sexta-feira, outubro 30, 2015

O cerco se fecha - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 30/10

Repete-se, sobretudo no contexto da Operação Lava Jato, a tese de que nenhum cidadão, no Brasil contemporâneo, está acima da lei. Uma figura, no entanto, parece ter-se mantido ainda preservada sob um manto de intangibilidade.

Não tanto por sua conduta, mas pelo significado político de que seu nome se cerca, o ex-presidente Lula (PT) permanecia, desde o mensalão, ao largo das diversas investigações, processos e condenações que atingiram personagens fundamentais de seu círculo de poder.

As últimas ações do Ministério Público e da Polícia Federal indicam, todavia, que nem mesmo o líder máximo do petismo está acima das atenções da Justiça. Casos muito suspeitos, aos quais não cabe reagir com sectarismo nem precipitação, vão corroendo a aura de intocabilidade que o protegia.

Seguindo ordens da Justiça Federal, a polícia realizou na última segunda-feira (26) uma operação de busca e apreensão na empresa de marketing esportivo LFT, de propriedade de um filho de Lula.

Não o fez por motivos descabidos. Investigava as ações de uma empresa, a Marconi e Mautoni, suspeita de ter dado propina a políticos para que se estendessem os benefícios fiscais concedidos a duas montadoras de automóveis.

A mesma empresa pagou R$ 1,5 milhão à firma de Luis Cláudio Lula da Silva, sem que fique claro que serviços de marketing esportivo seriam úteis às suas atividades.

Igualmente inexplicado é o empréstimo de R$ 1,5 milhão concedido por um lobista, Fernando Baiano, a um empresário do agronegócio, José Carlos Bumlai.

Segundo a delação premiada de Fernando Baiano, o dinheiro depois teria sido repassado a uma nora de Lula, em troca de um favor feito pelo ex-presidente a uma empresa envolvida na Lava Jato.

O estágio das investigações é ainda incipiente, mas não há dúvida de que o cerco em torno do líder petista começa a se estreitar.

Acuado, o lulismo reage nos bastidores num aparente inconformismo contra a atitude do Ministério da Justiça, que teria "perdido o controle" sobre a Polícia Federal.

Não fosse pela enormidade por trás desse inconformismo –a ideia de que a PF deveria agir a serviço do partido no poder, e não com autonomia–, cumpriria lembrar que a operação se deu em obediência à determinação de uma juíza cujo histórico mais a aproxima do que a afasta das tendências de esquerda.

Ao ex-presidente Lula e seus familiares, como a qualquer cidadão, está assegurado o direito de defesa e o de não ser perseguido arbitrariamente pela polícia. Seria omissão da parte desta, entretanto, recusar-se a investigar os indícios que se acumulam em torno dele.

A menos que admita tal desejo, só cabe ao lulismo defender-se às claras sobre todos os episódios que projetam suspeitas sobre seu líder.

Dia de aniversário - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 30/10

RIO DE JANEIRO - Foi o pior aniversário de Lula desde os tempos em que, de calça curta e dedo no nariz em sua Garanhuns (PE) natal, ele torcia pelo Vasco e matava aula para caçar calango. Com um agravante: hoje, aos 70 anos, Lula deve ter menos amigos para lhe soprar velinhas do que aos 10, em 1955.

Em compensação, ninguém tem uma lista mais ilustre de ex-amigos, vivos ou mortos: Hélio Bicudo, Chico de Oliveira, Cristovam Buarque, Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira, Plínio de Arruda Sampaio, Marina Silva, Erundina Silva, Chico Alencar, Cesar Benjamin, Francisco Weffort, Paulo de Tarso Venceslau, Beth Mendes, Airton Soares. Juntar esse time a seu favor foi uma façanha; fazê-lo desertar em massa, outra. Sem contar os que, por terem se tornado cadáveres políticos, ele abandonou, como José Dirceu.

Em lugar deles, Lula poderia ter convidado para sua festa os empreiteiros, banqueiros e pecuaristas com quem se dá tão bem. Mas boa parte estava impedida de comparecer, por cumprir temporada em Curitiba ou estar reunindo ou apagando documentos. É compreensível também que, subitamente, muitos não queiram ser vistos ao seu lado. O jeito, para fazer quorum, seria Lula convidar antigos aliados, como Sarney, Collor, Maluf –mas estes bem sabem quando e com quem devem se aliar.

Diante dessa evasão humana, só restou a Lula passar o aniversário com seus filhos, noras, sobrinhos e irmãos, com a recomendação de que eles não levassem os amigos, os quais, por coincidência, têm estreitos laços comerciais entre si e com órgãos da administração pública. Devido a esse caráter de festa íntima, não fazia sentido fechar um restaurante de luxo ou mesmo uma churrascaria –o feudo do Instituto Lula era suficiente.

E quem esteve lá pode ter presenciado um fato histórico: a última vez que Dilma e Lula foram vistos juntos.


Coração de mãe - NELSON MOTTA

O GLOBO - 30/10

Imaginem dona Marisa buzinando no ouvido de Lula dia e noite suas ideias, conselhos e ordens. É arrepiante


Que Lula que nada, que Dilma menos ainda; nesses dias desatinados o rumo e o destino do país passam pelo que pensa e sente dona Marisa Letícia, que manda em Lula e está como uma leoa ferida porque tem dois filhos na mira da Polícia Federal. Mãe é mãe, por piores que sejam as acusações aos filhos, mesmo provadas, eles serão sempre inocentes, e se não forem tanto, terão sido as más companhias, os falsos amigos que se aproveitam deles, será sempre por injustiça e perseguição.

Embora não se saiba o que pensa e sente dona Marisa, já que em oito anos de lulato ela nunca abriu a boca (cada vez maior) em público, não se sabe de nenhuma opinião dela sobre nada. No núcleo duro lulista, sabe-se que ele morre de medo da “Galega”, e uma vez chegou a se queixar a jornalistas que, por desobedecê-la em alguma decisão política, estava sofrendo uma greve sexual em casa e, sabe como é, Lula não passa sem um sexozinho.

Para ser candidato a prefeito do Rio de Janeiro, o deputado Eduardo Paes teve que ir a Brasília pedir desculpas de joelhos à “Galega”, implorar o seu perdão, e ser esculachado por ela, por ter acusado seu filho Lulinha, que enriqueceu com a Gamecorp, na CPI dos Correios. Lula, cínico, perdoou, mas disse que, sem o aval da patroa, não poderia apoiar Eduardo e a aliança com o PT carioca. Parece ficção, mas revela como a poderosa loura foi decisiva na história do Rio de Janeiro.

Dilma só foi ao aniversário de Lula em São Paulo depois de longa negociação de Jaques Wagner com dona Marisa, que estava furiosa e atribuía a ela e ao ministro da Justiça a busca da Policia Federal no escritório de seu filho.

Imaginem as opiniões da eminência loura sobre o atual momento do Brasil e da família Lula da Silva. E buzinando no ouvido de Lula dia e noite suas ideias, conselhos e ordens. Quem está com nós, quem está contra, que mentira contar, que balde chutar, quem jogar ao mar. É arrepiante.

O pior é que ela nunca vai poder usufruir do tão sonhado triplex do Guarujá, que, diz Lula, ela comprou por R$ 48 mil da Bancoop, e depois do escândalo foi colocado à venda por R$ 1,5 milhão. Pobre Lula.

Lula e o ajuste - CELSO MING

ESTADÃO - 30/10

Depois de passar meses dizendo que Levy perdera prazo de validade, ex-presidente pediu 'prioridade zero' para a aprovação do ajuste fiscal



O ex-presidente Lula é especialista em cavalos de pau. Deu mais um nesta quinta-feira, executado com grande efeito especial.

Depois de passar meses dizendo que Joaquim Levy perdera prazo de validade e que, por isso, deveria ser demitido; e depois de meses em que espalhou recados contra a política de ajuste, Lula lançou nesta quinta-feira palavra de ordem diretamente aos políticos do PT para que passem a dar “prioridade zero” para a aprovação do ajuste fiscal. Trata-se de prioridade anterior até mesmo à defesa da presidente Dilma contra as propostas de impeachment: “A prioridade zero é criar condições para aprovar as medidas que a presidente Dilma mandou para o Congresso. (...) Não podemos ficar mais de seis meses discutindo o ajuste”, disse Lula.

Não ficou nisso. Também fez uma forte defesa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o maior alvo do PT nestes dez meses de governo: “Tem gente que fala ‘fora, Levy’ com a mesma facilidade que gritava ‘fora FMI’, e não é a mesma coisa”.

Não foram palavras pronunciadas aos rompantes, ao longo de uma entrevista quebra-queixo. Foi pronunciamento previamente redigido feito na reunião do Diretório Nacional do PT.

Vão dizer que esta não passa de mais uma tirada produzida pelo grande Macunaíma da política nacional. Pode ser. Mas é mais do que isso. É uma postura que desautoriza o presidente do PT, Rui Falcão, que há duas semanas, em entrevista publicada na Folha de S.Paulo avisou que “Joaquim Levy deve sair se não quiser mudar a política econômica”. Falcão mostrou grande competência quando foi copy desk da editoria de Economia do Jornal da Tarde na segunda metade dos anos 70. Mas, hoje, além de críticas contumazes à imprensa burguesa, mostra pouca intimidade com as coisas da Economia Política e da política econômica.

O pronunciamento de Lula desautoriza, também, os economistas do Instituto Perseu Abramo que há 32 dias divulgaram extenso documento de condenação à política de ajuste comandada por Levy e, ao mesmo tempo, propuseram a adoção de esquisitices baseadas em aumento das despesas públicas, mesmo com o Tesouro na lona, e na derrubada artificial dos juros.

Muita gente apostará em que a nova postura do ex-presidente Lula durará tanto quanto duraram outras. Mais útil do que isso é tentar entender por que agora apareceu essa novidade, a defesa intransigente do ajuste e da ortodoxia do ministro Levy.

Lula parece ter compreendido as implicações do que a oposição vem chamando de estelionato eleitoral: “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos as eleições com um discurso e depois das eleições tivemos de mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”, disse ele. É outro jeito de admitir que estava errada a política econômica anterior, a nova matriz macroeconômica, tal como a denominou o então ministro Guido Mantega.


Mais do que isso, é admitir que, por mais que doa e produza ranger de dentes, o ajuste é a única opção para o Brasil. Se der errado, derrete não só a economia. Derretem o projeto político do PT e a candidatura de Lula à Presidência da República nas eleições de 2018.


CONFIRA






Outra maneira de medir o desemprego é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua. E por ela, o desemprego é maior e mais abrangente do que o mostrado pelas outras pesquisas.

Ato de fé

Na Ata do Copom, o Banco Central admite que a falta de solução para a encalacrada fiscal é fonte de instabilidades e de incertezas. Mas continua repetindo que a administração das contas públicas “tende a se deslocar para a zona de neutralidade”, ou seja, tende a não produzir inflação. É um edificante ato de fé.


TPP coloca Brasil em xeque - MAURO LAVIOLA

VALOR ECONÔMICO - 30/10

Após mais de cinco anos de intensas negociações, os 12 países membros da Parceria Transpacífico ("Trans-Pacific Partnership") finalmente assinaram o maior dos chamados mega-acordos em negociação. Liderados pelos EUA, o maior interessado no êxito dos entendimentos, os integrantes somam cerca de 40% do PIB global e 33% do comércio mundial. Juntos compõem um quadro econômico-geográfico heterogêneo, reunindo países ultradesenvolvidos, emergentes importantes e nações de menor desenvolvimento relativo, situados nas Américas, no Leste Asiático e Oceania: EUA, Canadá, México, Peru, Chile, Japão, Brunei, Malásia, Vietnã, Cingapura, Austrália e Nova Zelândia. É interessante notar que a TPP engloba dois subgrupos americanos, o Nafta e a Aliança do Pacífico, com a curiosa ausência da Colômbia, sendo o México integrante de ambos os blocos.

O escopo geral desse mega-acordo ultrapassa as regras básicas delineadas no âmbito multilateral da OMC e incorpora um teor de disciplinas denominadas OMC Plus. É importante registrar que foi adotado um memorando aditivo ao texto formal proibindo ocorrer manipulações cambiais por qualquer dos Estados Partes.

A TPP basicamente é um acordo de comércio e investimentos, e seus principais fundamentos são: eliminação gradual de tarifas aduaneiras, com cronogramas especiais entre os EUA e o Japão com relação a caminhões, automóveis e autopeças, que podem se alongar até 35 e 25 anos no caso dos veículos montados; é curioso observar que nas negociações EUA-Coreia do Sul, a eliminação de tarifas para automóveis está prevista para 5 anos e caminhões para 10 anos, ou seja, mais favoráveis do que na TPP.

- Outros importantes setores estão incluídos na eliminação tarifária, tais como maquinaria, informática, bens de consumo diversos, químicos e produtos agrícolas, incluindo trigo, carnes bovinas, suínas, avícolas e frutos do mar; na área tabagista foi admitida a aplicação de salvaguardas específicas;

- inclusão de complexos dispositivos comerciais, com regras de origem, que vão além dos ditames regulamentados na OMC;

- eliminação de barreiras não tarifárias;

- abrangência sobre serviços, investimentos, propriedade intelectual, compras governamentais, além de dispositivos sobre solução de controvérsias;

- estabelecimento de diversos comitês para orientar os países a cumprir o conjunto de disciplinas acordadas em diversas áreas, incluindo proteção ambiental e tráfico humano e de drogas;

- coordenação para a aplicação das regras trabalhistas de cada país. Muitos outros detalhes serão mais bem conhecidos quando o United States Trade Representative (USTR) publicar o detalhamento de todo o acordo.

Na esfera política, o resultado está sendo encarado como uma vitória pessoal do presidente americano contra a vontade da maioria do partido Democrata, porém com o apoio dos republicanos que lhe concederam o "fast track", assegurando a primazia do Congresso americano para rejeitá-lo integralmente sem efetuar alterações específicas ou aprová-lo tal como está. Não obstante, especialistas opinam que, pelo menos nos EUA, a TPP dificilmente será aprovada antes de abril de 2016 em obediência às tramitações legais daquele país. Para entrar totalmente em vigor, será necessário, também, que ocorra a ratificação parlamentar dos demais congressos.

Especulações da mídia americana indicam que a TPP será um importante mecanismo para arrefecer as ações comerciais e financeiras da China nos países envolvidos. Contudo tais prognósticos terão de ser comprovados na medida em que os acordos que estão sendo negociados pela China com Japão e Coreia do Sul e de forma bilateral com a Austrália, além do que já mantêm com o Chile, tornem-se inócuos frente à amplitude da TPP. Consideram o acordo, também, importante fator de estímulo para agilizar as negociações do TTIP (acordo transatlântico de comércio e investimentos entre os Estados Unidos e a União Europeia), entendimentos, contudo, que têm implicações políticas e econômicas muito mais complexas do que a TPP.

A questão mais importante para o Brasil será avaliar até onde a TPP pode influir ou afetar o questionado imobilismo brasileiro em matéria de negociações comerciais com áreas mais desenvolvidas. Tal imobilismo é atribuído, por um lado, às dificuldades de locomoção do Mercosul em negociações conjuntas de maior porte e, de outro, às precárias condições competitivas dos bens industrializados em mercados mais sofisticados, mesmo se levarmos em conta a atual situação cambial favorecendo suas exportações.

A TPP tende a afetar os interesses brasileiros num amplo espectro. Na área dos parceiros latino-americanos, além dos acordos que Chile, Peru e México já mantêm com os EUA, a União Europeia e alguns países asiáticos, agora tendem a sofrer uma competição mais acirrada na TPP com a presença de Japão, Cingapura e até mesmo do Vietnã na área de informática. Até mesmo as commodities, que vêm sustentando a balança comercial do país, tendem a sofrer séria concorrência da Austrália nas exportações de açúcar, minério de ferro e carnes em geral. A situação pode tornar-se mais crítica quando o acordo bilateral daquele país com a China entrar brevemente em vigor.

Na verdade, deve-se registrar que o governo brasileiro tem acionado o setor privado para ajudá-lo na maior aproximação comercial com Peru e Colômbia, visando acelerar os cronogramas de desgravação tarifária nos ACEs 58 e 59 da Aladi e incluir novas disciplinas importantes ainda não contempladas neles, mas a tarefa não tem sido simples. Com o México, parece haver interesse recíproco de ajustar o insípido ACE 53 e o ACE 55 do setor automotriz à amplitude compatível com o tamanho das respectivas economias, mas o ganho brasileiro será apenas compensatório em relação aos diversos acordos que aquele país tem com o mundo desenvolvido.

Tal panorama pode tornar-se crítico na medida em que não há qualquer movimento político-institucional dos países do Mercosul em analisar a atual situação do bloco, confiando em que o eventual progresso das negociações com a União Europeia venha a suprir pelo menos parte da carência de relacionamento comercial com o mundo desenvolvido. No andar dessa carruagem tomara que o Brasil não esteja próximo de levar um xeque-mate.

Mauro Laviola é vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)

As lições da Parceria Transpacífico - ROBSON BRAGA DE ANDRADE

CORREIO BRAZILIENSE - 30/10

Numa iniciativa importante, 12 países da Bacia do Pacífico firmaram um histórico acordo comercial - a Parceria Transpacífico (TPP). O pacto foi liderado pelos Estados Unidos e contou com a adesão de países estratégicos para os norte-americanos, como Austrália, Japão, México e Vietnã. Sua conclusão traz ensinamentos relevantes para o governo e para as empresas brasileiras. Essas lições precisam ser incorporadas com rapidez e transformadas em ações práticas para a defesa do comércio exterior do Brasil.

A primeira é que a agenda dos acordos comerciais está mais viva do que nunca. Após a crise internacional de 2008 e 2009, houve, em diversos círculos, dentro e fora das nossas fronteiras, a percepção de que a era das grandes negociações estava encerrada. A paralisação da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as complicadas tratativas para a conclusão do Acordo sobre Facilitação de Comércio (AFC) pareciam comprovar essa tese.

A TPP não só prova que ela é incorreta, como cria incentivos para que outros países acelerem as conversações já em curso ou as planejadas. Nesse cenário, o Brasil deve avançar nas negociações previstas no Plano Nacional de Exportações, sobretudo com o México, a União Europeia e os vizinhos sul-americanos. Além disso, precisa incorporar outras nações ao cenário, em especial os Estados Unidos e o Japão. Hoje, nossa rede de acordos só permite o acesso privilegiado dos produtos brasileiros a meros 8% de todo o comércio global.

O segundo ensinamento da TPP é que as grandes nações, lideradas pelos EUA, pretendem criar um enorme cinturão comercial ligando os polos mais dinâmicos da economia mundial: o Atlântico Norte e a Bacia do Pacífico. Essa estratégia tem, entre seus objetivos, fomentar as cadeias globais de valor, induzindo inovação e produtividade. Ao mesmo tempo, ela tem o potencial de isolar a China e os demais membros do Brics - Brasil, Rússia, Índia e África do Sul -, que teriam dificuldades de participar da produção das normas que regem o comércio mundial.

As economias mais fortemente complementares à do Brasil, que poderiam beneficiar a indústria nacional com a compra de seus produtos, são justamente as que estão envolvidas nos mega-acordos para criar esse cinturão - os Estados Unidos e a União Europeia. Assim, o setor industrial brasileiro precisa, com urgência, integrar-se a essas nações de modo a evitar o isolamento e a estagnação.

A terceira lição da TPP é a seguinte: toda negociação, por mais difícil que seja, pode ser conduzida a um acordo que equilibre interesses comerciais ofensivos e defensivos. No fim, eles têm a capacidade de gerar benefícios econômicos reais para as empresas, os trabalhadores e os consumidores.

A negociação transpacífica envolveu aspectos de difícil superação, como a abertura do mercado dos EUA para os automóveis e caminhões japoneses, assim como do mercado japonês para os produtos agrícolas norte-americanos. Ainda assim, concessões mútuas, obtidas por meio de diversas idas e vindas, permitiram um entendimento minimamente razoável para ambas as partes.

No momento em que o Brasil se prepara para a troca de ofertas com a União Europeia, no âmbito da negociação com o Mercosul, e para a construção de sua proposta ao México, é fundamental que o governo e a própria indústria tenham esse exemplo da TPP como norte. Ou seja, dificuldades certamente surgirão, mas podem ser superadas por meio do diálogo paciente, levando em conta as particularidades de cada país.

Acordos comerciais abrem oportunidades de acesso aos consumidores de outros países. Mas, ao mesmo tempo, geram mais concorrência no mercado interno. Os grandes setores das economias registram ganhos e algumas perdas depois da conclusão de um tratado como esse. O importante, porém, é participar ativamente das negociações, mesmo diante das necessidades defensivas, e priorizar os interesses ofensivos. Assim, o setor público deve assegurar as políticas compensatórias e as reformas estruturais necessárias para garantir, aos setores mais seriamente prejudicados pela concorrência, um período de transição e condições razoáveis de adaptação.

Os ensinamentos extraídos da TPP servem tanto ao governo quanto à indústria e aos demais setores nacionais. O Brasil não pode ignorar as transformações da economia global, da produção industrial e do comércio internacional. Permanecer numa atitude de isolamento resultará em um custo alto demais para a sociedade brasileira. A hora é de ação, de engajamento nas negociações com os nossos parceiros estratégicos e de aposta no futuro.


ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

A crise é de gestão ou de liderança? - JOSÉ PIO MARTINS

GAZETA DO POVO - PR - 30/10

O governo federal vive uma crise financeira e uma crise política. Alguns dizem que a crise é de gestão, outros dizem que a crise é de liderança. O governo é uma instituição política e também uma organização empresarial. Nele estão presentes as questões de gestão e as questões de liderança. Qual a diferença entre as duas?

Gestão é a provisão e o comando de coisas, dinheiro, processos e tarefas, com vistas a produzir bens e serviços. Liderança é a capacidade de levar as pessoas a fazer o que tem de ser feito, sobretudo influenciar e motivar, mais que o uso do poder de obrigar. Gestão está no âmbito do conhecimento técnico e das habilidades para executar tarefas e projetos. Liderança habita o mundo do comportamento e da capacidade de se relacionar com pessoas e motivá-las para a ação.

Uma boa definição de liderança diz que é “a capacidade de influenciar e convencer pessoas, levá-las a acreditar na causa e despertar nelas a vontade de agir em favor de objetivos comuns, sobretudo quando são livres para seguir outro caminho”. A imprensa diz que a presidente Dilma trata seus subordinados de forma autoritária e ríspida. A coisa se complica se esse estilo for usado para se relacionar com aqueles que não são seus subordinados, como é o caso dos parlamentares.

É sabido que o governo tem relacionamento difícil com o Congresso. Tancredo Neves, um mestre em habilidade de relacionamento, dizia que não há democracia sem parlamento e sem oposição. Logo, ambos devem ser vistos como normais e necessários; por isso, ainda que em campos opostos, devem ser tratados com respeito e cortesia. Os parlamentares têm mandato, muitos têm ego inflado e outro tanto não tem o menor escrúpulo ético.

Entender toda essa lógica, ter uma estratégia de relacionamento com o parlamento e não usar de autoritarismo e grosseria são condições necessárias ao êxito da missão de governar. Não sendo assim, a crise de liderança aparece. Quanto à crise de gestão, ela tem influência da crise política, mas está principalmente na ineficiência administrativa da máquina estatal.

O ex-presidente Lula gastou sua lábia para convencer o país de que Dilma era uma gerentona competente e eficaz. É como se ele dissesse: ela é grossa, não é política, mas é boa gestora. No início do primeiro mandato, a população até gostou dessa caracterização da presidente, pois a máquina pública é lenta, cara e percebida como ineficiente. Dado o gigantesco tamanho do governo, a gestão nunca será ótima, e uma crise de liderança aprofunda a crise de gestão.

É papel do líder escolher bem os executivos. Uma crise de gestão pode vir de más escolhas de ministros e gerentes. Nas organizações empresariais, livres de influência político-partidária, a escolha baseada em competência técnica e moral é mais fácil. No governo, é mais difícil. Ao escolher mal, o chefe de governo falha como líder; na sequência, falhará como gestor. Maus gerentes, má gestão.

Quando investidos de cargo, os líderes têm poder de mandar, e o risco é a tentação de colocarem para fora o ditadorzinho que há dentro de todos nós. O alimento desse ditadorzinho é o crachá: quanto maior o poder, maior a tentação de impor, gritar, mandar, não ouvir e não aceitar opiniões diferentes.

Voltando ao governo, para a população, mais que essas questões, o que conta é o resultado em estabilidade política, crescimento econômico e prosperidade social. Com isso, defeitos serão perdoados. Sem isso, qualidades serão apedrejadas.


José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

O escândalo do aparelhamento - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 30/10

As investigações sobre as graves irregularidades apontadas na Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) evidenciam, mais uma vez, o descontrole de empresas públicas ou concessionárias comandadas por gestores políticos, sem o devido preparo técnico e profissional. Por trás da gestão irresponsável, normalmente, estão interesses partidários, proteção a correligionários e apadrinhamentos de toda espécie. O resultado da prática de manter políticos em postos de comando é a transformação da controladora de termelétrica a carvão no Estado num símbolo de mau gerenciamento e desperdício de dinheiro público, com a geração de prejuízos inaceitáveis para os contribuintes.

O simples fato de a Controladoria-Geral da União (CGU) ter constatado problemas em nada menos do que 67% dos recursos analisados por amostragem nas contas de 2012 e 2013 dá uma ideia da situação de descontrole na empresa pública federal. As irregularidades chegaram a esse ponto em consequência do descaso absoluto com qualquer tipo de cuidado gerencial, imprescindível quando está em jogo o dinheiro do contribuinte.

É inadmissível que políticos guindados a postos-chave do setor público por motivações partidárias consintam por tanto tempo em práticas criminosas, resultantes da promiscuidade entre servidores e representantes de empresas particulares. O agravante é que, embora as suspeitas denunciadas agora pelo presidente da CGTEE, que está deixando o cargo, fossem conhecidas, nem mesmo providências de rotina teriam sido adotadas pelos responsáveis, reafirmando total descaso com o zelo pelo dinheiro público.


Os fatos e a ata - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/10

A ata do Copom divulgada ontem mostra um Banco Central à deriva, que se esconde atrás do palavrório usado nestas comunicações para não encarar os fatos: uma inflação próxima de dois dígitos e um naufrágio fiscal. Estes são os fatos que não cabem na ata. O BC ainda registra a meta de superávit primário de 0,15% este ano que até o asfalto da Esplanada sabe que não será atingida.

O combate à inflação depende hoje mais da política fiscal. As contas se afundam no vermelho, e o Banco Central, impotente, assiste a tudo escrevendo frases assim: "Considera-se como indicador fiscal o superávit primário estrutural que deriva das trajetórias de superávit primário de 0,15% do PIB em 2015 e de 0,70% do PIB em 2016. Cabe destacar, ainda, que em determinado período, o impulso fiscal equivale à variação do superavit estrutural em relação ao observado no período anterior".

Entendeu? Não é para ser entendido que o Banco Central escreve. Ele quer que decifrem vírgulas e encontrem significados em ausências, achando que assim cumpre seu papel a cada mês e meio. Não está cumprindo. Afinal a inflação já estourou o teto da meta há muito tempo e encosta em dois dígitos. As projeções para o IPCA este ano aumentam a cada semana e as do ano que vem também. Pelo manual teria que subir os juros. Mas, prostrado, o BC não sabe o que fazer diante dos seus dilemas: se subir os juros aumenta o rombo fiscal, aprofunda a recessão e não necessariamente terá efeito sobre a inflação.

Por isso ele joga a toalha, tirando um pedacinho do comunicado que vinha sendo repetido nas últimas atas, que era o compromisso de atingir a meta no final de 2016. Já se sabe que não será atingida mais. Fica para melhor oportunidade. Mas o que impressiona é o BC registrar frases assim: "O Copom reitera que o cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias anunciadas para as variáveis fiscais"; "O comitê pondera que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção". No mundo das pessoas normais, essas palavras não querem dizer nada, ou, se fizermos esforços, ele está dizendo que acredita ainda nas metas fiscais, e que as contas públicas vão se equilibrar.

A inflação subiu principalmente pela alta das tarifas. Os preços administrados, lembra o BC, poderão fechar o ano em 16,9%. Na última reunião, ele previa 15,2%. A autoridade monetária está sempre atrasada em relação aos fatos e só faz confirmar o que todos já sabem, depois dos fatos. A gasolina está com alta de 15%; o gás de bujão, 20%; e a energia, 51,2%. O tarifaço do setor de energia produziu um enorme estrago na inflação. Para atuar, o BC teria que derrubar ainda mais a economia para que os índices caíssem pela recessão. Já haverá esse efeito, mas a autoridade monetária teme bater ainda mais numa economia já fragilizada. Diante da situação, o BC apenas olha o quadro, escreve uma ata cheia das frases misteriosas de sempre, e toma por certo metas que já se sabe que não serão cumpridas, já que elas não foram ainda oficialmente alteradas.

Não há muito o que o Banco Central possa fazer agora. Mas não deixa de ser patético ele estar falando em superávit de 0,15% do PIB na semana em que se discute a nova meta, que será um déficit entre R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões. Da mesma forma, os resultados para o ano que vem continuam sob dúvida porque nada do que foi enviado como parte do ajuste para se chegar ao 0,7% de superávit foi ainda aprovado.

Ontem mesmo, logo depois que saiu a ata, o próprio BC divulgou mais um resultado negativo do setor público, o de setembro, com o déficit primário de R$ 7,3 bi. Em 12 meses, o rombo nominal, o gasto primário mais o pagamento de juros, chegou a 9,32% do PIB. A quinta-feira teve mais resultados ruins. Pela manhã, a Fundação Getúlio Vargas havia divulgado os dados do IGP-M de outubro, que fechou em 1,89%. E para completar um dia difícil, a Pnad mostrou o desemprego em alta para 8,7%, no trimestre encerrado em agosto. Diante desse cenário, o BC tem a dizer que continuará se escondendo atrás de palavras rebuscadas e vazias. BC se esconde atrás das palavras para fugir dos fatos: a inflação alta e as contas desarrumadas Diante da situação, apenas olha o quadro, escreve mistérios, e aceita metas que não serão cumpridas Ainda ontem, o país registrou novo déficit fiscal, alta do desemprego e IGP-M de 1,89%


Pedaladas no setor de energia - ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ

O Estado de S. Paulo - 30/10

Em 2013, para o então ministro Guido Mantega conseguir fechar as contas, foi feito o primeiro leilão do pré-sal no regime de partilha. Naquela ocasião, o governo, sempre em tom populista e ufanista, anunciou que leiloaria a maior reserva de petróleo do mundo, o chamado Campo de Libra. Como seria uma joia da coroa, o governo estipulou o bônus de assinatura em R$ 15 bilhões. Uma pedalada de primeira.

Apesar de toda a propaganda que antecedeu o leilão, só apareceu um consórcio, formado por Petrobrás, Shell, a Total francesa e duas empresas chinesas. As razões para haver um só consórcio e, consequentemente, para o insucesso do leilão foram as de sempre: instabilidade regulatória e insegurança jurídica. Mas o governo atingiu seu objetivo: arrecadar R$ 15 bilhões e fechar as contas de 2013. O fim justificou os meios.

É sempre bom lembrar que a grande sacrificada foi a Petrobrás, que acabou ficando com 40% do consórcio, quando, de acordo com a Lei da Partilha, poderia ficar com apenas 30%. Mas isso foi necessário, pois, caso contrário, não haveria nenhum vencedor do leilão e o governo não atingiria o objetivo de arrecadar os R$ 15 bilhões. Este ano, o governo também precisa fechar suas contas, e, como a Petrobrás está quebrada, a solução foi apelar para uma nova pedalada, desta vez no setor elétrico.

Em 2012, no auge de suas políticas populistas e eleitoreiras, o governo publicou a Medida Provisória (MP) 579, que tinha como objetivo reduzir as tarifas por meio da renovação das concessões de usinas hidrelétricas. Na propaganda do governo, isso seria possível porque essas usinas já estavam amortizadas, então os consumidores seriam agraciados com tarifas menores, contemplando só a operação e a manutenção dessas usinas. Na época, Cesp, Cemig e Copel resolveram não aderir à MP 579, alegando, com razão, que prejudicariam seus acionistas, pois a tarifa oferecida pelo governo causaria total desequilíbrio econômico e financeiro nas empresas. As empresas do grupo Eletrobrás foram obrigadas a aderir à MP, por ordem de seu acionista majoritário, o governo federal, mesmo em prejuízo dos acionistas minoritários.

Passados dois anos (principalmente após as eleições de 2014), o governo, por meio da MP 688, muda a MP 579 e pretende cometer mais uma pedalada contra os consumidores de energia elétrica. A pedalada vai ocorrer se o Congresso Nacional aprovar a MP 688, permitindo que o governo promova o leilão das 29 usinas hidrelétricas da Cesp, Cemig e Copel.

Para atrair investidores e arrecadar R$ 17 bilhões, o governo resolveu que nós, consumidores, pagaremos uma espécie de imposto pelos próximos 30 anos. A mágica é passar da tarifa de R$ 36/MWh, definida pelo próprio governo na MP 579 como valor necessário à operação e manutenção das usinas, para R$ 137/MWh. Ou seja, um aumento de quase 300%. Com isso, cria-se uma taxa de retorno acima dos 9%, para interessar os investidores, e nós financiaremos o governo para que ele possa receber os R$ 17 bilhões e "fechar as contas".

Pode ser que o atual quadro político financeiro e a bagunça regulatória obriguem o governo a repetir a pantomima do leilão de Libra, e veremos a constituição de um único consórcio, com a presença da Eletrobrás, para vencer o leilão de todas as 29 hidrelétricas. Três observações importantes merecem ser feitas: 1) estes R$ 17 bilhões não acrescentam nenhum novo MW ao sistema elétrico; 2) o governo está nos obrigando, na forma de um imposto mascarado, a pagar mais uma vez usinas que já estariam amortizadas; e 3) essa pedalada significa um aumento de tarifa de cerca de 3% a 4%. Com a inflação mais despacho térmico e câmbio de Itaipu, calculamos aumentos médios de 20% nas tarifas ao longo de 2016.

Conclusão: o setor de energia continua sendo usado pelo governo com o único objetivo de arrecadação fiscal, sem nenhuma preocupação em resolver as questões regulatórias.

* Respectivamente, diretor do Centro Brasileiro de Insfraestrutura (CBIE) e diretor da Holtz Consultoria

A vida será sempre um conjunto de nãos? - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

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Estadão - 30/10

Criança, não podíamos comer manga verde com sal.

Não podíamos misturar manga com leite. Laranja, leite e banana davam nó na tripa. Melancia com leite ou (depois) com pinga era mortal.

Não podíamos brincar no rio (um palmo de fundura) para não afogarmos. Em dia de sol quente não podíamos brincar na água fria porque podíamos pegar pneumonia.

Não podíamos saber como os bebês eram produzidos. A parteira era uma figura misteriosa.

Não podíamos fumar cigarro de tal de xuxu (Mas podíamos colecionar marcas de cigarro, o que despertava enorme fascínio).

Não podíamos brigar na rua. Às vezes, apanhávamos na rua e do pai em casa. Mas podíamos matar passarinhos com estilingues e podíamos fazer guerra de quadrilhas (gangue) entre bairros com estilingue e bolinhas de vidro.

Não podíamos comprar camisinha na farmácia, porque só vendiam para adultos. Adultos, só podíamos pedir camisinha ao velho farmacêutico e não aos auxiliares jovens.

Não podíamos brincar com as meninas de mostra o seu que mostro o meu. Não podíamos brincar de médico e paciente. “Deixe-me ver este peitinho como está.”

Não podíamos olhar pela fechadura para ver as empregadas tomando banho, sob pena de ficarmos cegos, dizia o padre.

Não podíamos (segundo os padres) ter maus pensamentos. Não podíamos comungar sem ter confessado. Não podíamos comungar sem estar em jejum.

Não podíamos ficar sentados quando o professor entrava na classe. Não podíamos conversar na classe. Não podíamos colar nas provas.

Não podíamos chegar tarde em casa. Depois das dez da noite o pai trancava a porta.

Não podíamos usar o mitório público, sob pena de apanhar doenças venéreas.

Masturbação podia provocar tuberculose, anemia, dores generalizadas nos membros (e no membro), visão turva, dentes enfraquecidos.

Não podíamos ir sozinhos a um bordel antes dos 18 anos, a policia conferia documentos.

Não podíamos transar com as jovens antes de casarmos.

De repente, não podíamos mais usar lança-perfume e muito menos cheirá-las.

As mulheres não podiam mais usar biquíni.

Não podíamos entrar em filmes “fortes” antes dos 18 anos.

Homem não podia usar camisa vistosa, colorida, vermelha, amarela, verde intenso, sob pena de ser tachado de fresco, maricas,

3 x 8 (Até que o Elvis Presley apareceu, rebolando, usando roupas prateadas e douradas, cinturões fosforescentes: santo Elvis).

Não podíamos ser jovens transgressores. (Até James Dean ser um transviado).

Não podíamos ser malucos, sonhadores, era preciso entrar na universidade, ter segurança, emprego no Banco do Brasil ou na Caixa.

Depois, chegou um tempo em que não podíamos ler livros, ver filmes, teatro, televisão, ouvir certas canções, ter aulas com certos professores, emitir opiniões políticas, ser contra o sistema, votar, transar sem camisinha, atirar o pau no gato.

Agora nem podemos ser politicamente incorretos, nem dar Monteiro Lobato para criança ler, nem ser o que somos e o queremos ser sob pena de uma multidão sair à rua massacrando.

Não podemos ler este jornal nem aquela revista nem ouvir este comentarista nem gostar desta novela. Estamos todos nos calando.

Assim, fomos crescendo e nos tornando adultos para sabermos que o ovo faz mal( ou fez, fazia, fará, não faz mais, ele vai mudando, mudando), que o gluten faz mal, que o chocolate engorda, que o colesterol nos ameaça em cada esquina, que a lactose existe, o açúcar provoca diabetes, o adoçante dá câncer, o camarão pode dar alergia.

Agora sabemos que não podemos comer salsichas e outros embutidos, nem carne seca nem bacon (a América do norte inteira vai morrer com aqueles deliciosos bacons crocantes no breakfast), nem carne vermelha (cuidado Tony Ramos, muito cuidado, sou seu fã).

Mas me assustei quando vi que o mate também dá câncer. O mate que vem fervendo nas cuias. Rio Grande do Sul, Mato Grosso (os dois), Argentina, Uruguai e Paraguai vão desaparecer. Minhas centenas de amigos gauchos estão condenados.

Não! O mate também, não! Capitão Rodrigo, do nosso Érico Veríssimo, você que proclamava, ‘nos pequenos dou de prancha, nos grandes dou de talho!’ , chegou a hora, salve ao menos nossos gaúchos.

PS: Para os que não sabem, porque nunca sabemos quem sabe, Capitão Rodrigo é um personagem inesquecível de O Tempo e o Vento, na primeira parte de O Continente.

Zelotes devassa empresa de filho de Lula

VALOR ECONÔMICO - 30/10

Letícia Casado e André Guilherme Vieira 



Análise da Receita Federal sugere que a LFT Marketing Esportivo, que pertence a Luis Claudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode se tratar de uma empresa de fachada.

"A despeito do vultoso recebimento pela LFT Marketing Esportivo em 2014, a empresa não possui nenhum funcionário em seus quadros, bem assim como não informa pagamento de salário ou recolhimento de contribuições previdenciárias de empregados", destaca relatório de pesquisa e investigação anexado aos autos da Operação Zelotes.

O relatório indica que a Receita Federal suspeita que a empresa seja uma fachada destinada a atuar em lavagem de dinheiro. Por isso a Receita sugeriu ao Ministério Público Federal que requeira o rastreamento bancário de uma série de pagamentos identificados pelo órgão.

"Examinando fitas de caixa, guias de transações em espécie e outros documentos, de modo a esclarecer se esses valores foram efetivamente sacados em espécie na ´boca do caixa´ ou se foram creditados em outras contas, ocorrendo as chamadas ´operações casadas´", informa o documento.

Os investigadores sugerem também que os departamentos de auditoria interna dos bancos informem alguns dados, tais como nome, CPF e CNPJ dos responsáveis pelos saques e retiradas de dinheiro. E ainda que os bancos forneçam cópia legível dos respectivos cheques, bem como de documentos que comprovem o destino desses recursos movimentados.

A Receita Federal ainda questiona o tipo de serviço que de fato foi prestado pela LFT, "que motivou o pagamento de tão grande soma".

De acordo com a investigação, somente em 2014, a LFT Marketing Esportivo recebeu R$ 1,5 milhão da Marcondes e Mautoni, empresa suspeita de envolvimento em esquema de corrupção e tráfico de influência para a aprovação de medidas provisórias para prorrogar isenções fiscais a empresas do segmento automotivo.

Apontado como lobista, Mauro Marcondes foi preso na última segunda-feira. Até então, Marcondes ocupava o cargo de vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), mas foi suspenso do cargo até que as investigações sejam concluídas.

De acordo com o relatório, "informação colhida na Relação Anual Informações Sociais (Rais) em que se identifica que a empresa LFT Marketing Esportivo não possui nenhum empregado registrado em 2014, muito embora tenha recebido, nesse mesmo ano, o valor de R$ 1.501.600,00 da Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Corporativa", informa o material.

Deflagrada em 26 de março deste ano, Operação Zelotes apura irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo os investigadores, foi montado um esquema para influenciar e corromper conselheiros do órgão para cancelar autos de infrações, resultando em economia milionária para empresas autuadas.

Na nova fase, deflagrada na segunda-feira, a Zelotes avançou sobre suspeitas de manipulações na elaboração de três medidas provisórias que beneficiaram o setor automotivo: 471, 512 e 627. De acordo com os investigadores, os suspeitos teriam praticado os CRIME de tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, associação e organização criminosa além de lavagem de dinheiro.

A defesa de Luis Claudio nega irregularidades. "Reitera-se que a mera opinião de dois procuradores da república de que os pagamentos feitos pela Marcondes e Mautoni à LFT seriam ´muito suspeitos´ não autoriza a prática de qualquer medida que implique mitigar as garantias fundamentais de qualquer cidadão."

O filho de Lula foi intimado para prestar depoimento à Polícia Federal a fim de esclarecer alguns pontos da investigação da Operação Zelotes.

BC está à espera da política fiscal de 2016 - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 30/10

Só quando tiver clareza da trajetória fiscal e da composição do ajuste para 2016 é que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai fixar com maior precisão o ponto de chegada da inflação na meta de 4,5% em 2017. No momento, a inflação convergirá para a meta em dezembro daquele ano, mas pretende que seja antes.

Para 2016, a inflação terá que ficar na meta de 4,5% mais a margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Ou seja, não poderá superar 6,5%, na avaliação de fontes oficiais.

Para a política monetária será pior o governo elevar a Cide sobre a gasolina do que se conseguir aprovar a CPMF. O impacto sobre a inflação seria menor com o imposto sobre o cheque. A expectativa é que o reajuste dos preços administrados fique no limite de 5,8%, conforme a ata divulgada ontem. Se for maior, o melhor é que seja um processo suavizado de preços, e não o choque que ocorreu este ano, quando só a tarifa de energia subiu 50%.

Ontem o Copom divulgou a ata da última reunião, que manteve a taxa Selic em 14,25%, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, teve um encontro com parlamentares da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

O país passa por três processos de ajustes, disse ele aos deputados: o externo, já mais avançado, o monetário para levar a inflação para a meta de 4,5% e o fiscal, para recuperar o abalo nas finanças públicas em 2014. Esse último tem se mostrado o mais difícil e, sem ele, fica mais complicado para o BC definir como vai administrar a taxa básica (Selic).

Os juros de 14,25% ao ano devem permanecer nesse patamar por um bom tempo, mas ninguém é capaz de garantir que o Copom não elevará a Selic daqui para o próximo ano.

O que é dito e repetido pela autoridade monetária é que o comitê não abdicará da prerrogativa de combater a inflação. Teve, porém, que desistir de cumprir a meta de 4,5% para o IPCA em 2016 depois das decisões de julho, quando o governo reviu o superávit primário de 1,1% do PIB para 0,5% do PIB, enviou um orçamento deficitário para o Congresso Nacional e a agência de rating Standard & Poor´s tirou o grau de investimento da dívida soberana do país.

Apesar disso, nem tudo está perdido na questão fiscal, avaliam economistas do governo. Embora a dívida bruta este ano esteja 6,4 pontos percentuais acima de 2014 e atinja 65,3% do PIB, segundo dados de agosto, a dívida líquida restrita (a bruta abatida apenas das reservas cambiais) teve crescimento mais moderado, de 0,8 ponto percentual, para 41,7% do PIB.

Isso explicaria por que os investidores estrangeiros não estão buscando a porta de saída do país. Apesar de não acreditarem no indicador da dívida líquida mais amplo, eles confiam no conceito restrito, alegam fontes.

O fato, porém, é que o impacto das dissonâncias fiscais do governo resultou em um alto preço em taxa de juros. Um dia após a reunião do Copom que elevou a Selic para 14,25%, em julho, a curva de juros de médio e longo prazo era de 13%. No dia 23 de setembro, assimiladas as frustrações com o empenho no ajuste fiscal, a curva mostrava 17% de juros no médio e longo prazos (de dois a sete anos). "Isso só por conta do fiscal", lamentou uma fonte do governo. É certo que houve um pequeno recuo, mas ainda assim foi uma pancada.

Começou lá, também, a desancoragem das expectativas de inflação. Dados da pesquisa Focus mostram que em janeiro o mercado projetava 6,56% para o IPCA deste ano. Hoje estima 9,85%. A expectativa para 2016, que já estava em 5,4% na segunda quinzena de julho, é de 6,22%. E para 2017, que se encontrava praticamente na meta, com 4,6%, já subiu para 5%. Todo um esforço de aperto monetário foi jogado no lixo por decisões que representaram um afrouxamento fiscal.

O ajuste das contas externas é o que mais avançou. De meados de 2011 para cá, a desvalorização da taxa de cambio real efetiva é de 80,4%. O fim do ciclo das commodities em meados daquele ano produziu uma queda de 24,8% nos termos de troca. A desvalorização cambial reduziu em 34% o custo unitário do trabalho. Se por um lado isso significa o empobrecimento do país, por outro torna a economia mais competitiva frente os demais concorrentes no mercado externo, especialmente os chineses.

O ajuste externo se manifesta nas contas do balanço de pagamentos, cujo déficit em transações correntes caiu de US$ 104 bilhões em 2014 para US$ 65 bilhões este ano e há projeções que indicam que o país terá superávit na conta corrente em dois anos. É pela demanda externa que o governo espera reanimar a economia.

Aos parlamentares com quem esteve ontem, Tombini explicou que, a despeito de toda a frustração com a economia brasileira, não há fuga de capitais porque o regime é de câmbio flutuante e o BC vem, nas operações de "swap", fornecendo proteção cambial. Expôs, também, o balanço das operações cambiais, indicando que, se perde em "swaps", o país ganha na valorização das reservas cambiais.

Segundo fontes oficiais, o Banco Central poderá fazer leilão de linhas em dólares no fim do ano, tal como fez nos últimos anos. Tem havido um comportamento padrão dos investidores que retiram recursos do país no último trimestre e retornam no primeiro trimestre do ano seguinte, provavelmente para fechar seus balanços menos expostos a mercados emergentes.

Pelo menos metade dos R$ 25 bilhões de depósitos compulsórios liberados em maio para os bancos expandirem o crédito está nos próprios bancos. Se o sistema financeiro não está com disposição de emprestar, os seus clientes também não estão com vontade de tomar crédito para consumir ou investir. Por essa razão, a proposta de Lula, de expandir o crédito de consumo para dinamizar a economia, não se sustenta.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

FAMÍLIA LULA PREFERE VIVER EM IMÓVEIS DE ‘AMIGOS’
Enrolada em acusações de corrupção, a família Lula da Silva mantém um suspeito hábito de morar em imóveis que não lhe pertencem, ao menos oficialmente. Assim como Lula nos tempos de sindicalistas vivia em uma casa supostamente de propriedade do compadre e advogado Roberto Teixeira, seu filho Luiz Cláudio da Silva há três anos reside em imóvel de uma empresa controlada pelo mesmo Teixeira. E Fabio Luiz, o “Lulinha”, escolheu viver em apartamento pago por um amigo.

O AMIGO GENEROSO
Lulinha optou por um apartamento na exclusiva região dos Jardins, em São Paulo, pago pelo amigo empresário Jonas Leite Suassuna Filho.

CARO ALUGUEL
Em 2010, o apartamento onde Lulinha morava, nos Jardins, tinha aluguel mensal fixado em R$ 12 mil mensais.

GANHOU UPGRADE
Lulinha foi para outro apartamento do mesmo Jonas, em Moema, cujos vizinhos pagam ao menos R$ 40 mil entre aluguel, condomínio e IPTU.

SUBIU DE VIDA
Quando Lula foi eleito em 2002, consta que Lulinha ganhava R$ 1.300 em um zoológico. Em 2010, já era sócio de ao menos seis empresas.

LULA RI DA DENÚNCIA CONTRA O FILHO E CONTA LOROTAS
Em encontro do Diretório Nacional do PT, ontem, em requisitado centro de convenções em Brasília, ex-presidente Lula riu das denúncias de corrupção envolvendo os filhos Lulinha e Luiz Cláudio, este enrolado na Operação Zelotes, culpou a oposição pela crise e sustentou que o mais importante é manter Dilma no poder. No evento, os petistas discutiram “saídas”, e se deliciaram com as mentiras do seu maior líder.

PARA ENROLAR PETISTAS
Lula usou dados falsos do FMI, da economia, da taxa de desemprego e até datas erradas de fundação de universidades na América Latina.

ELE SE ESCONDE
O ex-presidente chegou escondido ao evento, para evitar os repórteres, e foi embora do mesmo jeito. Mas não deixou de culpar a imprensa.

MACUNAÍMA
Lula diz que a imprensa esconde “conquistas” do PT. Mas, ao citá-las no discurso, exagerou nos números. E mentiu sem constrangimento.

PHOTO-OP
Tucanos se algemaram em frente ao Congresso, junto aos militantes da Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos, pró-impeachment de Dilma. Mas não ficaram nem 5 minutos acorrentados.

ENTRE TAPAS
O ministro Eduardo Braga se reuniu com Renan Calheiros após discussão com Ronaldo Caiado (DEM-GO), que o chamou de “bandido e safado”. Braga deve entrar com representação no Conselho de Ética.

PERNAS CURTAS
Lula acusou o governo FHC de sujeitar-se às vontades do Fundo Monetário Internacional, em 1999. Mas ele fez o mesmo no exato dia 15 de dezembro de 2003, quando aceitou submeter-se às duras regras do FMI para obter um crédito de R$ 16 bilhões.

FORNO FRIO
A CPI do BNDES caminha para recomendar a extinção do BNDESPar e dificultar a autorização de empréstimos internacionais. O presidente da comissão, Marcos Rotta (PMDB-AM), não acredita em “pizza”.

NÚMEROS AO VENTO
O ex-presidente Lula disse no encontro do Diretório Nacional do PT que só 30% das famílias têm máquinas de lavar roupas. Pura lorota. Segundo o IBGE, em 2010, 47,3% dos lares já as possuíam.

ISENÇÃO BEM BOLADA
Jeferson Monteiro, que criou o “Dilma Bolada”, recebia R$ 20 mil por mês para realizar seu trabalho para o PT e Dilma. Mas o publicitário se declarou “isento” na declaração de Imposto de Renda.


FISCALIZAÇÃO NO BNDES
O deputado Alexandre Baldy (PSDB-GO) apresentou projeto de lei que estabelece critérios mais rigorosos para concessão de crédito do BNDES a outros países. O banco é investigado em CPI da Câmara.

TESOURA AFIADA
Passou despercebido o depoimento do advogado Carlos Alberto, na CPI dos Fundos de Pensão, que confessou ter visto o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto negociando contratos da CSA com a Petrobras. O petista levou propina de R$ 3 milhões do contrato, segundo a PF.

COMO AVESTRUZ
Durante o evento do PT, ontem, o ex-presidente Lula recomendou aos cumpanheros petistas: “Não se preocupem com esses pobrema (sic)”.

quinta-feira, outubro 29, 2015

Custo Lula, custo Dilma - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 29/10

Foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou recessão, inflação alta e juros na lua



Tudo somado e subtraído, a presidente Dilma conseguiu abrir um buraco de R$ 230 bilhões em apenas cinco anos. Seu governo saiu de um superávit de R$ 128 bilhões em 2011 para um déficit efetivo em torno de R$ 100 bilhões neste ano. Gastou todo o saldo e mais quase o dobro. E para quê?

Para driblar a crise internacional e turbinar o crescimento — dizem a presidente e seu ex-ministro Guido Mantega.

Crescimento?

Em 2011, quando se fez o superávit primário de 128 bi, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu razoáveis 3,9%. Nos três anos seguintes, quando supostamente estaria sendo turbinada pelo gasto e crédito públicos, a economia minguou: expansão média de 1,5%, a menor entre os países emergentes mais importantes. E desabou neste ano para uma recessão em torno de 3%, no momento em que se realiza o maior déficit público da história.

Apesar do baixo crescimento, a inflação rodou sempre acima dos 6% ao ano, contra uma meta de 4,5%, e isso com preços importantes, como gasolina e energia elétrica, controlados e mantidos lá em baixo, na marra. Reajustados esses preços, porque estavam quebrando a Petrobras e o setor elétrico, a inflação disparou para os 10% deste ano, um número que reflete melhor a realidade.

Finalmente, a taxa básica de juros, reduzida artificialmente para 7,25% em 2012, também para turbinar o crescimento, serviu apenas para liberar mais inflação. Aí, o Banco Central saiu atrás e puxou os juros para os atuais 14,25% que, embora muito elevados, não conseguem mais conter uma inflação perigosamente indexada.

A gente tem de reconhecer: foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou ao mesmo tempo recessão, inflação alta e juros na lua. E o déficit público de R$ 100 bi.

O governo está confessando um rombo de R$ 52 bi. Mas, para isso, conta com uma receita de R$ 11 bi com a venda de concessões de hidrelétricas — um negócio que depende de uma MP ainda a ser votada pelo Congresso, que não está nem um pouco animado. Sem isso, o déficit já passa dos R$ 60 bi — e ainda é preciso somar as pedaladas, os R$ 40 bi que o governo federal deve ao BNDES, Banco do Brasil e à Caixa. Assim, o buraco efetivo passa fácil dos R$ 100 bi.

Claro que a recessão derruba as receitas do governo e ajuda no déficit. Mas houve também muita incompetência.

O governo prometeu vender ativos, de imóveis a pedaços de estatais, e não conseguiu. Disse que faria dinheiro com a privatização de um elenco de rodovias, portos e aeroportos. Não saiu uma sequer até agora. (Sabe como é, tem que preparar a papelada, montar projetos, muita trabalheira...).

O governo contou com dinheiro que depende de aprovação do Congresso (CPMF e repatriação), mas não mostrou a menor capacidade em operar as votações, mesmo tendo distribuído ministérios e cargos em estatais.

É o mesmo tipo de incompetência que derrubou a Petrobras. Quando Lula era presidente da República e Dilma presidente do Conselho de Administração da estatal, a empresa se meteu em projetos megalomaníacos, da exploração de poços do pré-sal, a refinarias, navios, sondas e plataformas de exploração.

O caso das refinarias Abreu e Lima e Comperj já é um exemplo mundial de má gestão, sem contar a corrupção. Menos conhecida é a história das sondas. O governo estimulou a criação de uma empresa, a Sete Brasil, para construir 28 sondas no Brasil. A empresa, com dinheiro da Petrobras, já gastou mais de R$ 28 bilhões e não entregou uma sonda sequer. E pior: sabe-se agora que a Petrobras, dada sua capacidade de produção, não precisava desses equipamentos.

Lula e Dilma empurraram a Petrobras para essa loucura. E para quê?

A produção de óleo da estatal é hoje praticamente a mesma de 2009. Foi de 2,1 milhões de barris/dia para 2,2 milhões. Nisso e nas refinarias, inacabadas e precisando de sócios para concluir a metade das obras, a Petrobras gastou cerca de US$ 260 bi! E gerou uma dívida bruta que chega hoje a US$ 134 bilhões.

Isso é custo Lula mais custo Dilma, consequência de erros de avaliação, má gestão e projetos mal feitos. No balanço do ano passado, a estatal aplicou uma baixa contábil de R$ 31 bilhões nos orçamentos das refinarias Abreu e Lima e Comperj, por “problemas no planejamento dos projetos”. E anunciou o cancelamento das refinarias do Maranhão e Ceará, que não saíram do chão, mas cujos projetos custaram R$ 2,7 bilhões. Eram inviáveis, disse a empresa.

Só isso de explicação?

É, só isso.

A corrupção é avassaladora, mas capaz de perder para a ineficiência.

"Esses lixeiros da imprensa" - EUGÊNIO BUCCI

ESTADÃO - 29/10

“É de mencionar, por exemplo, a circunstância de frequentar os salões dos poderosos da Terra, aparentemente em pé de igualdade, vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses ‘lixeiros da imprensa’”

Max Weber, em A Política como Vocação

O eclipse da razão se aprofunda. A conjuntura nacional vive dias de breu e de loucura. Os discursos se embaralham uns aos outros, como numa peça teatral em surto, com os vilões tomando para si as falas dos mocinhos e vice-versa. Em meio a tantas confusões, a mais espantosa é a aliança discursiva entre os donos de riquezas privadas acumuladas graças ao Estado e os militantes de esquerda que um dia sonharam em acabar com o capital.

De repente, os porta-vozes de empreiteiras mastodônticas viraram adeptos domedia criticism. Já em julho, advogados dessas empreiteiras que adoram o capital, mas detestam o regime de concorrência de mercado, começaram a acusar as investigações da Lava Jato de serem um reality show. De terno e gravata, aderiram às teses de Noam Chomsky, com pitadas conceituais da Escola de Frankfurt. Foi assim que a mais anticapitalista das teorias da comunicação veio prestar socorro às causas de empresas cuja mentalidade anticomunista é mais atrasada que o latifúndio.

E aqui estamos nós. As denúncias de “manipulações” dos meios de comunicação viraram lugar-comum na argumentação das empreiteiras, numa estridente troca de sinal. Os bilionários convertidos ao media criticism lançam mão do mesmíssimo palavreado adotado pelo leninismo degradado em stalinismo e, mais presentemente, em chavismo histriônico. As fabulações de “campanhas difamatórias para derrubar o governo”, de “orquestrações midiáticas para destruir um projeto” e de “complô moralista para desestabilizar as instituições” aparecem tanto nas alegações processuais do capital anticoncorrencial (que quer ficar eternamente no paraíso da acumulação primitiva) como nas perorações fundamentalistas dos que cultuam um bolchevismo que nunca existiu (e nunca quis ser o que seus sacerdotes tardios imaginam que foi). Os herdeiros do patrimonialismo pátrio se aliaram aos herdeiros de uma concepção idealizada da ditadura do proletariado.

É, pois, o caso de perguntarmos: mas o que é que uns e outros têm em comum, afinal? Aparentemente, nada. São antagônicos em suas linhagens históricas. Enquanto uns guardam montanhas de dinheiro, montanhas ainda maiores do que as barragens das hidrelétricas que foram contratados (pelo Estado) para construir, os outros guardam montanhas de pretensões teóricas e se reivindicam seguidores de uma tradição de combate ao capitalismo. Uns e outros são antípodas. Não obstante, estão juntos. Cerram fileiras no discurso. Falam as mesmas frases. Pois bem: por que isso? Se são uns o oposto dos outros, por que se aliaram? Será que os ameaça um inimigo comum? Será que pelo menos isso eles têm em comum, um inimigo?

Parece que sim. A julgar pelo que uns e outros andam dizendo, o inimigo que ambos atacam em parceria é essa entidade que eles preferem chamar de “mídia”. Vejamos, então, as razões por que uns e outros veem a “mídia” como inimiga. Bem sabemos que as razões estão todas eclipsadas, mas, ainda assim, poderemos detectá-las ao longe, mesmo que elas insistam em permanecer invisíveis.

Busquemos as razões. Que “mídia” é essa que eles combatem com tanto fervor reacionário (no caso de uns) ou “revolucionário” (no caso de outros)? Certamente o problema de uns e outros não é a “mídia” em geral. O problema não está nas telenovelas, na indústria de videogames, no mercado fonográfico, nas redes sociais, nos programas de auditório, na publicidade, nos sites eróticos, nos blogs católicos, nada disso. O que os apavora não é a “mídia” em geral, mas a imprensa, só a imprensa. Eles combatem a prática do jornalismo, embora não ousem dizer esse nome. Não pegaria bem.

E por que detestam o jornalismo a esse ponto? A resposta agora é mais fácil: detestam porque o jornalismo vive de expor o que uns e outros gostariam de esconder (ou precisam, desesperadamente, esconder). Uns e outros, claro, dissimulam seus ataques. Não falam contra as qualidades do jornalismo. Seria contraproducente. Em sua estratégia de marketing político, atacam o jornalismo por seus defeitos (e o que não falta é defeito no jornalismo). Dizem que a “mídia” é sensacionalista – e muitas vezes é. Dizem que os “vazamentos” são “seletivos” – e são mesmo. O que os enfurece, porém, não são esses defeitos (dos quais já se valeram inúmeras vezes), pois o que uns e outros não suportam não são os defeitos, mas as virtudes da imprensa: a sua vocação compulsiva de revelar segredos de interesse público.

Nesse ponto, resulta bastante óbvio que uns e outros, contra todas as aparências, têm algo em comum além do inimigo comum: eles são o poder. Uns sempre foram o poder econômico, outros se alçaram ao poder político. E porque são o poder têm outra coisa em comum: os segredos. Há que guardá-los muito bem guardados (na Suíça, talvez). Para guardar os segredos de que são sócios, uns e outros, “os poderosos” desta terra adulam os jornalistas, que convidam para jantar em seus salões. Depois, a sós, se comprazem em xingar os repórteres de “lixeiros”.

Uns aprenderam a falar na língua dos teóricos de esquerda. Outros aprenderam a usufruir a fortuna da direita. Juntos, dizem que o maior demônio do Brasil é a imprensa, quer dizer, “a mídia”. Não aturam ver seu próprio lixo revolvido pelo jornalismo. Para continuar com seus negócios, dependem das trevas e do eclipse da razão. A imprensa, por mais defeituosa que seja, só vive na luz.

* EUGÊNIO BUCCI É JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

Proposta indecente - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/10

É sintomático que alguém tenha proposto uma mudança no projeto de repatriação de recursos anistiando doleiros, sonegadores e o caixa dois. Ela foi formatada como um terno sob medida para os investigados pela operação Lava-Jato e cabe direitinho em todos que têm dinheiro na Suíça e não sabem dizer a origem dos recursos, ou sequer admitem a existência das contas.

Como disse o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), a proposta é inconstitucional. E imoral. Se aprovada, a anistia pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal. As críticas foram tão fortes que a Câmara adiou a votação para terça-feira. Mas todo o cuidado é pouco. Quem fez a proposta não entendeu o momento que o país está vivendo, de repúdio à corrupção, de fortalecimento das instituições que combatem o crime de lavagem de dinheiro e corrupção. Como é mesmo que surgiu um absurdo destes numa hora dessas?

O deputado Manoel Junior (PMDB-PB), no seu relatório, tirou a proteção que havia sido colocada no projeto do governo e incluiu explícitas possibilidades de anistia de dinheiro de origem escusa. O deputado é o mesmo que foi cotado para ministro da Saúde na reforma ministerial, e só no último momento a presidente decidiu não nomeá-lo.

A ideia do projeto foi levantada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele tentou evitar que a regra fosse usada como veículo para limpeza de dinheiro sujo e foi ouvir especialistas para incluir cláusulas de proteção.

- O meu projeto, o 298 de 2015, foi escrito após ouvir tributaristas como Heleno Torres. A preocupação era como trazer recursos para o país sem legalizar dinheiro sujo. Eu incluí, portanto, dois dispositivos de proteção contra recursos ilícitos e a obrigação de que quem estivesse internalizando o dinheiro fizesse uma declaração junto ao Ministério Público sobre a origem legal do recurso - disse o senador.

O governo, por exigência da Câmara, decidiu apresentar o projeto como de iniciativa do Executivo. E estabeleceu as mesmas travas de proteção. Consultou o 
Ministério Público e ouviu a OCDE, que idealizou o projeto em 49 países, para evitar que virasse uma lavanderia. Mas cometeu o erro de ceder a quem não devia:

- O deputado Eduardo Cunha exigiu que o projeto fosse enviado primeiro para a Câmara. Assim ele não poderia ser alterado no Senado, do contrário volta à Câmara para a palavra final. O governo concordou. Agora se entende sua insistência -, diz o senador.

O relatório ao Projeto de Lei 2.960, do deputado Manoel Junior, contendo as perigosas alterações, foi considerado, na área econômica, uma porta aberta aos crimes que têm sido investigados. Os maiores colaboradores da Justiça têm sido os doleiros e eles seriam beneficiados com as medidas propostas.

- A presidência da Câmara prometeu ao Planalto adotar o texto do Senado, quando exigiu que ele se tornasse um projeto do Executivo. Mas só permaneceu o nome do programa. O resto foi desfigurado -, disse um técnico do governo.

A ideia da área econômica era trazer os recursos para financiar a reforma do ICMS. Só seria permitido que quem tinha enviado recursos ao exterior sem declarar à Receita pudesse trazer o dinheiro de volta pagando um imposto e uma multa. A soma dos dois ficaria no mesmo percentual da alíquota imaginada no projeto do senador Randolfe: 35%.

A grande questão não é nem a tramitação do projeto, porque sempre haveria a possibilidade de ser vetado - ainda que seja curioso o veto a um projeto do próprio governo. Mas a dúvida mesmo é como uma alteração indecorosa dessas pode ser feita a esta altura dos processos de investigação de crimes financeiros em várias operações, principalmente na Lava-Jato?

Qual parte o deputado e seu óbvio inspirador não entenderam do momento que o Brasil está vivendo? A desfaçatez tem limites e neste caso foram ultrapassados. A ideia é proteger o país do dinheiro sujo e trazer recursos que possam contribuir para o desenvolvimento do país em momento de financiamento escasso e arrecadação em queda. O Brasil não quer ter esses recursos ao preço de anistiar crimes contra os quais está lutando. Da ideia original, nada ficou. O espanto é a cara de pau de quem incluiu as mudanças.


Mil faces de Lula - DORA KRAMER

ESTADÃO - 29/10

Acuado, ex-presidente se faz de vítima e joga em Dilma a pecha de 'desleal' O ex-presidente Luiz Inácio da Silva é um bom ator. Bem melhor que político, conforme demonstrado pelo erro de avaliação na escolha de Dilma Rousseff para o papel de criatura que seria capaz de suceder-lhe e garantir, mediante o espetáculo da competência, permanência longa para o PT no poder.

No ofício da atuação é um personagem de mil caras. Uma para cada ocasião. Pode ser o fortão que a todos enfrenta porque com ele ninguém pode, como pode ser o fraquinho a quem a elite tenta permanentemente derrubar por sua origem e identificação com os oprimidos.

Entre os papéis que costuma desempenhar, o preferido para os momentos de dificuldade é o de vítima. Não por acaso nem de modo surpreendente faz agora essa performance, nesta hora em que as circunstâncias nunca lhe foram tão desfavoráveis: alvo de investigação do Ministério Público por tráfico de influência, pai do dono de empresas revistadas pela Polícia Federal, amigo de um empresário apontado por um "delator premiado" como receptor de propina destinada a cobrir despesas de uma de suas quatro noras.

Afora isso, as más notícias alcançam também o patrimônio político eleitoral de Lula, até pouco tempo atrás sua principal e mais forte cidadela. A última pesquisa da Confederação Nacional de Transportes (CNT) aponta e atesta a decadência. Confirma números anteriores segundo os quais Lula já não é um ativo eleitoral.

Hoje, numa eleição, perderia de lavada para o tucano Aécio Neves (32% a 21%) e em eventual disputa de segundo turno seria derrotado também por Geraldo Alckmin e José Serra, políticos do PSDB que em outros tempos derrotou. Para quem já foi considerado pelo adversário (Serra) em plena campanha como uma pessoa "acima do bem e do mal" a situação é periclitante, convenhamos.

Lula não tem capital para si nem para emprestar ao PT ou à presidente Dilma Rousseff. Nesta condição quase que extrema (ou próxima disso), o ex-presidente faz o que sabe: tenta jogar a culpa no alheio. E a eleita, desta vez, é a presidente Dilma Rousseff em quem seu criador tenta imprimir a pecha de "desleal" ao deixar que prosperem versões de que atribui a ela a responsabilidade sobre o avanço das investigações em direção a ele, família e amigos.

Oficialmente o Instituto Lula desmente. Muito cômodo. Extraoficialmente todos os jornais publicam a conveniente versão disseminada por "amigos" e "interlocutores" de que o ex-presidente se sente "traído" pela sucessora que, segundo ele, não foi capaz de interromper investigações que o atingissem e à sua família.

Transferir a culpa para Dilma é uma tentativa. De difícil execução, dada a dificuldade de se obter resultado, diante da posição extremamente difícil em que se encontra a presidente. Mas o problema maior para Lula é a credibilidade. Ele já não tem aquela da qual desfrutou. E esta, no presente, não conseguiu conquistar quem no futuro poderia ter junto de si.

Em suma, Lula procura se desvincular de Dilma, acusando a presidente de ser desleal pelo fato de não atuar para impedir investigações. Isso quer dizer que, por experiência própria, ele considera não apenas possível como factível a indevida interferência nos processos legais.

Com isso, confirma que em seu governo interferiu indevidamente. E, por linhas tortas, confessa que prevaricou. Indignado está pelo fato de outrem não prevaricar em seu nome para salvá-lo de evidências que o aproximam do confronto com a verdade.

Não há sentido de urgência - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 29/10

A situação econômica é mais do que grave. O PIB mergulha a mais de 3,0% neste ano e começam a aparecer projeções de números próximos desse também para o desempenho da atividade econômica em 2016.

A inflação vai para os dois dígitos (para acima de 9,9% em 12 meses). Se for verdade que o País já vive uma situação de dominância fiscal, em que os juros operam como cerveja choca sobre a inflação, é enorme a probabilidade de que sobrevenha uma corrida ao dólar.

A indústria está prostrada, incapaz de reação, e o desemprego, hoje nos 7,6%, tende também a chegar aos dois dígitos.

A administração fiscal é um pandemônio. Ninguém no governo consegue apresentar um número coerente para o rombo. E, se não há acordo nem sequer para o tamanho do problema, menos ainda há para uma solução.

O ajuste fiscal, por exemplo, o mesmo que foi proposto para um déficit mais baixo, está emperrado. Aí aparecem aqueles escapismos em que só os tolos acreditam: que tudo isso é resultado da crise global ou da prolongada estiagem e não de erros de política econômica; e que o Brasil não é a única economia do mundo apanhada pela derrubada dos preços internacionais das commodities e pela redução das encomendas externas. Enfim, quem atribui tudo a uma espécie de inferno zodiacal, cujas forças ninguém controla, acaba por eximir o governo de responsabilidades sobre tudo o que de errado aí está.

Pior, ainda, o emperramento do ajuste não consegue despertar sentido de urgência. Se não há percepção de catástrofe, não há nem mesmo porque chamar os bombeiros. Somos bonzos a caminho da imolação, com a desvantagem de que a serenidade aparente não passa de fruto da inconsciência.

O ajuste de contas parece distante, mas também vai se aproximando. O primeiro deles está agendado para outubro de 2016. Já há uma alentada debandada de políticos do PT, especialmente de prefeitos, para outros partidos, porque não será possível eleger os candidatos apoiados pelo governo quando tanta encrenca segue não equacionada, principalmente quando a inflação e o desemprego não param de comer renda do consumidor que, por coincidência, é também eleitor.

Desse ponto de vista, um dos maiores interessados em que a presidente Dilma deixe a Presidência da República tende a ser o PT. Isso pode explicar por que cada vez mais gente dentro do partido vem trabalhando na oposição.

São os mesmos que combatem descaradamente o ajuste fiscal e exigem que a presidente Dilma dê novo cavalo de pau na economia. Pregam a derrubada dos juros na marra e a expansão irrestrita das despesas públicas, pouco se importando para onde vai a inflação, a falta de confiança e a fuga de capitais. Também pedem a demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por seu suposto apego à ortodoxia, e a do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por ser incapaz de controlaras ações do Ministério Público e da Polícia Federal. Imaginam que tudo isso seja resultado de uma conspiração com o objetivo de inviabilizar o projeto político do PT e do ex-presidente Lula.

De resto, ninguém mais ousa fazer apostas firmes. Não há certeza de como seguirá a deterioração da economia nem como serão desfeitos os enormes enroscos da política.


Mal das pernas 

A melhora do faturamento em setembro em relação a agosto (mais 2,1%, já descontada a inflação) é mais efeito da alta do dólar do que do aumento da demanda. É que até mesmo os produtos fabricados no Brasil tem forte conteúdo de peças e componentes importados. 0 setor continua mal das pernas: queda de 7,8% no período de 12 meses terminado em setembro.

O papo furado do PT - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 29/10

SÃO PAULO - O PT reagiu às investigações sobre o filho de Lula com os mesmos argumentos que usa sistematicamente desde o mensalão: é perseguição política, é preconceito da elite contra o retirante que ousou governar o Brasil, é o império do ódio, querem destruir o partido, temem que ele volte etc.

Mas quem assinou a decisão que autorizou a operação da Polícia Federal? Quem escreveu "tem razão o Ministério Público Federal ao afirmar ser muito suspeito uma empresa de marketing esportivo receber valor tão expressivo de uma empresa especializada em manter contatos com a administração pública"?

A culpada por tal "heresia" é uma juíza que, para azar do PT e o seu discurso da vitimização, tem afinidades ideológicas com a esquerda.

Célia Regina Ody Bernardes assinou em 2012 manifesto em favor da instalação da Comissão da Verdade, criada por Dilma Rousseff. No texto, a juíza defendeu, inclusive, a "determinação judicial de responsabilidades", a despeito da Lei da Anistia.

Em 2014, a juíza também apoiou decreto da presidente Dilma que regulamentou o funcionamento dos conselhos populares na administração pública, chamados de "bolivarianos" pela oposição. Para a magistrada, o decreto aprofundava "as práticas democráticas".

A juíza também subscreveu declaração pública rechaçando a "exploração política" da morte do cinegrafista Santiago de Andrade (atingido por black blocs em protesto no Rio), defendeu a desmilitarização das polícias e protestou contra projeto que previa a redução da maioridade penal –seu nome, neste último texto, aliás, aparece ao lado do de Rui Falcão, o presidente do PT.

É possível que a juíza esteja equivocada ao desconfiar das transações do filho do ex-presidente Lula, que tudo não passe de um grande engano e que ele seja o homem mais honesto da face da terra.

Só não dá para dizer que o PT é vítima de um complô da direita.

Destruição pelo voto - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 29/10

O primeiro artigo em que tratei do impeachment foi publicado nesta mesma página em 28 de fevereiro. Tentei examinar, com objetividade, os obstáculos jurídicos e políticos com que se defrontariam os adeptos da deposição da presidente Dilma Rousseff. Aproxima-se o fim do ano e a situação permanece praticamente inalterada, não obstante o agravamento da crise e os consideráveis progressos obtidos pela Operação Lava Jato.

Reconheço e valorizo os esforços desenvolvidos pelo juiz Sergio Moro na condução das ações criminais. Grandes empresários estão detidos, outros cumprem prisão domiciliar. O arrogante ex-tesoureiro do PT e arrecadador de fundos da campanha presidencial, João Vaccari Neto, permanece encarcerado. Faz dobradinha com José Dirceu, outrora poderoso ministro de Estado e provável sucessor da presidente Dilma, se o “projeto criminoso de poder”, como foi qualificado em julgamento do Supremo Tribunal Federal, não fosse abortado pela Polícia Federal.

Nada, porém, parece abalar os alicerces do Palácio do Planalto. As últimas manifestações ruidosas da presidente da República nos mostram Dilma Rousseff audaciosa, ao lado do ex-presidente Lula, como se estivesse segura da situação.

No regime democrático, antecipar a remoção de alguém investido de mandato popular não é tarefa simples. Exige liderança, coragem, determinação e, sobretudo, força. Para começar, a presidente Dilma tem como aliado o fator tempo. Sabendo administrá-lo, chegará ao final do ano. Em 20 de dezembro, isto é, dentro de poucos dias úteis (se considerarmos que senadores e deputados folgam às segundas e sextas-feiras), o Legislativo entrará em recesso. Não creio que, em nome de duvidoso impeachment, senadores e deputados abram mão do Natal, do ano-novo, de viagens para exterior ou para as respectivas bases.

De acordo com usos e costumes, o País oficial voltará ao trabalho após o carnaval. Talvez depois da Semana Santa. A essa altura estaremos na antevéspera de campanhas preparatórias de eleições para prefeito e vereador em 27 capitais e outros 5.543 municípios. Os partidos oposicionistas estarão dispostos a estimular clima de maior incerteza, capaz de comprometer o calendário eleitoral, no qual têm profundo interesse?

Dilma Rousseff é má administradora e desprovida de talento para a delicada tarefa de articulação política. Em condições normais não teria sido subprefeita de Pelotas. Não aprendeu a escolher ministros. Vejam-se as nomeações para a Educação, a Saúde e o Trabalho, pastas de excepcional importância entregues às mãos de despreparados. Apesar de tudo, conta com respaldo constitucional. Do fato de a Constituição prever o impeachment não se segue que poderá ser aplicado sem o respeito às normas que regem o devido processo legal e garantem ao acusado pleno direito de defesa, sob pena de se converter em golpe, como declara o Supremo.

Impeachment é medida extrema. Do outro lado da medalha temos os estados de defesa e de sítio. Ambos integram o Título V da Constituição (artigos 136/141). O impeachment é instrumento que serve à oposição, estado de defesa e de sítio pertencem à iniciativa do presidente da República. Destinam-se, de maneira sucinta, ao restabelecimento da ordem pública ou da paz social, “ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional”.

Como interpretar a mensagem do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, dirigida a 2 mil oficiais da reserva, em que cita o artigo 142 da Constituição, no qual estão descritas as competências das Forças Armadas? Prescreve o dispositivo que, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Segundo o comandante do Exército, a situação reinante “poderá se transformar numa crise social com efeitos negativos sobre a estabilidade”. Nesse contexto, afirma o militar, o problema “passa a nos dizer respeito diretamente”.

Os princípios de hierarquia e disciplina põem as Forças Armadas sob a autoridade suprema da presidente da República. Não obstante, para a preservação da lei e da ordem poderão elas ser convocadas a intervir por iniciativa dos demais Poderes, a saber, o Legislativo e o Judiciário.

O impeachment se cerca de riscos semelhantes àqueles enfrentados pela decretação do estado de defesa ou do estado de sítio. Nas três situações é impossível prever a reação social, econômica e das Forças Armadas. Não tenho dúvida de que os militares respeitariam a Constituição. Pergunto, entretanto: ao lado de quem?

Durante o atribulado período do seu governo, em 4 de outubro de1963 João Goulart buscou apoio do Congresso para a decretação do estado de sítio. Registra a História que pretendia intervir em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, cujos governadores tinha como inimigos. Assustado diante das primeiras reações, de pronto recuou. Passados seis meses foi deposto – e se refugiou no Uruguai.

Não é necessário repetir que o governo Dilma, apesar de eleito diretamente, perdeu toda autoridade moral e se sustenta precariamente. Mergulhado em escândalos, não dispõe de apoio para adotar medidas capazes de tirar o Brasil do pestilento lodaçal a que foi arrastado pelo PT.

O afastamento de Dilma, entretanto, colocará o PT no confortável papel de oposição, livre dos problemas que criou. O caminho para o enterro do lulopetismo deve ser trilhado de acordo com as regras democráticas. Pertence ao povo a tarefa de destruí-lo em 2016 e 2018, com a força inquestionável do voto.

Reinventando o BNDES - SÉRGIO LAZZARINI

O Estado de São Paulo 29/10

As investigações em curso envolvendo o BNDES tentam achar evidências de irregularidades nos empréstimos e investimentos do banco. Muitos esperam encontrar provas de que figuras de peso no cenário político tenham intermediado transações em prol de certas empresas e países. Mas esse movimento acaba deixando de lado um debate mais profundo: o banco tem sido efetivo na sua missão primordial de desenvolver o País?

Uma simples inspeção dos dados agregados mostra que, enquanto o crédito do BNDES saltou de 5% para 11,5% do PIB de 2000 para cá, a taxa de investimento na economia pouco mudou do patamar de 16%. Diversos estudos, incluindo de técnicos do próprio banco, mostram que em anos recentes o crédito do BNDES teve efeito limitado, se não nulo, sobre a produtividade e o investimento das firmas.

Para ser justo ao governo, algumas medidas na direção correta já foram implementadas. A Fazenda já sinalizou uma redução nas transferências do Tesouro para o banco. Novas linhas de crédito para infraestrutura passaram também a limitar o uso de taxas subsidiadas e a estimular a adoção de instrumentos privados de empréstimo. Após o STF derrubar o sigilo dos empréstimos, o BNDES começou a divulgar informações um pouco mais detalhadas sobre os contratos. Mas ainda é preciso ir muito além.

A primeira importante medida é condicionar os empréstimos – e, especialmente, os subsídios – ao potencial impacto dos projetos. Como agente público, as alocações do banco devem trazer ganhos de produtividade e melhorias socioambientais além do que o mercado privado estaria disposto a fazer. Embora o BNDES tenha recentemente sinalizado interesse em investir em fundos conciliando retorno e impacto social, o banco como um todo, nas suas diversas atividades, deveria ser um investidor de impacto por excelência. Repasses deveriam ser condicionados a metas claras de impacto, e a sua continuidade condicionada a uma avaliação posterior atestando se o tomador alcançou ou não essas metas.

A segunda grande medida deve ser a mudança gradual do foco do banco de emprestador para garantidor. Várias instituições de desenvolvimento no mundo saíram do negócio de empréstimo direto. Em vez de emprestar, elas cobrem parte do risco de crédito do empreendedor, que então pode se financiar mais facilmente com outros bancos. Além de evitar uma estrutura pesada de repasses, a atuação como garantidor permite complementar, em vez de substituir, o mercado financeiro privado. Apesar de o BNDES já ter um fundo nessa linha para empresas de menor porte, o volume ainda é baixo. E, no caso de empréstimos mais complexos, é o próprio banco que coloca exigências tão estritas que acabam inibindo a participação de novas empresas. Especificamente em projetos de infraestrutura, o banco deveria atuar como facilitador de garantias em fase pré-operacional, isso é, antes de o projeto estar de pé e com receitas.

O negócio de investimentos, via BNDESPAR, também deve ser reinventado. Num estudo com Claudia Bruschi, analisamos a carteira de ações do BNDESPAR de dezembro de 2013 a junho de 2015. Nesse período, o mercado como um todo recuou 12,9%, segundo o Ibovespa. Mas o valor da carteira do banco despencou ainda mais: 16,6%. Num momento de crise fiscal, permanecer com investimentos de retorno negativo é mais que desperdício de recursos. Além disso, a carteira é concentrada em grandes empresas, muitas delas estatais. O BNDESPAR deveria progressivamente reduzir o tamanho da sua carteira e reciclar seus investimentos em prol de empreendimentos de maior impacto e real necessidade de capital. Deveria, ainda, estabelecer claros critérios de saída dos investimentos, evitando perpetuá-los em firmas que poderiam andar com as próprias pernas.

Um BNDES reinventado nessas três principais direções, com mais foco e critério, mostraria que é possível fazer muito mais com menos.


O Enem ideológico - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 29/10

Prova aplicada no fim de semana passado tinha desequilíbrio no elenco de autores citados e propôs questões claramente enviesadas


Já se tornou hábito, ano após ano, a busca por indícios de viés ideológico no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Não se trata de paranoia: não são poucas as questões de exames anteriores que pareciam feitas para induzir os alunos a oferecer respostas de acordo com certa ideologia para conseguir melhores notas. Neste ano não foi diferente: logo no primeiro dia de exame, no sábado passado, várias questões foram apontadas como enviesadas, e a polêmica cresceu no domingo, com o assunto escolhido para a redação.

As críticas ao tema da redação, no entanto, nos parecem um tanto exageradas. Não há motivo para que a violência contra a mulher não fosse abordada na redação de uma prova como o Enem, ainda mais à luz dos números apresentados como subsídio para a atividade. No entanto, pode haver margem para manipulação ideológica dependendo dos critérios de correção adotados. Supondo o caso de dois estudantes que demonstrem igual domínio do idioma e capacidade de argumentação, seria totalmente impróprio dar nota maior àquele que compusesse seu texto adotando as chaves marxistas de “opressor/oprimido”, culpando a “sociedade patriarcal” pela violência contra a mulher, e uma nota menor ao candidato que enfatizasse a responsabilidade individual do agressor e criticasse a objetificação da mulher promovida por determinadas manifestações culturais contemporâneas que um certo multiculturalismo obriga a aceitar como legítimas. Mas isso é algo que independe do tema em si proposto para a redação: depende das disposições dos corretores e daqueles que orientam seu trabalho, e o resultado só tem como ser avaliado a posteriori, após cada estudante conhecer sua nota no exame.

É olhando os cadernos de questões objetivas que se encontram sinais mais preocupantes. Uma pergunta sobre o movimento feminista nos anos 60 traz consigo uma citação de Simone de Beauvoir que pode ser interpretada como defesa explícita das teorias de gênero rejeitadas por Legislativos em todo o país, nos três níveis, mas que o MEC insiste em promover. Um texto do geógrafo de esquerda Milton Santos é usado como base para uma questão cuja resposta considerada correta leva o estudante a concluir que uma consequência da “globalização perversa” é o “aumento dos níveis de desemprego”. Os movimentos sociais são exaltados em uma questão que usa como base um texto de Maria da Glória Gohn, entusiasta do MST e que, nos protestos de 2013, afirmou que os vândalos black blocs representavam a “resistência”. Uma citação de Slavoj Zizek, um dos novos teóricos da “violência revolucionária”, é usada para igualar a ação militar norte-americana no Afeganistão ao terrorismo dos extremistas islâmicos. A crise econômica brasileira atual é ignorada, mas a crise mundial de 2008 – aquela que está na raiz de todos os nossos problemas, a julgar pelo que diz a presidente Dilma Rousseff – é mencionada em uma questão. O mercado e o capitalismo são apontados como causa de uma “polarização da sociedade chinesa” e descritos com viés negativo em uma das questões. Outra citação defende que não havia distinção nenhuma entre a arte produzida pelos europeus e a arte dos povos do Novo Mundo.

Todas essas são manifestações de um pensamento de esquerda, sem falar da desproporcionalidade verificada quando se analisa todos os autores e publicações usados na prova de “ciências humanas e suas tecnologias”. Não se questiona a presença desses autores no exame; o ideal é que o conjunto das questões ofereça ao candidato uma visão abrangente das ideologias mais expressivas no mundo atual. O problema aparece quando os representantes de uma ideologia específica são citados com muito mais frequência que os demais. Os poucos autores clássicos ou liberais citados no Enem 2015, como David Hume ou Tomás de Aquino, foram soterrados por uma profusão de autores como Slavoj Zizek, Milton Santos, Simone de Beauvoir ou Paulo Freire.

O conjunto dos elaboradores de provas como o Enem é um microcosmo do mundo da educação nacional. A maneira definitiva de despir completamente o Enem de um viés ideológico de esquerda seria alterar a composição de forças entre os educadores – uma tarefa ingrata, já que o socialismo de matriz gramsciana vê a educação como uma fortaleza que se deve manter a todo custo na construção da hegemonia política. Mas, enquanto o equilíbrio não se concretiza, é fundamental a vigilância de pais, alunos e da sociedade como um todo, denunciando os excessos e lutando por uma educação que não seja mero veículo para a doutrinação ideológica.

Um governo perdido - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 29/10

Mais um recorde foi batido pela presidente Dilma Rousseff, além da recessão mais longa do pós-guerra e do maior desajuste acumulado nas contas públicas na vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao desastre econômico do primeiro mandato ela conseguiu adicionar o fiasco de 2015, ano inicial de seu segundo período. Para ganhar alguma popularidade, ela poderia, talvez, instituir um prêmio para quem adivinhar o tamanho do buraco nas contas federais neste ano. Para premiar o vencedor, no entanto, o governo teria de saber a resposta. Por enquanto, esse número parece uma incógnita para a equipe econômica. Pode ser qualquer valor entre R$ 51,8 bilhões e R$ 103 bilhões, se for considerado apenas o déficit primário, isto é, o resultado sem a conta de juros. Como Estados e municípios podem fechar o ano com um superávit de R$ 2,9 bilhões, o déficit primário do setor público, na melhor hipótese, poderá ficar em R$ 48,9 bilhões.

Esses números foram indicados em mensagem sobre a nova meta fiscal enviada ao Congresso na quarta-feira. A palavra meta, sinônimo de objetivo ou alvo, parece um tanto imprópria nesse contexto. Os autores desse documento deveriam abster-se, em benefício da segurança pública, de participar de qualquer competição de pontaria com arma de fogo ou com arco e flecha. Mas a pontaria parece até uma questão menor, quando se examinam as causas da incerteza.

Para alcançar o melhor resultado – o déficit de R$ 51,8 bilhões nas contas federais –, o governo terá de obter, em primeiro lugar, R$ 11 bilhões com a licitação de 29 hidrelétricas. A outorga poderá render outros R$ 6 bilhões em 2016. Mas esse leilão já foi adiado de 30 de outubro para 6 de novembro e em seguida para o dia 25. O novo adiamento foi publicado na quarta-feira no Diário Oficial da União. É no mínimo imprudente incluir essa receita na estimativa do resultado fiscal.

Em segundo lugar, o déficit só ficará na casa dos R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões se o Tesouro for dispensado de liquidar neste ano qualquer parcela das pedaladas de 2014 – o dinheiro devido a bancos estatais por atraso em repasses. Na pior hipótese, a de liquidação total neste ano, será preciso somar R$ 40 bilhões ao déficit.

Mais que um problema de contas públicas, essa enorme insegurança mostra – mais precisamente, confirma – um governo sem rumo e sem liderança, incapaz de oferecer qualquer informação razoavelmente segura sobre sua política nos próximos 12 meses.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continua falando sobre o ajuste das contas públicas como condição indispensável para a estabilização da economia e, em seguida, para a retomada do crescimento. Continua, também, falando sobre a necessidade de amplas mudanças, como a simplificação de regras para os investimentos e maior integração do País no mercado global. Para isso seria preciso renegar o intervencionismo petista (obviamente vinculado à apropriação do Estado) e a diplomacia terceiro-mundista.

Não se sabe sequer se a presidente Dilma Rousseff percebe o alcance e a importância dessas mudanças. Suas decisões, até agora, apenas confirmaram a fidelidade à orientação implantada pelo antecessor, incluída a subordinação aos interesses bolivarianos.

Mas a desorientação do governo preocupa também por outros motivos. A equipe econômica tomou ou tentou tomar poucas medidas para a correção efetiva das contas, como a redução das transferências para os bancos estatais. Mas a maior parte do chamado programa de ajuste é simplesmente um esforço para fechar as contas. Receitas obtidas com leilões de infraestrutura são apenas um remédio temporário. Nada corrigem. A pretendida reativação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) também servirá só para alimentar o Tesouro, sem mudar a gestão orçamentária. Pior que isso: aumentará as distorções, pela baixa qualidade do tributo. Não se resolvem grandes problemas com meros expedientes. Mas o governo se mostrou, até agora, incapaz até de concretizar esses quebra-galhos.