política Supervisionada (OPS), do ativista Lúcio Batista.

TANQUE FURADO
Quem mais gastou em combustíveis na Câmara, no ano passado, foi o deputado Flaviano Melo (PMDB-AC): R$ 51.310,95.

NEM CAMINHONEIRO
O valor médio da gasolina fechou 2015 a R$ 3,63, segundo a Agência Nacional do Petróleo. Daria para Melo comprar ao menos 14.135 litros.

RANKING
Flaviano Melo bateu o recorde de 2014, quando quatro deputados gastaram, cada um, R$ 49,5 mil em combustíveis e lubrificantes.

A CAUSA
Para Lúcio Batista, conhecido por Lúcio Big, ‘a falta de controle no uso de verba indenizatória propicia verdadeira farra com dinheiro público’

CPI INVESTIGA APARELHAMENTO DE FUNDOS DE PENSÃO
O déficit de R$ 5 bilhões no Postalis, fundo de pensão dos servidores dos Correios, levará a CPI dos Fundos de Pensão a priorizar “duas missões”. A primeira é levar à luz casos de aparelhamento dos fundos Postalis, Funcef (Caixa), Petros (Petrobras) e Previ (Banco do Brasil). A outra é propor nova lei, combatendo a falta de transparência e o direcionamento de negócios. O déficit bilionário foi noticiado em primeira mão nesta coluna.

FAZENDO O JOGO
Setores da oposição criticam a CPI por fazer jogo do PT, que controla a Previc, órgão fiscalizador que deveria ter evitado o “rombo” nos fundos.

PARCIALIDADE
A Previc tem se caracterizado, segundo os críticos, por ser dura só com os fundos como Postalis, cujos dirigentes não eram indicados pelo PT.

AOS AMIGOS, TUDO
Procedimentos e aplicações considerados suspeitos em outros fundos foram avalizados pela Previc quando adotados naqueles ligados ao PT.

PRODUTIVIDADE BAIXA
Amigos de Renan Calheiros não negam ser decepcionante sua atuação parlamentar, com zero projetos para Alagoas, mas afirmam que, em compensação, designa assessores para acompanhar seus prefeitos na peregrinação por repartições de Brasília de pires na mão. Ah, bom.

MUDANÇA DE PLANO
O deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) desistiu da candidatura à prefeitura do Recife. Por enquanto, ele cuida da eventual candidatura à presidência da Câmara, já pensando na queda de Eduardo Cunha.

GOVERNO DESMORALIZADO
Não foi bem recebida a declaração de Jaques Wagner de que a baixa popularidade de Dilma não é crime. Para Rubens Bueno (PPS-PR), a falta de crença com o governo se deve às pedaladas e à corrupção.

CONGRESSO SOU EU
O governo federal cada vez mais legisla no lugar do Congresso. No ano passado, Dilma editou 43 medidas provisórias. Em cinco anos de mandato, o número só é menor do que as editadas em 2012: 44.

CONTRA O RELÓGIO
Presidente da CPI dos BNDES, o deputado Marcos Rotta (PMDB-AM) não pretende perder tempo em 2016. “Vamos averiguar (em fevereiro) os casos pendentes”, avisa. O governo tenta melar a comissão.

DILEMA PETISTA
Depois de inúmeras provas da inabilidade do líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), a bancada espera o fim do recesso para substituí-lo. O problema é achar quem tope a difícil missão de defender o partido

ESPERTEZA MUNDIAL
O Uber é excelente e deve ser estimulado, mas não cadastre nele um cartão American Express. As duas empresas têm uma parceria mundial e a conta do Uber, mesmo em reais, no Amex chega a você dolarizada.

BUROCRACIA EM DOBRO
É normal a reclamação do excesso de legislação e burocratização no Brasil. No ano passado, foram criadas 159 novas leis ordinárias, consideradas mais comuns. Todas foram publicadas no Diário Oficial.

PENSANDO BEM...
... ao autorizar penhora de imóveis comprados com grana ilícita, o STJ pode iniciar adesão em massa de políticos a movimentos de sem-teto.