segunda-feira, dezembro 07, 2015

Escorpiões na garrafa - PAULO DELGADO

O GLOBO - 07/12

O Senhor, vendo Dilma, Cunha e Lula considerarem irrelevantes os falsos milagres e só se preocuparem um com o outro, lavou as mãos

Ele insiste que as vacas estão produzindo bezerros. Acha uma provocação a riqueza civilizada dos grandes frigoríficos ser associada ao ambiente grosseiro da política. Fica chocado de não poder decifrar a fábula dessa ficção em que o poder das trevas distribui o mel junto com a chave do cárcere onde recolhe as abelhas.

— Mas ninguém será acusado do pecado imperdoável que é levar pobreza à família — disse o delegado.

— É inútil governar um país onde o poderoso se vangloria de usufruir da extravagância do governante — disse ele, fazendo boa cara à má fortuna.

Eu já tenho o amigo. Me falta o delito adequado a ele, dissimulava a culpa com humor negro, seguro que o mal se faz mais rápido do que o bem. A libido recalcada pela devassidão da política sem futuro se libera pelo horror ao compromisso. Eles choram para esconder desejos; riem quando dão de cara com a realidade. O labirinto da paixão faz mais sucesso que a linha reta da reflexão. São escorpiões na garrafa, obcecados em ferir a verdade. Emocionalmente desequipados para a crítica, possuem critério próprio de vergonha.

A saciedade e a abundância imerecida extenuam mais do que a miséria. Época do temperamento ardoroso, usado como desculpa para atribuir à política a responsabilidade de precisar agir contra a consciência. Como o líder se põe em alta conta quando vence, vai em frente até ficar só e em má companhia. Nação de desconfiança e imediatismo, tudo neste período é a impressão individual de um dia.

Mestre da afobação comodista só entende a lealdade como uma fila de agachados. Surpreso pelo amigo não morrer do veneno que engoliu, quando caiu, chutou sua cabeça. E pulou carniça mais uma vez...

Diante disso, não conte comigo para perder meu gado. Tudo que eu fiz me foi pedido. Inseminação artificial sempre fez minha fortuna. Sozinho, o touro não garante escala. Quem você acha que é o touro? Mas a tradição que ouvi de vocês é encorajar o oprimido a se erguer contra o opressor, discordar dele, dar, pelo confronto, o empurrãozinho que o põe para frente. O criador de bois, encurralado, e na companhia de outras histórias pouco inspiradoras — como o amigo banqueiro que pasteuriza nos Alpes o suco dos laranjais regionais — emocionado, implorou:

— Se Deus estiver de acordo com isso, que minhas vacas morram.

Imediatamente, foram lançados milagres em direção ao campo, bezerros nasceram empacotados, dinheiro sujo de óleo e minério lambuzou a terra.

O Senhor, vendo Dilma, Cunha e Lula considerarem irrelevantes os falsos milagres e só se preocuparem um com o outro, lavou as mãos. Parecem servos atrevidos dispostos a mandar no Meu juízo! Achou estranho navio construído com cimento, ter mais carro do que rua, dinheiro voador, falar uma coisa e fazer outra, cavar tão fundo o mar. Deu de ombros e deixou escapar:

— Engraçado, o mais importante não pede desculpa e ainda por cima se acha melhor do que Eu.

Certo que, no Brasil, o fim dos prodígios ainda não é o fim, o próprio Deus largou para lá.

Paulo Delgado é sociólogo

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