quinta-feira, agosto 14, 2014

Os pais e a escola - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 14/08


Quase todo envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos não tem efeito --ou tem efeito negativo


Alguém, na burocracia da Educação Nacional francesa, já atribuiu notas boas a meus desenhos, tanto de tema livre (mais "artísticos") como figurativos (uma banana, uma laranja, uma maçã ou, mais difícil, uma alcachofra).

De qualquer jeito, não tenho do que me gabar. As notas foram decididas pensando que o autor dos desenhos fosse meu filho, que na época tinha dez anos.

Não havia outro jeito. A mãe de meu filho, de quem eu tinha me separado, aceitara que ele morasse um ano no Brasil comigo, mas à condição que ele não interrompesse sua escolaridade francesa. Em Porto Alegre, onde eu morava, isso só era possível se ele fosse escolarizado por correspondência.

A cada sexta-feira, chegava da França um temível envelope da Educação Nacional, com todo o necessário para cumprir o programa escolar da semana. A dose de lições de casa era assustadora e inesgotável.

Durante um ano, fiz lição de casa com meu filho. No domingo acontecia a arrancada final, pois o envelope das lições feitas devia imperativamente sair pelo correio na segunda: a gente trabalhava até as primeiras horas da madrugada, quando eu me encarregava dos desenhos de artes, enquanto ele completava o resto.

1) A quantidade de lições era insensata; 2) Estudar por correspondência era insensato, porque a escola deveria servir para estudar, mas também para socializar as crianças; 3) Eu fazer parte das lições dele (não só de artes) era insensato.

Apesar disso, num tributo ao espírito da pedagogia contemporânea, pela qual é bom que os pais se envolvam quanto mais possível na escolaridade dos filhos, eu imaginava que nossa "colaboração" criaria uma grande motivação futura.

Hoje, enfim, dá para afirmar que eu estava errado. Foi publicado em 2013 "The Broken Compass: Parental Involvement with Children Education" (a bússola quebrada: envolvimento dos pais na educação das crianças - Harvard University Press), em que os autores, K. Robinson e A. L. Harris, sociólogos, verificaram a eficácia (ou não) do envolvimento dos pais nos estudos dos filhos.

Eles estabeleceram 63 critérios para medir o envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos e procuraram os efeitos desse envolvimento ao longo de três décadas. Pois bem, eles chegaram à conclusão que quase todo envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos é sem efeito, quando não tem efeito negativo.

Se você ajuda as crianças a fazer a lição de casa, isso vai melhorar temporariamente as notas, mas, a médio e longo prazo, isso não melhorará a performance escolar dos seus rebentos. Apenas satisfaremos nossa vontade imediata de ver notas melhores nos cadernos de nossos filhos.

Se você sacrifica seu fim de semana para estar na escola, vendendo cupcakes na festa junina porque ouviu dizer que o envolvimento dos pais na vida da escola é um grande motivador para as crianças, saiba que, realmente, não é preciso.

Claro, sou parcial (não gosto de cupcakes e não gosto de festa junina), mas está provado que esse tipo de envolvimento dos pais não tem efeito constatável.

Diga-se o mesmo para as reuniões trimestrais com cada professor de nossas crianças, matéria por matéria: você pode ir, mas quando der, ok?

Robinson e Harris, em suma, sugerem que voltemos à antiga separação de casa e escola, as quais não precisam compartilhar problemas num excesso de fala sobre a criança.

Desde os anos 1970, acreditamos que uma aliança escola-família seja boa para a performance escolar dos nossos filhos. Descobre-se que, às vezes, é bom que a criança possa descansar dos pais quando está na escola --e descansar da escola quando está em casa.

O que se salva da ideologia da aliança casa-escola? Robinson e Harris acham que três coisas, principalmente, têm efeito positivo: 1) o valor que os pais atribuem à educação, 2) sua capacidade de conversar com os filhos sobre o futuro deles, 3) a leitura em voz alta com os pequenos.

O engraçado é que são coisas que os pais fazem em casa, com filhos e filhas --coisas, em suma, que não pedem nenhuma aliança especial entre a casa e a escola.

Fricções - LUÍS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 14/08


Centenas de personagens inventados ocupam um grande espaço em nossas vidas e nunca vão embora. A ficção também é um método de reprodução humana



O Jorge Luis Borges chamou o espelho de método de reprodução humana anticonvencional. O sexo e o espelho são, os dois, culpados de multiplicar pessoas, e assim contribuir para as misérias do mundo. Borges escreveu sobre seus pesadelos com espelhos e labirintos e tinha um notório problema edipiano com o pai, além de um notório ascetismo com relação ao sexo. O pavor de espelhos e o desgosto com sexo e paternidade se acoplam na aversão de Borges ao produto das duas coisas: gente. Mais gente.

Mas enquanto lamentava a proliferação humana de um lado e do outro do espelho, Borges também colaborava para aumentar a demografia imaginária da Terra, inventando pessoas. Ao contrário dos espelhos, os ficcionistas não copiam gente, criam gente, e lançam irresponsavelmente no mundo. Como se não bastassem os parentes e os vizinhos e os bilhões de chineses, temos que nos preocupar com a Antígona, o Hamlet, o Raskolnikov, o Swann, centenas de personagens que, só por serem inventados, não ocupam espaço menor em nossas vidas, e nunca vão embora. A ficção também é um método de reprodução humana, de uma fertilidade espantosa.

Certa vez tive a ideia de imitar o “Ficciones” do Borges e escrever um livro só de histórias eróticas chamado “Fricções". O livro começaria não com uma ficção, o que só agravaria a densidade demográfica de gente inventada, mas com uma reminiscência. Em 1959 eu estava em Paris (disse ele só para dizer que estava em Paris) e tinha 22 anos. Num café, conheci uma moça húngara. Seu francês era quase nenhum. O meu era de Aliança Francesa, mas eu faltava muito. Conversamos em inglês. E acabamos indo para o seu quarto num prédio sem elevador. Quantos andares eram? Quem estava contando?! Meu único medo era que, na confusão das línguas, tivesse havido algum mal-entendido, e meu último franco tinha ido para pagar o café. Mas não, era sexo de graça mesmo. Só que sexo com uma especificação. Na cama, ela ordenou:

— Hit me!

— What?

— Hit me! Hit me!

Ela queria que eu batesse nela. Em 1956 a União Soviética tinha invadido a Hungria para abafar uma revolta contra a dominação comunista e ocupado o país por um bom tempo. Não fiz como os soviéticos. Bati, mas em retirada. Ainda mais que a húngara era grande.

Começar de novo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 14/08


Simplificando, para facilitar, se poderia dizer que Campos era o lado ‘amigável ao mercado’; Marina, o social



Há pesquisas eleitorais já prontas para divulgação, outras em campo. Não servem para mais nada. Marina Silva no lugar de Eduardo Campos muda o jogo na política e nas perspectivas econômicas.

Confirmada candidata a presidente, Marina pode obter entre 15% e 20% logo na primeira pesquisa. Com isso, chega nos calcanhares de Aécio Neves e torna praticamente inevitável o segundo turno.

O sentido da candidatura também muda. Sim, havia uma aliança, um acordo entre Campos e Marina, mas o candidato era o ex-governador de Pernambuco, com seu perfil: de esquerda e “amigável aos negócios”, como dizem os economistas para os líderes que se propõem a buscar justiça social no quadro do regime capitalista.

O papel de Marina, no essencial, era atrair os votos das pessoas que foram às ruas em junho do ano passado e que, apontavam as pesquisas, não se identificavam com os políticos tradicionais. Ao contrário, manifestavam uma bronca geral com a política. Marina estava fora disso. As pesquisas também indicaram que, entre os políticos conhecidos, era a única aprovada pelos manifestantes.

Aquelas manifestações não tinham uma agenda política determinada. Talvez por isso mesmo tenham sido tão amplas. O pessoal estava de bronca com a política, com a corrupção, com a inflação, com os serviços públicos, especialmente saúde e escolas, e com tudo o mais.

A chapa Campos/Marina era uma boa ideia por isso: uma tentativa de atrair esse pessoal, ou seja, os votos de Marina, para uma posição institucional, organizada, com metas e programa, representada pelo ex-governador de Pernambuco. Eis a terceira linha. Poderia ou não convencer o eleitor, mas fazia sentido.

Marina é certamente de esquerda, com o forte lado do ambientalismo. Há empresários e economistas ortodoxos ou próximos disso no seu time, mas ela está à esquerda deles. Nos meios econômicos, nos quais Eduardo Campos estava ganhando espaço, a restrição à chapa era justamente a presença de Marina.

Simplificando, para facilitar, se poderia dizer que Campos era o lado “amigável ao mercado”; Marina, o social. Ainda nos meios econômicos, era crescente a admiração pela administração de Campos em Pernambuco, sobretudo pela introdução de métodos de gestão privada inclusive nas áreas de educação e saúde.

De outro lado, ia por aí mesmo a bronca de muitos militantes da Rede Sustentabilidade, o verdadeiro partido de Marina Silva. Reclamavam da falta de maior compromisso do time de Campos com o social e a sustentabilidade.

O que reduzia essas tensões era a atuação pessoal dos dois líderes.

Resumindo: confirmada candidata, Marina Silva deve aparecer com talvez o dobro das intenções de voto obtidas até aqui por Campos. Deve atrair votos de eleitores de Dilma arrependidos. Mas terá de mostrar muita habilidade política para manter a aliança original.

De todo modo, ela deve garantir um segundo turno. Alcançará Aécio? Só se conseguir juntar os votos dela com todos aqueles dos eleitores de Campos e mais um pouco do centrão.

Aécio fica sozinho no centro, naquela região em que se quer mudar a política econômica num sentido mais conservador, mais pró-negócios. Deve herdar os eleitores de Campos que se aproximavam desse lado.

Isso no lado da oposição. Dilma deve ficar onde está — ou perder um tanto se Marina for mais para a esquerda. Ou seja, o jogo mudou. Aqui estão as primeiras especulações, mas vai começar de novo.

PERDA

Recebi este e-mail de Cristiane, ouvinte da CBN: “Eu ainda estava conhecendo Eduardo Campos e, apesar de pretender votar em outro candidato, ficava esperançosa de que a política no Brasil estava mudando a cada vez que o ouvia falar. Inclusive ontem (terça-feira), pois, apesar de não ter resposta para as perguntas espinhosas do Bonner, usou nelas a lógica de um estadista.”

Esse foi o tamanho da perda. Eduardo Campos não era um político comum. Era uma novidade na política brasileira — e uma grande novidade. Os que o conheciam, os que trabalharam com ele, os que de algum modo se relacionaram com suas administrações, todos sabiam como combinava habilidade política com moderna capacidade de gestão.

Foi ousado, mas consistente, ao propor a terceira via.

Era esse político e gestor que Cristiane estava conhecendo. E tanta gente mais.

Tancredo Neves morreu quando ia finalizar sua obra política. Eduardo Campos morreu quando tentava começar a parte maior.

Pátria ou abutres? - RAUL VELLOSO

O ESTADÃO - 14/08


Governos populistas são mestres em encontrar culpados externos para suas falhas. Cristina Kirchner nega a existência de novo calote e acaba de responsabilizar autoridades americanas por mais um default da dívida argentina. Lógica semelhante foi usada por seu marido, Néstor, ao culpar os credores pela dívida contraída durante a década de 1990, na gestão de Carlos Menem. No mesmo espírito, as reestruturações de 2005 e 2010 foram conduzidas de forma agressiva e impositiva, resultando em perdas de mais de 60% para os detentores de títulos argentinos.

Há credores que não aceitaram as condições oferecidas pela Argentina. Basicamente, são fundos de investimentos, apelidados de abutres, que compram os papéis por valores muito baixos na esperança de obter altos lucros por meio de recurso à Justiça. Como qualquer valor obtido mediante emissão de dívida poderia ser arrestado para pagar os insatisfeitos, o país está fora dos mercados desde 2001. "Perdido por um, perdido por mil": as administrações Kirchner permaneceram anos sem pagar outras obrigações, incluindo as referentes à dívida entre países, à desapropriação da empresa YPF e às demandas resultantes de decisões do Ciadi, o centro de arbitragens do Banco Mundial. Com o agravamento da crise, a Argentina cedeu um pouco nesses assuntos, na esperança de melhorar a imagem externa e vencer a luta contra os abutres.

Só que a Justiça de Nova York confirmou a sentença proferida em 2012, favorável ao pagamento integral dos títulos em poder do fundo de investimentos MNL, no valor de US$ 1,3 bilhão. Posteriormente, falhou a tentativa da Argentina de recorrer à Corte Suprema, que, em meados de junho, se recusou a examinar o caso.

Em 30 de junho foi determinado um período de 30 dias para negociação da forma de pagamento à parte ganhadora. Nenhuma quitação de dívida poderia ser feita sem um acerto prévio com o MNL. Essa decisão foi ignorada pelo governo, que fez uma transferência de US$ 539 milhões para pagar aos credores da dívida reestruturada, operação imediatamente travada pelo Judiciário. Em 30 de julho, por não haver acordo com o MNL, foi suspensa a medida cautelar que permitia pagar separadamente os credores da dívida reestruturada, e o país entrou em novo default.

Agora está refém de uma cláusula acordada nas renegociações anteriores -Rights Upon Future Offers (Rufo) -, vigente até 31/12/2014, pela qual toda vantagem dada a um credor tem de ser oferecida aos demais. Ou seja, se o governo pagar integralmente aos fundos abutres, terá de estender as mesmas condições aos detentores da dívida já reestruturada, o que significaria quebrar o país, pois a conta ultrapassa US$ 120 bilhões. Nesse contexto, o discurso oficial é o de defender o país contra os ataques externos e quem ousa criticar o governo é tachado de traidor. O pior é que essa estratégia tem rendido bons frutos políticos à presidente, pois as pesquisas indicam um substancial aumento de sua popularidade.

Nunca foi tão grande o divórcio entre as expectativas políticas e econômicas na Argentina. As reservas internacionais estão em baixa, a inflação beira os 40% ao ano, o déficit primário é superior a 5% do PIB. Na área externa, o calote já aumentou os custos e diminuiu os prazos do financiamento ao comércio, os preços da soja e do milho estão caindo e as exportações de produtos industriais, especialmente de automóveis para o Brasil, têm perspectivas desanimadoras. Estimativas privadas preveem uma queda do PIB, neste ano, de até 2%.

Ninguém, muito menos a sra. Kirchner, parece saber quando vai sair do novo calote. Depois de dezembro, após o vencimento da cláusula Rufo, ou será necessário esperar o desfecho das próximas eleições? Neste momento ela está integralmente dedicada a tirar o máximo proveito de seu próprio fracasso e o que vale é a palavra de ordem: pátria ou abutres! Por aqui muita gente importante aplaude mais essa aventura. Quanto aos nossos problemas, a culpa vai para os analistas...


Sem Eduardo Campos - CELSO MING

O ESTADÃO - 14/08


A primeira reação do mercado financeiro à morte do candidato Eduardo Campos foi inteiramente emocional, como se o nível de incertezas tivesse aumentado e como se as perspectivas da economia brasileira tivessem piorado

A primeira reação do mercado financeiro à morte do candidato Eduardo Campos foi inteiramente emocional, como se o nível de incertezas tivesse aumentado e como se as perspectivas da economia brasileira tivessem piorado.

A morte de um político jovem, com enorme capacidade de articulação, que apontava para mudanças sem perda do nível de segurança na condução da vida política brasileira, é profundamente lamentável.Mas se os desafios de política econômica não mudam, pode ter ficado bem mais difícil de montar um mecanismo capaz de dar resposta a eles.

De um certo ponto de vista, esses desafios se tornam mais complicados porque, sem Campos, o debate e o processo de criação de consciência que dele poderia advir podem perder profundidade e pertinência.

Os problemas de fundo também não mudam. O Brasil é, no momento, uma economia mal-arrumada, desequilibrada, dividida entre projetos de qualidade diferente: o de perseguir mais do mesmo, o de retomar uma administração mais conservadora e mais segura e o de partir para alguma coisa nova, que ninguém sabe exatamente o que tem de ser.

Na última terça-feira, por exemplo, o empresário Benjamin Steinbruch, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e também no exercício da presidência da Fiesp, advertiu que a economia brasileira tem muita margem para piorar e, nessas condições, “só louco investe no Brasil”. Esta não é uma posição exclusivamente pessoal. É o que pensa a maioria dos empresários brasileiros e os que vivem de alocar e administrar recursos no sistema produtivo.

Na hora de apontar para uma saída, Steinbruch revelou mais perplexidade do que proposta. Ele se limitou a dizer que é preciso “algo muito diferente e muito agressivo, para arrumar as distorções”. A maioria dos empresários sabe o que não quer, mas não é capaz de armar um arcabouço que dê consistência à retomada. Não quer juros lá em cima, como estão hoje nem câmbio fortemente valorizado, como o de hoje. Também não quer esse custo Brasil insuportável. Defende contas públicas equilibradas, mais investimentos em infraestrutura barata, mais educação e saúde com nível de excelência para todos, mas não tem proposta sobre como montar a equação macroeconômica capaz de dar consistência a essas aspirações.

Como acontece nos tempos de crise, o maior problema consiste em como distribuir uma enorme conta a pagar pela sociedade e em como comandar mudanças que todos querem, contanto que os novos encargos sejam sempre transferidos para os outros. A saída não está só na amarração de respostas tecnicamente adequadas, mas, principalmente, em respostas politicamente viáveis.

Campos vinha contribuindo para apontar soluções modernas, identificadas com a reforma do Estado e com a reforma tributária. Defendia a criação de um sistema educacional sólido que preparasse a decolagem da economia e a criação de bases para o crescimento mais acelerado e mais sustentável.

Por ter surgido e se formado entre as esquerdas brasileiras e, portanto, por ter uma visão “por dentro” dos erros dos governos do PT, Campos tinha condições de defender mudanças que conduzissem a um novo choque de capitalismo moderno. Agora, esses movimentos têm de ser feitos sem ele.

Componente emocional


Com a morte de Eduardo Campos, a campanha eleitoral por rádio e TV começa dia 19 com um componente emocional de natureza inteiramente diferente do que estava sendo previsto pelos marqueteiros. Difícil saber quantas semanas vai durar.

Perda nacional - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/08


O Brasil tem poucos quadros políticos de qualidade que possam almejar a Presidência. A morte de um jovem de 49 anos que já foi testado na administração pública, governou duas vezes um estado complexo e saiu com alta aprovação é perda de precioso patrimônio. Havia grande chance de que algum dia Eduardo Campos governasse o Brasil, independentemente do que ocorresse nesta eleição.

Pensar no futuro quando o presente é atravessado pela tragédia é um desafio. Mas é o que os partidos que concorrem à Presidência fazem desde o primeiro momento. A coalizão "Unidos pelo Brasil" terá que tomar uma decisão urgente no meio da comoção, que é escolher alguém para disputar as eleições.

O primeiro cenário que apareceu na mente de todos os analistas foi o da escolha de Marina Silva como candidata. Mas não é tão simples nem a única possibilidade. Há outras. Uma delas é a coalizão manter o PSB na vaga de candidato e procurar entre seus quadros alguém que possa ocupar o posto. A primeira possibilidade só se mantém se, nesses dez meses, Eduardo Campos e Marina tiverem conseguido superar as divisões que existem dentro do PSB.

É importante lembrar a natureza surpreendente do nascimento dessa aliança. Ela começa com um gesto de Marina Silva que, sem partido, vai até Eduardo e adere à candidatura dele. Naquela entrevista que concederam juntos, no sábado 5 de outubro, havia uma genuína surpresa em cada um e uma lufada de ar fresco na mesmice da política brasileira. Os gestos eram novos. O de Marina, de ir até ele; o dele, de abrigar a Rede Sustentabilidade. Foi o encontro de duas lideranças com muita força pessoal. Cada uma teve que trabalhar duramente para superar as divergências nos seus grupos políticos e para costurar a união dos dois movimentos.

Mudou tudo ao fim da manhã de ontem. Alterou a dinâmica da eleição e o tom da propaganda eleitoral que começa na próxima terça-feira. O grau de incerteza da eleição de 2014 subiu e vai ser mais difícil também encontrar a melhor forma de se comunicar com o eleitor neste curto período de campanha, de menos de dois meses, até o primeiro encontro com as urnas.

Eduardo Campos causava uma excelente impressão nos encontros que vinha tendo com empresas e líderes de diversos segmentos. Era fácil ouvir palavras de entusiasmo pelo aparecimento de um novo líder que falava bem, ouvia com atenção, mostrava-se preparado para o debate de questões com profundidade. Ele tinha a favor dele dados que agradavam. Melhora em todos os indicadores sociais do estado, queda de 10 pontos na mortalidade infantil e um crescimento de 17,7% da produção industrial do estado entre janeiro de 2007 a abril de 2014. A do Brasil cresceu 7%; a do Nordeste, 11%.

O Brasil tem essa escassez de bons quadros políticos por alguns motivos sobre os quais devemos refletir. A razão original, sem dúvida, é a ditadura. O longo período de cassações e autoritarismo interrompeu carreiras, desviou e dizimou lideranças e impediu o aparecimento de novos líderes. Depois disso, veio o descrédito com a política, pelos sucessivos casos de corrupção, e isso desestimula talentos jovens de seguirem o caminho da participação partidária. Os dois fatos juntos empobreceram a democracia brasileira. Ontem, o destino produziu um enorme desfalque no pouco que temos.

As duas razões que produziram essa escassez de quadros políticos nos levam a uma conclusão. Dado que o passado não podemos mudar - a ditadura ocorreu e deixou suas sequelas insanáveis, algo imutável -, temos que trabalhar para superar o desânimo que tem afastado os jovens da política.


O show de Lula - MARCOS GUTERMAN

O ESTADÃO - 14/08


A extensão dos danos causados ao Brasil pela diplomacia partidária do lulopetismo ainda é desconhecida. Por muito tempo o mundo se deixou encantar pelo hiperativismo de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto seu governo fazia opções que afrontavam a tradição do Itamaraty e o próprio interesse nacional. Mesmo com Dilma Rousseff, isto é, mesmo sem a megalomania de Lula, resta evidente que a agenda petista continua a prevalecer e a única estratégia do governo parece ser a de confrontar o "Norte", ou seja, os países ricos, sempre que a oportunidade aparece. Os resultados dessa política certamente se farão sentir por muitos anos, porque inúmeras oportunidades comerciais e de desenvolvimento vêm sendo perdidas em favor da aproximação com regimes autoritários que nada têm a oferecer ao Brasil senão afinidade ideológica com os governantes de turno.

Embora esses equívocos sejam claros como o dia, escassas são as vozes que ousam apontá-los, pois são logo classificadas como "lacaias do império" por uma formidável máquina de propaganda petista, em especial nos meios universitários, justamente onde deveria prevalecer o pensamento crítico e independente. Um dos poucos que decidiram enfrentar esse consenso artificial é o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Em seu novo livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais, Almeida propõe-se a fazer um raro balanço da política externa lulopetista, sempre tendo em vista seus equívocos basilares. Ainda que não seja possível dimensionar a amplitude total dos problemas levantados, pois não há distanciamento histórico suficiente, o fato é que o livro de Almeida é uma leitura genuinamente incômoda, pois revela como a política externa do Brasil está, neste momento, entregue a ideólogos de um partido que diz defender a soberania nacional enquanto a sacrifica no altar do altermundismo.

Almeida está na carreira diplomática desde 1977 e ocupou diversos cargos no Itamaraty. Com uma trajetória dessas, seria natural que mantivesse a discrição que marca o mundo da diplomacia. Mas Almeida é, no dizer do embaixador Rubens Barbosa, um "provocador" - a começar pela escolha do título do livro.

"Nunca antes" é a expressão de um tempo em que tudo o que diz respeito ao lulopetismo tem de ser considerado em termos superlativos, pois se trata, na visão de seus protagonistas, de uma "revolução". É a introdução obrigatória dos discursos não só de Lula, mas de todos aqueles empenhados em provar, a todo momento, que o ano de 2003, quando o PT chegou ao poder, marcou o início de fato da História do Brasil. Almeida dedica-se a desconstruir esse discurso, para provar que por trás da promessa de independência e altivez mal se esconde a submissão a interesses obscuros, articulados bem longe das fronteiras nacionais - o livro lembra diversas vezes a vinculação de petistas de alto coturno com Cuba e a ditadura dos irmãos Castro.

Um dos grandes problemas da diplomacia lulopetista, como mostra o livro, é o improviso, resultado direto da sujeição total da política externa aos desejos e impulsos de um chefe de Estado que imagina estar numa missão redentora. Com Lula, deixou-se de lado, por ociosa, qualquer forma de planejamento e de respeito aos limites da ação diplomática, razão pela qual muitas vezes se despendeu grande esforço para alcançar objetivos tão controversos quanto inúteis, apenas para satisfazer a sede presidencial pelos holofotes. Ainda que bem mais discreta que seu antecessor, Dilma manteve o desapreço pela diplomacia profissional.

O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político. Com isso o País passou a classificar como "estratégica" qualquer parceria que cumprisse a função de reafirmar os propósitos anti-hegemônicos da cartilha do PT, sem considerar os interesses de longo prazo nem os recursos que devem ser gastos para manter essa fantasia.

Ao dar prioridade às relações com os países do "Sul", isto é, aqueles que não integram o mundo desenvolvido, Lula tinha em mente liderar uma revolução geopolítica - e, de lambujem, ganhar um Nobel da Paz. Pretendia colocar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Queria que o País fosse reconhecido como o motor de um novo modelo de desenvolvimento, melhor e mais justo do que o capitalista ocidental. Mas, como mostra o livro de Almeida, faltou combinar com os russos.

As iniciativas petistas foram rechaçadas, em primeiro lugar, pela Argentina e pelo México, entre outros países da América Latina, que não estavam nem um pouco inclinados a aceitar a liderança brasileira. O Mercosul, que deveria servir de plataforma para esse salto diplomático, foi transformado num estorvo para o desenvolvimento brasileiro e todas as outras entidades criadas na América Latina para dar corpo à ideia de integração regional raras vezes se prestaram a outra coisa senão a servir de palanque para as diatribes bolivarianas.

Em nome de seus propósitos delirantes, o lulopetismo adotou a leniência como padrão de relacionamento com os sócios ideológicos: aceitou afrontas da Bolívia à soberania nacional e da Argentina a acordos comerciais, ignorou violações de princípios democráticos, afagou ditadores. Tudo isso para provar que estava conferindo, pela primeira vez, verdadeira "independência" à política externa brasileira.

Após demonstrar que essa "independência" é uma ilusão e apontar os graves problemas que isso causa ao País, Almeida termina seu livro com um interessante exercício: ele especula o que o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, diria a Lula se fosse seu chanceler. Além de recomendar o fim da política "Sul-Sul", por reduzir demais as oportunidades para o Brasil, Rio Branco daria um conselho que, embora óbvio, é fundamental nestes "tempos não convencionais": um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido.

Rasteira do destino - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 14/08


Desde o início esta eleição estava marcada pela imprevisibilidade. Mas o inesperado acabou vindo antes do resultado, trazendo consigo a mais impactante das surpresas no acidente que matou o candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, e outras seis pessoas que estavam no avião que caiu em Santos (SP) na manhã de ontem.

Uma rasteira do destino que corta de forma brutal a trajetória de um político vivaz, habilidoso e, característica rara, com um bom humor que o grande público não teve oportunidade de conhecer. Na tarefa de se tornar conhecido nacionalmente, o ex-governador de Pernambuco estava empenhado em mostrar suas qualidades de governante. Natural, não poderia nessa fase ocupar seu tempo mostrando aos eleitores suas qualidades de exímio comediante.

Melhor dizendo, de imitador. Inesquecíveis as performances em que reproduzia hipotéticos diálogos de Lula falando sobre ministros de seu governo, destacando as peculiaridades mais engraçadas de cada um. O “elenco” era amplo. Ciro Gomes, Marina Silva, Dilma Rousseff, Jaques Wagner, Fernando Henrique e muitos outros. Na verdade, todos. Nenhum dos “colegas” escapava ao espírito gozador de Eduardo Campos.

Juntando-se à leveza de alma a consistência política, uma conversa com ele era sempre proveitosa e prazerosa. Na medida dos limites da estratégia, era transparente. Quando indicava seus passos podia até omitir, mas não mentia. Cabia ao interlocutor pesar, medir e concluir. Ocorreu assim anos atrás quando, em diálogo rápido num restaurante em Brasília, deu sinais de que abriria (sem querer querendo) com sutileza as portas de saída ao PSB a Anthony Garotinho. Aconteceu de novo em 2013.

O cenário era de indefinição sobre se seria ou não candidato a presidente, se deixaria ou não a área de influência do PT – surgiram especulações a respeito da possibilidade de Eduardo Campos aceitar a proposta do PT de concorrer à Presidência apenas em 2018 e desistir da disputa em 2014. Diante do quadro, o então governador de Pernambuco dizia: “Tem gente que ainda está esperando o cumprimento de compromissos de 1989”. Portanto, não seria ele a acreditar em promessa futura diante de acertos descumpridos do passado. Sem que ele dissesse de maneira explícita, estava claro que sairia candidato.

O projeto, construir um caminho político-eleitoral independente das duas forças preponderantes no país, PT e PSDB. Construção difícil, mas não impossível à qual Eduardo Campos começou a se dedicar com o discurso da “nova política” mais objetiva que a agenda “sonhática” de sua companheira de chapa Marina Silva.

Campos costumava lembrar exemplos da história do Brasil para mostrar que seria perfeitamente possível governar sem lotear os cargos da administração pública entre partidos. O engajamento da sociedade na agenda política, segundo ele, seria a chave, tal como já ocorrera por ocasião da campanha pela redemocratização do país, no governo de transição depois do impeachment de Collor e à época da implantação do Plano Real. Na opinião dele, a urgência de renovação dos meios e modos de se fazer política poderia motivar o mesmo tipo de mobilização, a depender da disposição do governante eleito de utilizar a força obtida nas urnas para unir o país em torno de uma pauta inovadora desse tipo.

Nessa concepção, caberia às lideranças, no caso específico ao presidente, transformar a apatia decorrente da indignação social com os políticos e os partidos em motor da geração de uma força coletiva de vontade de renovação. Sem mau humor, sem descrença, sem divisões, sem “eles”. O Brasil de todos nós. Agregador, assim era Eduardo Campos, um político de quem se podia discordar, mas uma pessoa de quem era absolutamente impossível não gostar.


“Coisas estúpidas” - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 14/08


Dias atrás, enquanto começavam os ataques aéreos americanos no Norte do Iraque, um alto oficial do Pentágono, o general William Mayville, esclareceu seus limites. “De forma nenhuma pretendo sugerir que nós estamos, de fato, contendo ou de algum modo destruindo a ameaça posta pelo Estado Islâmico (EI).” Os bombardeios têm os objetivos táticos de romper o cerco aos yazidis no Monte Sinjar e retardar o avanço dos jihadistas rumo a Irbil, oferecendo tempo para os curdos reforçarem as defesas de sua capital. Mas, reconheceu Mayville, “dificilmente afetarão a capacidade militar do EI ou suas operações em outras áreas do Iraque e da Síria”. Barack Obama substituiu o triunfalismo da Doutrina Bush por algo como uma doutrina de retirada estratégica. As implicações da segunda revelam-se tão desastrosas quanto as da primeira.

Até há pouco, a política externa de Obama sofria apenas críticas públicas dos republicanos, que nunca acertaram as contas com a falência da visão neoimperial de Bush. A proclamação do califado jihadista do EI, contudo, provocou uma ruptura na aparente unidade dos democratas – e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton expôs o cisma à luz do dia. Numa longa entrevista à publicação The Atlantic, a provável candidata presidencial disparou obuses certeiros contra a “doutrina Obama”. Hillary disse que “grandes nações precisam de princípios organizadores” e que “não faça coisas estúpidas” não é “um princípio organizador”.

“Não faça coisas estúpidas”, a expressão irônica cunhada pelo presidente para sintetizar sua política externa, é uma referência óbvia à invasão do Iraque, a “guerra estúpida” de Bush, na definição célebre de Obama. Mas a síntese pela negativa representa também uma adesão ao sentimento isolacionista que perpassa a sociedade americana. Uma expressão sofisticada da orientação política isolacionista, que emerge amiúde nos raciocínios de Obama, é a crítica à noção neoconservadora de “difusão da democracia”. Os EUA não podem moldar o Oriente Médio, ou o mundo muçulmano, segundo um figurino político desenhado em Washington. Hillary está de acordo com isso, mas rejeita as duas alternativas polares: “Quando você está se entrincheirando e recuando, não tomará decisões melhores do que quando está avançando de modo agressivo e beligerante”.

A centelha da cisão foram as decisões sobre a guerra civil na Síria, o evento crucial que congelou a “Primavera Árabe”. Como revelou em Hard choices, seu livro de memórias sobre os quatro anos à frente do Departamento de Estado, Hillary alinhou-se com as propostas de Robert S. Ford, o embaixador que indicara para a Síria, finalmente rejeitadas pela Casa Branca. Inutilmente, Ford tentou convencer o governo americano a respaldar as correntes moderadas da oposição interna síria, fornecendo armas e treinamento para suas improvisadas forças militares. Temendo as consequências de longo prazo do compromisso estratégico, Obama preferiu operar quase exclusivamente no tabuleiro diplomático.

A “coisa estúpida” seria, na análise do presidente, transferir armas que poderiam terminar nas mãos dos jihadistas. Entretanto, como registra Hillary, estúpido foi contribuir, pela inação, para o fracasso do Exército dos Sírios Livres. “O insucesso em ajudar a criar uma força combatente viável dos que estiveram na origem dos protestos contra Assad – correntes islamistas, secularistas e intermediárias – abriu um grande vácuo, que os jihadistas agora ocuparam”, pontuou a ex-secretária de Estado. A instalação de um califado do EI em Mossul, que ameaça provocar a implosão definitiva do Iraque, é uma prova de que a “guerra ao terror” não se concluiu com a eliminação de Osama bin Laden – e um indício clamoroso do erro estratégico de Obama na Síria.

As convicções de Obama sobre política externa foram esculpidas durante os anos loucos de George W. Bush, por oposição à arrogância unilateralista dos neoconservadores, e cimentaram-se na hora de sua chegada à Casa Branca, quando o colapso financeiro forçou o país a desviar o olhar para a reconstrução econômica interna. “Não faça coisas estúpidas” é um reflexo dessa experiência. Contudo, não é exato acusar o presidente de fechar os EUA na concha do isolacionismo – ou mesmo de incapacidade de formular uma estratégia geral de política externa. A estratégia existe, mas passa ao largo do Oriente Médio e subestima as ameaças postas pelo jihadismo.

Confrontado com a ascensão histórica da China, Obama promove um “giro estratégico” na direção da Ásia, uma orientação de largo alcance que se articula em iniciativas políticas, econômicas e militares. As retiradas do Afeganistão e do Iraque são componentes lógicos dessa estratégia, que também se encontra na raiz das hesitações em confrontar a Rússia no teatro da crise ucraniana. Mas “coisas estúpidas” acontecem em rápida sequência no Oriente Médio – e o desengajamento da maior potência do mundo potencializa as instabilidades geopolíticas.

A escolha errada na Síria fechou dramaticamente o leque de opções no Iraque. Mesmo assim, Obama ainda tem a oportunidade de ordenar uma campanha massiva de bombardeios aéreos contra o EI, no Iraque e na Síria, enquanto manobra na esfera diplomática para, com o auxílio paradoxal do Irã, costurar uma coalizão governamental inclusiva em Bagdá. Mas o “não faça coisas estúpidas” paralisa a Casa Branca, que opera por impulsos reativos, a reboque dos eventos. Os ataques aéreos “muito limitados”, nas palavras de Obama, junto com o desesperado fornecimento de armas aos curdos, apenas prolongam os estertores do Iraque, que se inscrevem na moldura de uma guerra regional entre sunitas e xiitas.

Hillary está dizendo que um sinal vermelho não é uma doutrina estratégica. “Coisas estúpidas”, conta-nos a história, costumam acompanhar o desengajamento das grandes potências.

O voto, além da morte e do luto - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 14/08


A sabedoria convencional indica que a morte de Campos alterará muito o panorama eleitoral


Samantha Pearson, a correspondente do ¨Financial Times¨ no Brasil, ousou prever, a quente, que a morte de Eduardo Campos muda "radicalmente" o panorama eleitoral. Não chegou a elaborar, mas a sabedoria convencional indica que pode ter razão.

Para começar, o lógico é que Marina Silva, a candidata a vice, seja a substituta de Eduardo Campos, assumindo a cabeça de chapa. Se se especulou muito, antes da definição da candidatura do ex-governador pernambucano, com a hipótese de que Marina poderia ser a candidata, o natural é que, agora, ela o substitua no posto.

Se for assim, é razoável supor que Marina recuperará nas pesquisas o patamar de intenções de voto que tinha antes de inviabilizada a sua Rede e, por extensão, antes de que ela aderisse ao PSB.

Na última pesquisa do Datafolha nesse cenário, no início de abril, a ex-senadora do Acre atingia 27% e ficava em segundo lugar, não muito atrás da líder Dilma Rousseff, com seus 39%.

Recuperado esse patamar e todas as demais variáveis permanecendo as mesmas, o segundo turno torna-se inevitável. Afinal, aos 27% de Marina é preciso somar os 16% de Aécio Neves, o que dá, portanto, 43%, acima dos 39% de Dilma. Como se sabe, a condição para segundo turno é os demais candidatos superarem os votos da primeira colocada.

É óbvio que nada garante que essas suposições se cumprirão. Aliás, nem é certo que Marina será a candidata no lugar de Eduardo Campos, por mais que seja a alternativa cristalinamente lógica. À parte a lógica, podem entrar na equação emoções que alterem esse cenário, para o bem ou para o mal (de Marina).

Uma delas me foi lembrada por Adriana Pérez-Cañedo, âncora de rádio e TV mexicana, quando me entrevistava exatamente sobre a morte do líder socialista. Para ela, a comoção provocada por episódios do gênero inevitavelmente leva votos para os substitutos da vítima.

A entrada de Marina, acoplada a esse, digamos, "voto-luto", pode servir de catalisador para que o desejo de mudança, clara e fortemente manifestado em todas as pesquisas eleitorais, engrosse a preferência pela ex-senadora.

Mas pode acontecer também que Marina não recupere a intenção de voto que tinha antes de se filiar ao PSB, exatamente porque os eleitores que querem a mudança --seja lá o que isso signifique-- podem entender que ela se contaminou com a velha política ao entrar em um partido convencional, ao contrário da suposta novidade que seria a Rede.

Cabe de todo modo deixar claro que avaliações a quente, como a que ousou fazer Samantha Pearson e à qual aderi, podem ser destruídas à medida em que o estado de choque em que caiu o mundo político seja substituído pela realidade de que a eleição está a apenas sete semanas.

Cabe também lembrar que Eduardo Campos era, talvez, o único político nordestino que não se encaixava no perfil coronelístico que caracteriza a maior parte de seus pares (e não apenas no Nordeste), embora suas raízes estivessem solidamente fincadas no agreste pernambucano, tal como o "velho Arraia", seu avô Miguel Arraes.

Pausa trágica - SÍLVIO RIBAS

CORREIO BRAZILIENSE - 14/08
A temperatura da campanha presidencial - tragicamente interrompida ontem com a morte prematura do candidato Eduardo Campos (PSB) - ainda se assemelha com a da economia, cada vez mais fria. Os três principais candidatos vinham se deslocando pelo território nacional e se preparando para colocar a cara no horário político da tevê, a partir da próxima semana, quando uma página triste da história nacional foi escrita. Mas eles também não tinham conseguido despertar o interesse dos eleitores de baixa renda, o que sempre acaba decidindo o pleito.
Segundo os especialistas, o momento até então era dos dois desafiantes da presidente Dilma Rousseff (PT), Campos e o também ex-governador Aécio Neves (PSDB), se apresentarem além dos seus redutos eleitorais, para ficarem menos desconhecidos. A troca de acusações de malfeitos que sempre pipocam nessa fase de largada também não fizeram o cidadão comum coçar a cabeça, embora estejamos a poucos dias de apertar botões da urna.

Depois das grandes manifestações de 2013, a expectativa era de que o ambiente eleitoral ganhasse a esta altura novos predicados, basicamente com um eleitor mais ativo e interessado em ter voz no processo. O voto continua valendo a mesma coisa, e a sua importância suplanta os quatro ou oito anos de mandato, caso de algumas cadeiras no Senado. Por isso é uma pena que os brados das ruas no ano passado não tenham emparedado de vez o mau político.

As eleições de outubro são importantes sob vários aspectos, e o marketing que compõem as alianças para chegar ao poder não consegue mostrar isso. O exercício da cidadania e as aspirações da maioria deveriam encontrar convergência nos nomes colocados na disputa. Incomoda ver tantos rostos e tantas siglas sem expressão brigando por uma vaga parlamentar e saber que a renovação de quadros nas grandes legendas partidárias nem sequer começou - e ainda sofreu dura baixa como a de ontem.

Desejosos de mudanças profundas, muitos eleitores chegam à campanha eleitoral sem muita segurança das escolhas que deveriam fazer. Pior, fica propenso ao desânimo, sem gana de encontrar alternativa, por achar que elas não existem de fato. Nessa toada, pode acabar votando pela lei da gravidade. Mas, com o voto tendo o merecido peso que tem, tomara que o cidadão não abdique do direito de influir na vida do país.

13 de agosto - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 14/08


BRASÍLIA - A morte chocante de Eduardo Campos joga um grau de imprevisibilidade ainda maior numa eleição já particularmente imprevisível desde junho de 2013.

Campos era jovem, promissor, de uma família política e uma opção criativa à polaridade de 20 anos entre PSDB e PT. Sua morte trágica, na reta final da campanha à Presidência, no mesmo mês da morte de Getúlio e JK e no mesmo dia da morte do avô Miguel Arraes --13 de agosto-- atinge uma dramaticidade especial num país emotivo e religioso como o Brasil.

Sem Campos, o caminho natural é que a candidata seja Marina Silva, que conquistou cerca de 20% dos votos em 2010, deixou uma legião de seguidores e sabe falar, olho no olho, com o eleitorado evangélico.

Confirmada, será uma guinada e tanto na chapa do PSB. Campos era pragmático, pró mercado, pró agronegócio. Marina é menos flexível e enfrenta resistência no mercado e, especialmente, entre ruralistas. Mas pode e tem tudo para crescer muito.

Campos patinava em 8% e 9% de intenções de voto, mas tinha certeza de que iria deslanchar com o início da propaganda na TV e no rádio, dia 19. Essa expectativa se transfere agora para Marina, que poderá, enfim, somar o seu capital ao potencial dele.

Assim, seria decisiva para evitar a vitória de Dilma no primeiro turno. O problema é o quanto ela poderá crescer. Só o suficiente para garantir o segundo turno? Ou a ponto de ameaçar o tucano Aécio Neves?

A eleição fica ainda mais embolada e ainda mais imprevisível, mas a melhor aposta ainda é a de mais um round, não necessariamente o último, no pugilato entre petistas e tucanos. Com Marina correndo por fora e empurrada pela enorme comoção com a morte de Campos.

Diante da perplexidade e da tristeza, o mais importante é destacar o homem, o marido, o pai Eduardo Campos. Mas é impossível não dizer que a tragédia, mais uma em agosto, roubou do Brasil um político de grande futuro, para o qual o céu era o limite.

Presidência é destino - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/08

Nunca a frase atribuída a Tancredo Neves, de que a Presidência da República é questão de destino, foi tão apropriada quanto agora, diante da trágica morte de Eduardo Campos, que cortou uma carreira política ascendente e mudará necessariamente a eleição presidencial.

Quis o destino que o ex-governador de Pernambuco nem mesmo chegasse a disputar o cargo, para o qual se qualificou por meio de uma carreira política exitosa. E Marina Silva, que havia sido impedida de disputá-lo pela segunda vez, devido a manobras políticas, pode vir a ser a candidata na vaga aberta pela morte de Campos, de quem era companheira de chapa.

Campos pretendia liderar uma nova maneira de fazer política, e acreditava que com a propaganda oficial, a partir do dia 19, poderia, com a apresentação de sua proposta de governo, reverter o quadro sucessório em que aparecia em terceiro lugar.

A jogada política mais ousada da campanha eleitoral até agora foi dele, ao se aproximar de Marina Silva assim que a ex-senadora perdeu o direito de disputar a eleição por seu partido, a Rede Sustentabilidade. Essa imprevisível aliança política criou mais problemas do que soluções para sua candidatura, mas deu a Campos a possibilidade de disputar um espaço político maior e, sobretudo, expectativa de vitória devido aos 20 milhões de votos que Marina recebera na eleição de 2010.

A decisão sobre a campanha eleitoral do PSB tem que ser tomada em dez dias, segundo a legislação eleitoral, e num prazo tão curto será difícil criar uma candidatura do nada. Se aparentemente a substituição por Marina seria escolha natural, as disputas internas, no entanto, podem levar o PSB a outros caminhos.

Há um grupo à esquerda no partido que sempre preferiu o apoio à candidatura Dilma, dando continuidade a uma aliança histórica com o PT que Campos passou a renegar de uns anos para cá. O tom da campanha do ex-governador de Pernambuco, porém, torna difícil essa opção.

Dilma era sua adversária preferencial, ao mesmo tempo em que ele poupava Lula, por amizade e cálculo político, pois considerava provável que, a certa altura da campanha, vendo a impossibilidade de reeleger a presidente, o PT a cristianizaria e passaria a apoiá-lo a comando de Lula.

Também o PPS, que apoiava a candidatura de Campos, não aceitaria essa hipótese e passaria a apoiar Aécio Neves, do PSDB. O lançamento de Marina transformaria a terceira via em uma alternativa bastante viável, mas, embora seja filiada ao PSB, quem daria o tom da sua campanha seria a Rede, e este é o maior embaraço na costura dessa nova aliança, com Marina na cabeça da chapa. A ex-senadora já apareceu em pesquisas eleitorais com 27%, na última vez em que seu nome foi testado.

Uma hipótese pensada em setores do partido é simplesmente abrir mão de apresentar uma nova candidatura, o que representaria na prática um apoio branco à reeleição da presidente Dilma. Apresentar um candidato próprio, que seja do PSB e não da Rede, teria o mesmo efeito, pois dificilmente esse indicado conseguiria ter uma projeção nacional e, sobretudo, não contaria mais com o apoio nem de Marina nem da Rede.

Na hipótese de Marina não vir a ser a candidata, o que pode acontecer até mesmo por decisão dela de não participar da eleição nessas circunstâncias, a eleição se transformaria num duelo entre Dilma e Aécio Neves - numa antecipação do segundo turno, mas com a desvantagem para o candidato do PSDB, que continuará com três vezes menos tempo de televisão que a incumbente.

As recentes pesquisas eleitorais mostram, no entanto, que, no confronto direto com a presidente, o candidato tucano recebe grande parte dos votos que iriam para os demais candidatos, chegando a um virtual empate técnico.

Caso Marina venha a ser a candidata do PSB em substituição a Eduardo Campos, a disputa ficará mais difícil para Aécio Neves, mas o segundo turno estará praticamente garantido, e, com ele, os riscos da presidente Dilma aumentarão bastante.

Campos, questões, discussões - ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

FOLHA DE SP - 14/08


SÃO PAULO - 1) O PIB pernambucano cresceu 4% no primeiro trimestre de 2014, em relação ao último trimestre 2013. No Brasil, só 0,2%.

O número é bom. Mas o que pode ajudar na discussão é que ele foi tracionado pelo investimento, não pelo consumo. O Estado multiplicou por cinco o que investiu de 2007 a 2013, para R$ 3,8 bilhões. Recebeu mais de R$ 20 bilhões do governo federal. E atraiu capital privado, como a Fiat.

2) A indústria em Pernambuco se expandiu 2,8% nos 12 meses acumulados até maio (no país, só 0,2%).

A principal atividade fabril do Estado --a alimentícia-- foi ainda melhor: mais de 10% de março a maio.

O número é bom. Mas o que fica para a discussão é se, em vez de proteger indústrias a esmo, não faz mais sentido priorizar as que atuam onde o Brasil tem vantagens competitivas. Como, por exemplo, a de alimentos.

3) Até o último momento (na entrevista à GloboNews, na noite desta terça), Campos defendeu "mais gestão, mais meritocracia". Na sua passagem pelo governo de Pernambuco, mudou processos sob orientação de especialistas do setor privado. Há quem atribua a isso uma queda nos homicídios no Estado (de até 39%).

Seria certamente um bom número, mas o que vale para a discussão é a filosofia. Precisa-se, desesperadamente, de uma gestão melhor. Em tudo.

4) Para se financiar, a gestão de Campos tomou emprestado de instituições de fomento nacionais e estrangeiras cerca de R$ 8 bilhões. Não é pelo número; o que se deve discutir é o instrumento. Muita gente ainda crê que se endividar, em si, é ruim --preconceito nocivo contra um dos principais combustíveis econômicos.

5) "Seja bem-vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado." Foi o que disse Eduardo Campos a seu quinto filho, que nasceu com a síndrome de Down, no começo deste ano. Nada a ver com números. Mas poucas discussões são tão relevantes.

Por que ele precisa dela - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 14/08


O prognóstico de que, em um eventual segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a participação do seu patrono Lula será maior do que no atual governo - conforme o presidente do PT, Rui Falcão, em entrevista ao jornal Valor, comentada ontem neste espaço -, embute uma premissa de que ele pode, ou não, ter se dado conta. Pode, ou não, portanto, ter relação com os motivos por que o deputado deu de devolver ao centro do palco o eterno primeiro-companheiro. Parece claro que, sob pressão de circunstâncias inquietantes, o seu intuito foi duplo. De um lado, injetar ânimo na militância. De outro, despertar da letargia os generosos doadores de eleições passadas.

Os petistas de fé, evidentemente, querem que Dilma se reeleja e trabalharão para isso pela razão elementar de que a alternativa seria ideologicamente abominável, além de representar, no caso das elites partidárias a que se vinculam, lastimável perda de poder e privilégios. Embora faça questão de destacar o entrosamento de Dilma com a legenda, assinalando que nenhum outro presidente do PT teve tanto acesso ao Planalto como ele nestes anos, Falcão não precisa de ninguém que lhe conte a dura verdade: a nação petista continua não se identificando com a ex-seguidora assumida de Leonel Brizola que só se filiou à sigla em 2001, levada pelo então governador gaúcho Olívio Dutra, depois que a manteve no cargo de secretária estadual de Minas e Energia para o qual havia sido escolhida pelo antecessor Alceu Collares, do PDT.

Sem falar no contraste abissal com o temperamento expansivo de Lula, o "mau humor prepotente do poste", nas palavras de recente relatório de uma consultoria econômica, também há de inibir o engajamento petista de corpo e alma na campanha (além de gerar os atritos na sua condução que a toda hora chegam aos jornais). Só o cálculo político pode não bastar para o pessoal dar tudo de si na reta final de uma disputa que será muito mais acirrada do que sugerem as pesquisas que forçosamente se dirigem aos eleitores como se a eleição "fosse hoje".

Já os financiadores se revelam sovinas, para decepção e aflição dos arrecadadores petistas, porque não querem mais do mesmo - uma presidente errática na economia, "mãe" do repique inflacionário e do crescimento esquálido, indiferente às críticas, quando não hostil aos críticos, e, ainda por cima, surda às sugestões de seu criador a quem não cessam de se queixar.

Mas a alma petista de Falcão o levou a ir além de concordar com o enunciado de seus entrevistadores, segundo o qual "parece haver uma convergência entre setores do PT e do empresariado na expectativa de maior participação de Lula" em um novo governo Dilma. Em vez de dizer que daqui para a frente muito será diferente e tentar explicar por que daqui para trás não foi, para alegria da militância e alívio, quem sabe, dos empresários frustrados, o deputado emendou: "Precisamos eleger a Dilma para o Lula voltar em 2018". O argumento contém a premissa invisível a olho nu que se mencionou no início deste texto. Ou, talvez se possa dizer, a armadilha em que Falcão caiu inadvertidamente ou à falta de escapatória: se Dilma não se reeleger agora, Lula não voltará.

Se as urnas de outubro interromperem o ciclo de 12 anos do PT no poder, a nova configuração política, o modo de exercer o governo - com o enxugamento do Ministério, logo, das oportunidades de enfeudamento do Estado - e, ainda, a mudança de rumos que fatalmente virá conduzirão, na sucessão seguinte, ao esgotamento da era Lula. "Há um embate de dois projetos no Brasil", acredita Falcão. "Não tem espaço para quem queira se credenciar como terceira via." Alijado Lula desse embate, na hipótese de derrota de sua criatura - como se depreende, logicamente, do raciocínio do deputado -, o PT não terá quem o substitua. O partido tem quadros políticos, vontade de potência e cinismo suficientes para agir com desenvoltura quando detém o mando do jogo.

Não formou, porém, campeões de voto em escala nacional. O que há, sim, são postes que dependem da energia que Lula puder lhes transmitir. O partido sempre foi menor do que o metalúrgico que o criou. Vencido ele em 2018, será o imponderável.

Crise da água requer soluções técnicas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/08


O caminho para enfrentar o risco de desabastecimento é buscar saídas apropriadas, negociadas pelas instâncias envolvidas e respeitadas as regras da Federação



A iminência de São Paulo sofrer um colapso no abastecimento de água é um problema grave. Não se pode fechar os olhos para esse risco: são críticos os níveis dos reservatórios, e seria impensável o governo do estado se abster de buscar soluções para esta crise, numa questão vital para a população e a atividade econômica.

Mas as causas do risco de desabastecimento são naturais, decorrentes de uma seca atípica na Região Sudeste, e não políticas. Logo, as soluções precisam ser técnicas, imparciais. E não com qualquer viés político, por óbvio.

Longe de resolver o problema, a decisão do governador Geraldo Alckmin, de reduzir — por meio da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) — a vazão da hidrelétrica do Rio Jaguari, afluente do Paraíba do Sul, tiram-na do terreno das necessárias discussões amparadas em avaliações dos órgãos competentes e a transferem para um perigoso ringue no qual sobressaem interesses conjunturais, como o das eleições. Por não dar uma resposta sensata, profissional, ao problema, a medida causa efeitos negativos numa vasta região que depende desse sistema hidrográfico.

Os alertas da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgãos apropriados para tratar da questão de forma isenta, dão a medida da gravidade da situação. As agências advertem que a iniciativa do governo paulista embute o risco de um colapso no abastecimento das cidades ao longo do Paraíba do Sul nos estados do Rio e São Paulo, onde se concentra o maior parque industrial brasileiro e que, juntos, respondem por quase metade do PIB do país.

Não é questão, portanto, para se tentar resolver com uma penada. Além de condenável em si, pelas repercussões imediatas e não ponderadas no dia a dia de parte considerável da população dos dois estados, a iniciativa unilateral do governo de São Paulo abre um precedente perigoso, por desconsiderar o fórum adequado para discutir a crise.

Fica o temor de que outras operadoras, diante de alguma demanda semelhante, fujam às normas de operação do sistema quanto ao aumento ou redução da geração de energia, ou do abastecimento de água. Além disso, configura-se uma negação ao diálogo. Desde março, o governo federal e a ANA fazem a mediação de um grupo, formado por Rio, São Paulo e Minas, que busca soluções técnicas sobre o Paraíba do Sul. A instância, portanto, já existe. Não há por que desautorizá-la.

O caminho é esse — buscar soluções apropriadas, negociadas pelas instâncias envolvidas e respeitadas as regras da Federação. Por fim, é crucial que quaisquer debates sobre a questão passe ao largo da política partidária e a salvo da campanha eleitoral. A água é um bem vital, está acima de divergências ideológicas, e partidarizá-la seria condenável sob todos os aspectos.

A tragédia do ebola - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/08


Mesmo considerados os dilemas éticos envolvidos, é difícil criticar a Organização Mundial da Saúde por ter aprovado o uso de tratamentos não homologados na epidemia de ebola, a febre hemorrágica de origem viral que já matou mais de mil pessoas no oeste da África.

Como quase tudo no campo da bioética, decisões terapêuticas devem ser tomadas com base num cálculo que pese os benefícios reais e potenciais contra os riscos conhecidos e os apenas antevistos.

No caso específico do ZMapp, a droga que ficou sob os holofotes da mídia depois de ser ministrada a dois americanos, não há certeza quanto a nenhum termo dessa equação. Antes de ser dada a humanos, fora testada apenas em grupos muito pequenos de primatas.

Há pouco mais que a esperança, fundada em hipóteses teóricas, de que previna a infestação pelo patógeno e ajude quem contraiu a moléstia a recuperar-se.

Levando-se em conta que não existe tratamento próprio para o ebola e que a letalidade do vírus é de 60% no presente surto, tendo chegado a 90% em ocasiões anteriores, torna-se impraticável sustentar a necessidade de seguir os trâmites normais de licenciamento --que demandam anos de pesquisas-- antes de liberar o medicamento para uso humano.

O rito ordinário justifica-se quando existem alternativas eficientes ou quando o malefício provocado pela doença é limitado.

A OMS nem precisaria ter convocado especialistas para chegar a essa conclusão. Com bem menos alarde, a FDA, a agência de medicamentos dos EUA, já liberou duas drogas --o ZMapp e o TKM-Ebola-- para pacientes infectados.

Compreende-se, entretanto, que a OMS tenha optado por dar ampla visibilidade à decisão. Como os dois americanos que tomaram ZMapp parecem ter-se recuperado (embora não haja como afirmar que isso se deva ao medicamento), uma não autorização por certo prejudicaria a imagem da organização internacional.

Há certa teatralidade nesses atos. Existem no mundo 12 doses do ZMapp; nessa escala, mesmo se todos que tomassem a droga se curassem, não seria possível afirmar com certeza que ela funciona.

Ao menos por enquanto, os esforços para conter a epidemia dependem de medidas tradicionais, como tratamento sintomático, isolamento dos infectados e monitoramento das pessoas que estiveram em contato próximo com eles.

Menos conteúdo local - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 14/08


Tomada pelo governo do PT como refém para atender a seus interesses políticos, a Petrobrás foi ainda obrigada a aceitar uma imposição eleitoral do ex-presidente Lula pela qual paga um preço elevado. Trata-se da exigência de conteúdo local nos equipamentos que ela adquirir para o desenvolvimento das áreas obtidas nas licitações realizadas em 2005. Tardiamente, alguns de seus executivos tentam reduzir esse ônus adicional.

Como mostrou reportagem do Estado (8/8), a empresa negocia com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), encarregada de fiscalizar o cumprimento das regras de conteúdo local, a redução da exigência na compra de equipamentos e serviços para o afretamento de sondas. Sem a concordância da ANP, a empresa ficará sujeita a multas pesadas caso descumpra as regras. Mas, para cumpri-las, a Petrobrás teria de retardar todos os seus planos de investimentos em prospecção e exploração, pois, como a experiência tem mostrado, a indústria nacional não está capacitada a fornecer os equipamentos no ritmo necessário para atender aos projetos da estatal.

Pelas regras em vigor, neste ano a Petrobrás deveria alcançar o índice de 55% a 65% de conteúdo local nos equipamentos que utilizar nas áreas adquiridas em 2005. No entanto, como reconheceu o gerente de Conteúdo Local da empresa, Edival Dan Júnior, só tem sido possível comprar no País 15% desses equipamentos e serviços. E grande parte se refere à contratação de pessoal.

Quanto mais a estatal comprar equipamentos no País, melhor para a economia brasileira. Seu Plano de Negócios e Gestão 2014-2018 prevê investimentos de US$ 220,6 bilhões, dos quais US$ 153,9 bilhões em exploração e produção. Se a exigência de conteúdo local fosse inteiramente cumprida, cerca de US$ 80 bilhões engordariam o faturamento das empresas brasileiras até 2018.

Acossada pelos interesses políticos do PT - que a levou a fazer negócios ruinosos, como a compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, que sua diretoria não consegue nem pode explicar -, a Petrobrás perdeu eficiência e vem perdendo também a confiança dos investidores e da população.

Não investiu o necessário na manutenção das refinarias em operação e na construção de novas para atender à demanda interna crescente. Mergulhou no ambicioso plano de exploração do pré-sal, que exige recursos que mal consegue reunir. E acumula resultados frustrantes, como a redução de 25% no lucro do primeiro semestre.

Além desses problemas, sua presidente, Graça Foster, tem de enfrentar o criado por sua participação, como integrante da diretoria anterior, em decisões relativas à refinaria texana. Nesse quadro, arrostar o nacionalismo eleitoreiro do PT parece o menor dos males.

A própria presidente havia dito, no início do ano, que a prioridade de sua gestão é o aumento da produção e da eficiência da empresa, não a contratação de equipamentos no País. Isso parece estar tendo resultados práticos. Tendo sido multada pela ANP em 2011 por compras externas consideradas excessivas, a estatal quer autorização prévia para fazer mais encomendas no exterior.

Não será fácil obter a concordância da ANP. Se mudanças houver nas regras, será para torná-las mais rigorosas, disse a diretora-geral da agência, Magda Chambriard. "Ajustes poderão vir para reforçar a política. Cabe às empresas desenvolver sua cadeia de fornecedores."

Na teoria, bastaria à Petrobrás procurar novos fornecedores locais. Mas eles não existem ou não têm capacidade para atender à demanda. Embora tenha crescido, a indústria naval brasileira ainda não consegue suprir as necessidades da petroleira. O presidente do sindicato nacional do setor naval, Sérgio Leal, diz que há apenas problemas pontuais. Mas, ao mencionar dificuldades do setor, como a baixa escolaridade da mão de obra e a consequente baixa produtividade dos estaleiros, reconhece seus problemas estruturais, que dificultam o fornecimento no prazo, nas condições e nas especificações requeridos pelo programa da Petrobrás.


A política brasileira sem Eduardo Campos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/08


A morte do candidato do PSB tem o aspecto grave, entre outros, de representar uma perda séria no processo de renovação geracional na política brasileira



A morte de Eduardo Campos, num desastre aéreo em Santos, passa a constar das grandes tragédias ocorridas na política brasileira, em que líderes desapareceram de maneira traumática.

Entre elas, há o suicídio de Getúlio Vargas — também em agosto, mês de má fama na crônica da política nacional —, o desastre automobilístico de que Juscelino Kubistchek foi vítima, o desaparecimento no mar de Ulysses Guimarães e Severo Gomes, além do drama da morte de Tancredo Neves, eleito numa eleição indireta, mas com apoio popular, e que não conseguiu subir a rampa do Planalto.

O desaparecimento de Eduardo Campos tem, entre outros, o aspecto grave de representar uma perda séria no processo de renovação geracional da política brasileira. Com 49 anos, neto de Miguel Arraes, histórico político pernambucano, Campos se firmava como uma liderança que permaneceria no cenário nacional, mesmo se não saísse vitorioso nas urnas de outubro, ainda que sequer fosse ao segundo turno.

Não há dúvida que a campanha de 2014 projetaria o candidato, ex-governador de Pernambuco, presidente do PSB, para além das fronteiras do seu estado e do Nordeste.

A perda de um político jovem, com capacidade de liderança — independentemente de partido e ideologia —, tem característica negativa especial num país que passou 21 anos numa ditadura militar (1964-1985), sem portanto formar quadros num ambiente institucional de liberdades.

Por este motivo, a política brasileira retomou a atividade na democracia ainda com lideranças das décadas de 1950 e 60. O apagão causado pela ditadura na prática impediu a formação de quase uma geração de políticos.

Os sobreviventes do regime militar desenvolveram virtudes, mas também deformações, cultivadas na resistência ao arbítrio. Eduardo Campos já se formou em outra atmosfera, com menos intolerâncias, uma virtude.

A aliança que lhe propôs Marina Silva, depois de não conseguir registrar seu partido Rede, foi prontamente aceita. O ato abriu-lhe novos espaços, os quais ele ocupava com habilidade, aparando arestas criadas pelas dificuldades previsíveis na articulação de propostas do PSB com a plataforma ambientalista da Rede, com a qual Marina atraiu dissidentes do Partido Verde, entre outros.

Enquanto se diluirá o trauma do desaparecimento do candidato à Presidência, seguirão os ritos legais para sua substituição na chapa do PSB, provavelmente pela vice Marina.

Neste caso, haverá todo um debate sobre qual agenda preponderará, se a do PSB ou da Rede. Mas pode ser que Marina e Campos já houvessem consolidado um campo comum de propostas, a serem reafirmadas por pessedebistas e marineiros. Resta esperar.

O certo é que as eleições de 2014 já entraram para a História. Infelizmente, com uma tragédia.

Eduardo Campos e o futuro da eleição - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 14/08


A morte do candidato interrompe uma carreira em ascensão e lança incertezas sobre a chapa que ele construiu para concorrer ao Planalto



A repentina e trágica morte do ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB), em acidente aéreo ocorrido na manhã de ontem, no Litoral paulista, encerrou precocemente a carreira do herdeiro político de um ícone da política nacional, seu avô Miguel Arraes – ambos, coincidentemente, faleceram em um dia 13 de agosto. A morte do candidato também lança diversas incertezas a respeito da disputa presidencial em curso, tanto pelo potencial eleitoral que tinha – Campos figurava em terceiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto – quanto pelo nome que vai sucedê-lo à frente da chapa liderada pelo Partido Socialista Brasileiro.

Campos iniciou a carreira política como deputado estadual em Pernambuco, eleito em 1990. Foi deputado federal por três mandatos consecutivos, mas passou o primeiro deles trabalhando como secretário de Governo e de Fazenda em Pernambuco. Despontou para o cenário nacional como ministro de Ciência e Tecnologia, cargo que ocupou por um ano e seis meses no primeiro mandato do ex-presidente Lula. Em 2006, foi eleito, no segundo turno, governador de Pernambuco, e conquistou a reeleição em 2010 com 82,84% dos votos válidos.

Tanto o PSB quanto Campos fizeram parte da base aliada durante a maior parte dos 12 anos de governo petista, mas ultimamente havia ocorrido um distanciamento: em 2012, PT e PSB já tinham se enfrentado pela prefeitura do Recife (Geraldo Júlio, candidato de Campos, venceu no primeiro turno), e em 2013 os políticos do PSB entregaram todos os cargos no governo federal. Campos passou a criticar a presidente Dilma Rousseff e o PT, principalmente por suas alianças com figuras nada respeitáveis da política brasileira, como o senador Renan Calheiros (PMDB). Na entrevista que deu ao Jornal Nacional, na véspera da sua morte, Campos ainda afirmou que “esse governo é o único governo que vai entregar o Brasil pior do que recebeu”.

Com a morte de Campos, a chapa encabeçada por ele fica sem candidato à Presidência da República. Sua vice, Marina Silva (também do PSB), desponta como a substituta natural do pernambucano, mas a troca não é automática: precisa ser referendada pelas executivas dos partidos que compõem a coligação montada em torno de Campos. Marina já foi candidata em 2010 e sua participação foi apontada como um dos fatores que levou ao segundo turno uma eleição que parecia ser favas contadas para Dilma Rousseff. O capital político que ela acumulou na ocasião fez de Marina a “noiva cobiçada” por vários partidos quando seu grupo, a Rede Sustentabilidade, não conseguiu registro na Justiça Eleitoral a tempo de lançá-la como candidata. No fim, ela escolheu o PSB de Campos, em uma relação que não é livre de turbulências: as divergências surgiram quase que de forma imediata, especialmente no que diz respeito ao agronegócio e a alianças que o PSB decidiu fazer em alguns estados e das quais o grupo de Marina discordava.

Ao lado de críticas pertinentes – à maneira como o PT vem administrando a Petrobras, à relutância governamental de admitir que há problemas na economia, às políticas de Dilma para a energia e a infraestrutura –, a campanha de Campos também trazia itens de viabilidade duvidosa, como a proposta de passe livre para todos os estudantes do país. Caso Marina realmente se torne a candidata, resta saber não apenas se o discurso de campanha de Campos será mantido ou radicalmente alterado, mas também se ela será capaz de manter o capital político de 2010, acrescentando-lhe o voto daqueles que tenderiam a escolher Campos na eleição presidencial.

Uma perda imensurável - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 14/08


O Brasil perdeu ontem uma alternativa importante para o seu futuro. O jovem político pernambucano Eduardo Campos, morto tragicamente na queda de um jatinho particular em Santos, juntamente com quatro assessores e dois pilotos, representava na atual disputa presidencial a chamada terceira via, com potencial para quebrar a bipolarização histórica entre o PT, atual ocupante do poder, e o PSDB, seu antecessor.
Representava, também, um sopro de novidade na política nacional. Eduardo Campos, do PSB, carregava no sangue uma história familiar de comprometimento com as causas sociais, herdada de seu avô e padrinho político Miguel Arraes, falecido em 2005, coincidentemente também num 13 de agosto. E, aos 49 anos, também carregava no currículo uma recente e bem-sucedida experiência de dois mandatos como governador de Pernambuco, de onde saiu com índices históricos de aprovação popular.
Estava, portanto, credenciado para pleitear uma fatia importante do eleitorado na atual disputa presidencial, embora ocupasse apenas a terceira posição nas pesquisas de intenção de voto já apuradas. Mas vinha conquistando espaço desde que tomou a surpreendente decisão de coligar-se com a ex-ministra Marina Silva quando esta não conseguiu o registro de seu partido, a Rede Sustentabilidade.
A ousadia era uma das marcas da breve carreira política de Eduardo Campos: com três mandatos parlamentares, dois mandatos de governador e participação no ministério de Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a presidência nacional do PSB em 2005 e, no ano passado, surpreendeu ao optar pela candidatura própria, em vez de continuar apoiando a administração petista.
Perde o Brasil, portanto, uma referência como homem público. E perde, acima de tudo, uma liderança política comprometida com a democracia, com o desenvolvimento e com as liberdades individuais de seu povo. Mas a perda maior, imensurável, é a do ser humano, pai de família, filho ilustre de Pernambuco e homem reconhecido por seus pares pela convivência civilizada, pelo diálogo inteligente e pela integridade.
O primeiro dever do país diante de uma perda assim deve ser a solidariedade e o conforto aos familiares e amigos do ex-governador e das demais pessoas vitimadas no acidente. Só depois do luto é que se pode pensar mais refletidamente nas consequências eleitorais do inesperado desaparecimento do político pernambucano.
Porém, uma frase extraída da entrevista que ele concedeu na última terça-feira ao Jornal Nacional já pode ser adotada pelos brasileiros de todas as tendências políticas em sua homenagem: “Não vamos desistir do Brasil!”.

Eduardo Campos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/08


Morte do candidato do PSB retira da campanha presidencial um dos maiores fatores de renovação do cenário eleitoral brasileiro


Na violência cega de um acidente aéreo, perdeu-se uma das personalidades mais promissoras da vida política nacional.

Aos 49 anos, Eduardo Campos vinha de uma bem avaliada gestão no governo de Pernambuco para representar, na disputa à Presidência da República, o difícil e estimulante papel de alternativa à tradicional polarização entre petistas e tucanos no plano federal.

Seu perfil o habilitava de forma singular para esse desafio, embora a própria campanha --tragicamente interrompida-- tivesse ainda de desenhá-lo com mais nitidez.

Neto, por parte de mãe, do mitológico líder esquerdista Miguel Arraes, de quem foi secretário da Fazenda nos anos 1990, Campos tinha, pelo lado paterno, ligações com os setores mais conservadores da política local.

O lastro de herdeiro de Arraes não o impediu de procurar caminhos próprios na cena pernambucana --do mesmo modo que, ex-ministro da Ciência e Tecnologia durante o governo Lula, percebeu que suas perspectivas seriam limitadas caso seu partido, o PSB, se mantivesse por mais tempo à sombra do situacionismo petista.

Escorado nos altos índices de crescimento econômico obtidos em seu período como governador, bem como numa visão administrativa sem ranços ideológicos, Campos procurou aproximar-se do empresariado, adiantando-se em relação ao mineiro Aécio Neves (PSDB) na disputa pelo campo de oposição à presidente Dilma Rousseff (PT).

Ao mesmo tempo, sua candidatura buscava desvincular-se de uma imagem excessivamente industrialista, dada a presença de Marina Silva como vice.

Para a postulação de Eduardo Campos confluíam tendências diversas, capazes de consolidar seu nome como fator de inovação diante dos dilemas nos quais se tem debatido a política brasileira nas últimas décadas. Capazes também, todavia, de minar a própria coerência interna de sua campanha e de um eventual governo.

A tragédia de ontem --que vitimou outras seis pessoas-- impõe, naturalmente, uma dor e um choque sem limites a familiares e amigos do candidato. Pai de cinco filhos, um dos quais nascido há pouco mais de seis meses, Campos aparentava possuir, mesmo para o grande público, os sinais inconfundíveis do bom humor, da disposição e da felicidade pessoal.

Na política, ficam irrespondidas as perguntas sobre seu futuro e sobre a forma final que assumiria a candidatura peessebista no espectro ideológico.

O próprio PSB, agora, colocado ante a escolha de Marina Silva, que soa óbvia, e a de um nome mais ligado à cúpula do partido, terá de haver-se com encruzilhadas e definições que a hábil empatia de Eduardo Campos provavelmente lhe permitia postergar.

Um legado a preservar - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/08

Eduardo Henrique Accioly Campos (PSB) é mais um importante líder político brasileiro abatido por tragédia em momento histórico. No período recente, o país perdeu, antes da posse, o presidente eleito Tancredo Neves, que seria, 29 anos atrás, o primeiro civil a assumir o poder após 21 anos de ditadura militar. Agora, o economista e político socialista pernambucano, candidato à Presidência da República em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, morre em acidente aéreo a menos de dois meses do pleito.

 Eduardo Campos tinha a política no sangue. Quando nasceu, em 10 de agosto de 1965, o avô, Miguel Arraes, morto exatos nove anos antes dele, já havia sido deputado estadual, prefeito do Recife e governador de Pernambuco, cargo que voltaria a ocupar outras duas vezes. O neto pretendia ir mais longe. Depois de exercer mandatos de deputado estadual, federal e de governar seu estado por duas vezes - tudo isso dos 26 aos 49 anos recém-completados -, empenhava-se numa campanha nacional para suceder Dilma Rousseff.

O candidato fazia diferença na sucessão. Assim como a companheira de chapa, Marina Silva, era dissidente nas forças que levaram o PT ao poder em 2002. Chegou a ser ministro da Ciência e Tecnologia no primeiro mandato do governo Lula. Teve apoio do então presidente para eleger-se, reeleger-se e governar Pernambuco. Diplomático, ao decidir apresentar-se como alternativa na sucessão presidencial deste ano, começou apontando conquistas dos governos petistas, mas defendendo a necessidade de avançar mais. Aos poucos, foi marcando posição, distanciando-se mais de Dilma que de Lula e aprofundando as críticas ao governo.

De uma hora para outra, o país perde a alternativa que se punha entre o PT e o PSDB. À coligação Unidos Pelo Brasil (PHS, PRP, PPS , PPL, PSB, PSL), restam, pela legislação eleitoral, 10 dias para encontrar substituto, que a lei recomenda seja do próprio partido, escolhido pela maioria absoluta das legendas coligadas. É provável que o nome indicado seja o da vice da chapa, Marina Silva, ex-candidata a candidata à Presidência da República que chegou a ser mais bem posicionada nas pesquisas que o próprio Eduardo Campos, mas, sem conseguir criar o próprio partido, o Rede Solidariedade, terminou por conformar-se em trocar o papel de protagonista pelo de coadjuvante.

O luto nacional vai, portanto, bem além do sentimento de perda pela trágica saída de cena do jovem e promissor político pernambucano. A dor é também política, de mais um importante momento nacional repentinamente desviado de rumo. Mas a triste incógnita lançada sobre a sucessão presidencial precisa ser rapidamente preenchida. Tampouco se pode perder a alegria da disputa democrática. Eduardo Campos merece a homenagem de uma campanha que leve ao aperfeiçoamento do Estado brasileiro, seja quem for que o substitua na chapa, seja quem for o escolhido nas urnas. Esse é o legado a ser preservado.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

‘Minha filha não consegue falar, é uma coisa muito dura, muito forte’
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco, sobre a morte de Eduardo Campos



TEMENDO MARINA, PT COGITA ‘VOLTA, LULA’ DE NOVO

A morte de Eduardo Campos, que comove o País, e sua eventual substituição por Marina Silva na disputa presidencial, provocaram uma reunião informal da cúpula do PT, mostrando temor pela candidatura da ex-ministra. A avaliação inicial do PT aponta Marina como a principal beneficiária do legado de Campos, o que levaria risco real de derrota para Dilma, por isso a substituição dela por Lula voltou a ser cogitada.

COMOÇÃO

Lulistas do PT avaliam que a comoção pela morte de Eduardo Campos colocaria Marina em condições até de vencer a eleição presidencial.

REFLEXO

Além de favorecer eventual candidatura de Marina Silva, a morte de Eduardo Campos deve refletir nas campanhas do PSB a governador.

DEZ DIAS

Segundo a Lei Eleitoral (art. 13, parágrafo 1º), o partido tem prazo de 10 dias para indicar o candidato substituto, no caso de falecimento.

INSEGURANÇA

Lula confia tão pouco no “taco” de Dilma que viajou a Brasília, nesta terça, para orientar sua entrevista no Jornal Nacional, afinal cancelada.

ROBERTO FREIRE (PPS) É COTADO A VICE DE MARINA

A morte do ex-governador Eduardo Campos cria um novo cenário para a eleição de 2014. Candidata a vice, Marina Silva tornou-se a principal herdeira e liderança do PSB e substituta natural de Campos na disputa pela Presidência. Membros da coligação já avaliam as opções para a nova chapa, e ganha força como candidato a vice o pernambucano Roberto Freire, deputado por São Paulo e presidente nacional do PPS.

SOLUÇÃO NATURAL

O PPS foi o primeiro partido relevante a apoiar o projeto presidencial de Eduardo Campos, o que credencia Roberto Freire para ser o novo vice.

QUASE PETISTA

O vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, ligado a Lula, também é cotado para vice, mas estreitaria a aliança com os demais partidos.

NOMES DO CONGRESSO

O deputado Júlio Delgado (MG) e o senador Antônio Carlos Valadares (SE) também são opções para vice, no PSB.

A MÃO DO DESTINO

Tragédias em campanha favorecem substitutos. Em 1982, na Bahia, Clériston Andrade morreu em desastre aéreo dias antes da eleição. Escolhido por ACM, o desconhecido João Durval foi eleito governador.

OUTROS DESASTRES

Desastres aéreos já vitimaram outros políticos brasileiros, como os paulistas Ulysses Guimarães e Severo Gomes, ambos em outubro de 1992, e o pernambucano Marcos Freire, em setembro de 1987.

COINCIDÊNCIA

O então ministro Marcos Freire morreu em acidente aéreo no Pará três dias após completar 56 anos, em 8 de setembro de 1987. Eduardo Campos morreu três dias após completar 49 anos, no último dia 10.

HERANÇA

A eventual candidatura de Marina Silva (PSB) pode tornar irrelevante a pretendida criação do partido Rede. É mais provável que os “verdes”, com Marina à frente, herdem o comando da sigla de Eduardo Campos.

FATOS SECUNDÁRIOS

A tragédia de Eduardo Campos ofuscou a impugnação da candidatura de José Roberto Arruda (PR) ao governo do DF e o depoimento da ex-contadora do doleiro Alberto Youssef no Conselho de Ética da Câmara.

TONHO DA LUA

No olho do furacão por sua ligação ao doleiro Alberto Youssef, Luiz Argôlo ganhou apelido de “Tonho da Lua”, na Bahia. O deputado virou autista e faz campanha à reeleição como se nada tivesse ocorrido.

NEPOTISMO DE LUXO

Sobre o calote do Brasil na ONU, o serpentário do Itamaraty acha que a prioridade da missão brasileira é pagar aluguéis dos apartamentos de luxo dos irmãos embaixadores Antonio e Guilherme Patriota, em Nova York. Um é subordinado do outro, mas o governo ignora o nepotismo.

RACHA PETISTA

Facções do PT do DF se articulam para concentrar esforços no candidato ao Senado, Geraldo Magela, na tentativa de fazê-lo mais votado que o governador Agnelo Queiroz, candidato petista à reeleição.

1965-2014

Eduardo Campos era idealista, agradável, grande contador de histórias, e até se divertia fazendo política, embora a levasse a sério. Fará falta.



PODER SEM PUDOR

O FEITO DE JOSÉ AMÉRICO

Antenor Navarro, interventor da Paraíba, morreu no ano de 1932, em um acidente aéreo na Baía de Todos os Santos, em Salvador. O ex-ministro e líder político paraibano José Américo - que ganharia a fama de "pé frio" - escapou do acidente, segundo se difundiu na época, segurando na asa do avião.

Certa vez, numa cantoria, um repentista começou a cantar os feitos de Alexandre, o Grande, e de outros vultos da história, quando o célebre poeta popular Zé Limeira rebateu:

"Mais maior foi Zé Américo

Que escapou do avião!".