domingo, março 20, 2016

O mistério do 'evento 133' - ELIO GASPARI

O GLOBO - 20/03

Consultando-se as agendas da doutora Dilma, de Nosso Guia e do juiz Sergio Moro, vê-se que, por algum motivo, eles ficaram apressados na quarta-feira (16).
Lula e Dilma tomaram café da manhã juntos. Era sabido que ele temia ser preso e que ela o convidara para o governo.

Pouco depois das 11 horas, o juiz Sergio Moro suspendeu várias interceptações telefônicas, inclusive a de um celular "laranja" de Lula. Passados alguns minutos, o Planalto informou que ele iria para a chefia da Casa Civil.

Às 13h32, Dilma telefonou a Lula, avisando que estava remetendo "o termo de posse", para usá-lo "em caso de necessidade". (Para a série mistérios da alma de Dilma: precisava telefonar?)

Às 15h34, a PF informou que ouviu a conversa e, às 16h19, Moro retirou o sigilo que protegia tanto a investigação como os grampos. Às 18h40, o diálogo foi ao ar.

Os grampos de Lula mostram um homem escaldado, ressentido e acuado. Quem o viu no dia seguinte mediu seu abatimento. Basta ler as conversas para se ver como alguns petistas já fugiam dele. Seu recurso aos palavrões é um dos melhores documentos da retórica desabusada que lhe deu popularidade e agora lhe dá a cama de pregos.

Quando Dilma nomeou Lula para a chefia da Casa Civil, sabia que estava blindando-o. Quando Moro aceitou o grampo feito depois de ter determinado a suspensão das interceptações, também sabia que o curto diálogo incendiaria o debate.

Explicando sua decisão de incluir o "evento 133", que grampeou Dilma, Moro disse: "Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância". Pode-se fazer tudo por Moro, menos papel de bobo. Sua explicação ofende a inteligência alheia, e a repercussão do gesto mostrou sua relevância.

O juiz tem tanta convicção de que está sempre certo que se julga incapaz de errar.

MADAME NATASHA

Madame Natasha zela pelo uso correto do idioma e sabe que as palavras são como as facas: servem para cortar carne à mesa ou para esfaquear os outros na rua.
Ela concedeu uma das suas bolsas de estudo ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, pelo vocabulário que usou durante o piti que teve ao cuidar do atendimento de seu filho no hospital Lourenço Jorge.

Descontente com o serviço de um médica, ele lhe disse: "A senhora está demitida. Não quero mais ouvir a sua voz, aqui não estou falando como cidadão, mas como seu patrão. Não quero mais que você trabalhe para mim".

Natasha sabe que o prefeito se tem em muito boa conta. O doutor acha que Lula se meteu nas encrencas de Atibaia porque tem "alma de pobre". Ele não é patrão da médica, nem ela é sua empregada. Ambos são servidores públicos, servem ao público e, de certa maneira, a médica acaba sendo uma das patroas de Paes.

FÚRIA ARRECADADORA

Na sua fúria arrecadadora, o governo cozinha o restabelecimento de um sistema de bônus para os auditores da Receita Federal, vinculando-os ao desempenho (leia-se multas cuja cobrança foi efetivada).

Em tese, pode ser bom, mas também pode criar uma indústria de multas. Em qualquer caso, em vez de discutir o salário dos servidores, inventa-se um gatilho.

Pelas contas do oficialismo, pode render dinheiro gordo. Para quem conhece a Receita, será um perigoso esparadrapo.

Os auditores da Receita estão em greve branca desde agosto, e o governo finge que esse problema não existe.

RISCO

Se a doutora Dilma resolver jogar o governo em aventuras econômicas, é certo que Alexandre Tombini deixará o Banco Central.

Por maiores que sejam suas lealdades, Nelson Barbosa também deixará o Ministério da Fazenda antes de atentar contra a própria biografia.

No caso de Barbosa, o teste é fácil: na hora em que ele ficar parecido com Guido Mantega, vai-se embora.

BOMBA-RELÓGIO

Se e quando Lula tiver terminado de arrumar sua mesa no Planalto, verá que ficou numa gaveta o projeto de liberação dos planos de saúde individuais.

A iniciativa tem fortes padrinhos e esteve perto de ser aprovada ao tempo em que Aloizio Mercadante estava na Casa Civil. Com a chegada de Jaques Wagner, a oposição de uma parte da burocracia da saúde bloqueou o ofensiva. O próprio Wagner condenava a ideia.

Lula encontrará vários defensores da liberação na antessala de seu gabinete. São velhos amigos seus, do PT e de suas campanhas.

VERDADES PETISTAS

Lula não é dono do tríplex do Guarujá; Lula não é dono do sítio de Atibaia; Lula não usa celular.

VELÓRIO

Nos seus momentos de tristeza, Lula costuma dizer que gostaria de assistir ao próprio funeral. Que os deuses lhe deem longa vida, mas lhe ofereceram um grande ensaio geral.

MORO ERROU O TIRO NO EXEMPLO DE NIXON


Justificando a sua decisão de divulgar o grampo de uma conversa de Lula com a presidente da República, o juiz federal Sergio Moro disse o seguinte:

"Nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido".

Moro divulgou um telefonema dado por Dilma a Lula horas antes. A Suprema Corte americana ordenou que o presidente Richard Nixon entregasse as transcrições de 43 conversas ocorridas semanas ou mesmo meses antes na Casa Branca.

Nixon era paranoico, mas grampeou o Salão Oval achando que nada havia de anormal nisso. Antes dele, Lyndon Johnson e John Kennedy gravaram tudo o que puderam. Franklin Roosevelt gravou pouca coisa, porque a engenhoca era do tamanho de um frigobar.

A Suprema Corte não botou os áudios no ar em poucas horas. As transcrições instruíram o processo e não esquentaram o debate além do ponto a que se havia chegado.

O que a corte discutiu foi o direito do presidente de blindar suas fitas. Afinal, o grampo não era da polícia, era dele. Não se conhece qualquer decisão judicial que permita botar no ar uma conversa do presidente dos Estados Unidos grampeada horas antes.

O juiz que fritou Nixon chamava-se John Sirica e, na juventude, fora boxeador. Era republicano, tinha horror a criminosos e sempre que podia espichava-lhes as penas.

Curiosidade: Nixon renunciou 16 dias depois da sentença unânime da corte.


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