terça-feira, dezembro 22, 2015

Arroz com feijão e tédio - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/12

Da boca para fora, pelo menos, não vai mudar nada na política econômica. Mesmo "fazer o que for preciso para retomar o crescimento", como recomendou ontem a presidente a seus novos ministros, é um mandamento sujeito à restrição de não haver "guinadas" ou "mudanças bruscas".

A presidente ou quem escreve seus maus discursos talvez imagine que essa conversa "responsável" ainda esteja na moda. A economia do Brasil precisa, sim, de "mudança brusca" e "guinada", desde que não seja na direção da pirambeira "desenvolvimentista".

A cautela pode ter sido só falta de assunto, claro, pois os ministros foram nomeados na sexta. Talvez seja ainda sinal de que por ora não há tempo ou energia política para fazer algo além do "feijão com arroz". Mas é difícil acreditar que Dilma e Nelson Barbosa, novo ministro da Fazenda, não venham querer juntar um torresmo, um ovo, quiçá um bife, talvez uma cabeça de porco, nesse prato.

Rumores de besteira não faltam, do Planalto à liderança do governo na Câmara. Não parece coisa de Barbosa. Mas parece coisa do governismo e do petismo que quer "virada responsável à esquerda".

Barbosa não disse nada impressionante na sua conversa com economistas e uns executivos da finança, no começo da tarde de ontem. Parecia que tinha acabado de vestir um terno novinho, bem cortado e convencional, que não queria amassar: gestos e palavras medidos e óbvios, no roteiro. Tal como nas entrevistas que deu no final de semana.

A reforma maior que mencionou, o aumento da idade mínima necessária para a aposentadoria, não é, claro, novidade. Foi assunto e retardada o ano inteiro. O próprio Barbosa havia dito que projeto de reforma estaria pronto em novembro.

A presidente não disse nada de impressionante no discurso com que deu posse a Barbosa e ao novo ministro do Planejamento, Valdir Simão. Pelo menos, não disse disparates maiores, como de costume.

Dilma Rousseff apenas começou por dizer que nomear dois chefes novos para a política econômica "não altera os objetivos de curto prazo": restabelecer o equilíbrio fiscal, diminuir a inflação e retomar com "urgência" o crescimento, obviamente objetivos incompatíveis no curto prazo, mas passemos.

Após lembrar alguns planos razoáveis que sobraram de seu programa econômico de janeiro, Dilma encerrou o discurso quase como começou. As três tarefas de Barbosa e Simão são perseguir "metas realistas e factíveis", impedir que a dívida pública cresça e "fazer o que for preciso para retomar o crescimento sem guinadas e sem mudanças bruscas, atuando neste ambiente de estabilidade, previsibilidade e flexibilidade".

A cautela de presidente e ministros novos significa mesmo que teremos "feijão com arroz"? Isto é, remendos no rombo das contas do governo, diminuir um pouco a inflação, fazer uma metade de meia dúzia de concessões etc. —a recessão assim segue seu caminho, sem desastre adicional, apenas na batida da ruína gradual que seguramente assim teríamos até 2018.

Ou em janeiro será elaborado o Plano Barbosa? Até março, não passa quase nada no Congresso. Em março, o Brasil estará acordando com muito mais mau humor social. "É tarde, é tarde, é tarde."

Ver para crer - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 22/12

O Brasil não aguenta mais papo sem compromisso real com o ajuste, especialmente quando provém de quem assinou o projeto de arquitetura do programa econômico do primeiro quadriênio Dilma

Aos analistas do mercado financeiro, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, repetiu o discurso de sexta-feira, alongado nas entrevistas à imprensa durante o último fim de semana:

O objetivo - disse ele - é garantir prioridade ao ajuste, sem o qual não há crescimento econômico sustentável, retomada do emprego nem controle da inflação. E há o compromisso com as reformas e com a abertura aos investimentos em infraestrutura. Falação por falação é tão ortodoxa quanto a do predecessor Joaquim Levy. E, no entanto, não é a mesma coisa.

A diferença é a de que o Brasil não aguenta mais papo sem compromisso real com o ajuste, especialmente quando provém de quem assinou o projeto de arquitetura do programa econômico do primeiro quadriênio Dilma: a Nova Matriz Macroeconômica, que empurrou o País para o desastre.

E foi também Barbosa que percorreu o Brasil na cruzada pela justificativa das pedaladas fiscais, as mesmas que o Tribunal de Contas da União considerou crime de responsabilidade, matéria que fundamentou o pedido de impeachment.

Tão consolidado é o perfil do novo ministro, de leniência com a desordem das contas públicas, que ninguém acredita nessa austeridade sustentada apenas no gogó. As esquerdas, inspiradas por uma versão jurássica do keynesianismo, vêm defendendo a insistência na gastança, no tombo dos juros e na ampliação do crédito subsidiado, como recurso para a retomada. Entendem que Barbosa tem mesmo que sustentar esse discurso engana-trouxa para disfarçar a abertura das torneiras. E os que pretendem uma política responsável destinada a colocar a casa em ordem não acreditam em lenga-lenga. Querem primeiro ver os resultados, para depois crer - se for o caso.

No primeiro dia útil após a troca de ministros, a resposta do mercado refletiu profundo ceticismo: o dólar, outra vez acima dos R$ 4 , avançou mais 1,39%; o Ibovespa levou um tombo de 1,62%; os juros futuros para abril saltaram de 14,67% na sexta-feira para 14,72%; e o Credit Default Swap (CDS), o jeito como o mercado mede o risco de calote dos títulos do Brasil, subiu mais 4,3%.

Mas nem tudo é notícia ruim. Enquanto na área fiscal empilham-se incertezas, na área externa algum progresso já se conseguiu, como mostraram ontem os novos números do Balanço de Pagamentos, as contas que o Brasil mantém com o exterior (veja o Confira).

O déficit em Conta Corrente, que mostra o fluxo de moeda estrangeira no comércio de mercadorias, serviços e rendas (fica de fora a entrada e saída de capitais), foi de US$ 104,0 bilhões em 2014, deve cair a US$ 62,0 bilhões em 2015 e está projetado a US$ 41 bilhões em 2016. É uma queda de 4,3% do PIB de 2014 para 2,7% do PIB em 2016.

Neste ano, apesar do miserê da economia, o déficit será coberto quase totalmente só com a entrada de investimentos estrangeiros. Isso significa que seria preciso uma catástrofe adicional para que houvesse uma forte fuga de dólares e esvaziamento das reservas externas.

O problema, no entanto, está concentrado nas contas públicas internas, que até o ano passado foram tratadas com truques contábeis, pedaladas e aumento da dívida bruta, parte dela não contabilizada, mesmo tendo sido acusada nos balanços dos bancos. Nesse capítulo o tratamento continua, de longe, insuficiente. E isso preocupa.

CONFIRA:




Além dos resultados das contas externas de novembro, o Banco Central divulgou, nesta segunda-feira, as projeções para 2016. A tabela acima mostra a evolução das principais rubricas em 2015 e 2016.

Câmbio e recessão

Dois foram os principais fatores de sucesso no ajuste das contas externas: a desvalorização cambial (alta do dólar de 51% em 2015) e a recessão, que derrubou o consumo interno e, com ele, as principais despesas em dólares com mercadorias e serviços. Como esses fatores continuarão, o ajuste deve aprofundar-se em 2016.

Agora vai! - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 22/12

Hoje temos a simbiose de Lula com a Odebrecht, que transferiu milhões para sua conta. Mas Lula é Lula, o pai dos pobres


Sou o presidente da ONG Petistas Arrependidos e Traídos Organizados pelo Socialismo (PATOS), e antes de mais nada é preciso celebrar: com Nelson Barbosa na Fazenda começa, de fato, o segundo mandato da presidenta Dilma. Até então, o foco era o “ajuste fiscal”. É verdade que ele nem ocorreu, que os gastos do governo continuaram aumentando, que Joaquim Levy virou apenas um garoto-propaganda da volta da CPMF. Mas o que importa é o simbolismo, a narrativa.

Os economistas liberais defendem contas públicas equilibradas, mas a austeridade é recessiva. O que o país precisa é de um choque de “desenvolvimentismo”, de uma “nova matriz macroeconômica”. Sim, foram essas receitas da Unicamp que nos trouxeram à situação atual. Mas eis nosso mantra: quando uma teoria fracassa cem vezes, aí é que devemos aplicá-la uma vez mais, pois é a hora do milagre!

Basta perguntar ao nosso guru, Dr. Belluzzo. Ele só entende mais de futebol do que de economia, como se pode verificar no Palmeiras. Belluzzo foi um dos grandes mestres de Dilma, que seguiu seu receituário à risca. Como não deu certo, conforme os liberais alertaram, só nos resta colocar a culpa... nos liberais, no mercado, na crise internacional, no Darth Vader. E dobrar a dose do veneno, claro.

Nós, os PATOS, estávamos lá naquela manifestação chapa-branca a favor de Dilma, mas contra a política econômica de... Dilma. Agora que o bode expiatório foi sacrificado, estamos preocupados por não ter mais em quem colocar a culpa. O ministro Jaques Wagner disse que a política sempre foi de Dilma, e sabemos disso. Mas a presença de Levy ao menos servia para blindar a “presidenta”. Agora, ou vai ou racha. E se rachar de vez? Bem, sempre existirá o tal “neoliberalismo” para levar a culpa...

Eis as previsões de um economista liberal: a inflação vai continuar acima de 10% ao ano e não vai voltar para a meta nem em 2018; o desemprego vai aumentar bastante; a atividade econômica, que já vai cair mais de 3% este ano, terá tombo similar ano que vem; o dólar poderá chegar a R$ 5,00 em breve, quiçá a R$ 6,00; o Brasil, quebrado, vai voltar a bater na porta do FMI em busca de dinheiro; o brasileiro terá que cortar a carne do cardápio; Disney, nem pensar! Ou seja, 2015 ainda vai deixar saudades.

Pode ser que as previsões desse Pessimildo se confirmem. Afinal, ele estava certo quando disse que o Brasil mergulharia numa estagflação, e disse isso ainda em 2010, quando todos estavam eufóricos com o país. Mas, se isso acontecer, não será culpa das medidas inflacionistas, e sim do mercado, que se recusa a aceitar nossa ideologia, preferindo coisas obsoletas como matemática e lógica. Os PATOS não precisam de calculadora, pois possuem os dogmas.

Do ponto de vista político, os PATOS rejeitam a tentativa de golpe da oposição. Sim, sabemos que o impeachment está previsto na Constituição, e que o PT sempre o defendeu contra os outros presidentes. Mas os outros são os outros. “O governo parece até uma quadrilha. Todo dia tem uma pessoa ligada ao presidente envolvida em alguma falcatrua", disse Lula quando FHC era presidente. Hoje tudo mudou. Não vemos mais escândalos envolvendo o governo. Não nós, os PATOS, pois fechamos os olhos.

Lula, na ocasião, disse sobre FHC: “Ele perdeu o senso de responsabilidade e não poderia participar de uma conversa tentando criar condições para favorecer uma empresa". Isso foi quando o então presidente autorizou que usassem seu nome para convencer uma empresa a participar de um leilão de privatização, para aumentar a concorrência e o valor de venda do ativo, beneficiando o país. Hoje temos a simbiose de Lula com a Odebrecht, que transferiu milhões para sua conta. Mas Lula é Lula, o pai dos pobres.

O melhor amigo dos petistas hoje é Renan Calheiros. Mas Cunha é o demônio em pessoa. Eis nossa ética: defendemos os “corruptos do bem”, que estão do nosso lado. Dilma ganhou o apoio do grande artista e intelectual Tico Santa Cruz também, mostrando como ainda tem ícones culturais do seu lado, além do decadente Chico Buarque. Os PATOS se sentem traídos por alguns malfeitos petistas, mas o importante é manter a chama ideológica acesa e renovada.

Se nada der certo, ainda teremos a REDE e o PSOL. O partido de Marina Silva já abrigou o socialista Ranfolfe Rodrigues, e deve receber Paulo Paim, aquele senador que critica o PT por ser pouco de esquerda. A marca registrada dos PATOS é a insistência. Se o PT naufragar, a gente vai de PT novamente, ainda que com nova embalagem. É socialismo ou morte. Agora vai!

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

A dúvida continua - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/12

Ministro promete reformas, mas falta de confiança no governo continua. O ministro Nelson Barbosa disse o que o mercado queria ouvir e mesmo assim a desconfiança permaneceu. Este é o primeiro desafio: vencer a dúvida dos investidores sobre o compromisso dele com o que fala e sobre a capacidade do governo de tornar realidade o que está prometendo. Em parte porque tudo o que ele promete depende de um Congresso convulsionado.

Barbosa disse que vai perseguir a meta de superávit primário que foi estabelecida pelo Congresso. Sem descontos, portanto. Ele sempre defendeu que uma série de despesas não entrasse na conta para se calcular o superávit, o que torna o número um engano. Ele perdeu a briga no Congresso, e disse que assim será feito.

- O principal gasto primário da União é a Previdência, por isso o governo enviará ao Congresso no começo do ano uma nova reforma focando na questão da idade mínima -, me disse o ministro.

A mesma afirmação ele fez na teleconferência com o mercado ontem, ao meio dia. Repetiu desde que foi escolhido que o país precisa de reformas para reduzir a despesa obrigatória, e que este é o caminho pelo qual pode avançar o ajuste fiscal daqui para a frente.

Mas para fazer reformas é preciso convicção do governante e isto não tem. Tanto não tem que a presidente Dilma está indo para o sexto ano de mandato e não fez reformas. Quando ela fala, como fez ontem na reunião do Mercosul, continua defendendo uma visão delirante do que está se passando na economia. Para reformas, é preciso também que o partido do governo apoie o projeto do governo. Não há este apoio. Pelo contrário, o PT acha que essa agenda é conservadora e neo-liberal. Terceiro, é preciso que o governante tenha capacidade de articular a sua base de apoio, e se a presidente conseguir essa articulação será para salvar a própria pele e não para defender reformas impopulares.

O ministro Nelson Barbosa tem várias tarefas pela frente. Todas difíceis. Uma delas é urgente. Terá que pagar R$ 57 bilhões de pedaladas, para ficar em dia com o TCU e enfraquecer o argumento pró-impeachment. Todas as opções que Nelson Barbosa analisou neste fim de semana têm problemas. Uma das ideias é emitir títulos da dívida, aumentar o endividamento, para pagar os débitos com o FGTS, Banco do Brasil, BNDES e Caixa. Outra é sacar da conta única do Tesouro, mas para isso será preciso uma ação coordenada com o Banco Central.

- É preciso esterilizar isso para não ampliar a base monetária -, disse.

A terceira hipótese em estudo não resolve todos os problemas, apenas o do BNDES, porque é a antecipação de pagamento do banco ao Tesouro. Os contratos com o BNDES, explicou o ministro, admitem o pagamento antecipado.

Depois de passar o fim de semana em reuniões com as equipes dos dois ministérios, Nelson Barbosa disse que seu programa será pagar as dívidas com os bancos públicos ("pedaladas") até o fim de 2015, e em 2016 trabalhar para reequilibrar as contas públicas e retomar investimento. Isso é fácil de dizer e difícil de executar.

Como reequilibrar as contas públicas que estão com um déficit nominal de 9% do PIB e que fecha há dois anos com déficit primário? Mesmo no bom cenário, atingir a meta de 0,5% do PIB de superávit primário dependerá de medidas aprovadas no Congresso, entre elas a detestada CPMF que terá que estar sancionada até maio ou junho para ser recolhida a partir de setembro.

O equilíbrio de curto prazo e o ajuste de médio e longo prazos dependerão de um Congresso que passará os próximos meses envolvido com o debate sobre impeachment da presidente Dilma. O ano de 2016 será, além de tudo, um período eleitoral em que os prefeitos das bases onde os deputados são eleitos estarão sendo escolhidos. Tudo parece excessivamente difícil.

E se tudo fosse possível, ainda assim as dúvidas permaneceriam porque o governo que fez o desajuste, e que permanece convencido de que está certo, não fará o ajuste. Ontem, em Assunção, o pior momento da presidente Dilma nem foi o de chamar o povo paraguaio de uruguaio, mas o de voltar a dizer que seu governo manteve o crescimento e o emprego e que só pela demora do crescimento mundial, e pela queda das commodities, é que está em crise. Quem não tem bom diagnóstico não terá a receita para enfrentar a doença.


A onipotência do sonho - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 22/12

SÃO PAULO - A indicação de Nelson Barbosa para substituir Joaquim Levy na Fazenda tem o inegável mérito de reduzir um pouco o nível de surrealismo da política brasileira.

Dilma Rousseff, afinal, fora eleita prometendo preservar os ganhos sociais da era petista e invocando o fantasma do corte de benefícios que viria caso seus adversários triunfassem. Uma de suas primeiras providências pós-eleitorais, contudo, foi convocar Levy, o "neoliberal", para tentar implementar um forte ajuste que, evidentemente, incluía a redução dos chamados direitos do trabalhador –aquilo que não ocorreria em sua gestão nem que a vaca tossisse.

O ruminante tossiu e depois se engasgou. Os planos de ajuste de Levy foram sabotados pela própria Dilma e seu partido, que não lidam muito bem com imperativos de realidade, pela base aliada, que não resiste ao hábito de criar dificuldades para vender facilidades, e também pela oposição, que acha mais importante fazer o PT sangrar do que evitar o agravamento do desastre econômico.

Impossível não evocar passagens do manifesto surrealista de André Breton: "o surrealismo repousa sobre a crença (...) na onipotência do sonho"; "a atitude realista (...) é feita de mediocridade, ódio e insípida presunção"; "os procedimentos lógicos, em nossos dias, só se aplicam à resolução de problemas secundários".

A assunção de Barbosa, um "desenvolvimentista" que integrou a equipe econômica do primeiro mandato de Dilma, ao menos recoloca as narrativas em seus devidos lugares. Com ele no comando, ficará mais difícil atribuir os efeitos da crise às intervenções de matriz ortodoxa que Levy não conseguiu promover. O PT será mais claramente chamado a responder pelas políticas que adotou.

O risco, se a situação se agravar, é que poderá ficar interessante para o partido sacrificar Dilma no altar do impeachment e posar como vítima de um golpe das elites. Breton e os surrealistas ainda podem ressurgir.

A crise de confiança é maior que o desequilíbrio fiscal - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/12
Problema central é a insegurança na condução da política econômica, assumida de fato desde 2010 pela presidente. A economista Dilma acredita em almoço grátis


Ao dar posse aos novos ministros da Fazenda e do Planejamento, ontem em Brasília, a presidente Dilma Rousseff resumiu o que pensa sobre a política econômica: “Precisamos ir além das tarefas de corte de gastos”, disse. “A tarefa dos ministros é, de imediato, contagiar a sociedade com a crença de que equilíbrio fiscal e crescimento econômico podem e devem ir juntos".

Complementou, aos ministros: “Três orientações: trabalhar com metas realistas; atuar para reduzir a dívida pública de forma consistente e fazer o que for preciso para retomar o crescimento, sem guinada e sem mudanças bruscas".

O nomeado para a Fazenda, Nelson Barbosa, se preocupara em conversar com um grupo de representantes de fundos de investimentos, em teleconferência à tarde.

Tinha seus motivos. Ele é reconhecido (e por isso mesmo, temido) como um dos artífices da “matriz econômica" incensada por Dilma, que, em boa medida, está na origem do desastre econômico dos últimos dois anos.

Barbosa se esforçou numa mensagem tranquilizadora. Afirmou que o foco continua a ser no ajuste fiscal e no combate à inflação. Informou que, no próximo ano, o governo vai se dedicar à realização da meta de superávit fiscal (primário) equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto. Até citou a reforma da Previdência como prioridade: “ É a reforma mais crítica do momento. Temos que ajustar o sistema à realidade da economia brasileira".

Talvez tivesse êxito, caso não insistisse em afirmar que sua chegada à Fazenda não significa mudança na condução da política econômica. “A direção da política econômica é a mesma”, repetiu. A evidente insegurança dos agentes econômicos continuou a influenciar o recuo da Bolsa e a valorização do dólar.

O problema central é, justamente, a falta de confiança na condução da política econômica, assumida de fato desde 2010 pela presidente da República.

A economista Dilma acredita em almoço grátis. Reelegeu-se sob os fogos de artifício de intervenções desastradas em setores como o de energia e a concessão de extraordinários subsídios de bancos públicos aos eleitos pelo governo Lula como “campeões nacionais".

A consequência foi a corrosão do caixa governamental. Uma calamitosa tentativa de remédio com pedaladas fiscais agravou a situação e resultou na crise política que está aí, depois de um biênio de recessão, expressivo aumento do desemprego e um setor industrial destroçado pela ressurrecta tática de combate à inflação pela valorização do real em relação ao dólar.

Dilma precisa resolver os desequilíbrios fiscais com urgência. Diagnóstico e terapia são conhecidos, assim como a sua resistência política.

O novo problema é que a crise de confiança no governo se tornou maior e mais profunda que a crise fiscal cevada no Palácio do Planalto.

No melhor estilo petista - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 22/12

“Podem ficar tranquilos que, com o tempo necessário, vamos resolver todos os problemas.” Se dependesse apenas do industrioso e deslumbrado otimismo do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os brasileiros já poderiam começar a se preparar para a comemoração de uma nova e auspiciosa era de prosperidade como nunca antes vista na história deste país. Ainda em seu gabinete no Ministério do Planejamento, Barbosa recebeu o Estado com exclusividade, no sábado, para garantir que vai “aperfeiçoar a política econômica” e promover uma “retomada mais rápida do crescimento da economia”. Tudo isso com “estabilidade fiscal” e “controle da dívida pública”.

Tomadas pelo valor de face, essas declarações em nada distinguem o novo ministro de seu antecessor Joaquim Levy. É o caso, então, de perguntar: por que a troca? A primeira resposta Barbosa ofereceu claramente agora que se sentou na cadeira que há muito cobiçava: assimilou muito bem o ensinamento do mestre Lula de que, quando se abre a boca para falar, é preciso saber bem o que as pessoas querem ouvir. Barbosa, não nos esqueçamos, orgulha-se de ser quadro fiel do PT. E demonstra a habilidade retórica que nunca foi o forte de seu antecessor.

Pelo menos até agora, o ministro diz apenas o que soa bem aos ouvidos de quem lhe cobra definições. Para o mercado, mirando o futuro, ressaltou enfaticamente a importância do ajuste fiscal para colocar em ordem as contas públicas e recuperar a confiança dos investidores numa economia fortemente dependente dos desígnios governamentais. Para quem ainda cultiva o fetiche de ser de “esquerda” – ou seja, a obstinada militância petista e as organizações sociais dependentes do poder central –, preferiu falar do passado: apresentou-se com a credencial de ter participado “do período dos governos do PT em que houve crescimento da renda per capita de todos os segmentos, sendo que a dos mais pobres foi a que cresceu mais”. Esse é o estilo lulopetista do novo ministro da Fazenda.

Ao nomear Joaquim Levy, um ano atrás, com a missão precípua de botar em ordem as arrombadas contas do governo, Dilma Rousseff tinha consciência da falência da política econômica sustentada pela gastança para promover o crescimento da economia via aumento do consumo. Essa “nova matriz econômica” fora concebida ainda no governo Lula, quando havia dinheiro sobrando para gastar graças à combinação de um mercado internacional generoso com os fornecedores de matéria-prima com uma política fiscal ainda minimamente fiel aos fundamentos do indispensável equilíbrio. Já no início do segundo mandato de Dilma o reajuste fiscal era a prioridade número um, porque era preciso colocar o pé no freio da gastança.

Mas como colocar isso na cabeça de quem entende que o governo tudo pode e, portanto, basta ter vontade política para custear todas as justas reivindicações populares? Foi aí que Dilma, já complicada na área política por suas próprias lambanças, passou a ser fortemente pressionada por seu criador, que não perdia ocasião para gritar: “Fora Levy”.

Levy não deu conta do recado e agora temos Barbosa. Ele é um “desenvolvimentista” – seja lá o que isso quer dizer – que, aparentemente, tem um olhar retrospectivamente crítico sobre a tal “nova matriz econômica” de que um dia se orgulhou tanto. Pelo menos, recusa-se a ressuscitar a expressão: “Não gosto de debater política econômica com base em rótulo, estereótipo ou caricatura. A diferença entre governo e economia é que estamos aqui para resolver problemas, não para provar ou refutar teses. É importante interpretar o passado, mas mais importante ainda é aprender com os erros e com os acertos do passado”. Se for uma autocrítica sincera, ótimo!

Mas, se está muito claro o que deve ser feito para, conforme garante o novo ministro, “construir a estabilidade e a recuperação do crescimento”, cabe outra pergunta: por que isso não foi feito até agora? Em recente encontro com Dilma, Lula teria dito à pupila: “Você precisa liberar o crédito, fazer a roda da economia girar e dar notícia boa”. Parece fácil, pelo menos para Lula. É aí que reside o perigo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DELCÍDIO CONFESSA QUE É UM CONTADOR DE LOROTAS

Por meio dos advogados, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) chama de “delirante e fantasioso” o conteúdo da gravação em que ele insinua influência sobre políticos e magistrados, e de “blefes e bazófias” o que afirmou na conversa com Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que o levou à prisão no dia 25 passado. Ele também inocenta o banqueiro André Esteves, solto neste sábado (19).

SENADOR ADMITE ‘BLEFE’
A referência a Esteves, diz a defesa de Delcídio, “foi um blefe” para dar à família Ceveró a ideia de que poderia obter “consolo” ou “vantagem”.

LIVRANDO O AUXILIAR
Delcídio também procurou inocentar seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, afirmando que ele sempre agiu sob sua ordem e confiança.

CONFIANÇA DO ADVOGADO
O criminalista Kakay disse ter feito forte prova da inocência de Esteves e confia que a Justiça nem sequer receberá a denúncia contra ele.

DOMÍNIO PÚBLICO
Delcídio lembra que cópia do acordo de delação de Ceveró, apreendida com investigados, já havia sido publicado em revistas semanais.

PMDB PRÓ-IMPEACHMENT AMEAÇA RECRIAR O PARTIDO
Ataques ao vice Michel Temer, pelo PMDB do Rio e senadores ligados ao Planalto, provocam a reação de parlamentares do partido favoráveis ao impeachment de Dilma. Parte segue a liderança de Eduardo Cunha (RJ) e ameaça recriar o PMDB sem adesistas, na convenção de março, rompendo com o PT. Eles deram várias provas de força, impondo ao governo derrotas como a eleição da comissão do impeachment.

GUERRA DE GUERRILHA
O clima do PMDB pró-impeachment é o de promover uma espécie de “guerra de guerrilha” contra os que aderiram ao governo.

TERRA ARRASADA
“Do jeito que vai, terá que recomeçar tudo do zero”, avisa o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). “Terá que se recriar a política no Brasil.”

PISANDO EM OVOS
Do tipo conciliador, o vice Michel Temer pede cautela aos insatisfeitos. Para ele, as brigas internas prejudicam mais o PMDB que o governo.

#FORADILMA
Levantamento do Paraná Pesquisas, entre os dias 10 e 14, mostra que 62,4% dos paranaenses defendem o impeachment de Dilma e que 71,4% não acham isso “golpe”. E 84,4% desaprovam o governo petista.

#FORACUNHA
O levantamento do Instituto Paraná Pesquisas aponta também que 82,7% dos 1.520 entrevistados querem o afastamento do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara.

DOIS LADOS DA MOEDA
Acusando o Ministério Público de perseguição, Eduardo Cunha diz que Renan Calheiros responde a seis inquéritos. Cunha, a três. “Sabe-se tudo sobre os meus inquéritos e quase nada sobre os do Renan”, diz.

GARANTIA
Ao contrário de Rodrigo Janot, o salvador do mandato de Dilma, o Palácio do Planalto defende a permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara – a melhor maneira de impedir o impeachment.

BAXÍSSIMO NÍVEL
Agentes do governo escalados para trabalhar nas Olimpíadas do Rio não vão contar com sinal de Wi-Fi. Nem nas áreas onde haverá jogos, tampouco nas bases operacionais. Inclui aí a equipe de segurança.

PEDIDO DE LIBERDADE
O advogado Antônio Figueiredo Basto, que defende Delcídio Amaral, pediu ao STF a revogação da prisão ou sua substituição por medidas cautelares, como afastamento do exercício do mandato de senador.

PROJETO DE PODER
O ministro Gilberto Kassab assedia Jerônimo Goergen (PP-RS) para se filiar ao PSD. Ele recusou o convite. Na janela de transferência, Kassab quer transformar sua bancada na segunda maior da Câmara.

OUVIDOS MOUCOS
Fiel escudeiro de Leonardo Picciani, o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR) reconhece a dificuldade do garotão de ouvir a bancada: “Ele precisa respeitar a vontade da maioria”.

PENSANDO BEM...
...Dilma trocou Joaquim Levy, economista respeitado, por um ciclista no Ministério da Fazenda: Nelson Barbosa é especialista em “pedaladas”.

Algo que faça minha alma feliz - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 21/12

Venho discutindo temas relacionados à vida afetiva entre homens e mulheres há algum tempo. Percebo algumas mudanças de comportamento nos dois sexos que não receberam a devida atenção da moçada "especializada" porque essa moçada está muito ocupada com o mito da vez chamado "gênero". A obsessão pelas "exceções" é tanta que os seres mais "básicos", os héteros, estão fora do radar da "nova ciência do sexo", a menos que seja para criticá-los.

Essa tendência a mitomania em assuntos do sexo já tinha sido apontada por Freud, mas hoje ele está fora de moda, pelo menos naquilo que ele mais interessa: sua "ciência do destino dos sexos". A razão para a aparente cegueira quanto a algumas das dificuldades que passam homens e mulheres hoje é porque o debate é dominado por mitos ideológicos "das minorias" que devem explicar as "maiorias", aparentemente invisíveis.

No caso de uma séria crise no sistema de produção de riqueza, homens e mulheres voltariam ao que sempre viveram: homens matando para viver, mulheres lutando para não morrer no parto. Sei que a ideia parece absurda, mas, para mim, que "vivo" na pré-história, isso é óbvio.

Quero contar o caso de um amigo de 60 anos que me parece paradigmático. Mas, antes, um pequeno comentário sobre homens mais jovens.

Temo que os homens mais jovens estejam cada vez mais medrosos, principalmente na lida com as meninas e com situações de tensão pública. As meninas, na sua sabedoria uterina pré-histórica, já têm sentido o cheiro da covardia nos homens há algum tempo, mas, como são obrigadas a pensar neles como seus "inimigos de gênero", não conseguem pôr em palavras o odor do medo que eles exalam. Há 50 mil anos, já teriam identificado o processo.

Mas voltemos ao "case" específico de hoje. Imagine um homem que diga a seguinte frase para sua mulher: "Quero encontrar algo que faça minha alma feliz". Agora imagine que esse homem tem cerca de 60 anos e pertence à classe média alta graças ao seu sucesso como profissional liberal especializado.

Segundo o que relata meu amigo, sua mulher tem estado tensa desde que ele decidiu que não trabalharia mais do que três dias por semana, deixando os dois dias úteis restantes para buscar algo que "faça sua alma feliz". Atenção: não estamos falando de alguém religioso, ok? "Alma" aqui significa apenas algo como seu "eu" ou sua "vida pessoal".

Para tomar essa decisão, nosso herói teve que, antes, pensar o seguinte (segundo o que ele mesmo me relatou): "Se trabalhar mais do que trabalho hoje, não mudarei meu padrão, não ficarei mais um centavo melhor do que estou hoje".

Logo, abriu mão, especificamente, de ganhar mais dinheiro. A ideia de que ele esteja "desocupado", buscando algo que deixe sua alma mais feliz, parece estranho para sua mulher (que, se perguntada diretamente sobre o assunto, provavelmente dirá que está achando ótimo que seu marido procure mais "qualidade de vida").

Dirá isso porque hoje em dia todos queremos parecer bem resolvidos, sem angústias ou fragilidades afetivas.

Mas, se de fato é ótimo "ele buscar mais qualidade de vida" (eu que criei essa frase, não faz parte do relato, mas me parece razoável no contexto), por que a tensão?

Porque, simplesmente, homens "não têm alma", apenas trabalham e pensam em mulheres. O repertório do senso comum sobre homens implica que eles são simples, e as mulheres, complexas –provavelmente, por razões evolucionárias.

Uma mulher, mesmo que não confesse, imagina que quando seu marido decide parar de trabalhar dois dias por semana é porque ele está procurando outra mulher. No catálogo de comportamento masculino não existe a ideia de um homem se indagar verdadeiramente sobre o estilo de vida que ele quer ter ou se quer ou não ganhar mais dinheiro. As mulheres e os gays vivem se perguntando coisas assim, mas os homens héteros não.

A pergunta que não quer calar é: por que os homens começaram a se perguntar coisas assim? E se a resposta deles não for "quero uma mulher e uma cerveja, uma pelada e a outra gelada"?