domingo, janeiro 17, 2016

Mineração e histeria ecológica - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 17/01

Terá ocorrido no Brasil um desastre atômico? O vazamento da barragem da Samarco, 10ª exportadora do Brasil, e seus 4 mil empregos diretos viraram acontecimento megacatastrófico, sem sê-lo, e gerou histeria jurídica punitiva irracional, que bem pode ter efeitos sociais danosos, piores que a passagem da enxurrada dos rejeitos.

A enxurrada jamais foi tóxica nem continha metais pesados perigosos. Para sanar tanta desinformação, é útil explicar que o minério extraído pela Samarco é o itabirito, cuja composição é, grosso modo, a seguinte: 54% ferro, 34% sílica (areia), 1% alumina (terra), 0,5% manganês, 0,2% calcário, 0,2% magnésio e 0,05% fósforo - elementos encontrados no corpo humano, afora outros nada tóxicos. Para separá-los e concentrar o teor do ferro, é preciso um processo industrial chamado flotação, feito, simplesmente, com amido de milho.

Onde a toxidade e os metais pesados? O ferro resultante da flotação (65% + 1% de sílica) afunda e a borra sobe com a ajuda do amido de milho. Os rejeitos nas barragens são compostos aquosos de terra e areia (sílica, alumina, calcário), um pouquinho de fósforo, manganês, ferro dissolvido e magnésio, além de resquícios insignificantes de outros elementos.

Os rejeitos são mais parecidos com as terras marginais desbarrancadas pelas enchentes dos rios do que os rejeitos químicos de dezenas de indústrias (couro, plástico, borracha), arsênico das garimpagens de ouro, de siderúrgicas e de fornos de gusa, que ficam na beira do Rio Doce e afluentes, inclusive indústrias de celulose de alto teor de toxicidade, sem falar nos esgotos não tratados de dezenas de cidades e lugarejos da bacia do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo.

O dramático da enchente foi o volume grande e denso que varreu a superfície dos rios e as margens até o oceano. Enquanto passava a massa de rejeitos, diminuiu o oxigênio das águas matando peixes e depositou-se nas margens. Mas passou uma vez só como tsunami. A cor barrenta posterior sobe do leito e vem da lavagem pelas águas dos barrancos cheios de lama. Houve mortandade de peixes como na Lagoa Rodrigo de Freitas? Nem de longe. O gado morreu em massa nos bebedouros dos rios? Ninguém relatou tamanha destruição.

A água já está potável e os peixes já são vistos em cardumes na água doce. Pescadores, com caniços lançados no rio (a provar que estariam pescando), se queixam da falta do pescado. No mar, o dano foi mínimo, a mancha, com a cor barrenta de todo rio, não ameaça a vida marinha. Nenhum relatório comprova o desastre. O Rio Amazonas entra no oceano 80 quilômetros adentro com a água barrenta vista a olho nu da estação espacial.

O que precisa acabar são os desatinos jurídicos e o perverso intento de que cabe à Samarco, sozinha, salvar o Rio Doce, que está morrendo há muito tempo. Contra a Samarco e, em certos casos, contra a Vale e a BHP Billinton (acionistas), existem 150 ações individuais e 34 coletivas, verdadeira babel. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) já foi assinado com o Ministério Público e depositados, aqui e acolá, R$ 1,8 bilhão, afora as inúmeras ações reparadoras da Samarco: reforço das barragens, reconstrução de pontes, recuperação de bacias hidroelétricas, dinheiro, casas, roupas, remédios, água mineral ou caminhões-pipa para as cidades ribeirinhas, indenizações e reparações e mais um rol de providências, desnecessário enumerá-las, até porque me falta legitimidade para tanto. Falo por minha conta e risco e pelo que me relatam os engenheiros de minas, meus amigos.

Cumpre agora à União e aos estados de Minas e Espírito Santo pensar no emprego das pessoas e conjuntamente ordenar os procedimentos jurídicos indenizatórios, conceder reduções condicionadas de impostos e abrir linhas de crédito para a Vale, a Samarco e outras mineradoras usarem ou venderem os rejeitos como matéria-prima para fazer ecoblocos (construção civil) e camadas de compactação rodoviária. Fazer do limão uma limonada.

Os aviões caem de vez em quando e nem por isso as companhias aéreas são fechadas. Minas possui cerca de 600 barragens e os melhores técnicos barragistas do Brasil. A impressão que se tem é a de que querem acabar com as mineradoras, preservar a natureza e proibir a mineração. Noutras palavras, parece que se quer acabar com Minas Gerais, cujo nome evoca, desde as bateias de ouro e diamantes, o destino natural: minas, ferro, aço, indústrias de transformação que utilizam o minério e as derivações como matéria-prima, sem esquecer o nióbio de Araxá.

Mineração envolve risco. Os prejuízos devem ser sanados; pessoas morreram e bens produtivos foram destruídos bem como casas. Mas que haja ordem e racionalidade e não o festival desconexo de justiciamentos e multas bilionárias.


7 comentários:

Maria Angela de Freitas disse...

Ufa...ainda temos jornalismo e bom senso andando juntos! Tragédia vende, desastre vende, violência vende...nem por isso uma cidade, um estado, um país têm que ser imobilizados. Soluções para os problemas, novas tecnologias para reduzir impactos e vamos Brasil! Precisamos das empresas, empregos, precisamos trabalhar...chorar a lama derramada ( que não é tóxica) não vai nos salvar e nem todas estruturas estão ameaçadas!

Anônimo disse...

Se é tão inofensivo assim, para criar barragens para o rejeitos?
Poderiam ser largados diretamente nos rios.
Assim seriam gastos menos dinheiro das pobres mineradoras.

Unknown disse...

Respondendo sua pergunta (Onde a toxidade e os metais pesados?): toxicidade não depende só de composição, depende de concentração e biodisponibilidade. Se você pensar só na composição, não existiria, por exemplo, a hipervitaminose. De fato manganês, calcário, ferro, todos os elementos presentes na tabela periódica são encontrados nos oceanos (e grande parte nos rios, que desaguam nos oceanos), mas em concentrações muito inferiores ao que será lixiviado a cada grande temporada de chuvas que chegar.
Fora os elementos, a concentração de sedimento jogado no Rio Doce foi capaz de o matar, no conceito chamado de assoreamento. O rio ficou "entupido" com a carga de sedimento que chegou, e a cada grande temporada de chuvas que chegar (novamente ela), todo o material vai ser carregado. Ou seja, não foi só uma vez a grande matança de peixes, mas será continuamente assim por um tempo difícil de ser determinado.
Respondendo sua outra pergunta: houve, sim, grande mortandade de peixes, consulte aqui: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/11/rio-doce-tem-tres-toneladas-de-peixes-mortos-recolhidos-no-es.html e aqui: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/11/mais-de-2-t-de-peixes-mortos-ja-foram-recolhidas-no-rio-doce-diz-ibama.html
Quanto a sua afirmação sobre não haver dano marinho e não haver quem afirme isso. Há grandes grupos de trabalho, um deles o GIAIA que está estudando e relatando o impacto; outro, formado por pesquisadores da UFES junto com a Marinha, outro por pesquisadores da USP. Todos eles você pode fazer uma pesquisa na internet e encontrar seus resultados. Diferente de artigos jornalísticos que podem ser escritos por qualquer um que afirme qualquer coisa que desconheça, pesquisas científicas demoram para serem publicadas, e passam por um crivo de pesquisadores.
Voltando ao tema, na foz do Rio Doce há duas reservas biológicas, uma delas é o único local do Atlântico Sul em que tartarugas gigantes desovam. Isso é um impacto muito sério. E não estou nem entrando no mérito de Abrolhos, cujo banco já começa a Foz do Rio Doce, e já está sofrendo os impactos, como o IBAMA mesmo relatou. E vai continuar sofrendo, porque sedimento fino é carregado por quilômetros e quilômetros (para se ter uma ideia, a poeira do Saara carregada pelo vento - que é menos potente que a água - responde por 20% das causas da chuva na Amazônia).
Agora, linha de crédito você só pode estar de brincadeira, né? preocupação com a população ribeirinha, agricultora, as comunidades tradicionais que vivem da pesca e turismo de Regência você não demonstra, mas com a pobre Samarco, sim? Essa lógica neoliberal me dá asco.

Anônimo disse...

Nery, Você não defeca no rio Doce, e nem joga seu lixo domestico nele e/ou seus afluentes!!
A população apenas vive no entorno do Rio Doce, só as mineradoras o poluíram?!
Respondendo a seus comentários: a matéria não está redimindo a Samarco de sua culpa e responsabilidade, vejo uma ponderação.

Estude menos, estudiosos unidirecionais, também me dão asco!!!

Unknown disse...

Vejo muita gente querendo aparecer, vamos para de falar abobrinha e agir. O que se quer e deve ser feito e buscar a melhor maneira e entendimento para não prejudicar usuários e poluidores sem a menor prudencia em destacar qual será a solução. A MINERAÇÃO VAI ACABAR? OS COLABORADORES VÃO FICAR DESEMPREGADOS? QUAL SERÁ O DESFECHO, ai sim buscar parceria para solucionar a situação indesejável..


Marcos Pereira.

Lucas disse...

Triste essa histeria ecológica

Rosita Grvina disse...

O maior e mais urgente problema ocasionado por essa tragédia é o desamparo das famílias afetadas. Temo que essa gritaria toda venha a desviar os recursos e esforços pela recuperação do bem estar dessas pessoas.Já estão aparecendo ONGs, pesquisadores, e outros, preocupados com o acidente, mas também garantindo sua parceria na distribuição dos recursos. A primazia deve ser para os que foram diretamente afetados, depois se poderá pensar em recuperação do rio, do oceano, dos Abrolhos ou das tartarugas.
Rosita Gravina