sexta-feira, novembro 20, 2015

Amarga colheita - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 20/11

A inflação chegou a 10% pelo IPCA-15 e está espalhada pelos preços. O indicador de atividade do Banco Central registrou que a recessão este ano está em 3,3%. O Congresso aprovou a nova meta fiscal de 2015, e com isso ficou consolidado que houve uma diferença de R$ 200 bilhões entre o programado no início do ano e o que vai acontecer. O quadro econômico é desalentador.

Todos esses dados saíram durante a semana. O índice de inflação foi de 0,85% neste mês de novembro até o dia 15, pelo que o IBGE disse ontem. No acumulado de 12 meses, chegou a 10,28%. É a primeira vez que o IPCA passa a barreira de dois dígitos desde novembro de 2003. Dois grupos foram grandes responsáveis pelo resultado: alimentação e bebidas, com 1,05%, e transportes, com 1,45%. Segundo o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, o IPCA do mês cheio ficará próximo de 1%, mantendo a taxa em 12 meses acima dos 10%. Caso o governo eleve a Cide, a taxa chegará a 11% no fechamento do ano. O índice de difusão chegou a 71,8%, mostrando que a alta de preços está espalhada na economia.

O ano está chegando ao último mês com fatos piores do que as projeções. Ninguém imaginava no começo do ano uma inflação em dois dígitos, a pior recessão desde o primeiro ano do governo Collor, e um déficit primário de R$ 120 bilhões. A primeira meta proposta pelo governo era de superávit de R$ 68 bi.

A grande questão é como chegamos num desempenho tão ruim. Não foi um ano externo difícil, ainda que o cenário internacional sempre reserve surpresas desagradáveis. Os Estados Unidos cresceram e a grande dúvida que atravessou o ano foi quando os juros subiriam. A Europa que está agora sob a angústia espalhada pelo terrorismo teve um ano de recuperação leve. A China desacelerou, derrubando preços. As cotações de petróleo caíram fortemente causando nos países da OCDE pressão baixista na inflação.

Aqui no Brasil, os preços deram um salto de quatro pontos percentuais e o grande fator de aceleração da inflação foi exatamente o grupo energia. No crescimento, a América Latina está com baixo desempenho, mas o Brasil despencou mais do que a média. O rombo nas contas públicas já era esperado, mas ele foi pior do que qualquer projeção porque está incluído nele o pagamento das pedaladas do ano passado.

Outro dado negativo que saiu ontem foi o desemprego medido pela Pesquisa Mensal de Emprego, índice que deixará de existir no ano que vem por ser restrito a seis regiões metropolitanas. Apesar de o número ser menor do que o apurado pela PNAD Contínua, de acordo com a PME o desemprego subiu de 4,7% em outubro do ano passado para 7,9% em outubro deste ano.

O desastre de 2015 foi preparado nos anos anteriores. Na inflação, o governo cometeu um dos piores erros que é reprimir os preços sobre os quais tem controle. Isso faz com que a trajetória dos preços livres seja uma, e a dos administrados, outra, ainda que os dois grupos estejam com números bem acima do teto da meta. A dos preços livres saiu de pouco mais de 6% no começo do ano passado para ficar em torno de 8% em 12 meses. A dos preços ditados pelo governo estavam em torno de 2% e foram para 18%.

No final do ano, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terá que escrever uma carta ao país explicando por que a inflação ficou acima do teto da meta. Isso faz parte do regime de metas de inflação. E neste caso, a verdade é que o mais preocupante nem é o estouro da meta, mas a subida para dois dígitos. Em 2002, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga teve que escrever esta carta. Nos anos de 2003 e 2004, o ex-presidente Henrique Meirelles também teve. Naquele tempo, foi necessário superar a alta de preços provocada pelo temor de que se Lula fosse eleito ele mudaria a política econômica. Em 2011, o Banco Central comemorou o fato de a taxa ter ficado em 6,5%. Não houve estouro do teto, portanto. Agora, não haverá como escapar desse comunicado oficial do BC de que não cumpriu o que a meta estabelecia.

A inflação e a recessão foram construídas com os erros anteriores; parte do rombo fiscal vem das pedaladas. O que o país colhe de más notícias foi plantado no primeiro mandato do governo Dilma.

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