domingo, outubro 09, 2016

Contratos falsos - JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

O Estado de São Paulo - 09/10

Um dos principais objetivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é proteger os trabalhadores de si próprios. A hipótese básica da CLT é de que, se for permitido ao trabalhador negociar livremente os termos de seu contrato de trabalho no momento em que ele é contratado, ele será incapaz de escolher um contrato que lhe seja favorável. Portanto, para proteger o trabalhador, a legislação proíbe que as condições de trabalho sejam negociadas, mesmo que o trabalhador assim o deseje.

Porém, quando o trabalhador é demitido, todas estas condições são negociadas na Justiça do Trabalho, diante de um juiz. Afinal, praticamente todas elas podem ser avaliadas monetariamente e, se o trabalhador entra com uma demanda na Justiça do Trabalho, o juiz propõe uma negociação do valor da compensação a ser paga. A negociação pode ser feita, mas somente diante de um juiz, quando a relação de trabalho acaba. Para a CLT, o trabalhador ou é impotente ou é incapaz.

O problema deste arranjo é que o custo do trabalho só é definido no final da vigência do contrato de trabalho e depende de decisão do juiz. Ou seja, todos os contratos de trabalho assinados no País são “falsos”, no sentido de que podem ser mudados unilateralmente, pelo juiz do Trabalho, quando de seu encerramento.

Como a folha de salários é um dos maiores custos da empresa, o risco de que uma decisão judicial seja prejudicial à empresa ou possa, até mesmo, torná-la insolvente inibe o investimento, o crescimento da economia e a geração de empregos.

Permitir a negociação no momento da contratação é fundamental para evitar esse resultado. Negociar não significa retirar direitos. Ao contrário, torna mais amplo o conjunto de possibilidades de escolha à disposição de trabalhadores e empresas.

O Brasil deve ser o único país do mundo onde, quanto menor a taxa de desemprego, maior é a demanda por seguro-desemprego. A questão é que um trabalhador brasileiro, quando é demitido, recebe um “prêmio” em dinheiro: libera o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com uma multa de 40%, recebe aviso prévio, antecipa o décimo terceiro salário e as férias proporcionais e recebe seguro-desemprego (além de poder receber alguma compensação na Justiça do Trabalho). Quando a taxa de desemprego é baixa, vale a pena ser demitido, receber o “prêmio” e buscar um novo emprego.

Como os empresários antecipam esse comportamento, não investem no trabalhador, porque os ganhos de produtividade daí advindos acabarão sendo apropriados por um competidor. Como não investe no trabalhador, perde pouco ao demiti-lo e não tem incentivo para mantê-lo na empresa. O trabalhador não investe na empresa e esta não investe no trabalhador. Daí os elevados níveis de rotatividade e, nesse sentido, o mercado de trabalho brasileiro ser bastante flexível. A empresa pode contratar e demitir sem restrições.

Trata-se, no entanto, de uma flexibilidade perversa. Primeiro porque, se a empresa precisa reduzir o salário do trabalhador, a forma mais fácil é demiti-lo e contratar outro. Segundo, como trabalhadores e empresas investem pouco um no outro, a produtividade e, portanto, os salários reais crescem pouco. Finalmente, como, quanto mais qualificado o trabalhador, mais inclinada é a relação entre o tempo na empresa e seu salário, o incentivo para querer ser demitido é maior quanto menos qualificado o trabalhador, que acaba recebendo menos treinamento, o que aumenta a desigualdade.

Alternativas. A legislação atual pode até ser mantida, porém, novamente, é indispensável criar alternativas. Por que não permitir que os trabalhadores escolham manter seu FGTS e a multa retidos por um determinado período, desde que remunerado pela taxa Selic, por exemplo? Para os que escolhessem essa opção, o incentivo seria o contrário do descrito anteriormente.

A reforma da legislação trabalhista está voltando ao proscênio, e isso é importante para reduzir as incertezas e a desigualdade, aumentar a produtividade, o investimento e o crescimento da economia.

Para a Consolidação das Leis do Trabalho, o trabalhador brasileiro ou é impotente ou é incapaz

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