quarta-feira, maio 04, 2016

Crédito: ser ou não ser - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 04/05

Ela se chamava ARO – Antecipação de Receita Orçamentária. Oficialmente, uma ARO não era um empréstimo, mas era como se fosse. Pelas operações, os governadores pegavam nos bancos públicos uma antecipação do que iriam recolher de impostos. Depois atrasavam o pagamento ou nem pagavam. Assim os bancos acabaram financiando as despesas dos governos.

Uma das razões da existência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi acabar com a relação promíscua entre o governo e os bancos públicos. O controlador é forte demais, nomeia a diretoria, então normalmente os bancos não cobram dos governantes. Essa era a ideia que levou à formulação do artigo 36 da LRF. A Lei proibiu que houvesse qualquer tipo de operação de crédito entre eles. A história econômica do Brasil derruba a tese de que não há nada de errado com aquela montanha de dinheiro que o governo ficou devendo. Aquilo é, evidentemente, um empréstimo camuflado. Como eram as AROs.

Uma das teses da defesa da presidente Dilma repetida na Comissão de Impeachment pelo professor Ricardo Lodi é que a dívida do governo junto a bancos públicos era inadimplência contratual e não empréstimo. “A Lei de Responsabilidade Fiscal não inventa o que é uma operação de crédito”, disse Lodi, argumentando que um empréstimo é uma transação específica.
As AROs também não eram oficialmente uma operação de crédito, ainda que de fato fossem. Os bancos estaduais, e federais, por financiarem seus controladores, acabaram quebrados. O governo FHC saneou os bancos, federalizou as instituições estaduais, privatizou e propôs a LRF para impedir que novos fatos como aqueles acontecessem com os bancos federais. Esse é o espírito da lei, e o gráfico abaixo derruba totalmente a tese de um simples atraso no contrato. Ele mostra a que ponto se chegou e prova que os atrasos ocorreram também em 2015.

Os advogados que falaram em defesa do governo disseram que nem se deve discutir se houve culpa da presidente porque não houve a ação em si. Os decretos de aumento de despesa teriam seguido uma cadeia hierárquica, e a presidente apenas concordou depois de ouvir os especialistas. “A presidente assinou depois de uma hierarquia de decisões, portanto é uma ação neutra, da qual nem se deve discutir se há dolo ou não”, disse o professor Geraldo Mascarenhas Prado.

Ele deu o exemplo de um dos decretos que é um pedido de aumento de gastos apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça em favor da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Como foi assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, o professor argumenta que o ministro então deveria ser também responsabilizado. O problema é que o chefe do Executivo é que tem a prerrogativa exclusiva de tomar decisão de baixar ou não o decreto.

Os defensores do governo sustentam que os decretos de aumentos de gastos não estouraram a meta porque ela foi alterada no fim do ano. É o princípio da anualidade, dizem. A acusação diz que se no fim do ano for aprovado um número que legaliza todo o estouro ocorrido anteriormente, a meta deixa de fazer sentido.

O ex-presidente da OAB Marcelo Lavanère atribui o impeachment à tentativa da elite de derrubar um “projeto popular” de governo. Os números conspiram contra a tese. A maior parte das pedaladas é transferência de renda aos proprietários de terra ou às grandes empresas através dos empréstimos subsidiados do BB e do BNDES. Respeito às leis fiscais não tem ideologia. É fundamental para qualquer projeto de governo.

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