sexta-feira, outubro 23, 2015

Metas de inflação flexibilizadas - JOSÉ PAULO KUPFER

O GLOBO - 23/10

Fazer a inflação convergir no intervalo de um ano-calendário é apenas um dos formatos — e dos menos usados — nos países que adotam o regime de metas


Poucas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), que fixa a taxa básica de juros da economia, foram tão sem surpresas quanto às da reunião de outubro, na quarta-feira. Como esperado por quase todos os analistas, os diretores do Banco Central resolveram, por unanimidade, manter a taxa Selic nas alturas dos 14,25% ao ano em que se encontra desde fins de julho.

O sempre lacônico comunicado emitido no encerramento do encontro foi suficiente para não deixar dúvidas sobre motivações e consequências da decisão de manter os juros básicos “por um longo período”, apesar da persistência de pressões inflacionárias. Sem mencionar diretamente nenhuma delas, o BC transmitiu mensagem velada de que a política de juros, nas atuais circunstâncias, perdeu eficácia como instrumento de controle da inflação. O risco é de que, numa inversão da regra ortodoxa clássica, quanto mais taxa de juros se injete na economia, mais a inflação pode subir.

Já no que se refere às consequências, constata-se que o BC cedeu aos ditames da realidade e, como sugerem heterodoxos em geral e ortodoxos que acreditam na existência de uma situação de dominância fiscal, flexibilizou na prática o regime de metas de inflação. Depois do estouro do teto da meta já contratado para 2015, a partir de agora foi deixado para trás o objetivo de levar a inflação ao centro da meta de 4,5% ao ano em fins de 2016. O horizonte para chegar lá foi alargado para meados ou fins de 2017 — daqui a um ano e meio a dois.

Houve, como sempre há, quem se descabelasse com o abandono da regra que previa alcançar o centro da meta no intervalo de um ano-calendário. Mas a defesa rígida do formato vigente do regime de metas e a percepção de que ele foi “jogado no lixo” revelam mais desinformação e falta de traquejo com a história econômica e as nuances da economia do que qualquer outra coisa. Se conduzido com clareza e transparência pelo governo e pelo Banco Central, o limão de uma eventual mudança do regime de metas pode resultar numa interessante limonada para a condução da economia.

Adotado, pioneiramente, em 1990, na Nova Zelândia, o regime de metas entrou na moda como âncora de preços e, 25 anos depois, é aplicado em três dezenas de países. Desses, só dois — Brasil e Inglaterra — estabelecem metas para o ano-calendário. No caso, por exemplo, de México, Turquia e Coreia do Sul, para citar emergentes com características mais próximas às nossas, as metas devem ser alcançadas num horizonte de três anos. Em outros países, como a Colômbia, o regime nem especifica prazos para que sejam obtidas.

Também variam, de país para país, tanto a medida de inflação que serve de meta quanto a determinação de quem a fixa. Alguns trabalham com índices de preços ao consumidor cheio, enquanto outros preferem considerar seus núcleos ou medidas aparadas por algum critério que suavize a influência de choques de oferta sazonais ou imprevistos. Fixar as metas, dependendo do lugar, é atribuição do próprio Banco Central, do governo, de juntas específicas ou de uma combinação desses entes. Assim, como neste último caso, é no Brasil, onde a meta de cada ano é definida 18 meses antes pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no qual têm assento Fazenda, Planejamento e Banco Central.

Tal variedade de formatos não é acidental e, na verdade, se apresenta como intrínseca à natureza do regime de metas. Essa natureza pode ser resumida numa palavra — flexibilidade —, que está na origem do problema que o regime de metas pretendeu resolver. Esse problema era justamente o da rigidez das regras de funcionamento das âncoras cambial e monetária, que o antecederam desde a Segunda Guerra até fins dos anos 80.

A “regra” do regime de metas de inflação é a que combina, num sistema híbrido, âncoras condicionadas de controle da inflação e a preservação de espaços para que o Banco Central possa acomodar, sem condicionantes, choques de oferta, novas circunstâncias e imprevistos variados. Nada que se pareça, como alguns querem fazer crer e muitos acreditam ser, com um dogma prescrito em alguma bíblia monolítica e intocável.

José Paulo Kupfer é jornalista

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