domingo, setembro 14, 2014

Direito ao delírio - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 14/09


Não se trata de realismo mágico, mas sim de um delírio defensivo, maneira provisória de enfrentar o real



No passado tratei de vários temas polêmicos que hoje aparecem até nas campanhas presidenciais. Um deles, entretanto, jamais consegui defender com clareza: o direito ao delírio. Ninguém levou muito a sério, acabei desistindo. O delírio para mim não é alucinação. As visões ou vozes na alucinação não existem na realidade. Oliver Sachs descartou a tese corrente de que expressam loucura. Ele mostrou que algumas visões alucinatórias são uma reação do cérebro à falta de estímulo. Acontecem mais em cegos e pessoas perdendo a visão.

O delírio embaralha uma realidade, extrai conclusões fantásticas dos fatos que estão diante de nós. Ele nos liberta diante de um bloco de governo que nos assalta, sugando recursos de uma empresa nacional.

Não se trata de realismo mágico, gênero que os grandes romancistas recriaram em seus países. Mas sim de um delírio defensivo, maneira provisória de enfrentar o real. Nada me impede de ver uma onda gigante de óleo varrendo o Congresso, inundando os caracóis do cabelo de Renan Calheiros, tingindo de preto os do ministro Lobão. Uma onda varrendo gente abraçada na bandeira do Brasil, gritando “o petróleo é nosso”. Na realidade, o petróleo é deles, muito mais deles que nosso. Você pode escolher o caminho racional, dissertar sobre o respeito aos bens públicos, mas acredita mesmo que os argumentos os impressionam?

No meu delírio, vejo Dilma como uma replicante. Em “Blade Runner”, os replicantes se revelavam em pequenos gestos mecânicos, buscando o cigarro na boca com o isqueiro. Dilma se revela, no meu delírio, quando começa a falar. Quando diz “no que se refere” tenho a sensação nítida de que apertaram a tecla play.

No meu delírio vejo o general Horta Barbosa, por sinal sogro de um amigo da juventude, caminhando com seu bastão, diante de milhares de estudantes da época, gritando “o petróleo é nosso”, e a onda invadindo o Congresso e o Planalto. E vejo intelectuais ocupando tribunas e blogs para nos garantir que sempre foi assim, a corrupção é incontrolável.

E vejo o velho Pedro Simon gritando: “as empreiteiras, as empreiteiras, lembrem-se: os políticos não se corrompem sozinhos, alguém os paga”. Irmanados no mesmo escândalo, Renan e Henrique caminham sobre a onda de óleo que se estende pelo tapete do salão verde, cruzando todas as divisões do parlamento. Pastoso, escorregadio, o óleo se avoluma, Romero Jucá pegou um tubo e fotografa sua manobra com uma câmera GoPro.

O óleo avança no Planalto, e no que se refere a Dilma, ela não sabia de nada, jamais soube, e o óleo escorre pelos gabinetes. País oleoso, o nosso.

Esta semana me veio à cabeça o livro de Marie Cardinal que em francês se chamou “Les mots pour le dire” (Palavras para dizer). Mas o livro de Marie Cardinal sugeria na minha memória algo mais denso do que apenas um desabafo. O livro conta a historia de Cardinal, que perdia muito sangue, como se estivesse continuamente menstruada. Livres dos médicos que a queriam operar, ela resolveu narrar sua infância, seus traumas, e só assim superou a doença.

Pensei, delirantemente, que a receita de Marie Cardinal talvez se aplicasse ao país: conter a sangria através das palavras claras. Para começar, quando falarmos de governo, Congresso e empreiteiras compreendermos que estamos diante de um grande sistema de assalto. O governo governa, as empreiteiras constroem. Mas não estava combinado que 3% dos contratos seriam pagos a um grupo político. Se isso for encarado como algo tolerável e rotineiro, o delírio talvez seja a única forma de sobreviver, porque o país mesmo teria enlouquecido mansamente.

Minhas retinas fatigadas não vão esquecer a onda de óleo. Usando faixas, oferecendo coquetéis, abraçando bebês, presidindo sessões solenes, em todos os rituais do governo, verei o óleo enegrecendo os colarinhos brancos, transbordando as taças de champanhe, afogando os camarões da salada. Delirando pelo menos estarei com a minha realidade, respeitando o delírio dos outros, que acham que isso é um governo e isso é um Congresso. No fundo, sei o que são. Só os chamarei de governo e Congresso para estabelecer uma linguagem comum.

As investigações não servem apenas para punir, mas para refazer nossa relação com o Brasil. Que país é esse? Como viver essa farsa política? Como resistir a um governo cínico e impermeável às regras republicanas? Li um pouco sobre a relação do povo com os governos no Leste Europeu e bastante sobre a saga dos intelectuais em Cuba. São condições muito diferentes da nossa, mas sua experiência ensina a viver, quando não se tem ilusões sobre a natureza do governo. Eles têm algo a ensinar. Mas só voltarei ao manual de sobrevivência se toda essa onda de óleo se tornar uma gigantesca pizza de alcatrão.

O galão d’água - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 14/09


Reproduzo o relato que minha filha recebeu pelo whatsapp de uma garota brasileira que mora no Japão: Ontem veio um homem aqui e deixou um galão dágua na frente da minha porta. Disse que durante a madrugada eles fariam uma vistoria nos encanamentos de água do bairro e por isso estavam passando para avisar, deixar o galão e pedir desculpas por terem que desligar o registro de água por algumas horas.

Eu disse para ele que não precisava deixar a água, afinal, estaríamos dormindo nesse horário, mas ele respondeu: Você paga suas contas todos os meses e nós temos obrigação de não deixar você sem água nem por um minuto. E ainda disse: Se precisar de mais, pode pedir. E assim seguiu a distribuir nas outras casas. Durante a madrugada, olhei pela janela e havia um grupo trabalhando nas ruas em silêncio. Hoje vieram novamente, casa por casa, só para agradecer.

Pois é. Não é assim que deveria ser tudo na vida? Decência, responsabilidade e educação: por que é tão raro, tão complicado? A simplicidade da cena: um galão d’água deixado de porta em porta para o caso de os moradores terem alguma eventual necessidade às duas horas da manhã, às três horas da manhã.

Não é caridade, e sim direito do cidadão que paga taxas e impostos. Eu não deveria me comover com isso, mas me comovo, porque a gente cumpre com os compromissos como qualquer japonês, qualquer sueco, qualquer canadense, mas onde está a contrapartida?

Acho que isso explica nossa desesperança de que uma eleição mude alguma coisa. Já não acreditamos que um candidato consiga não se deixar corromper pelo poder, que possa governar sem dever favores para outros partidos, que solucione as mazelas do povo em detrimento das negociatas de gabinete. Política passou a ter um sentido desvirtuado.

Ninguém obriga um homem ou uma mulher a se candidatar a um cargo público. Se ele se oferece para a missão de governar, deveria fazer isso unicamente por seu espírito altruísta. Mas soa como piada. Altruísmo na política brasileira? Tem graça.

Um galão d’água na porta. Um serviço de atendimento ao consumidor que funcione de forma fácil. Um policial em cada esquina. Nota fiscal entregue em todas as transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas. Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?

Não é só culpa de quem governa, mas dos governados também. Viciados em retórica, seduzidos por vantagens exclusivas e não coletivas, sempre nos perguntando “como posso faturar com essa situação?”, não permitimos que o Brasil se moralize e avance.

Galão d’água na porta de casa? Só com um troquinho por fora, meu irmão.

Antes da bomba - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 14/09


Tanto Dilma quanto Aécio terão de encontrar um meio de desmanchar a aura quase mística que envolve Marina


Como cidadão que sou, preocupado com o rumo que tomará o Brasil, tenho procurado acompanhar a campanha eleitoral para a Presidência da República. Indiscutivelmente, é nos debates com os principais candidatos, promovidos pela televisão, que melhor se pode conhecê-los, sacar quem na verdade são, o que dizem pensar e o que fariam à frente do governo.

De fato, dos onze, só três --Dilma, Marina e Aécio-- oferecem alguma consistência no que afirmam e prometem. Os outros, se algo representam, é uma parcela insignificante da opinião pública e a representam mal, ou porque mal sabem o que dizem ou porque apenas repetem atitudes políticas e ideológicas ultrapassadas.

Devem ter alguma razão especial para se candidatarem, pois sabem muito bem que pouquíssimos votos lhes serão dados pelos eleitores. É certo que só aparecer perante o país como candidato à Presidência da República, já é, por si só, uma distinção especial (ainda que, para muita gente, seja motivo de gozação).

Os outros três candidatos, pelo contrário, representam, de uma maneira ou de outra, parte considerável do eleitorado, conforme indicam as pesquisas de opinião.

Certamente, cada um deles ganhou significação e força eleitoral por razões diversas, relacionadas com suas respectivas atuações no plano político, suas ideias e atuações que, de modo ou outro, as distinguem no contexto social.

Durante os debates, as qualidades e defeitos se revelam, muito embora os três busquem mostrar-se à altura da função governamental a que aspiram.

Até onde consigo perceber, Aécio Neves é o candidato mais consistente no que afirma e no modo como o faz. Vale-se de um discurso bem articulado e da experiência administrativa de governador, que foi, do Estado de Minas Gerais.

Por outro lado, Dilma Rousseff não se expressa bem, chegando mesmo a gaguejar quando se aventura a improvisar em vez de ler o que trouxe escrito. Não obstante, argumenta consistentemente quando cita obras realizadas por Lula e por ela.

Já quando tenta responder às críticas a seu governo, afirma qualquer coisa, mesmo que contradiga a realidade: afirmou que a inflação está próxima de zero, que o país está crescendo, muito embora os próprios dados oficiais digam o contrário. Por isso mesmo, os adversários acusam-na de inventar um Brasil em tecnicolor, que só ela conhece. Apesar disso, deu sinal de recuperação nas últimas pesquisas.

Quanto a Marina Silva, pode-se dizer que é a própria figura de brasileira que comeu mal na infância, não ganhou carnes nem força nem voz. É uma sobrevivente. Não obstante, fala fluentemente, pensa claro e parece saber o que pretende fazer para mudar o Brasil.

Sua imagem é a de uma visionária que promete um milagre. Essa imagem ganhou maior expressão com a morte trágica (e absolutamente imprevisível) de Eduardo Campos, de quem ela se tornou a herdeira política.

Tudo isso emprestou à sua candidatura tal força que a emparelhou, inicialmente, com Aécio Neves, e a colocou à frente de Dilma Rousseff no segundo turno. Penso que nem ela, Marina, imaginava que isso fosse acontecer tão cedo. E isso se mantém até o momento em que escrevo esta crônica.

Mas muita água ainda vai rolar até o dia 5 de outubro.

Sem qualquer dúvida, tanto Dilma quanto Aécio terão de encontrar um meio de desmanchar essa aura quase mística que envolve a figura de Marina e a torna uma candidata acima da realidade objetiva, ou seja, para além das condições que normalmente regem a disputa eleitoral.

Era, portanto, inevitável que Dilma e Aécio tentassem desfazer essa aura, apontando as carências de Marina. Um dos argumentos, usados por ambos, é que não será possível a ela governar o país sem um partido político importante e sem uma base parlamentar.

E que ninguém nos ouça, mas o risco seria constituir uma base semelhante à montada por Lula e herdada por Dilma, às custas de inventar ministérios para cedê-los aos aliados. Tudo o que ela promete --dizem os oponentes-- não irá além de palavras.

Não acho possível e, fora isso, não deixaria de ser uma experiência fascinante ter no governo uma mulher visionária disposta a mudar o país. Mas ninguém sabe o que vai acontecer, depois da bomba da delação premiada, cujo pavio foi aceso.

Ilusões eleitorais - SUELY CALDAS

O ESTADÃO - 14/09


Lula e dona Marisa enviaram carinhosa mensagem de condolências à família do banqueiro espanhol Emilio Botín, dono do Santander, pela passagem de sua morte, na quarta-feira. Se a mensagem tivesse partido de Marina Silva ou de Aécio Neves, eles não escapariam de ser apresentados como representantes do capital financeiro internacional no programa eleitoral da candidata do PT. É triste, mas é este o nível desta campanha eleitoral. Para ganhar eleição vale tudo. Vale enganar a população distorcendo o significado da independência do Banco Central (BC) e vale até demitir publicamente o ministro mais importante do governo, desautorizando suas ações nos próximos meses de mandato.

A presidente Dilma Rousseff odeia quando questionam sua competência como economista, mas nesta eleição ela escolheu rasgar seu diploma ao corroborar com a propaganda enganosa em seu programa de TV. O comercial de 30 segundos afirma que independência do BC significa "entregar aos banqueiros o poder de decisão sobre sua vida e sua família, decisões sobre juros que você paga, seu emprego, preços e até salário". Nada mais disparatado e absurdo. Por que será que o ex-presidente Lula deu garantias ao ex-presidente do BC Henrique Meirelles de que ele teria total autonomia para tomar decisões durante seu mandato? Foram os banqueiros que governaram o País nos oito anos de Lula? Foram eles os responsáveis por demissões e reajustes de salário dos trabalhadores?

É, no mínimo, primário e inconsistente um economista ignorar que todos os países onde a autonomia do banco central virou lei hoje a valorizam como um bem público, importante avanço institucional para proteger a população contra influências e demandas políticas, que sempre se traduzem em liberação de verba, emissão de dinheiro e aumento da inflação. A história do Brasil está repleta de exemplos.

Nas gestões Sarney e Collor, era comum governadores endividados correrem à Brasília e arrancar do presidente amigo permissão para contrair mais dívidas, com a devida autorização do Banco Central. Quase sempre para gastar em campanhas eleitorais. Os bancos estaduais financiavam a farra dos políticos e a fiscalização do BC fazia vista grossa, não agia por temer retaliação e demissão de diretores. A partir de FHC, o BC passou a atuar sem interferência política e com autonomia, respeitada por ele e por Lula, mas sem o respaldo de uma lei específica, agora proposta pela candidata Marina Silva.

No mundo inteiro a missão central do BC é "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda", como está escrito em destaque no site do BC brasileiro. A inflação é um imposto desumano, que empobrece os pobres e enriquece os ricos. Nos anos 80, de hiperinflação, os banqueiros ganharam muito com rendosas aplicações financeiras e quem nem conta bancária tinha via seu dinheirinho ser devorado pela inflação.

Afirmar que a autonomia do BC dá poderes aos banqueiros até para governar o País é inverter valores, enganar, tirar proveito da ingenuidade de quem desconhece o assunto.

Já demitir o ministro Guido Mantega em público, além de deselegante, não vai produzir efeito algum. Desta vez Dilma não fala com desavisados, mas com o mercado financeiro e investidores muito bem avisados e informados. E todos eles sabem que a verdadeira autora da fracassada política econômica dos últimos quatro anos é ela. Partiu dela a ideia de escolher empresas campeãs para receber dinheiro do BNDES, o que só resultou em dívidas transferidas ao banco, que delas virou sócio sem desejar. Também o fiasco da nova matriz econômica, que produziu juros altos, mais inflação e recessão; o represamento das tarifas de combustível, que desarticulou a Petrobrás, e de energia elétrica, que desorganizou e endividou as empresas do setor; a maquiagem fiscal, que agravou a falta de confiança de investidores; e, ainda, o PIB medíocre e a menor taxa de investimento da história são resultados de uma política econômica que tem na presidente a responsável maior.

Ela precisa, agora, dizer o que vai mudar nessa política, se for reeleita.

A independência do BC - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 14/09


A politização do tema, no entanto, serve para mostrar que o debate eleitoral nem sempre engrandece seus participantes


Os conselheiros de agências reguladoras possuem um mandato fixo. Isso significa que, se o presidente da República quiser substituir alguma dessas pessoas (que ele mesmo escolheu) antes do fim de seu termo, teria que submeter seu desejo a uma votação no Senado. Assim como conduz sabatinas e, ao fim, autoriza a nomeação dos indicados, o Senado também deve ser consultado no caso de demissão antes do encerramento do mandato.

A única “agência reguladora” onde os dirigentes não têm mandato fixo é o Banco Central do Brasil.

Em todos os outros casos, os mandatos servem para proteger os diretores da influência política de seus regulados, geralmente monopólios e invariavelmente potentados econômicos, e assegurar a integridade técnica de decisões que devem transcender os interesses de um governo e alinhar-se com os interesses maiores e difusos na população afetada pelo serviço.

É claro que o mesmo vale para o BC, ou deveria valer, pois é de interesse da população manter os responsáveis pela condução da moeda protegidos tanto das pressões dos bancos quanto dos conflitos de interesse com o Tesouro.

Este conflito reside no simples fato que o BC dispõe de uma máquina de pintar papel que pode ser usada para o mal, pelo próprio controlador da instituição, interessado em pagar suas contas com papel pintado, pensando fazer o bem, mas produzindo inflação, ou seja, tributando a população menos favorecida sem passar pelo rito legislativo próprio para o aumento de impostos.

O mesmo vale quando o controlador resolve quebrar um banco público a fim de assegurar uma eleição, como num caso célebre ocorrido em um estado da federação, e uma tentação permanente.

É dever do BC evitar esses incidentes, e para isso o dirigente pode ser forçado a contrariar o seu acionista controlador, em nome de um bem maior, quando se configurar o abuso de poder de controle. A legitimidade conferida pelas urnas não faz do presidente uma encarnação do interesse público, mas apenas um custodiante deste, e por tempo determinado e dentro de limites, como em qualquer democracia.

Temos aqui um problema clássico de governança. O BC não tem minoritários, mas possui cerca de 180 milhões de “preferencialistas”, que são os “acionistas” sem direito a voto que carregam papéis ao portador, emitidos em pequenas denominações pelo BC, de aceitação obrigatória fixada em lei, cujo valor é fixado livremente no comércio. Quem zela pelo preferencialista?

O mandato ajuda a resolver o conflito de interesse, mas não é tudo. É importante, por exemplo, a exclusão do Tesouro do comitê que decide sobre juros, e de ministros gastadores do Conselho Monetário Nacional.

Pois bem, é disso que se trata a independência do BC, mandatos fixos, junto com impedimentos (restrições para recrutar no sistema bancário) e quarentena (vedação temporária a trabalhar no sistema financeiro depois de exercer cargo de direção no BC).

O Senado nunca teve maiores restrições ao tema, pelo contrário: sempre houve contrariedade com o fato de que é chamado a sabatinar e aprovar, mas não é consultado na hora de demitir. Talvez o assunto já pudesse ter sido fixado em lei há tempos. Só não foi porque é matéria de lei complementar, debaixo do artigo 192 da Constituição, e até a Emenda Constitucional 40, de 2003, não era possível fazer uma lei complementar para o tópico específico dos mandatos sem regulamentar todos os outros assuntos mencionados no artigo 192.

Desde então, o caminho está aberto, alguns projetos já andaram, mas não houve interesse no tema, e a principal explicação para isso é que ninguém acredita que alguma transformação espetacular vá se operar por conta dos mandatos, pois, na prática, é mais ou menos o que já vem ocorrendo.

A politização do tema, no entanto, serve para mostrar que o debate eleitoral nem sempre engrandece seus participantes. A propaganda governamental afirmando que a independência equivale a entregar o BC aos banqueiros e a tirar comida da mesa do trabalhador, sem dúvida, é um dos momentos mais lamentáveis de todas as campanhas dos últimos tempos.

Foram anos para o Banco Central do Brasil construir sua credibilidade ao vencer a hiperinflação, devolver ao Brasil uma moeda digna e manter a inflação sob controle, graças ao fato de ter se comportado de forma independente, conforme determinado pelos presidentes Fernando Henrique e Lula.

Esse acervo pode ser destruído rapidamente quando o próprio governo afirma em rede nacional de TV, em inserções repetidas, que a independência significa a captura pelos bancos e prejuízo ao trabalhador. Não se poderia imaginar maior desserviço à construção institucional da moeda.

É de se presumir que, em um governo que pensa assim, a presidente é quem manda na política monetária, de modo que fica ainda mais deslocada a queixa-crime proposta pela procuradoria do BC contra um economista, ex-diretor da casa, que acusou a instituição de “subserviente” e de trabalhar mal. A propaganda e as declarações da presidente servem como confissão para a primeira acusação. A segunda, como o episódio ajudou a aclarar, é matéria de opinião e não de direito penal.

De forma não menos equivocada, também aparece o argumento segundo o qual os mandatos aos dirigentes do Banco Central subtrairiam poder das autoridades eleitas, do presidente e do Congresso, a favor de burocratas, o que é uma falácia muito comum nesse debate.

Para começar, os ditos burocratas são escolhidos pelo presidente (como ministros e secretários) e aprovados pelo Congresso, um rito comum para o exercício de diversas funções de estado. Não se concebe que haja eleições para a Anatel ou para o BC, bem como para promotor ou para a magistratura. Tampouco que esses cargos tenham que ser exercidos por parlamentares, e por indicados pelos partidos políticos, ou que tenham seus titulares escolhidos em assembleias de conselhos populares ou de representantes da sociedade civil.

O fato é que há uma prática internacional solidamente estabelecida e consagrada sobre independência do BC. Por isso, e também pela percepção de que o Brasil estaria apenas formalizando o que já praticava há vários anos, a independência do BC vinha se tornando um tema banal, que ia acabar formalizado por gravidade.

Quem ouvia o presidente Lula falar do assunto tinha a sensação de que era um assunto pacificado, mais simbólico que prático, e de certa relevância apenas para um público especializado, de modo que ficava guardado como uma espécie de “carta aos brasileiros”, versão 2.0, em caso de necessidade. Foi mais ou menos assim que o assunto reapareceu, pela manifestação de Marina Silva, mas ninguém poderia imaginar a catastrófica resposta da campanha oficial. Em duas semanas, a evolução das instituições monetárias brasileiras regrediu uma década ou mais.

Sob a névoa eleitoral - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 14/09


O debate eleitoral está centrado na economia e seus desdobramentos sociais e políticos. Mas o acirramento da campanha e sua passionalidade fazem com que ele não contribua para o melhor entendimento dos problemas e das soluções.

É importante neste momento não perder de vista os desafios de curto e longo prazo que o próximo governo, qualquer que seja, enfrentará.

No curto prazo, três questões devem ser equacionadas para reduzir incertezas e elevar investimentos: 1) aumentar o superavit fiscal, o que inverteria a trajetória de aumento da dívida e poderia evitar a redução da nota de classificação de risco do país; 2) assegurar a convergência da inflação ao centro da meta; 3) reduzir o deficit nas transações com o exterior, o que contribuiria para elevar confiança e investimentos.

Para atingir estes objetivos, serão necessárias: 1) redução de despesas, desonerações e desembolsos do governo e eventuais correções arrecadatórias; 2) correção dos preços administrados no início do governo conjugada a política monetária eficiente, que facilita a queda de expectativas de inflação e, em consequência, da própria inflação; 3) maior liberdade de flutuação do câmbio, que ajuda a reduzir desajustes externos de curto prazo.

Resultado de políticas críveis, o aumento da confiança e da credibilidade elevará o investimento doméstico e externo, reduzindo fragilidades.

Há ainda os desafios de longo prazo. Sumarizando, temos: 1) educação. Elevamos o número de alunos e os anos de escolaridade, mas agora é fundamental focar na qualidade; 2) custo fiscal elevado e complexo; 3) custo de energia acima da média mundial; 4) logística inadequada, com desempenho abaixo da média.

As soluções virão com investimentos na qualidade da educação, reforma tributária que reduza o custo fiscal e eleve sua eficiência, reforma da área de energia para aumentar a oferta e mais investimentos em infraestrutura.

O Brasil tem vantagens e forças importantes para reagir e competir globalmente. O mercado de consumo de grande porte, o oitavo do mundo, dá escala de produção. A estabilidade política, apesar das críticas a sua qualidade e aspectos éticos, está acima da média, com democracia estável desde os anos 1980.

Se o Brasil não resolver os problemas de curto e longo prazo, deveremos manter crescimento baixo nos próximos anos. Resolvidas as questões de curto prazo, sem endereçar as de longo prazo, o crescimento pode ficar entre 2% e 3%. Mas, se enfrentarmos os desafios estruturais de curto e longo prazo, teremos condições de voltar a crescer ao redor de 4% como na década passada e aumentar o bem estar da população.

Escócia livre. Mais ou menos - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 14/09


Nesta quinta-feira, os escoceses comparecerão às urnas para uma decisão esperada há séculos: a de se tornarem independentes. Até há algumas semanas, o resultado do plebiscito parecia inclinar-se para o voto "não", o que manteria a situação de nação integrante do Reino Unido. Mas as pesquisas estão oscilando. Não há certeza do resultado.

As coisas se passaram como se os escoceses não tivessem avaliado as consequências monetárias de um divórcio amigável. Para eles, a independência se limitaria a obter governo autônomo, com Forças Armadas próprias e embaixadas no exterior, sem a odiosa obrigação de alimentar o vizinho do sul com impostos e taxas. No imaginário da população, a moeda seguiria sendo a velha e respeitada libra esterlina.

Nas últimas semanas, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e o ministro das Finanças, George Osborne, se dedicaram à tarefa de advertir os escoceses de que a independência implicaria perda dos direitos monetários e fiscais. A expectativa dos escoceses até aqui era a de que, na impossibilidade de compartilhar a libra, a adesão ao euro seria automática. As coisas não são tão simples. Qualquer que viesse a ser o resultado da negociação com o governo inglês que se seguisse à decisão pela separação, a questão da moeda traria gravíssimas consequências.

Se a opção fosse por manter a libra, o escocês não contaria, como agora, com o Banco da Inglaterra (banco central) na sua tarefa de injetar ou enxugar o volume de moeda na economia. Nesse caso, o sistema adotado seria uma variação do currency board, o mesmo que vigorou na Argentina de 1991 a 2001, quando a economia foi dolarizada, o peso ficou atrelado ao dólar, na proporção de 1 por 1, e seu meio circulante foi o que fossem as receitas obtidas pelas exportações. O resultado foi desastroso - fato que não precisa ser alongado aqui.

A independência também acabaria com a unidade fiscal desfrutada dentro do Reino Unido. O governo de Londres não teria mais obrigação de zelar pelas necessidades da Escócia. Esta perderia as transferências por seguro-desemprego, aposentadoria e a parcela da arrecadação de que hoje dispõe. Se enfrentasse uma crise de pagamentos, não poderia decretar a desvalorização da libra, providência necessária para incrementar as exportações.

A mencionada adesão ao euro não seria automática. Exigiria trâmites demorados, pressuporia entrada prévia na União Europeia e dependeria da vontade política dos Congressos dos países do bloco, que poderiam recusar ou adiar a entrada do novo sócio. Além disso, uma Escócia eventualmente dentro da área do euro desistiria da autonomia monetária que hoje compartilha.

Ah, sim, o país poderia optar por ter moeda e banco central próprios. Nesse caso, a população receberia seus salários não em libras, mas em moeda local. E o valor de suas propriedades seria definido também em moeda local. Com um resultado: o de que uma desvalorização futura da moeda nacional implicaria, também, desvalorização do seu patrimônio em libras esterlinas.

São consequências que aparentemente o escocês não levou devidamente em conta. Como também não tem levado em conta nenhum movimento separatista da União Europeia, como é o caso da Catalunha, hoje integrante da Espanha.

O que é que Marina tem? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 14/09

Imagem pessoal da candidata agregou eleitorado de oposição, antes desanimado e disperso


É BEM SABIDO que Marina Silva (PSB) agregou oposicionistas em geral e mudancistas em particular, antes dispersos entre Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos e o "protesto" do voto nulo, em branco ou indeciso, "protesto" que era a opção de mais de um quarto dos eleitores (e, agora, de apenas 13%). O que é que Marina tem?

Antes de Marina, o peso do eleitorado de oposição a Dilma Rousseff (PT) ficava evidente na votação de segundo turno, mas não nos votos de primeiro turno dos candidatos de oposição.

A votação de Aécio dobrava de 20% para 40% de um turno para outro; a de Campos, quase quintuplicava, de 8% para 38%. Os eleitores de oposição não estavam muito convencidos de suas opções, aglutinando-se na reta final para derrotar a presidente, mas sem entusiasmo por seu candidato.

Não é simples pensar os motivos da conversão ao marinismo. Marina tem uma quantidade de votos mais ou menos assemelhada à dos candidatos do PSDB em 2002, 2006 e 2010. Por que tomou o lugar dos tucanos? Por que Campos não havia conseguido ocupar tal posição?

O mudancismo genérico dos manifestantes de junho de 2013, sua rejeição aos "políticos tradicionais" e mesmo aos partidos, deve ter influenciado o sucesso de uma candidata tida como um tanto "outsider". Lembre-se do apelo que teve o balão de ensaio da candidatura novidadeira de Joaquim Barbosa.

Nem é preciso dizer que parte do eleitorado está obviamente satisfeita com a década de melhorias sociais, representada pela candidatura Dilma. Ensanduichado pelo situacionismo de base popular e pelo mudancismo, Aécio minguou até em Minas.

No entanto, por que Eduardo Campos não conseguiu assumir o papel de novidade ou alternativa, ele que era quase desconhecido do público? Porque era homem, branco e não destoava do formato do político tradicional? Ou porque era desconhecido até demais, enquanto Marina pode se aproveitar da memória de 2010 (uma curiosa novidade que se vale do "recall")?

Note-se, ainda, de passagem que a opção mudancista do eleitorado é mais relevante na disputa presidencial. Velhos conhecidos do eleitor estão na ponta em São Paulo, Minas e Rio, por exemplo. No Distrito Federal, há o caso teratológico de um condenado da velhaquíssima política liderar as pesquisas de voto.

Os programas econômicos de Marina e Aécio são, no essencial, os mesmos e mais racionais que os do PT, embora política econômica seja um assunto que não faz o menor sentido para a maioria da população; as vagas propostas de "manter as conquistas sociais" também se parecem nos dois programas e discurseiras dos candidatos.

Ao sair do PT, porém, Marina conseguiu se desvincular dos escândalos que envelheceram e apodreceram o partido, problema que de certo modo também abalou o PSDB, que de resto se tornou um partido com imagem antipopular, por suas ações e omissões.

A diferença de Marina então se resumiria então à pregação contra a "velha política", que talvez soe mais autêntica em seu caso por ela parecer (e ser!) filha do povo e da floresta, ambientalista, que jamais se meteu em roubanças. Parece espantosamente pouco para tanto abalo.

Acender as velas - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 14/09


Vista assim de baixo, do terceiro lugar nas pesquisas, a cena eleitoral obviamente não é agradável para o tucano Aécio Neves, há um mês tido por muita gente – do governo inclusive – como o provável próximo presidente da República.

O panorama virou, Marina Silva entrou no páreo carregando com ela para o cenário o fator emocional. Para o bem e para o mal. O debate cortou relações com a racionalidade e com isso ficou abalado o que era o principal trunfo do candidato do PSDB.

Ainda assim, Aécio nem pensa em se “reinventar” como um novo personagem. Uma espécie de santo guerreiro a fim de tentar nos próximos 20 dias recuperar a desvantagem na base da pancadaria. “Não vou apelar. Prefiro continuar explicando que o PT perdeu as condições de governar e a Marina ainda não adquiriu essas condições.”

Na avaliação do comando da campanha do PSDB, não há outro caminho nessa reta final. Enquanto Dilma Rousseff e Marina brigam, o candidato do partido precisa abrir espaço no meio ressaltando as fragilidades das duas adversárias para tentar capitalizar prejuízos e benefícios da guerra de extermínio entre ambas.

Partindo do princípio de que a capacidade de destruição do PT é ilimitada, Dilma seria a sobrevivente, embora bem machucada, e Aécio contaria sair ileso do incêndio. O tucano sabe que o fator tempo não o favorece, mas também leva em conta que o alto grau de agressividade dos ataques mútuos pode provocar alterações mais rápidas no cenário.

Para ele, claro, o ideal seria algo como o advento de uma “onda de razão” a tomar conta do eleitorado. De forma espontânea, difícil de acontecer. A fim de reconquistar os votos daqueles que passaram a ver Marina Silva como a possibilidade de derrotar o PT, nos próximos 20 dias põe na rua uma campanha para chamar o eleitor ao que define como “mundo real”.

“Quero chamar as pessoas a prestar atenção ao seguinte: que não basta apostar numa utopia, que representamos a governabilidade de fato, que a mudança começa no dia primeiro de janeiro de 2015 com o trabalho de uma equipe qualificada e que não se esgota no dia da eleição. Há o dia seguinte e nesse, se eleita, Marina vai acabar governando com o PT”, diz.

Na parte que lhe toca como presidente do PSDB, desde já Aécio afirma que ela não poderia contar com o partido em seu projeto de governar com os melhores.

“Se eu perder, é porque a maioria resolveu que o PSDB não deve governar. A decisão sobre quem é governo ou oposição está nas mãos do povo. Não cabe a nós alterar o resultado da eleição por obra de acordos com o vencedor. Seria até uma fraude. Portanto, a escolha em relação aos mais qualificados deve ser feita nas urnas.”

Outro tempo. A atmosfera na posse do ministro Ricardo Lewandowski na presidência mostrou que o Supremo Tribunal Federal não é mais o mesmo. Onde se faziam discursos convocando o Judiciário a assumir sua parcela de responsabilidade no combate à “avalanche de delitos que sacode o país”, agora o que se ressalta é o esforço da Corte para preservar o ambiente ameno entre os pares.

Isso na mesa de autoridades composta, entre outros, pelos presidentes da Câmara e do Senado, ambos apontados como partícipes do esquema de corrupção da Petrobras. Denúncia que, se comprovada, será examinada pelo STF.

Pelo rumo e pelo balanço da carruagem, o ativismo pode vir a dar lugar ao inativismo judicial.

A histeria do "Estado laico" - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 13/09


Virou moda invocar a laicidade do Estado para desqualificar opiniões, religiões e igrejas. É o tipo de coisa que só acontece no Brasil, país em que presidentes da República se atrapalham com rudimentos de português e matemática. Fosse o pensamento prática frequente entre nossa elite, tais invocações à laicidade do Estado seriam rechaçadas pelo que de fato são: ensaios totalitários visando a calar a boca da maioria da população.
A leitura dos preceitos que os constituintes de 1988 incluíram em nossa Carta Magna sobre o tema esclarece, acima de qualquer dúvida, que eles desejavam, nesse particular, limitar a ação do Estado e não das pessoas, suas religiões e igrejas, como agora, maliciosamente, lendo a Carta pelo seu avesso, alguns pretendem fazer crer. Enfaticamente, a CF determina ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença”, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença” e que o Estado não pode estabelecer ou impedir cultos.
Não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar, de os privar do direito de expressão, aos brados de “Estado laico! Estado laico!”. Não, senhores! Foi exatamente contra essa pretensão que os constituintes ergueram barreiras constitucionais. Disparatado é o incontido e crescente desejo que alguns sentem de inibir a opinião alheia, para que possam _ veja só! _ falar sozinhos sobre determinados temas. E são tantos os desarrazoados neste país que poucos percebem o tamanho da malandragem.
Leigos ou religiosos, ateus ou agnósticos, detentores de mandato ou jurisdição, podem e devem ouvir suas consciências ao emitirem seus votos ou decisões. Talvez estejamos habituados a líderes que escolhem princípios como gravatas (ou echarpes) e estranhemos quem os tenha, bons e sólidos. A laicidade impõe limites ao Estado, não aos cidadãos!
Eu tenho o direito de emitir conceitos, com base religiosa ou não, fundados na cultura gaúcha ou tupiniquim, na doutrina marxista ou liberal, sem que desajuizados pretendam me calar. Essa minha liberdade tem garantia constitucional. E há dispositivos específicos para assegurá-la no que se refira às convicções religiosas e suas consequências. A histeria a esse respeito escancara não só recusa ao contraditório, mas também vocação totalitária. Por quê? Porque como bem se sabe, o totalitarismo, para cujo porto estamos sendo levados pelo nariz, não pode conviver com sistemas de valores que não sejam ditados pelo Estado e que ante ele não rastejem. É a esse mostrengo que andam chamando “Estado laico”. Ele não é isso.

O medo como método - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/09
O sociólogo Manuel Castells, um dos maiores especialistas em redes sociais, diz que o medo é a emoção primária fundamental, a mais importante de nossa vida a influenciar as informações que alguém recebe. Os recursos da moderna propaganda estão sendo usados à exaustão nesta campanha para explorar as descobertas mais recentes da neurociência, que já definiu que o eleitor vota mais com a emoção do que com a razão.

Mais uma vez o PT apela para o esquerdismo canhestro para tentar barrar a caminhada da hoje adversária Marina Silva, assim como fez com os candidatos do PSDB em pleitos anteriores. A privatização já foi o argumento da vez, mas, como o próprio governo petista teve que privatizar portos, rodovias e aeroportos para destravar os investimentos, achou-se outro bode expiatório contra Marina, como o Banco Central autônomo ou o petróleo do pré-sal.

Sempre aparentando uma estratégia de esquerda, uma suposta defesa dos desvalidos, o que o PT faz é explorar o medo das camadas menos informadas da população criando fantasmas contra seus adversários. O fenômeno mais interessante desta eleição é a troca de posições entre os candidatos do PSDB e do PSB, com Marina concretizando todos os projetos estratégicos previstos por Aécio Neves quando da campanha ainda participava o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Contando com o esquema partidário do PSDB, bem mais capilarizado que o do PSB, Aécio pretendia neutralizar a força do PT no Nordeste com boas votações em estados daquela região onde a oposição se fortalecera depois da eleição de 2010, como Bahia e Ceará, além de contar com a vitória natural de Campos em Pernambuco.

Se em 2010 Dilma elegera-se com votação espetacular no Norte e no Nordeste, onde tirara mais de 11 milhões de votos de diferença para o candidato tucano no 2^ turno, este ano alterações importantes indicavam que a votação naquelas regiões poderia ser diluída entre os três principais adversários, mesmo que Dilma continuasse com vantagem.

A entrada de Marina na disputa, devido à morte trágica de Campos, fez com que se concretizasse a mudança de quadro nas votações, mas a favor dela. Dilma, que teve média de 70% dos votos do Nordeste em 2010, neste momento está com 47%, enquanto Marina tem 31%. Aécio está com a mesma votação que Serra teve em 2010: 8% dos votos nordestinos.

Em PE, Marina manteve a maioria dos votos de Campos e lidera com 45%, enquanto Dilma tem apenas 38%. Na BA, Dilma está à frente com 50%, mas em 2010 teve 67%. Em nenhum dos dois estados, com 43% do eleitorado do Nordeste, Aécio está à frente, embora a coligação DEM-PSDB esteja vencendo a eleição para o governo na Bahia.

No Sudeste, Dilma está com 28%, em contraponto aos 46% que teve na última eleição, pois venceu em Minas. Marina hoje tem 36% dos votos do Sudeste, mais que Serra em 2010, mesmo este tendo vencido em SP. Marina, no momento, vence em São Paulo e disputa o segundo lugar em Minas com Aécio.

Em SP, o governador Geraldo Alckmin pode vencer no 1º turno. O PSDB tem vencido regularmente a eleição para presidente em SP, mas desta vez quem está à frente é Marina. No Rio, onde a presidente teve vitória com 3,7 milhões (43,8%) no 1º turno, e 4,9 milhões (60,5%) no 2º, a candidata Marina Silva lidera as pesquisas, impossibilitando que a presidente Dilma repita sua performance.

O esquema partidário paralelo que Aécio montou com dissidentes da base aliada do governo do estado, que rejeitaram o apoio do PT a Lindbeigh Farias, não está funcionando a seu favor. No Sul, Dilma caiu de 43% para 35%, e tem a mesma votação que Serra em 2010. Marina tem 28%, enquanto Aécio mantém 20%.

Mais um exemplo de que as alianças feitas não estão alavancando Aécio: no Rio Grande do Sul, a senadora do PP Ana Amélia vence para o governo do estado, mas Aécio está em 3º lugar. Marina atualizou seu programa de governo, em especial na parte econômica, e encontrou semelhanças com o eleitorado do PSDB, o que facilitará uma transferência de votos no segundo turno.

O PT, por seu lado, conseguiu dar à campanha o tom de confrontação radicalizada que lhe é propício. Marina terá que contar com a organização partidária dos aliados da oposição para fazer frente à máquina partidária petista no 2º turno. 

A corrupção aumenta ou diminui? GAUDÊNCIO TORQUATO

 ESTADO DE S.PAULO - 14/09


O mais recente escândalo no País - a teia de interesses escusos dentro da maior empresa brasileira, símbolo que puxa o orgulho nacional desde sua fundação - dispara tiroteios entre exércitos situacionistas e milícias da oposição, sob densa fumaça eleitoral, deixando no ar a inevitável dúvida: mesmo com os mecanismos do Estado mais atentos e eficientes na investigação de bandalheiras, ilícitos e desvios, a corrupção tem aumentado nos últimos tempos? Ou os controles têm sido frouxos no combate às ações de larápios que capturam imensa parcela do Tesouro nacional?

Vejamos. Calcula-se a conta da corrupção em R$ 100 bilhões, com o Brasil ocupando a 72.ª posição na lista dos países mais limpos organizada pela ONG Transparência Internacional. A título de comparação, aqui pertinho, o Uruguai está na 19.ª posição e o Chile, na 22.ª. E não é por falta de prisões que a corrupção endêmica se espraia. Entre dezembro de 2008 e dezembro de 2012, o número de detentos no sistema penitenciário brasileiro por crimes contra a administração pública - corrupção e peculato, por exemplo - cresceu 133%, sete vezes mais que o aumento da população carcerária de então. Hoje quase 3 mil pessoas cumprem pena por esses crimes.

A primeira resposta à questão é, portanto, que os mecanismos do Estado têm melhorado seu desempenho tanto nas apurações como na prisão de criminosos. Mesmo assim a corrupção anda a galope. Como se explica a aparente contradição?

Tentemos examinar a questão sob um feixe de fatores. O primeiro diz respeito às transformações por que tem passado a política neste ciclo que os sociólogos designam como sociedade pós-industrial. A política esvazia-se de ideologia, na esteira da alienação que cresce com a abundância e da degradação dos mecanismos tradicionais da democracia liberal (partidos, parlamentos, bases políticas, oposições, etc.). A nova era descortina uma desoladora paisagem de competições ideológicas menos contrastadas e agora ancoradas em vastas organizações de interesses privados, de um lado, e, de outro, em burocratas da administração governamental e, ainda, em entes que abandonaram sua identidade de partidos de massas para alcançar o poder pelo poder (catch-all parties, partidos do agarra tudo o que puderes). Nessa modelagem, também chamada de tecnoburocracia, os especialistas-técnicos acabam formando parcerias com empresas e políticos. A política, por conseguinte, deixa de ser missão para virar negócio. Esse redesenho se projeta na paisagem mundial, com ênfase mais em um ou outro país, porem sem perder as características do modelo que Roger-Gérard Schwartzenberg chama de democracia das organizações.

Pulemos agora para nossas plagas tropicais, onde tal modelagem adquire proporções exageradamente enviesadas em razão de uma cultura política irrigada pelas fontes do passado. Os clássicos da nossa sociologia, como Sérgio Buarque de Holanda, são unânimes ao apontar os "interesses individuais e os familiares intervindo no trato da coisa pública de tal modo que o Estado perde sua função precípua de mantenedor da justiça e da ordem, passando a funcionar exclusivamente em benefício dos grupos que o controlam". A imagem que emerge é a da Grande Família. Honório Hermeto Carneiro Leão, marquês de Paraná, afirmava haver no Brasil "políticos capazes de todas as coragens, menos a coragem de resistir aos amigos". E que empreendimento se pode oferecer aos amigos? Ora, as coisas da res publica, na crença de que o Estado é a mãe, o pai, o herói, o salvador do povo.

Emerge aqui a figura do Estado providencial, com sua sombra se projetando sobre nossa cultura política. Getúlio Vargas, o ditador, deu força ao conceito. Foi ele que contribuiu para reforçar no País o que o pensador José Murilo de Carvalho nomeia como estadania, a cidadania fincada nos vãos do Estado. Diferentemente do modelo inglês de formação da planilha dos direitos, amparada primeiro nas liberdades civis, seguidas por liberdades políticas e por último, os direitos sociais, o Brasil estabeleceu inicialmente os direitos sociais, na sequência os direitos políticos e, por último, os direitos civis. A pirâmide da cidadania virou de cabeça para baixo. Essa inversão explica a valorização do Poder Executivo, capaz de prover necessidades e demandas dos cidadãos. A ilustração da vaca leiteira é recorrente: nela todos querem mamar. Deriva daí a fascinação das massas por quem detém o poder da caneta. Indivíduo e governo se confundem, para deleite dos governantes. O falecido senador Parsifal Barroso recordava os tempos em que governava o Estado do Ceará: "Aí vem o governo" era o que ouvia do povo que acorria para recebê-lo.

Fechemos o circuito: Estado providencial, expansão da vida econômica, cultura arraigada no familismo (filhotismo, nepotismo), tecnodemocracia em expansão, partidos e atores políticos ganhando fatias da massa administrativa, feudos distribuídos aos integrantes da base governista, competitividade acirrada, o que esperar de um país que entrou no ranking dos emergentes? Conviver com o presente, mas deixando os pés amarrados à velha arvore dos "ismos". Ainda mais quando o portfólio de riquezas se abre para os grandes negócios (petróleo, obras de infraestrutura, logística, etc.). A potência emergente tem um olho no futuro e outro no passado.

O poder invisível que age nas entranhas da administração pública se expande. Para ele, vale a pena investir no crime contra o Estado. Ademais, a punição demora, quando ocorre. Os criminosos de colarinho branco acabam usando seu poder ($) para adiar a pena. (Estudos dão conta de que 96% dos danos à sociedade são causados por crimes de colarinho-branco.)

Fechar as comportas da corrupção mais parece utopia. Mas é possível usar a velha receita: mudando as regras da política, coisas boas poderão vir. Importa ter vontade de sustar a metástase que devasta o corpo político. E fazer circular novo sangue.

A delação premiada - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 14/09

A delação sob prêmio existe desde 1999 por força de lei, mas tem sido pouco utilizada. Nos Estados Unidos, é corriqueira. Na verdade, é apenas um incentivo à "rainha" das provas: a confissão. Faz sentido processual e material enorme nos crimes praticados em coautoria (quadrilhas e crimes coletivos de corrupção de empresários e políticos), como esse da Petrobras, que desde 2002, com Lula, tem sido pilhada pelo governo de três modos: empreguismo desbragado, controle artificial de preços e propinas para todo tipo de contratação (o que recomenda a sua privatização ou, quando nada, acordo de acionistas para evitar o controle unilateral da União). As propinas, em parte, a maior parte, são para engordar o caixa dos partidos governistas da base aliada e enriquecer os mais ousados e poderosos, às expensas do patrimônio público.

Paulo Roberto Costa analisou o caso de Marcos Valério e outros no processo do mensalão e procurou resguardar-se e à sua família, também envolvida (a que ponto chegamos). E ponderou: "Que se danem; antes eles do que eu". Com isso implicou autoridades políticas e a alta gerência da estatal. O caso, no plano do Ministério Público Federal (MPF), poderá se converter no primeiro processo criminal a chegar ao Supremo tribunal Federal (STF) por meio da delação premiada. "Não creio que haja precedente técnico equivalente", considera o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialista em matéria penal envolvendo crimes financeiros e lavagem de capitais. Antes desse caso, a denúncia de que parlamentares receberam propina para votar favoravelmente ao governo foi feita em 2005 pelo então presidente nacional do PTB, deputado federal Roberto Jefferson, ao jornal Folha de S.Paulo. A delação de Paulo Roberto Costa, ao contrário, já foi feita no âmbito de um processo judicial.

A colaboração premiada foi a única saída encontrada pelos advogados de Costa para reduzir a pena severa a que o ex-executivo da petrolífera poderá ser condenado por integrar organização criminosa voltada à aquisição fraudulenta de contratos com a administração federal, e por ser formalmente acusado por delitos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e destruição de provas, de acordo com as denúncias oferecidas por seis procuradores da República que atuam na investigação da Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em março e que identificou, até aquele momento, movimentação financeira irregular de R$ 10 bilhões. Pode ir até a R$ 30 bilhões, diz a PF. O doleiro que operava com divisas continua preso, até por motivo de segurança. Para a nação, será uma bênção. Se a PF e o MPF trabalharem instruídos pelo criminoso delator, assistiremos desta vez a toda a imundice em que chafurda a República petista e seu presidencialismo de coalizão (coalizão para o crime e usufruto da coisa pública).

ministro do STF Teori Zavascki aprovará o acordo que desnudará todas as falcatruas de políticos, gestores e empresários envolvidos, pois o réu confesso era o diretor que centralizava tudo e fazia as interlocuções entre a diretoria da empresa, os políticos e as empresas conluiadas à força ou por vontade própria, o que dá no mesmo, a não ser para determinar a autoria do crime de corrupção ativa. A questão é saber quando o fará. Se for depois das eleições, tenho certeza absoluta de que dezenas de eleitos restarão envolvidos. Se não o fizer, revogará a lei em termos práticos, o que é impensável.

Ocorre que o tempo da política é diferente do tempo jurisdicional. Quisera que o tempo da Justiça fosse mais prestimoso e expedito e que viesse antes das eleições! Em todo caso, a gestão das empresas estatais - após a sabença dos malfeitos criminosos na Petrobras - terá que mudar por completo, e eficazes controles sociais terão que ser criados, sob pena de convivermos com a corrupção para sempre. É certo que a postura dos partidos no poder é relevante, mas a honestidade, por si só, não resolve. Controles jurídicos e sociais, além das agências reguladoras, se fazem imprescindíveis. O principal, para iniciar o processo, contudo, é tirar o PT do poder, fato a esta altura extremamente provável.

Os mineiros devem olhar o governo do PSDB por 12 anos no estado (Aécio e Anastasia). Ao contrário dos governos do PT, especialmente o federal, nenhum escândalo aqui ocorreu. Que seja assim com o Brasil. Não há lugar em Minas Gerais para eleitores no papel de Joaquim Silvério dos Reis, o traidor ao tempo de Tiradentes. Mineiros e brasileiros não só devem tirar o PT do poder como, tampouco, trocar aqui o certo pelo duvidoso, como reza a sabedoria popular.

A força de São Paulo - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 14/09


BRASÍLIA - O foco da eleição está todo em São Paulo, onde se amontoam quase 32 milhões de eleitores, 22,4% do país. Marina tem 40% no Estado, onde compensa a vantagem de Dilma no Sul e a franca dianteira da petista no Norte e no Nordeste. Aliás, Marina já atingiu 31% nos Estados nordestinos, feudos de Dilma e Lula.

Dilma só tem 26% em São Paulo, o que puxa para baixo seu desempenho no fundamental Sudeste, onde ela perde por 28% a 36% de Marina.

Aécio patina em 16% em São Paulo, o que apavora mais o PSDB do que a própria candidatura dele. O futuro do partido, incerto, depende muito dos votos paulistas.

Todas as campanhas, portanto, quebram a cabeça e gastam sola de sapato para conquistar os paulistas, não só da capital, mas principalmente do rico e conservador interior.

A coisa é complicada. O PT mantém o favoritismo na disputa presidencial, mas seu candidato ao governo de São Paulo nunca chegou a dois dígitos nas pesquisas. Com o PSDB ocorre o contrário: em terceiro na presidencial, tem tudo para reeleger Alckmin já no primeiro turno.

Quanto a Marina: não tem a estrutura partidária nem os palanques de PT e PSDB --aliás, não só em São Paulo--, mas disparou entre os paulistas. Eles têm forte rejeição ao PT e, apesar de renovarem o crédito de Alckmin, não parecem se animar com o mineiro Aécio.

O tucano está ensanduichado não apenas entre as vantagens objetivas de Dilma e a novidade Marina, mas também entre as premências em São Paulo e Minas. Se o PSDB não pode ser um fiasco em São Paulo, Aécio não pode perder feio em Minas. E ele está sete pontos atrás de Dilma no Estado que governou. Nos dois casos, do PSDB e de Aécio, é questão de sobrevivência.

Em tempo: a diferença pró-Marina em São Paulo é de 14 pontos no primeiro turno e de 25 no segundo, e ela tem a seu favor os erros de Dilma na economia. Não é trucidando Neca Setubal que o PT vai reverter isso.

A razão contra a baixaria e a apelação - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 14/09


A inacreditável baixaria e a apelação na qual o desespero de Dilma Rousseff e a empáfia de Marina Silva transformaram a campanha eleitoral em sua fase decisiva tiveram um contraponto na atuação de Aécio Neves, terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, em sua participação, no último dia 10, na rodada de entrevistas com os presidenciáveis realizada pelo jornal O Globo. No momento em que o PT apela para o que sabe fazer melhor - atacar e iludir - e Marina recorre ao bom-mocismo e à manipulação de obviedades para seduzir um eleitorado ávido por mudanças, o candidato do PSDB introduziu um sopro de racionalidade no debate eleitoral.

O que se pode esperar daqui para a frente da campanha petista é a desfaçatez crescente de Dilma Rousseff diante do mar de lama que envolve seu governo, como ela demonstrou sem o menor constrangimento na entrevista ao Estado publicada no dia 9, ao responder sobre o mais recente escândalo na Petrobrás: "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que todas, vamos dizer assim, as sangrias que eventualmente pudessem existir estão estancadas". "Sangrias", aliás, sobre as quais a ex-ministra de Minas e Energia e chefe do governo "não tinha a menor ideia".

Marina Silva, por sua vez, tem falado muito sobre a "nova política" que se propõe a levar ao Planalto e pouco sobre como e o que fará para transportá-la do plano das boas intenções para a realidade dura de um ambiente político que a prática dos últimos 12 anos levou a limites extremos de degradação. E fala pouco sobre os 24 anos em que, sob as asas do guru Lula, militou nas falanges petistas que, com denodo e método, se dedicaram a desmoralizar as instituições democráticas do País.

Surpreendido, como todo o Brasil, pela reviravolta provocada na campanha eleitoral com a morte trágica de Eduardo Campos, Aécio Neves, cuja candidatura até então parecia presença certa contra Dilma Rousseff no segundo turno, defronta-se agora com a necessidade de, em circunstâncias mais desfavoráveis do que até então, demonstrar que é a melhor opção para um eleitorado claramente ávido por mudanças.

Sem considerar a questão estritamente política, que é essencial, mas pouco compreendida em toda sua complexidade - ou simplesmente rejeitada pela maior parte do eleitorado -, o fator decisivo numa eleição presidencial é certamente a economia, traduzida em seus efeitos sobre o cotidiano dos cidadãos. Para reduzir a questão a sua expressão mais simples, quando a economia vai mal a produção cai, os empregos mínguam, a carestia aumenta e a insatisfação geral se instala. É exatamente o que acontece hoje no País, depois de quatro anos de incompetente e desastrado governo.

Diante desse desastre que nem a indispensável existência de programas sociais como o Bolsa Família consegue mais dissimular, está claro que o Brasil precisa, mais uma vez, de uma competente ação governamental de estabilização e desenvolvimento econômico, a exemplo do que ocorreu 20 anos atrás, quando a inflação anual atingia incríveis quatro dígitos e o então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, comandou uma equipe de economistas que criou e implantou o Plano Real, a partir de três fundamentos básicos: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário.

Esse é, claramente, um desafio para o qual Dilma Rousseff, até por formação ideológica, não tem a menor disposição - nem o PT dispõe de quadros habilitados - para enfrentar. Marina Silva, por sua vez, tampouco conseguiu demonstrar até agora genuína disposição, e disponibilidade do necessário apoio de quadros técnicos, para a difícil tarefa de recuperar a economia brasileira.


Além do comprometimento histórico dos tucanos com a estabilidade e o desenvolvimento econômico do País, Aécio Neves pode contar com a credibilidade de quadros técnicos comprovadamente competentes. E essa foi a ênfase de sua participação na entrevista ao jornal carioca, ao repudiar a baixaria e a apelação emocional na campanha: "Tenho feito um esforço maior e vou fazê-lo até o último dia desta eleição. Acredito que, no momento da decisão, vai prevalecer a onda da razão".

Em busca do bem comum - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/09
A menos de três semanas da eleição para a Presidência da República, a sociedade brasileira começa a refletir profundamente sobre o destino e as opções que se lhe apresentam, a partir de um divisor de águas cada vez mais claro: manter a ordem atual de coisas ou promover as mudanças necessárias para o país voltar a crescer e reduzir as desigualdades. Esse é o rubicão em que a nação se encontra.

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), o regime democrático permite a reeleição, que funciona como espécie de confirmação de que o presidente da República está dando conta do recado, não frustrou as expectativas da sociedade, mesmo sob duras críticas dos adversários.

Por que, então, a presidente Dilma Rousseff enfrenta tantas dificuldades nestas eleições, mesmo dispondo de uma coalizão de partidos jamais vista e muito mais tempo de televisão e de rádio para a propaganda eleitoral do que os adversários? A resposta é óbvia: diante das contingências do mandato, não conseguiu fazer um bom governo. É por essa razão que não convence a maioria dos eleitores a renová-lo. Simples assim.

A sociedade é cindida em grupos e classes sociais com interesses contraditórios e antagônicos, muitas vezes pautados pela competição e pelo individualismo. Na realidade, na guerra de todos contra todos, são a desarmonia, os conflitos, as diferenças e as desigualdades sociais que tornam a política necessária para garantir a ordem e impedir a desagregação.

A política republicana deve mirar o bem comum, a Justiça, o bom governo. Res publica significa coisa pública. Põe em primeiro plano a comunidade e afirma sua predominância em relação aos interesses particulares e privados. O Estado deve ser a expressão da coisa pública, não dos interesses partidários. Aparentemente ingênua, essa concepção, porém, ganha força e se legitima na medida em que o governo funciona em benefício da sociedade e não apenas dos grupos encastelados no poder.

O fracasso da política econômica da atual mandatária e a crise ética na gestão da Petrobras são sintomas graves de mau governo, sem falar nas práticas políticas fisiológicas do presidencialismo de coalizão para garantir a maioria no Congresso Nacional. Os protestos de junho do ano passado e as pesquisas eleitorais são indicadores da ojeriza da sociedade àqueles que dão as cartas na vida nacional. A presidente Dilma Rousseff não faz bom governo. É preciso promover o reencontro da política com o bem comum.

A Moody’s dá o alerta - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 14/09


A agência de classificação de risco colocou em viés negativo a nota do Brasil. Que desta vez a chance de discutir a política econômica não seja desperdiçada.


Na terça-feira, dia 9, mais uma agência de classificação de crédito manifestou preocupação com a condução da economia brasileira. A Moody’s manteve a nota Baa2 para os títulos da dívida pública do governo, mas mudou o viés da nota – que era estável, mas passou para negativo, indicando que, em uma próxima análise, o país pode ser rebaixado. Na escala da Moody’s, Baa2 é o segundo degrau dentro do chamado “grau de investimento”, o mais seguro para investidores. Se caísse um nível, o país ainda permaneceria no grupo dos melhores países para se investir. Situação diferente é a que o Brasil atravessa na avaliação de outra agência, a Standard & Poor’s (S&P), que em março deste ano rebaixou o país, de BBB para BBB-, ainda no grau de investimento, mas a apenas um passo do “grau especulativo”.

Assim como ocorreu com o rebaixamento promovido pela S&P, o anúncio da Moody’s surpreendeu o governo, que só esperava uma manifestação após as eleições, como se as avaliações precisassem obedecer a conveniências eleitorais. Obviamente as perspectivas para a economia em 2015 só ficarão mais claras quando também se souber o nome do eleito, mas a situação da economia brasileira é tal que a agência entendeu ser imprescindível uma medida mais enfática, ainda que não tão severa como seria um rebaixamento.

E há muito o que criticar, a começar pela pífia taxa de crescimento prevista para o país. No último boletim Focus, em que o Banco Central recolhe as previsões do mercado, a estimativa de crescimento do PIB era de apenas 0,48% (os dados de julho devem ser positivos, mas não se pode descartar que o avanço ocorre sobre uma base fraca). Em vez de estimular a poupança e o investimento, o governo insiste na estratégia de fomentar o consumo, liberando cada vez mais recursos para crédito. As metas de superávit primário, se forem cumpridas em 2014, só o serão graças a recursos extraordinários (assim como ocorreu em 2013, é bom lembrar), como os do leilão dos 700 MHz. A meta de inflação, de 4,5% ao ano, virou peça de ficção. Ignorando o fato de as margens de dois pontos para cima e para baixo servirem para acomodar choques temporários, o governo agora se contenta em segurar o IPCA dentro do teto da meta, de 6,5%, feito que só ocorre graças ao represamento artificial de preços controlados.

O aviso da Moody’s não é novo. Diversos outros agentes já demonstraram sua preocupação com a maneira como a economia brasileira vem sendo conduzida. Mas, em todos esses casos, a reação do governo brasileiro foi a de atirar no mensageiro. Dois meses depois do rebaixamento promovido pela Standard & Poor’s, Guido Mantega ainda guardava mágoa da agência. “O rebaixamento foi nulo em relação aos mercados. Não aconteceu nada e houve valorização do real. [O rebaixamento] foi solenemente ignorado. Garanto que vamos cumprir 1,9% do PIB, ao contrário do que pensa a Standard & Poor’s. Ninguém mais lembra dessa classificação que não teve nenhuma importância para a economia brasileira”, disse, em maio, em uma comissão da Câmara dos Deputados, em mais uma de suas previsões não cumpridas.

Além disso, quando ocorreu o caso do relatório distribuído a clientes selecionados do Banco Santander, em julho, a reação foi ainda mais severa e antidemocrática, com o ex-presidente Lula pedindo publicamente (e obtendo) a cabeça dos responsáveis pelo texto. Na mesma época, a coligação de Dilma Rousseff processou a consultoria Empiricus Research por suas análises consideradas “catastrofistas” (em agosto, o TSE deu ganho de causa à consultoria). No episódio mais recente de perseguição, o Banco Central apresentou queixa-crime contra um de seus ex-diretores, Alexandre Schwartsman, por suas críticas à ação do BC. Derrotado na primeira instância, o procurador-geral do BC prometeu levar o caso adiante, e só desistiu depois da enorme repercussão negativa. Em nenhuma dessas situações, o governo aproveitou a chance para repensar sua política; pelo contrário, seguiu insistindo no que tem se mostrado ineficaz. Desta vez, Dilma já indicou que, se reeleita, mudará o ministro da Fazenda; será suficiente para botar o país no rumo certo?

Antes fosse só a greve - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/09


A greve de 110 dias na USP se estenderá até que a direção da universidade aprove um abono salarial decidido na Justiça. Quando isso ocorrer, os funcionários voltarão a seus postos e terão encerrado a paralisação --mas não a crise.

A suspensão (parcial) dos trabalhos é apenas um aspecto do descalabro na USP. O mais visível neste momento, mas não o mais relevante. Trata-se, na verdade, de reflexo do estado de deterioração em que se encontra a entidade --e parte da comunidade acadêmica se omite diante da situação.

Não há movimento organizado para conduzir a discussão em outros termos. Mesmo quem não participa da greve acaba por aceitar os argumentos básicos dos sindicalistas: o problema fundamental seria o estouro do orçamento, e o rombo deve ser coberto pelo Estado.

Não se questiona como o Conselho Universitário, formado por quadros graduados da USP, aceitou tal degradação financeira. Ou o órgão foi conivente, ou o sistema permite que a reitoria atue impunemente de modo irresponsável.

A reação dos sindicatos, mais que corporativista, revela como é ralo seu sentido de solidariedade social. Não importa se hospitais ou escolas careçam de verbas; a prioridade será sempre da folha de salários da universidade, que toma mais de 105% de seus recursos.

Reivindica-se, pois, verba adicional. Argumenta-se que o número de estudantes e cursos cresceu nos últimos anos, com escasso aumento de professores e demais funcionários. Tudo verdade.

Mas quão ineficiente era a USP há dez ou 25 anos? E por que não dizem que, neste século, o montante de recursos repassados à universidade se expandiu mais que o de alunos, mais até que a economia do país? Não é importante?

A própria instituição não se encarrega de produzir indicadores que permitam aferir com maior precisão a carência de recursos. Ainda assim, e se o Estado não dispuser de dinheiro para essa finalidade? Não cabe à academia a palavra final a respeito desse tópico.

A universidade pode, porém, contribuir para o debate e para tornar legítimas suas reivindicações.

Deve, ao restante da sociedade, explicações sobre seu descontrole. Deve demonstrar, regularmente, quão bem utiliza as verbas que recebe. Deve apontar opções de financiamento. Deve, enfim, sair da letargia intelectual e institucional que a paralisa de modo mais crítico do que as greves recorrentes.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Petistas querem tirar o foco da roubalheira usando a causa gay”
Pastor Silas Malafaia, em mensagem no Twitter contra os métodos da campanha do PT



PROTÓGENES ACHA QUE ATENTADO MATOU EDUARDO

Conhecido por haver prendido o banqueiro Daniel Dantas, o Delegado Federal e Deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) suspeita que a morte de Eduardo Campos nada teve de acidental, foi um atentado, segundo segredou a colegas da PF. Ele chegou a Santos logo após a tragédia, colheu indícios e depoimentos e os enviará à Procuradoria-Geral da República, com o pedido para aprofundar as investigações.

ESTRANHO

Protógenes disse a policiais ter ficado intrigado porque o local nem sequer foi preservado. Delegados da PF somente apareceriam à noite.

AÍ TEM COISA

Entre os objetos colhidos, o delegado Protógenes encontrou na lama a capa de um livro do piloto, intacta, mas sem as páginas internas.

REENCONTRO

No dia da tragédia, Protógenes estava na expectativa de rever Eduardo Campos, com quem se encontrou em 1º de maio e na Semana Santa.

LEVANDO A SÉRIO

A hipótese de atentado contra Eduardo sempre foi mencionada, mas ninguém a levou tão a sério quanto o delegado Protógenes Queiroz.

DILMA AGORA FALA MAL DELA, MAS JÁ FOI MARINA

Não é de hoje que o nome Marina ronda a vida da presidenta Dilma. Sua ficha na Operação Bandeirantes (a temida Oban, um dos mais cruéis órgãos de repressão da ditadura militar) revela que Dilma Vana Rousseff Linhares, quando militava da organização clandestina Var Palmares, usava os nomes falsos “Maria Lucia Santos” e “Marina de Castro”, além dos já conhecidos codinomes “Vanda” ou “Luiza”.

SÓ FALTA PUXAR CABELOS

Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) se engalfinham para serem o candidato do PT à sucessão do presidente da Câmara, Henrique Alves.

DISPUTA DE EGOS

O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, briga com Marco, filho do enrolado ex-governador Sérgio Cabral, pelo título de mais votado.

PRÉ-CANDIDATO

O governador cearense Cid Gomes presta serviço a Dilma, comprando brigas contra adversários, para se credenciar a cargo no ministério.

ESPELHO MEU

Nossos leitores sabem desde 12 de agosto que o megadoleiro Alberto Youssef deu ao deputado baiano Luiz Argolo um helicóptero. A Folha de S. Paulo noticiou o fato na sexta-feira (12), um mês depois, citando revelação do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

SEM PROTELAÇÃO

Relator do processo de cassação de Luiz Argôlo no Conselho de Ética, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) não revela as conclusões do parecer, que já está nos finalmentes. Mas garante: “entrego nesta terça”.

PSOL LARANJA DO PP

Em Alagoas, quem diria, o PSOL ao governo virou “laranja” do PP de Paulo Maluf. Com 1% nas pesquisas, seu candidato faz ataques até pessoais a Renan Filho (PMDB), que tem 43% contra 26% de Biu (PP).

DINHEIRO DESAPARECIDO

O ministro Edison Lobão (Minas e Energia) sustenta aos colegas de Senado que não ficou com os recursos arrecadados e que deveriam ter sido divididos com a bancada. Mas a cúpula do PMDB não acredita.

AZUL É SÉRIO

Habituada a vestir vermelho, Dilma guarda ternos azuis para ocasiões especiais. Como a entrevista para o Jornal Nacional e a estreia da temporada de ataques a Marina Silva (PSB), seus maiores temores.

CULPA DOS PARTIDOS

A construtora Andrade Gutierrez informou que as doações eleitorais “são feitas conforme a legislação” e direcionadas aos partidos, responsáveis por definir para quem a verba é encaminhada.

MORDEU A ISCA

A campanha de Dilma comemorou o fato de Marina Silva ter mordido a isca sobre a autonomia do Banco Central e sobre pré-sal. A candidata do PSB abandona a ofensiva e perde tempo reagindo às acusações.

SOMOS TÃO JOVENS

Condenado na Justiça Eleitoral por irregularidades na campanha de 2010, o deputado mais jovem da legislatura, Wilson Filho (PTB-PB), desistiu da reeleição. Cedeu a vaga ao irmão, William Santiago, 21.

FUMACÊ

O governador cearense Cid Gomes passou a defender a legalização da maconha. Deve ter fumado a mesma coisa de FHC, pioneiro na asneira.


PODER SEM PUDOR

AH, BOM

Candidato ao Senado pelo PMDB do Paraná em 1990, Waldyr Pugliesi convocou coletiva para explicar que era injusta sua fama de "pavio curto". Na coletiva, um militante do PMDB puxou uma conversa cabulosa e ele a encerrou com um soco na mesa. Refeito, contou que só perdeu a cabeça uma vez, em Arapongas, quando esmurrou um vereador que o criticara. Mas observou:

- Aquele soco foi com o braço democrático...