sexta-feira, maio 06, 2016

Um soco no jeitinho - PAULO DE TARSO

CORREIO BRAZILIENSE - 06/05

A Lava-Jato atropelou, mais uma vez, ontem, a lógica reinante no imaginário político patrimonialista brasileiro. O Supremo Tribunal Federal suspendeu o mandato do deputado federal Eduardo Cunha. O todo-poderoso Cunha, que consegue, como mestre das marionetes, congelar o ritmo da própria cassação na Câmara e acelerar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como um aluno indesejado no colégio, ele está proibido de exercer o poder que sempre se gabou de ter.

A mesma operação já tinha levado para a cadeia um senador em pleno exercício da função, com o plus de ele ser líder do governo na Casa; obrigara um ex-presidente da República prestar depoimento de maneira coercitiva; e colocara na cadeia barões do sistema financeiro e das empreiteiras que, por décadas, mantiveram relações espúrias com o Estado, beneficiando-se dessa simbiose e dando uma mãozinha para que integrantes do Poder também se dessem por satisfeitos.

A decisão do STF, comemorada em diversos pontos do país, pode e deve ser interpretada como o cansaço de um Brasil que não é seletivo em sua indignação e que não escolhe bandidos de estimação, como se propagou por aí nos últimos meses. Temos de mudar a mentalidade cotidiana do rouba, mas faz e do se você me ajudar no que eu quero, eu esqueço que você não presta. Não é isso que deveríamos ensinar aos nossos filhos, mas é isso que estamos perpetuando desde sempre com o jeitinho brasileiro.

A cereja do bolo de ontem não é o fim da história. Ainda temos um Congresso e um Executivo chantageando-se mutuamente em troca de cargos e emendas parlamentares, num ritual viciado de degradação política, em que não existem mocinhos. Sofremos com uma carga tributária extorsiva, medida incansavelmente pelo impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, porque o nosso Estado é gigante, ineficiente e incapaz de devolver em serviços tudo o que nos confisca em impostos. O Brasil dormiu um pouco melhor ontem e sonha com noites e dias ainda mais felizes. Mas não se engane: a cura como sociedade ainda é um processo em construção, longe de estar concluído.

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