quarta-feira, setembro 21, 2016

O que falta para o investimento em infraestrutura deslanchar - IGOR BARENBOIM

VALOR ECONÔMICO - 21/09

Com R$ 1 trilhão em ativos, fundos de pensão e seguradoras têm pouca exposição na infraestrutura


O modelo brasileiro de financiamento à infraestrutura é quase público, na medida em que o BNDES e outras fontes de fundos públicos subsidiam a principal parte da dívida necessária para levar a cabo os projetos. Com a crise fiscal do Estado brasileiro esse modelo chegou à exaustão. Tendo em vista a carência de infraestrutura adequada no país, a alternativa disponível é mobilizar recursos privados para esse fim. O programa de parcerias de investimentos (PPI) lançado pelo governo federal recentemente não muda a natureza do modelo de financiamento à infraestrutura em vigor, porque mantém o governo e suas controladas financiando a parte do leão.

Nesse artigo mostramos como funciona hoje esse mecanismo de financiamento e sugerimos como fazer diferente.

O financiamento à infraestrutura no Brasil se dá principalmente por meio de bancos e fundos públicos que financiam a maior parte do custo dos projetos a taxas de juros subsidiadas. Chamamos esse modelo de quase público porque o Tesouro não entra diretamente financiando projetos, mas indiretamente por dois canais: (i) A diferença entre os juros de mercado e os juros subsidiados cobrados de projetos pelo BNDES é despesa do Tesouro Nacional. Ademais, (ii) como os financiamentos são de longo prazo, o giro da carteira é baixo. Logo para ofertar novos empréstimos, o Tesouro precisa capitalizar os bancos públicos, via emissão de dívida ou cobrança de impostos.

Nos últimos 10 anos os ativos do BNDES e consequentemente o seu capital entraram em trajetória exponencial de crescimento. Com aportes do Tesouro de quase R$ 500 bilhões desde 2008, os ativos do banco de desenvolvimento se aproximaram de 10% do PIB do país. Apenas o custo anual do subsídio de taxas de juros, a diferença entre Selic e TJLP, 7% ao ano, é de 0,7% do PIB, da ordem de R$ 40 bilhões.

O quadro de crise fiscal não combina com a continuação do modelo quase público de financiamento à infraestrutura. Ademais, questionamentos acerca da sustentabilidade da dívida pública do governo não permitem que o modelo de financiamento à infraestrutura continue se dando através de emissão de dívida bruta pelo Tesouro Nacional para capitalizar o banco de desenvolvimento. O modelo se esgotou!

No segundo mandato de Dilma, iniciativas foram feitas para incentivar o envolvimento do mercado de capitais no financiamento à infraestrutura. Por exemplo, o acesso ao financiamento barato do BNDES foi em boa medida condicionado à busca de financiamento privado via emissão de debêntures de infraestrutura. Agora, já no governo Temer, foi lançado o Programa de Parcerias de Investimento, onde o papel do BNDES é reduzido, mas o papel do financiamento governamental em condições especiais continua preponderante através de diversas instituições financeiras que o governo controla.

A mudança de modelo no financiamento à infraestrutura não significa que o BNDES, ou o governo como um todo deve perder o papel de indutor desse investimento. Muito pelo contrário, o BNDES tem muita expertise em infraestrutura e pode usá-la para liderar processo de garantias a projetos bem estruturados. Acertar nessa questão é crucial para o envolvimento de fundos de pensão e seguradores, que tem interesse em casar maturidade de ativos e passivos, desde que o risco de crédito dos projetos seja mitigado.

No Brasil, os fundos de pensão possuem muito pouca exposição a investimentos em infraestrutura hoje. O mesmo é verdade para seguradoras. Entre fundos de pensão e reservas de seguradoras temos mais de R$ 1 trilhão em ativos no Brasil. São R$ 600 bilhões em fundos de pensão fechados, R$ 200 bilhões em fundos de previdência do regime próprio dos entes federados e R$ 400 bilhões em reservas de seguradoras.

No modelo atual, o principal garantidor dos riscos de construção são os bancos privados e o doador do funding é o BNDES e outros controlados pelo governo. Esse modelo concentrou os projetos de infraestrutura em grandes grupos nacionais que possuem acesso a crédito e interesse dos bancos em atendê-los, por conta de um portfólio de produtos vendidos a eles. Essa concentração também não é mais possível por conta da dificuldade que os grandes grupos encontraram com as investigações da Lava Jato.

Um novo modelo deveria inverter os papéis, com o BNDES liderando o processo de arregimentação de garantias, junto ao mercado bancário e segurador, deixando o funding para o mercado privado. A liderança do BNDES no processo de garantias seria uma espécie de selo de qualidade do projeto, devido à expertise do banco no assunto. Nesse novo modelo, os bancos oficiais não devem garantir fatia muito grande do projeto, caso contrário estaríamos falando de um patrocínio ao capitalismo sem risco.

Um modelo alternativo que poderia funcionar de modo adicional seria repartir a dívida necessária para realização do empreendimento em tranches das mais juniores até as mais seniores. O BNDES poderia fazer financiamento parcial de projetos, comprando as tranches mais juniores, ou seja, assumindo a primeira perda logo após a do acionista, seguindo o modelo do Banco de Investimento Europeu.

Adicionalmente a reforma do modelo de financiamento, deve-se reformar o modelo licitatório das concessões. Fazendo pregão do menor valor presente líquido pelo qual o concessionário está disposto a obter para levar a cabo o projeto, e não com base na tarifa a ser praticada. Num quadro de incerteza política e econômica como o que temos é difícil fazer projeções acuradas. Mas os concessionários em potencial sabem o quanto querem ganhar para correr risco e levar o projeto de infraestrutura adiante.

Uma forma mais eficiente de dividir riscos seria ter um acordo de que a concessão durará o tempo necessário para o concessionário vencedor atingir o valor presente líquido pré-estipulado. Com isso maximizamos a chance dos leilões para as concessões darem frutos e o investimento crescer.

*Igor Barenboim é Ph.D em economia por Harvard. Foi secretário adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda.

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