quarta-feira, agosto 24, 2016

Essa conta não é do consumidor - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 24/08

O consumidor carioca corre o risco de ter um aumento na sua conta de luz em razão dos investimentos feitos para os Jogos Olímpicos Rio 2016



O consumidor carioca corre o risco de ter um aumento na sua conta de luz em razão dos investimentos feitos para os Jogos Olímpicos Rio 2016. Trata-se de um evidente abuso, que não deve ser tolerado. A Olimpíada é um evento privado, que não tem qualquer parcimônia na hora de cobrar seus ingressos – assistir a um jogo de futebol, por exemplo, custou em algumas partidas mais de R$ 500. A organização do evento deve ser, portanto, responsável por todos os gastos e investimentos que exigiu. Não cabe agora, depois da festa, repassar ao consumidor a conta, que pode ser inflacionária, afetando, assim, todos os brasileiros.

A possibilidade de que ocorra o absurdo repasse ao cidadão da conta relativa aos investimentos feitos para atender à Olimpíada Rio 2016 veio à tona quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no dia 16, permitiu que as distribuidoras de energia que não aderiram à renovação de contratos no ano passado renovem agora seus contratos. Com isso, abriu-se a oportunidade para que as empresas de energia mudem seu calendário de reajustes e revisões de tarifas. Na prática, a revisão tarifária que ocorreria em 2018 pode ser antecipada para 2016.

Conforme informou o jornal O Globo, a Light, empresa responsável pela distribuição de energia no Rio de Janeiro, pretende, na revisão contratual, pleitear um aumento extraordinário de tarifa tendo como motivo, entre outros, os investimentos no sistema elétrico feitos exclusivamente para atender aos Jogos Olímpicos Rio 2016.

Segundo a Light, os investimentos olímpicos alcançaram a cifra de R$ 909,9 milhões. Só na infraestrutura de energia para atender a região da Barra da Tijuca – onde foi construído o Parque Olímpico, com suas várias arenas – foram gastos cerca de R$ 250 milhões.

Parte dessa conta teria sido paga pelo governo federal, no valor de R$ 477,8 milhões. Já os restantes R$ 432,1 milhões ficaram a cargo da Light, que agora almeja cobrar do consumidor, por meio de aumento extraordinário da conta de luz, o valor investido.

Caso seja aprovado, seria um segundo aumento em menos de um ano, já que, em novembro de 2015, houve um reajuste de 15,99% para os consumidores residenciais. Até o momento, não se sabe qual seria o impacto porcentual dos R$ 432,1 milhões em cada conta de luz.

Em nota, a empresa distribuidora de energia do Rio de Janeiro informou que “o desequilíbrio atualmente vivenciado pela Light decorre, primordialmente, da antecipação relevante de investimentos realizados para os Jogos Olímpicos Rio 2016 e do aumento expressivo dos custos de compra de energia e encargos”. A Light sustenta ainda que o contrato de concessão e a legislação pertinente ao caso permitem o pedido de revisão extraordinária da tarifa, com o fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da empresa.

A Aneel, que ainda não se pronunciou sobre o pedido de aumento da Light, apenas informou por nota que o ato publicado em 16 de agosto, aprovando o termo aditivo ao contrato de concessão de distribuição de energia elétrica, é “um avanço no sentido de reduzir o risco do negócio que atua em favor do consumidor e da modicidade tarifária”.

Seja agora, seja em 2018, é um abuso obrigar o consumidor a pagar a conta dos investimentos feitos exclusivamente para atender aos Jogos Olímpicos Rio 2016. Não há razão – jurídica ou de fato – que possa sustentar o repasse à população dos investimentos feitos para atender a um evento privado.

Além de inflacionário, o aumento na conta de luz seria cristalina demonstração de abuso de poder. A lei e as instituições de um país não podem ser utilizadas para impor à parte mais fraca – o cidadão – custos que em nada lhe dizem respeito. Quem quis participar do evento esportivo pagou seu ingresso e desfrutou do espetáculo. Os organizadores, ao que se informa, tiveram substanciosos lucros. Pretender que, agora, terminada a festa, os cariocas paguem uma fatura que não é deles nada tem de espírito olímpico. É pura desfaçatez.

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