segunda-feira, novembro 07, 2016

O voto virou veto - PAULO GUEDES

O Globo - 07/11

Curtas janelas de tempo eleitoral e novas tecnologias conspiram para estratégias de cerco e desconstrução dos adversários


O voto virou veto. Nas curtas janelas de tempo eleitoral, é sempre mais fácil destruir do que construir. As novas tecnologias de informação e comunicações conspiram também para estratégias de ataque, cerco e desconstrução dos adversários. O foco é nos vícios do outro, e não nas próprias virtudes. O eleitor de Hillary está convencido de que sua missão é impedir que chegue à Presidência um candidato sem consideração por mulheres, negros e latinos. E que pode, além de suas inadequações morais, arrastar o mundo a uma guerra nuclear. Já o eleitor de Trump tem o propósito de rejeitar a candidata do establishment, por sua insensibilidade à destruição de empregos industriais, aos gastos excessivos de incompetentes burocratas e ao declínio econômico e político dos americanos. A “comprovada” incapacidade de Hillary teria alimentado maus acordos comerciais, indesejáveis ondas de imigrantes e aumento do terrorismo.

São grosseiras simplificações em detrimento dos adversários, para direcionamento dos vetos. E não a construção de agendas positivas para mobilização dos votos. “A civilização está sob a constante ameaça da ruína. A sociedade não se manteria apenas por interesses econômicos; as paixões determinadas por impulsos são mais fortes do que os interesses racionais”, diagnosticava Freud, em seu clássico “O mal-estar na civilização” (1930). O atual desconforto dos ocidentais com a globalização se manifesta em diversas dimensões. Na perda de competitividade industrial, na falência do welfare state, na guerra mundial por empregos, na estagnação dos salários e no aumento das desigualdades dentro das fronteiras nacionais no Ocidente. Pouco se importam com a melhor distribuição de renda global pela redução da miséria entre bilhões de órfãos eurasianos do finado socialismo real.

Serão enormes e assimétricos os efeitos econômicos e políticos da eleição de Hillary ou Trump. Mas as modernas democracias liberais têm mecanismos de correção dos excessos. Uma sociedade aberta tem maturidade institucional para processar mesmo uma escolha da “pessoa errada” nas eleições presidenciais. Se o Brasil, uma democracia emergente em construção, exibiu essa flexibilidade institucional, é irônico que não possam hoje dormir tranquilos os norte-americanos.


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