sábado, julho 02, 2016

Olha a Olimpíada aí, gente - LUIZ FERNANDO JANOT

O GLOBO - 02/07

Algumas arenas são hoje verdadeiros elefantes brancos. O consórcio que administra o Maracanã já planeja pular fora do negócio. Adivinhem quem vai ficar com o mico?


Estamos a um mês do início dos Jogos Olímpicos, e o Rio ainda convive com obras por todos os lados. Contudo, há que se reconhecer o esforço e a determinação da prefeitura para concluir todas as obras nos prazos estabelecidos. O mesmo não se pode dizer do governo do estado, que até hoje não terminou a expansão do metrô e muito menos honrou o compromisso de despoluir a Baía de Guanabara e as lagoas da Barra da Tijuca.

Entre os legados para a cidade, não há dúvida de que as obras de infraestrutura são as mais importantes. As linhas do BRT e do VLT, assim como a ampliação do traçado do metrô e das pistas do Elevado do Joá, são obras relevantes para melhorar a mobilidade urbana. Da mesma forma que os grandes reservatórios subterrâneos de águas pluviais são fundamentais para evitar os alagamentos na região da Grande Tijuca.

No tocante ao aproveitamento futuro das instalações esportivas, resta saber como serão obtidos os recursos para transformação e manutenção desses equipamentos. Não dá pra cometer os mesmos erros ocorridos nas Parcerias Público-Privadas dos estádios da Copa. Algumas arenas são hoje verdadeiros elefantes brancos. O consórcio que administra o Maracanã já planeja pular fora do negócio. Adivinhem quem vai ficar com o mico?

Entre as obras de renovação urbana se destaca a demolição do Elevado da Perimetral. Graças a essa iniciativa, estabeleceu-se uma nova espacialidade na área central do Rio, que incorpora a reurbanização da antiga Região Portuária, a recuperação do Cais e do Jardim do Valongo, a criação de uma inédita alameda litorânea ligando a Praça XV à Praça Mauá e as construções do Museu do Amanhã, do Museu de Arte do Rio e do Aquário Oceânico.

A esse rol de realizações acrescentamos a reurbanização do entorno do Engenhão, associada à restauração dos antigos galpões das oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil. E, também, a nova Marina da Glória e a construção dos notáveis parques de Madureira e de Deodoro, com suas áreas arborizadas e equipamentos de lazer para a população da Zona Norte.

Se nesse conjunto de obras algumas não alcançaram a qualidade arquitetônica e urbanística desejada, isso se deve, em parte, ao Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que permite a contratar, de maneira integrada, o projeto e a execução da obra. É óbvio que a dispensa do projeto executivo na licitação favorece as alterações constantes do projeto e das especificações, os reajustes orçamentários e a perda de referência técnica para a fiscalização. A ciclovia da Avenida Niemeyer é um exemplo emblemático dessa constatação.

Apesar das benfeitorias realizadas nos espaços públicos, o carioca não consegue usufruí-los com a tranquilidade necessária. Qualquer cidadão — independentemente da sua condição social — que anda a pé pelas ruas da cidade, que utiliza ônibus, moto ou bicicleta e que circula à noite de automóvel sente-se ameaçado pelos roubos e assaltos frequentes. A perda de vidas humanas se tornou uma ocorrência banalizada.

Infelizmente, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) caíram em descrédito e a sua derrocada parece ser uma questão de tempo. Apesar dos insistentes apelos do bem-intencionado secretário de Segurança Pública, as promessas de urbanização das favelas, de implantação de políticas sociais abrangentes, de repressão ao contrabando de armas, de discussão sobre a eficácia das ações penais, de construção de prisões decentes e de abrigos adequados para menores infratores parecem relegadas ao esquecimento. Sem a universalização dos serviços públicos e a presença do Estado nas áreas pobres da cidade, dificilmente essa grave situação será revertida.

Em contrapartida, tapa-se o sol com a peneira implantando em áreas específicas da cidade uma “polícia público-privada” com recursos de entidades corporativas e empresariais. Não duvido que tal contingente paramilitar venha se transformar em uma espécie de milícia institucionalizada. Todavia, o mais provável é que essa fórmula mágica acabe se juntando a tantas outras propostas imediatistas condenadas ao fracasso.

Os problemas complexos de uma metrópole não se resolvem unicamente por meio de ações isoladas. As grandes cidades exigem um processo contínuo de planejamento urbano para subsidiar as decisões políticas e a escolha das intervenções localizadas. Trata-se de uma irresponsabilidade iludir a sociedade com promessas e sonhos fantasiosos em meio a uma grave crise econômica e financeira.

Espera-se, portanto, que os futuros candidatos à prefeito e à Câmara Municipal nos poupem dos discursos demagógicos e arregacem as mangas para construir, de fato, uma cidade democrática voltada para o bem-estar social de toda a sociedade.

Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista

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