domingo, outubro 18, 2015

A astúcia tinha limites - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de SP - 18/10

Acusado de se lambuzar no propinoduto da Petrobras, lavar o dinheiro sujo no exterior e intimidar testemunhas da Lava Jato, o deputado Eduardo Cunha está próximo de perder o mandato por um delito menor: mentir a uma CPI.

Em 12 de março, ele disse aos colegas que não tinha "qualquer tipo de conta em qualquer lugar" além da que declarou à Justiça Eleitoral. Foi desmentido por extratos bancários, assinaturas e documentos pessoais enviados por procuradores suíços.

As provas remetidas ao Supremo Tribunal Federal indicam que a decantada astúcia do deputado tinha limites. Ele cometeu erros primários, como apresentar o passaporte diplomático para abrir uma conta secreta. Também usou sua empresa de comércio religioso, a Jesus.com, para ocultar uma frota de carros de luxo.

O Porsche em nome de Jesus inaugura uma nova fronteira na exploração da fé com fins patrimoniais. Cunha existe eleitoralmente graças à aliança com igrejas pentecostais. Ao pedir votos, apresenta-se como uma voz "em defesa da vida e da família". O delator Fernando Baiano revelou que ele costumava interromper reuniões de negócios para pregar aos ouvintes de uma rádio evangélica.

Na noite de sexta, aliados do deputado trocavam ligações para discutir a sucessão na presidência da Câmara. As conversas lembravam uma velha máxima de Brasília: políticos podem chorar no velório e até ajudar a carregar o caixão, mas nunca se jogam na cova com o finado.

Ao peemedebista, restaria uma bala de prata: deflagrar o último cartucho, anunciando o recebimento de um pedido de impeachment de Dilma Rousseff. A estratégia poderia dividir o noticiário negativo entre o deputado e o Planalto, mas enfrentaria ao menos dois obstáculos.

A oposição teria que abraçá-lo novamente, em desafio à inteligência dos eleitores. E o Supremo teria que recuar das liminares de semana passada, quando barrou atropelos à lei para tentar cassar a presidente.

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