segunda-feira, dezembro 28, 2015

Crise permanente - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO - 28/12


Engana-se quem pensa que a crise possa amainar, seja pela decisão do Supremo, que deu um fôlego ao governo, seja pela troca do ministro da Fazenda, seja pelo caráter intempestivo e contraditório do neoaliado da presidente, senador Renan Calheiros. O seu caráter é estrutural, nada tendo sido feito que possa alterar esse quadro. O governo continua respirando artificialmente, com a ajuda de aparelhos, sobretudo os derivados da apropriação partidária do Estado.

O governo e o PT, além de não serem nada afeitos ao princípio lógico de não contradição, também costumam atentar a outro princípio, o da causalidade. Não seria, pois, de espantar que a insensatez e a desorientação tenham se tornado métodos de governar. Vejamos alguns desses casos.

Primeiro. A substituição do ministro da Fazenda Joaquim Levy pelo ministro do Planejamento Nelson Barbosa é ilustrativa da confusão entre causa e efeito. A escolha do ministro Barbosa tem sido alardeada como sendo a ocasião de abandono de um ajuste fiscal estrito em proveito do “crescimento”. Ou seja, o ex-ministro Levy seria o culpado do desemprego, da inflação, da queda do PIB, da elevação do dólar e assim por diante. Ora, a crise econômica e social é nada mais do que o efeito da “nova matriz econômica”, que teve como um dos seus artífices o novo ministro da Fazenda. De efeito, Levy aparece como causa e Barbosa, de causa, desaparece como tendo sido um dos responsáveis do atual descalabro. Causa e efeito são subvertidos, como se a lógica pudesse ser simplesmente descartada. E somos governados por ilógicos!

Segundo. A presidente Dilma se considera uma grande economista e se vê no espelho na escolha de Nelson Barbosa como seu novo ministro. É como se, enfim, pudesse ter se visto livre daquele “neoliberal”, preocupado com as contas públicas e avesso à gastança governamental. É como se o “neoliberalismo” fosse o responsável do atual buraco em que se vê metido o País, quando ele não tem nada que ver com isso. A crise brasileira é o mais nítido produto de uma política econômica de esquerda, estatizante, profundamente desconfiada da economia de mercado.

Terceiro. O PT passa, agora, a responsabilizar o ex-ministro Joaquim Levy pela recessão, pelo aumento da inflação e pelo desemprego produzidos pela própria esquerda. Pretendem mais do mesmo enquanto solução para os problemas por eles mesmos criados. Desrespeitam a lógica, pois apenas se apresentam como sem-pensamento. Deveriam constituir o Movimento dos Sem-Pensamento, irmanados aos Sem-Terra, aos Sem-Teto e assim por diante. O seu contentamento pela escolha do ministro Nelson Barbosa já é um sinal extremamente perigoso de que o partido possa, agora, influir mais diretamente na política econômica. A economia em frangalhos pode se espatifar ainda mais, como mostram os exemplos, admirados por esta esquerda, da Venezuela e da Argentina.

Quarto. Com o objetivo de acalmar os mercados, o novo ministro acaba de anunciar que levará a cabo uma cada vez mais necessária reforma da Previdência. Se o fizer, será um ponto extremamente importante para o País, que o porá em confronto com a mesma esquerda que o levou ao poder. Terá de mexer com privilégios profundamente arraigados e defendidos corporativamente com unhas e dentes. Note-se, contudo, que o governo, nos últimos anos, só tem multiplicado fóruns e comissões para estudar a reforma da Previdência, não chegando a nenhum resultado. Como se anúncios e comissões fossem por si mesmos soluções, não carecendo de nenhuma medida concreta. As “propostas” anunciadas não têm nenhuma credibilidade. Seus autores não geram confiança.

Quinto. A decisão do Supremo, criando ainda mais obstáculos ao processo de impeachment, terminou por aumentar a confusão reinante. Em vez de ter se comportado como uma instância arbitral, escolheu tornar-se parte do problema, e não fator equacionador dele. Poderia ter escolhido o caminho de mero garantidor de regras, em vez de ter enveredado por um ativismo jurídico, criando ritos, em vez de simplesmente garantir os existentes. Os casos do voto aberto e de chapas avulsas geram mais confusão por conflitarem não apenas com a Constituição, mas com o regimento, as práticas e a tradição da Câmara dos Deputados. Embargos declaratórios serão interpostos pela Câmara, fazendo com que o processo de impeachment se alongue ainda mais. Pior ainda, trataram os deputados e os senadores como menores de idade que devem ser tutelados.

Sexto. O caso do neoaliado, senador Renan Calheiros, é também um caso particularmente interessante, pois, enquanto a presidente e o PT vociferam contra o deputado Eduardo Cunha, escolhem como parceiro um senador que tem seis inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal. Aliás, não deixa de ser curioso que o seu caso não receba o mesmo tratamento, pela Procuradoria-Geral da República, que o do presidente da Câmara. Não se trata, por parte do governo, de uma escolha ética, mas de uma mera tentativa de enfraquecer o vice-presidente, alcançando-o em sua posição de presidente do PMDB. O senador presta um imenso desserviço ao seu partido e ao País, tendo como único objetivo uma suposta retribuição governamental que lhe possa, eventualmente, ser garantida nos tempos difíceis que estão por vir.

Em suma, no contexto mais geral da atual crise política, o governo e o PT, utilizando-se de seus aliados de ocasião no próprio PMDB, procuram inviabilizar o vice-presidente enquanto alternativa de poder, minando-o como presidente do partido. Tudo passa a valer, inclusive a ausência completa de moralidade pública e pessoal, que, a bem dizer, foi simplesmente abandonada nos últimos 13 anos.

O Brasil não conta neste jogo, que tem como única finalidade evitar o impeachment, por mais que o País rume, assim, para o precipício.

Um comentário:

Paulo Vendelino Kons disse...

De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), deve o Regimento da Câmara dos Deputados ser rasgado na eleição para compor Comissões na Câmara, pois tem que ser seguido o rito da Coreia do Norte:

1º. - Os candidatos são escolhidos pelo líder;

2º. - São proibidas outras candidaturas;

3º. - O voto não é secreto.

A forma como a Justiça deve se posicionar é estudar a ação e julgá-la com absoluta imparcialidade, é a lógica e único meio de se atingir esse objetivo. Mas, no caso específico do questionado julgamento dos ritos do impeachment (em 16 e 17 de dezembro de 2015), a tal neutralidade e aplicação de conhecimentos, não foi o que assistimos. Retrocedendo ao mensalão, no discutido tema de embargo infringente, o voto decisivo foi dado com base em Regimento Interno do tribunal. Agora, o regimento interno para uma casa serve e para outra não serve?

O Direito e a Verdade foram espancados pelo seu Barroso ao omitir da leitura do Regimento Interno da Câmara o trecho que define que deve haver votação secreta (em várias situações) e “nas demais eleições”, como é o caso da eleição da Comissão Especial do impeachment. Omitir essa expressão, base que assegura legalidade à eleição secreta, é um crime de lesa Pátria, agravado por ter sido cometido propositadamente por um Ministro do STF, que induziu ministros ao erro, o que ficou evidente nos votos de Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Alguns membros do pretório excelso tiveram a desfaçatez de citarem Paulo Brossard para justificarem seus votos. Mas a filha de Brossard publicou uma carta na qual afirma que seu pai se envergonharia de como votaram a maioria dos ministros do STF, e que de forma alguma votaria como eles votaram.

Agora resta ao Kim Barroso Jong-un e outros militantes togados julgar os embargos de declaração e decidir pelo fuzilamento dos deputados que não aprovarem a comissão indicada.

Pois a pergunta ao seu Barroso e súcia que não quer calar: como proceder se a composição escolhida pelos líderes for rejeitada pelo plenário (que é soberano) da Câmara?

Paulo Vendelino Kons
Brusque/SC