quarta-feira, setembro 03, 2014

Bismarck, Pedro II e Lula - GASTÃO REIS RODRIGUES PEREIRA

O ESTADÃO - 03/09

Karl Popper, um dos maiores pensadores do século 20, em célebre conferência proferida em agosto de 1982, em Alpbach, na Áustria, nos fala de três mundos. O primeiro é o mundo físico, dos corpos e dos estados, eventos e forças físicas. O segundo é o psíquico, das vivências e dos eventos inconscientes. E o terceiro é o que abarca os produtos do espírito humano, tais como livros, sinfonias, esculturas, sapatos, aviões, computadores, etc. Para ele, este último é o que nos diferencia no mundo animal. Só nós, os humanos, conseguimos "verificar nossas próprias teorias quanto à sua verdade por meio de argumentos críticos". Trata-se da nobre função argumentativa da linguagem: cré com cré e lé com lé, na expressão popular.

Quando pensamos em figuras como Bismarck e Pedro II, salta aos olhos o fato de se sentirem inteiramente à vontade neste mundo 3 de Popper, onde impera o registro escrito de ideias e fatos. Quanto a Lula, é evidente a sua falta de familiaridade com tais proezas da mente devidamente treinada, aquela que não sente sono ao ler um bom livro, como já confessou candidamente o próprio ex-presidente.

O que teria, então, Lula a aprender nesse domínio com figuras como o chanceler alemão Otto von Bismarck e o nosso Pedro II, além de compostura e respeito no trato do dinheiro público? Muita coisa. Mas antes cabe mencionar sua desinformação e sua falta de modéstia. É mais que reveladora sua língua solta ao se jactar de ter chegado à Presidência sem estudar. E seu conhecido pouco apetite de ler um livro e aprender com quem sabe mais do que ele até mesmo em benefício próprio, do País e do seu tão caro (caríssimo para nosso bolso!) PT. Apenas pensar dessa forma (iletrada) já seria temeroso, mas dizer isso em público é inaceitável pelo efeito deletério na cabeça da juventude, já tão sem referenciais pelos quais se pautar. Em especial num país que perdeu o rumo em matéria de ética na vida pública. Afinal, que país chegou ao pleno desenvolvimento "pensando" desse modo?

Nessa linha, vem a propósito uma citação de Bismarck: "Com leis ruins e funcionários bons ainda é possível governar. Mas com funcionários ruins as melhores leis não servem para nada". O que Bismarck não previu e Lula implementou, ajudado por Dilma, foi a maquiavélica combinação de leis ruins com funcionários piores ainda. A proposta de emplacar os conselhos populares e os inúmeros cargos comissionados (e como!) por companheiros da pior qualidade exemplificam bem esse estratagema pernicioso. Poderia também ter aprendido com Lincoln a máxima de que ninguém engana todos o tempo todo. A diferença é que o lenhador americano que chegou à Presidência dos EUA nunca se descuidou de se educar e ler muito. E ainda deu uma resposta de imenso significado humano ao senador oposicionista que fez questão de lembrar-lhe, no dia de sua posse, que era filho de um simples sapateiro: "Agradeço, senador, ter me lembrado do meu saudoso pai neste momento. Torço para que eu tenha a mesma competência dele como presidente como ele a teve em seu oficio de sapateiro". Estivesse onde estivesse, o pai de Lincoln muito se orgulharia dessa resposta. Já à dona Lindu, dadas as circunstâncias atuais de grossa bandalheira, restaria enrubescer de vergonha...

No plano institucional da preservação da democracia e da liberdade de pensamento e de expressão (pobre funcionária do Santander!), a visão de Pedro II em relação à imprensa lhe faria muito bem, se tivesse lido um pouco mais. Para Pedro II, a imprensa se combate com a própria imprensa. Ou seja, é o livre trânsito das ideias e da informação que fará a verdade vir à tona. Mais de um século depois, Lula ainda não aprendeu a lição, haja vista as repetidas tentativas, vale reiterar, de aprovar a lei de controle social dos meios de comunicação. Embarcou na canoa furada de que a verdade nada mais é do que a verdade da classe social que está no poder, como propagava Gramsci, o teórico comunista italiano. Lula ainda se vangloria de ter aprendido com Marx, por certo de orelhada, que a luta de classes é o motor da História. Pelo jeito, não se deu conta de todo que é a colaboração inteligente entre classes sociais que leva ao pleno desenvolvimento não só material, como espiritual.

Muito já foi dito sobre a demora de 20 a 30 anos das novas ideias em aportar no Brasil e mesmo na América Latina. Muito mais precisa ser dito sobre a lentidão com que nos livramos das ideias carcomidas do pensamento ideológico, aquelas que tendem a levar países inteiros à bancarrota. Além do que ocorre com a Venezuela e Cuba, outro triste exemplo são as livrarias de Buenos Aires, talvez a única grande capital do mundo onde textos marxistas ainda as inundam. Pelo que se sabe, os argentinos leem mais do que nós, mas estão lendo a coisa errada. Será que tomaram conhecimento da guinada da ex-URSS e da China em direção à economia de mercado?

Bismarck e Pedro II sabiam, como estadistas que eram, que a política e as políticas públicas precisam ser conduzidas com visão de longo prazo. Quando os interesses escusos de curto prazo predominam, é certo que a coisa vai desandar, como está ocorrendo. Basta ler os jornais e as revistas. Ou ir ao supermercado conferir os preços. Forças da sociedade civil organizada, intelectuais, artistas de renome, dentre muitos, vêm, cada vez mais, se afastando do PT. O que restou foi gente condenada pelo mensalão, outros (muitos) encastelados no aparelhamento do Estado e os que não querem ver a malversação atroz do dinheiro público. Lula, Dilma e o PT ficaram tão espertos politicamente que é difícil diferenciá-los dos Sarneys e Malufs da vida. Karl Popper nos alerta que o fundamental é que um mau governo dure pouco. Um regime parlamentarista bem estruturado nos teria livrado dos governos que já acabaram, mas continuam, como o de Dilma, porque o mandato ainda não terminou.