quinta-feira, julho 24, 2014

Tumulto no ambiente - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 24/07


No final, a conta vai para a mesma pessoa, você mesmo, caro leitor, esteja na posição de consumidor direto ou de contribuinte



Está certo que é informal, mas tem muita gente que defende honestamente uns trocados com a venda de mercadorias compradas em Ciudad del Leste e outras menos votadas — ou visitadas. Não é moleza. Imagine, por exemplo, fazer Brasília-Foz-Brasília, de carro, em três ou quatro dias. E muitos fazem, como se pode ver pelo comércio na feira do Paraguai. Cada pessoa, viajando por terra, pode trazer até US$ 300 em mercadorias, sem pagar imposto de importação. Com quatro pessoas em cada carro mais — vá lá — algum por fora, e dá um bom negócio.

Pois na última segunda-feira, sem mais nem menos, a Receita Federal decreta: daqui em diante só pode trazer US$ 150 sem imposto. Tão surpreendente que nem os agentes de alfândega das cidades de fronteira sabiam. Nem precisaram. Na terça, a regra foi adiada para julho de 2015. Havia caído muito mal, sobretudo em ano eleitoral, não é mesmo?

Trata-se de comércio pequeno. Do lado de lá, às vezes chamam de contrabando hormiga. É popular ou, se quiserem, tipo classe D. Não esqueçamos: tem também as pessoas que moram perto da fronteira e aproveitam o fim de semana para fazer compras. Assim como os mais abonados pegam uma semana em Miami ou Nova York para fazer a mesma coisa, estes podendo trazer até US$ 500 sem impostos.

Aliás, não tem aí um privilégio para os mais ricos?

Fabricantes e varejistas brasileiros reclamam, com razão. É uma concorrência... como dizer? Ilegal não é, injusta, talvez.

O que cria o mercado é o alto custo de produzir e vender no Brasil. E nesse custo é preciso incluir as trapalhadas do governo — como essa de cortar a cota sem mais nem menos.

É coisa pequena? Ok, mas vá dizer a quem vive disso ou aproveita essa economia. Além disso, seria uma intervenção pesada na vida dos brasileiros que moram nas cidades de fronteira. Quer dizer que não podem nem atravessar a rua para comprar um liquidificador?

Pode-se criar, vamos lá, uma rigorosa regulamentação. Por exemplo: só podem fazer as compras os moradores num raio de... quanto? Dez, vinte quilômetros da fronteira? Talvez fosse conveniente introduzir uma “carteirinha de fronteiriço”, com registro na polícia e, claro, nas Receitas Federal, estaduais e municipais.

Exagero com uma coisa simples? Misturando estações?

Pois então se coloque na posição de um brasileiro comum, que vai abrir um negócio legal e local, com uso intensivo de energia. Pensou numa fábrica de alumínio? Ok, mas cogite de algo mais simples, uma lavanderia. A questão é a mesma: quanto vai a custar a energia?

Dá para saber que será mais cara do que a de hoje, mas quanto? Impossível adivinhar, dada a trapalhada que o governo fez e continua fazendo no setor. O custo de produzir e vender energia no Brasil aumentou, mas não se sabe exatamente quanto e quem vai pagar. Ou seja, a conta vai para o dono da lavandeira, para o sujeito que deixa o terno para lavar e passar ou para todos que pagam impostos, tenham ou não roupa para lavar?

Já viu. No final, a conta vai para a mesma pessoa, você mesmo caro leitor, quer esteja na posição de consumidor direto ou de contribuinte — ou consumidor indireto.

A confusão dos 300 dólares tem uma história. Ocorre que em dezembro de 2012 saiu uma lei permitindo a criação de lojas free shop nas cidades brasileiras de fronteira terrestre. Raciocínio: em vez de atravessar a fronteira para comprar sem imposto, o brasileiro pode comprar sem imposto numa loja do lado local.

Faz sentido, favorece o comércio nacional, tira freguesia dos vizinhos. Que reclamaram, até em nome da amizade bolivariana, quer dizer, do Mercosul. Deve ter sido para equilibrar as coisas que o governo decidiu que a cota livre de impostos cairia para US$ 150. Mais outro tanto no free shop brasileiro, e pronto.

Mas e o comércio brasileiro que não fosse free shop? E voltamos ao ponto de partida: o desequilíbrio de mercado criado pelo Custo Brasil e, mais ainda, pelas intervenções do governo que, tentando consertar, geram outros desequilíbrios e custos.

Foi exatamente o que aconteceu com a energia. Todo mundo reclamava, com razão, que a energia elétrica era muito cara no Brasil. Pois a presidente Dilma interveio no mercado com mão pesada e criou um sistema que terminou com a energia mais cara, com custos maiores para produtores, distribuidores, consumidores e governo (nós, de novo).

E pior. Com incerteza. Quanto e quando vem de reajuste? E se sai um pacotaço logo depois das eleições, tão de surpresa como a resolução que saiu na última segunda, regulamentando uma lei que estava na gaveta há um ano e meio?

Sabem o que é isso? Tumultuar, e encarecer, o ambiente de negócios.

GOSTOSA


O Pibinho afeta os salários - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/07


Rendimento do trabalho ainda cresce mais que a economia, mas em ritmo cada vez menor


O BAIXO CRESCIMENTO da economia resulta em baixo crescimento dos salários, mais cedo ou mais tarde, de um modo ou outro.

No Brasil deste século, o reajuste por lei do salário mínimo ajudou bastante a aumentar o rendimento dos mais pobres no mercado. O que será dessa melhoria, com o crescimento em pane?

O reajuste básico do mínimo é vinculado ao crescimento da economia, do PIB, que tem crescido muito pouco.

Essa indexação do valor do salário mínimo à taxa de crescimento do PIB tem limitado a alta dos rendimentos mais baixos ou tem evitado a sua queda?

Qualquer que seja a resposta, os salários médios e iniciais vêm crescendo menos, qualquer que seja a medida, um ruído de fundo que deve estar afetando humores sociais e políticos de uns dois anos para cá.

Ontem, o Dieese publicou seu balanço dos pisos salariais negociados em 2013 (o Dieese é o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

O aumento real médio dos pisos salariais em 2013 foi de 2,8%, próximo do aumento real do mínimo no ano passado. Em 2012, a média dos pisos salariais acompanhados pelo Dieese cresceu 5,6%; o salário mínimo, 7,6%.

Para o instituto de pesquisa, "parece plausível supor" que o mínimo em alta leva consigo os pisos salariais de categorias profissionais.

O piso médio de 2013, na amostra do Dieese, foi de R$ 879, 30% maior que o salário mínimo do ano passado. O instituto levantou dados de acordos e convenções coletivas de salário em 685 "unidades de negociação" (sindicatos ou coisa assim) pelo país inteiro.

Os aumentos do mínimo favoreceriam em especial os salários menores. Em 2013, o reajuste médio dos salários foi de 1,25%. Como foi escrito mais acima, os pisos cresceram em média 2,8%. Ou seja, de algum modo houve redução da desigualdade de rendimentos.

"Desde pelo menos 2009, quando o Dieese passou a acompanhar os reajustes dos pisos salariais, estes têm se valorizado mais do que os demais salários", lê-se no balanço do instituto.

Na média, porém, os salários vêm crescendo menos.

O salário médio de admissão dos trabalhadores com carteira assinada cresce agora a menos de um terço do que crescia em 2012 (dados do registro do Ministério do Trabalho, o Caged, comparados os reajustes ao final do primeiro semestre de 2014 com o mesmo período de 2012).

O salário anual médio cresceu 1,5% em 2013 ante 4,3% em 2012, nas grandes metrópoles, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (compara-se aqui o salário real de um ano com o do ano anterior).

Observe-se, enfim, que o aumento muito relevante do salário mínimo neste século não impediu que houvesse uma baixa igualmente significativa do desemprego, ao contrário do que diria a teoria econômica mais simplezinha e aplicada sem levar em conta contextos históricos. Mas a pane do crescimento, associada a inflação e deficit externo relativamente altos, levanta claramente a dúvida sobre a possibilidade de reduzir a desigualdade sem que se aumente a produtividade (crescimento) e sem reformais econômicas e sociais.

Juros e puxada do PIB - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


Na Coluna de domingo, foi dito que não tem cabimento defender redução dos juros básicos (Selic) só porque a atividade econômica está em forte retração. Quem tem essa postura está confundindo meta de inflação com meta de crescimento.

O assunto precisa de mais atenção porque ainda há por aí o entendimento de que o Banco Central (BC) tem de operar com duplo mandato. Ou seja, o instrumento dos juros (política monetária) não teria de ser manejado apenas para manter a inflação dentro da meta, mas também para garantir o crescimento econômico.

Esse ponto de vista já tem um equívoco. O duplo mandato, como existe nos Estados Unidos, não consiste em controlar tanto a inflação quanto trabalhar para o avanço do PIB, mas em manter tanto a inflação como o emprego em níveis satisfatórios. No Brasil, caso prevalecesse o duplo mandato, o BC não teria de garantir mais emprego, porque o nível atual é de pleno-emprego.

Já que o BC do Brasil é regido pelo regime de metas de inflação, não caberia derrubar os juros para ajudar a recuperar a atividade econômica. Só teria sentido fazer isso se a inflação já estivesse sendo conduzida para o centro da meta.

Mas há mais a considerar. Primeiro, a economia não está empacada porque os juros subiram demais, mas pelas opções equivocadas de política econômica feitas pelo governo. Não caberia compensar com derrubada dos juros o que está errado por causa de outros problemas.

Em segundo lugar, despejar moeda na economia (e, assim, reduzir os juros) para tentar recuperar a atividade econômica tenderia a provocar mais inflação do que a que já está a caminho. Está mais do que sabido que, apenas as correções inevitáveis dos preços administrados deverão puxar a inflação de 2015 para 7%. E, se o governo entender que é preciso desvalorizar o real (promover a alta do dólar), será inevitável, também, novo foco inflacionário promovido pela alta dos preços dos produtos importados.

Em terceiro lugar, uma reativação da demanda agora, por meio do afrouxamento monetário, impediria o ajuste que, mal ou bem, começa a ocorrer. Os últimos três anos e pico do governo Dilma mostraram que o problema não está na falta de demanda, mas na falta de oferta. É o investimento que precisa ser ativado, não o consumo. E o que está travando o investimento é um pouco de tudo: a paralisia do governo, a falta de regras nas concessões, o baixo nível de confiança (veja o Confira), a desarrumação da economia e tudo isso junto.

Em quarto lugar, dentro do marco regulatório do sistema de metas, o BC poderia, sim, determinar a imediata redução dos juros, não porque devesse puxar a atividade econômica, mas porque estivesse identificando uma trajetória firme de inserção da inflação na meta.

E, finalmente, se apesar de tudo o que ficou dito, a ideia fosse mesmo baixar os juros para melhorar a atividade econômica, nenhum resultado prático poderia ocorrer neste resto de ano, porque a política de juros leva de seis a nove meses para começar a produzir algum efeito.

Mercados controlados geram empresas ineficientes - BERNARDO SANTORO

GAZETA DO POVO - PR - 24/07


Sempre que setores ligados ao campo do espectro político de esquerda denunciam problemas supostamente vinculados ao capitalismo, invariavelmente vemos uma série de digitais de algum governo envolvido. Isso porque a economia dos países hoje não funciona dentro de uma estrutura de livre mercado de­sobstruído, em que agentes econômicos seriam plenamente responsáveis por suas ações, amargando prejuízos ou obtendo lucros. Pelo contrário, governos estão sempre em busca de se tornar sócios das empresas, através de grande tributação e forte burocracia, dando como contrapartida certas benesses, como protecionismo nacional, oligopolização e empréstimos subsidiados. A esse fenômeno anticapitalista de livre mercado podemos chamar de “compadrio” ou “corporocracia”.

Um dos casos mais evidentes do compadrio brasileiro é o setor de telecomunicações. O governo regula o setor com mão de ferro, através da Anatel, impondo padrões de qualidade, pisos e tetos de preço e escolhendo quem serão as empresas prestadoras do serviço. O resultado é um sistema fechado, com pouca concorrência, ineficiente e eticamente falho. Nessa configuração, que devemos admitir ser melhor que o sistema de monopólio estatal da Telebras, a empresa cresce por meio de agrados a burocratas do governo, e não prestando o melhor e mais barato serviço para o consumidor. Um exemplo flagrante é o da fusão Oi/Portugal Telecom.

A Oi, anteriormente conhecida como Telemar, já foi concebida tendo como a maioria dos sócios fundos de pensão de estatais, ou seja, sendo uma empresa privada gerida por interesses políticos. Esses mesmos interesses a levaram, posteriormente, a uma fusão com a Brasil Telecom para se criar a “supertele” brasileira, escolhida pelo governo em 2005 para ser a campeã nacional do setor, substituindo a soberania do consumidor pela sua.

Após prejuízos bilionários, o governo decidiu salvar a empresa entregando-a definitivamente a uma de suas sócias, a Portugal Telecom. Ela, que tem laços estreitos com os governos de Brasil, Portugal e Angola, está em sérias dificuldades financeiras desde que sofreu um calote de um grupo de investimentos ligado ao Banco Espírito Santo, e já não tem os recursos de que necessita para alavancar os investimentos que a Oi supostamente deveria fazer, por ordem do governo, para atualizar sua desgastada rede. A fusão, no entanto, deverá se manter, com a participação da Portugal Telecom sendo diminuída em relação a outros investidores.

Falando em outros investidores, sempre temos de lamentar pelos investidores minoritários de empresas privadas controladas pelo governo, ou com relações escusas com ele. Retorno financeiro para o investidor minoritário é sempre a última preocupação para as empresas viciadas em compadrio estatal. A Oi, por exemplo, reduziu no ano passado o pagamento de dividendos em 75%, e no último ano suas ações perderam 70% do seu valor.

Fica, então, a dica: fuja sempre dessas empresas de compadrio, seja como consumidor, seja como investidor. E, se não houver jeito, tente mudar a mentalidade do governo. Verdadeiro livre mercado é a solução para a prestação de serviços bons e baratos.

Energia, competitividade no roteiro - PAULO PEDROSA

O ESTADÃO - 24/07


A dramática situação da indústria nacional tem na energia uma de suas causas. Nossos competidores são beneficiados por políticas públicas e mercados eficientes na energia elétrica e no gás natural, enquanto aqui os custos minam a competitividade e reduzem a produção, ampliando a ociosidade dos parques fabris. E a incerteza diante dos valores futuros desaconselha investimentos, que propiciariam ganhos tecnológicos e de escala e assegurariam a recuperação do nosso espaço nos ciclos globais de produção. Isso resulta principalmente de uma opção do País de beneficiar os consumidores para os quais os custos com energia são pouco significativos - como os residenciais e as empresas que estão na ponta das cadeias de produção - em situações como a destinação dos benefícios das concessões do setor elétrico às distribuidoras e no controle dos preços finais da gasolina.

O irônico é que a retração do consumo industrial de energia tornou-se quase um instrumento de gestão do abastecimento, e, mantida a indústria fora do foco da política energética, uma eventual recuperação da produção se transformará num problema.

O objetivo das políticas públicas deve ser a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas é fundamental ter clareza sobre qual é a melhor forma de atingi-lo - neste caso, qual a contribuição do setor de energia para esse resultado. Sem essa clareza, o risco é buscarmos respostas certas para perguntas erradas, à mercê de interesses pulverizados e de intervenções pontuais.

A experiência internacional e diversos estudos mostram que energia em condições competitivas para a grande indústria resulta em geração de empregos, crescimento econômico, aumento da arrecadação, redução da inflação e outras melhorias. Tem, pois, efeitos estruturais e sustentáveis muito mais significativos para a população que a redução de poucos reais nas contas de luz - o que até estimula o desperdício.

O processo eleitoral pode dificultar o debate técnico sobre as prioridades de nossa política energética, mas também cobra da sociedade que apresente suas visões com coerência, contribuindo para a construção de soluções sistêmicas. Diante dos impactos da energia competitiva para o País, é necessário voltar o foco para o desenvolvimento de uma política industrial energética que destine os recursos à competitividade das cadeias produtivas a partir das indústrias de base que as suportam, a exemplo do que é feito por França, Alemanha e Canadá. Formas viáveis de pôr em prática esse direcionamento incluem a possibilidade de a grande indústria participar voluntariamente dos leilões de expansão do parque gerador nacional, ter acesso às cotas de energia elétrica das usinas cujas concessões venceram e ao gás que caberá à União por meio do regime de partilha, e ser desonerada, de maneira permanente, do custo de políticas públicas incidentes sobre a energia.

Ao mesmo tempo, o setor de energia tem de ser organizado para refletir o extraordinário potencial energético do Brasil. É, pois, necessário fortalecer a governança setorial, promovendo um ambiente de confiança para as decisões de investimento com os menores custos de capital possíveis, na cadeia produtiva da energia e além dela, nas cadeias que a consomem. A boa governança pede previsibilidade, transparência e isonomia. Evita conflitos de interesse, assegurando a clareza de papéis entre formuladores de política, reguladores, investidores, agentes de cada segmento e consumidores.

E, a partir da clareza de objetivos e da boa governança, é preciso valorizar a lógica econômica no funcionamento do setor, promovendo um ambiente eficiente com base na competição em torno de preços que reflitam a realidade, assegurado a todos o acesso físico à energia e a instrumentos de gestão de riscos, e garantindo a necessária liquidez do mercado. Ou seja, evoluindo na direção de mais eficiência para o setor energético e reduzindo - ou até tornando desnecessária, no futuro - uma política específica para a indústria. Mas, para chegar lá, temos de garantir que a competitividade esteja no roteiro.

Sete lições da Copa para a economia - MÁRIO MESQUITA

VALOR ECONÔMICO - 24/07


O saldo é que mediante incentivos adequados o investimento privado em infraestrutura pode acontecer


A derrota da seleção brasileira em Belo Horizonte vai demorar a ser esquecida, se é que será um dia, em especial por aqueles que lá estavam. Perder da Alemanha não foi uma vergonha, nem totalmente inesperado, mas a forma como isso ocorreu foi tão surpreendente quanto, sim, vergonhosa. Para não desperdiçar a experiência, cabe tentar extrair lições que, se não aliviam a frustração e tristeza, podem pelo menos conduzir a resultados melhores no futuro. No que segue vou tentar extrair sete (se me permitir a alusão ao algarismo) lições dessa derrota e aplicá-las ao tema que me cabe, a economia.

A primeira lição é que, assim como a tática e treinamento do time no período do torneio não compensam a má qualidade da safra de jogadores, não se deve esperar que a política econômica de curto prazo (fiscal, cambial e monetária) resolva problemas estruturais da economia, como a desaceleração da oferta de mão de obra, a redução do investimento e queda da produtividade total dos fatores de produção. Não devemos esperar demais dos "professores" no futebol, nem de ministros ou soluções milagreiras na economia.

A segunda é que, se não resolve, a política macroeconômica pode atrapalhar. Assim como a escolha de uma tática desastrosa, que deixou o meio de campo livre para a máquina alemã, atrapalhou, erros sequenciais no curto prazo, como vimos frequentemente na história brasileira, em especial no campo fiscal, atrapalharam, pois aumentaram a incerteza macroeconômica, reduziram a previsibilidade e inibiram o investimento.

A terceira lição é que o que talvez tenha funcionado no passado não necessariamente funciona no presente, seja porque a estrutura da economia é diferente ou porque o ambiente internacional mudou. A tentativa de incentivar setores industriais por meio da surrada combinação de protecionismo com crédito subsidiado, que remete aos anos 70 do século passado, hoje em dia se mostra tão anacrônica quanto algumas das táticas do selecionado nacional.

A quarta lição é que, assim como no futebol, em economia querer não é poder. Não foi por falta de vontade da equipe que levamos aquela surra, mas por um abismo entre essa vontade e as condições objetivas para alcançar a vitória. Da mesma forma, não foi por falta da chamada vontade política que não atingimos uma das metas-chave desse governo, qual seja a redução permanente das taxas de juros, mas por falta de condições para tal, sejam institucionais (falta de autonomia formal do BC, meta de inflação alta), conjunturais (políticas fiscais e parafiscais expansionistas), ou estruturais (uma complexa estrutura de crédito subsidiado que reduz a eficácia da política monetária), que levaram a Selic de volta ao território de dois dígitos que se queria abandonar.

A quinta lição é que estudar o exemplo bem sucedido dos outros países ajuda. Pode-se argumentar que a última boa partida da seleção em Copas do Mundo foi contra a Alemanha, na final de 2002, mesmo assim desde então nos recusamos a emular as melhores práticas do futebol. Da mesma forma, quando defrontados com os exemplos dos países da costa oeste, Colômbia, Peru e Chile, que têm conseguido crescer mais com inflação muito menor que a nossa, com políticas econômicas que ajudam o investimento, certas autoridades invariavelmente recorrem a argumentos depreciativos sobre as mesmas, ou ao tradicional "o Brasil é diferente".

A sexta lição é que o protecionismo gera complacência e inibe, em vez de ajudar, a competitividade. Vitórias sobre adversários fracos ou que eram fortes mas entraram em decadência, que caracterizaram a trajetória da seleção nos últimos anos, dizem muito pouco sobre a capacidade de se competir contra os melhores oponentes. O mesmo ocorre com as indústrias que florescem apenas enquanto estão sob o abrigo de um confortável escudo tarifário.

A sétima lição é que o primeiro passo para melhorar o desempenho, seja da economia brasileira ou da seleção, é reconhecer que houve problemas de diagnóstico ou implementação. Atribuir o aumento da inflação (mesmo com controles de preços), o aumento das taxas de juros (a primeira vez desde o início do regime de metas que um governo termina com a Selic acima do que recebeu), a desaceleração do crescimento, o aumento do deficit em conta corrente, a piora fiscal e o rebaixamento do crédito soberano exclusivamente à crise internacional ou a uma suposta má vontade do mercado, que por sinal tem índole governista, parece muito similar à atitude de atribuir a derrota de BH a uma pane temporária de uma equipe bem preparada.

Mas o saldo da Copa não é só negativo, em que pese o virtual rebaixamento da nossa seleção. Talvez as consequências mais positivas tenham sido a comprovação, para quem tinha dúvida, que mediante incentivos adequados o investimento privado em infraestrutura pode acontecer em ritmo e volume adequados - obviamente, se tivéssemos acertado o modelo mais cedo, teríamos tido menos obras inacabadas.

O segundo, mais intangível mas não menos importante, foi a provável melhora da imagem do país, e de suas principais cidades, perante o público e os investidores estrangeiros. Em particular Rio (que ofereceu na final da Copa uma bela propaganda do que podem vir a ser as Olimpíadas) e São Paulo ficaram mais cosmopolitas no últimos trinta dias e poderiam explorar essa dinâmica para alavancar o setor de hospitalidade e lazer, com alto potencial de geração de postos de trabalho.

Futuro do empréstimo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/07


Os bancos que estão concedendo o novo empréstimo às distribuidoras estão convencidos de duas coisas: primeiro, que as empresas não vão quebrar porque o governo vai salvá-las custe o que custar; segundo, que esse não é um empréstimo de apenas um ano. Há uma grande chance de o valor ser rolado por dois ou três anos. Estão sendo empurrados pelo governo a assumir esse risco.

A conta ficou tão alta que, qualquer que seja o resultado da eleição, será difícil repassar tudo para a conta do consumidor e das empresas em 2015. A presidente Dilma, se for reeleita, terá ainda mais dificuldade de aprovar o aumento na conta de luz que permita o pagamento dos empréstimos. Eles ficaram altos demais. Chegam agora ao gigantesco valor de R$ 17,7 bilhões.

Os integrantes do governo admitiram aos banqueiros que o cálculo que levou ao pedido de empréstimo de R$ 11,2 bilhões estava errado. Mas garantiram que com esses R$ 6,5 bilhões fecha-se a conta do rombo das distribuidoras de energia em 2014. Há dúvidas sobre isso.

O BNDES também não gostaria de ter entrado na operação. Isso explica a declaração de Luciano Coutinho em Londres de que “se ela (a operação) for feita não será com funding do Tesouro nem com TJLP, mas sim nas mesmas condições dos bancos privados”.

Se o BNDES fosse dar esses recursos com dinheiro do Tesouro e cobrando a TJLP, estaria, na verdade, fazendo mais uma alquimia. O Tesouro está empurrando os bancos para emprestar e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para se endividar porque é a forma de evitar o impacto desse gasto nas combalidas contas do superávit primário. Se fosse feito com dinheiro do Tesouro via BNDES, ficaria evidente o truque. O BNDES acaba de receber recursos do Tesouro, teria que pedir mais algum.

Fontes que acompanham as negociações informam que o BNDES ainda não encontrou a forma de concessão desse empréstimo que se encaixe em seu estatuto. Não chega a ser empréstimo de capital de giro porque o prazo é longo. “Capital de giro é três meses e isso será de um ano, no mínimo”, disse-me uma fonte. O banco, respondendo a pedidos de esclarecimentos, me disse, através da assessoria de imprensa, que ninguém da instituição falaria sobre a operação antes que ela seja aprovada pela diretoria, e que “não fará qualquer operação que seja contrária aos seus regulamentos internos”. A dúvida que eu tinha é que no mercado se diz que para enquadrar a operação seria necessário alterar o estatuto. Tomara que não se chegue a tal disparate.

O banco está muito exposto ao risco do setor elétrico. Foi o financiador de Belo Monte, financiou o grupo Bertin na sua aventura fracassada na energia. Agora, dará um empréstimo a ser pago com o aumento da conta de luz de 2015 para cobrir rombo das distribuidoras.

O governo preferia que todo o empréstimo fosse concedido pelos bancos privados, mas diante da reclamação deles de que estariam com o risco muito concentrado, decidiu-se que o BNDES também teria que participar com R$ 3 bilhões. Do pool original, BTG Pactual disse que não participaria desta vez porque acaba de fazer uma grande aquisição no exterior; outros dizem que não tinham como negar.

O setor elétrico produz um fio desencapado por dia, e as autoridades dão respostas insuficientes. O ONS comemora a alta do nível dos reservatórios no Sul, mas eles respondem por apenas 7% da energia hidrelétrica produzida no país. O importante é o Sudeste e o Centro-Oeste que fornecem 70%. E nas duas regiões o nível está em 34%. Operador Nacional do Sistema faria melhor seu trabalho se alertasse para os riscos.

"A VAGABUNDA ABILOLADA"




Casca de banana - DORA KRAMER

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


Sabe a história da pessoa que atravessa a rua para escorregar na casca de banana do outro lado da calçada?

Pois foi mais ou menos o que fez o presidente do PT, Rui Falcão, ao divulgar uma nota de repúdio à prisão dos aprendizes de terroristas que ameaçavam tocar o terror nas ruas do Rio de Janeiro no dia da partida final da Copa do Mundo.

Costumam ser chamados de "ativistas" por aqueles que pretendem amenizar a natureza puramente violenta de seus atos para legitimá-los como protesto político.

A polícia investigou e descobriu que um grupo daqueles mesmos que já haviam participado de ações de vandalismo - uma das quais resultou na morte do cinegrafista Santiago Andrade - se armava com fogos de artifício (um desses matou o profissional da TV Bandeirantes) e coquetéis molotov para barbarizar o bairro da Tijuca (onde fica o estádio do Maracanã) no dia 12 de junho.

Na véspera, baseada em fundamentado material resultante das investigações, a Justiça decretou a prisão preventiva de vários deles. Graças a isso, o Mundial terminou sem incidentes e pudemos - governo inclusive - comemorar ao menos o êxito fora do campo.

De onde é surpreendente que o partido do governo, o PT, se alie a políticos de legendas como o PSOL e o PC do B na defesa dessa gente que, além da produção da barbárie absolutamente gratuita, não sabe sequer expressar o que quer. O PT teria preferido que os "ativistas" tivessem ficado soltos para levar a termo seus planos?

Como se já não tivesse problemas suficientes com os sinais de desgaste que o partido recolhe no eleitorado, o presidente do PT divulgou a tal nota de repúdio e, portanto, em defesa dos "ativistas". Qualificou a prisão de "grave violação de direitos e das liberdades democráticas".

O procedimento nada teve de ilegal. Baseou-se em investigações feitas com escutas telefônicas legais e prisões decretadas pelo Poder Judiciário. Isso sob o aspecto institucional. Do ponto de vista da sociedade, a nota do PT coloca o partido na contramão da opinião do público, cuja posição já registrada em pesquisas é francamente contrária a essas manifestações, que se confundem com atos criminosos.

Foram elas que inibiram os genuínos protestos da população. Portanto, se alguém violou os direitos e as liberdades individuais foram os vândalos que atacaram o patrimônio público, impediram a sociedade de se manifestar e puseram em risco a vida das pessoas nos incêndios e depredações.

Foi preciso que a lição viesse do estrangeiro, com a negativa do governo uruguaio ao pedido de asilo político feito pela advogada Eloísa Samy, acusada de participar de atos violentos em 2013. O Uruguai, ao contrário do PT, não viu ilegalidade. Recusou o asilo sob a alegação de que o Estado no Brasil é democrático e de direito.

A decisão do País do presidente José Mujica acabou dando ao ministro Gilberto Carvalho a oportunidade de recuar. "O Uruguai agiu corretamente", disse, numa correção de rumo leve ainda a exigir posição mais radical.

Parado no ar. A pesquisa do Ibope retrata praticamente o mesmo cenário registrado pelo Datafolha da semana passada, à exceção de um dado: a situação do empate técnico de Dilma Rousseff com Aécio Neves no segundo turno.

Nesse quesito, a notícia é melhor para a presidente, que na simulação da etapa final ficaria com 41% contra 33% do tucano. No Datafolha os índices de intenções de votos eram de 44% e 40% respectivamente.

Fora isso, há uma repetição: a Copa não teve influência sobre a eleição; Dilma continua favorita, mas uma vitória no primeiro turno é uma hipótese muito difícil; a rejeição da presidente continua alta (36%) e a avaliação positiva do governo, muito baixa (31%).

Governo e oposição seguem contidos no aguardo dos números captados depois do início do horário eleitoral, em 19 de agosto. Não há excesso: de otimismo nem de pessimismo.


O entra e sai na berlinda - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 24/07


BRASÍLIA - Se até aqui Dilma estava na defesa, e Aécio e Eduardo Campos no ataque, agora Dilma sai da berlinda e a oposição entra. Mais uma inversão na balança de uma eleição em tudo emocionante.

Enquanto o TCU livra a cara de Dilma na mal contada compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, Aécio se enrola para explicar uma pista de pouso em Minas, e Campos faz tudo para se descolar de uma tentativa de suborno para o apoio de seu candidato ao governo de Pernambuco.

Isso significa que os candidatos à Presidência vão se embolando num disse que disse, mas Dilma emerge da pior fase das confusões da Petrobras, Aécio mergulha num buraco sem fundo --ou sem versões convincentes--, e ele e Campos resvalam em questões de cunho ético.

Dilma ficou na berlinda porque era presidente do Conselho de Administração da Petrobras quando da compra milionária de Pasadena, que representou um prejuízo altíssimo para a principal empresa brasileira, segundo o próprio TCU. Mas o relator que isentou de responsabilidade os conselheiros, inclusive Dilma, foi José Jorge, pernambucano, ex-PFL e ex-ministro de FHC. Logo, fora de qualquer suspeita. Com isso, a oposição mantém o discurso sobre a Petrobras, mas perde sobre Dilma.

Aécio entrou na berlinda por reagir mal, em nota demasiadamente enxuta e entrevistas balbuciantes, à notícia de que usou quase R$ 14 milhões, quando governador de Minas, numa pista de pouso que lhe serve de acesso a uma fazenda da família. Até ele explicar, se é que pode explicar, qual a serventia para o Estado e quantas vezes pousou lá, em que aeronaves e com quem, vai ficar "sangrando" na mídia.

Campos se vê no meio do mundo nebuloso da palavra de um (a do deputado José Augusto Maia, do Pros) contra outro (a do seu partido, o PSB), sobre compra de apoios.

E a economia, a mão pesada estatal, o desajuste do setor de energia? Ah! Isso é coisa para "a elite branca".

Leis sobre união estável evoluíram e estagnaram - RENATA CATÃO

BRASIL ECONÔMICO - 24/07

A lei não prevê um lapso temporal de duração de um relacionamento para caracterizá-lo como união estável. Contudo, dá um conceito de união estável

A união estável entre homem e mulher foi reconhecida, legalmente, como entidade familiar apenas com a Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor. A partir de então os direitos daqueles que a própria lei denomina de "companheiros" (homens ou mulheres que vivem em união estável) ganharam força, chegando ao atual Código Civil, que possui um capítulo destinado a esse assunto. Infelizmente, a lei, em alguns aspectos, ainda deixa a desejar. Mas a evolução existe e muitos, que inclusive vivem nessa entidade familiar, não a conhecem.

Salvo a hipótese de os companheiros firmarem contrato, à união estável são aplicadas as normas que regem o regime da comunhão parcial de bens, no que tange às relações patrimoniais.

Por isso, em caso de separação, cada companheiro terá direito à metade do patrimônio adquirido onerosa-mente durante a relação. Não é objeto da partilha bens que cada um já possuía antes do relacionamento, bem como aqueles que a própria lei exclui da comunhão, como os adquiridos gratuitamente por doações ou heranças.

De outra parte, assim como os oficialmente casados, o companheiro, mulher ou homem, que provar suas necessidades na separação, terá direito à pensão alimentícia desde que o outro tenha condições de prestá-la.

Houve evolução em alguns aspectos e estagnação em outros. Apesar de serem equiparados aos cônjuges casados sob o regime de comunhão parcial de bens, se um dos companheiros morrer, as regras serão diferentes.

Isso porque a quota de participação do companheiro na sucessão do outro, além de também se limitar aos bens adquiridos onerosamente durante a união, dependerá da existência de filhos, comuns ou não, e de parentes sucessíveis do companheiro falecido, como mãe e pai.
Mas a pergunta que se faz é: quem seriam os ditos "companheiros" detentores de tais direitos? Pois bem, essa é uma das respostas mais difíceis, já que, na realidade, é o caso concreto que irá demonstrar se determinada situação pode ou não ser caracterizada como união estável.

Atualmente, a lei não prevê um lapso temporal de duração de um relacionamento para caracterizá-lo como união estável. Contudo, dá um conceito de união estável por meio do qual acaba por estabelecer alguns requisitos para o reconhecimento dessa entidade familiar. Segundo o Código Civil, a união estável é o relacionamento entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família.

Ou seja, salvo a existência de algum dos impedimentos previstos em lei, se o relacionamento tem tais características, que podem ser comprovadas das mais diversas formas, a união estável estará configurada.

Vale dizer: atualmente até os formalmente casados podem contrair união estável, desde que estejam separados de fato, ou seja, não tenham mais uma convivência cotidiana e participativa em seu casamento.

Por fim, vale ressaltar que a união estável pode, a qualquer tempo e caso assim queiram os companheiros, ser convertida em casamento. Isso desde que tal conversão seja requerida ao juiz e posteriormente registrada, bem como não estejam nenhum dos companheiros impedidos de casar.

Quanto às relações homoafetivas cabe destacar decisão do Supremo tribunal Federal, que reconheceu a legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Cenas antipoéticas de uma campanha - EUGÊNIO BUCCI

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


"A esquerda e a direita unidas jamais serão vencidas."

Nicanor Parra


Em 1972, quando ainda era moda cantar nas ruas de "Latinoamérica" que "la izquierda unida jamás será vencida", o chileno Nicanor Parra, resolveu arriscar outro slogan: "La izquierda y la derecha unidas/ jamás serán vencidas".

Prêmio Cervantes em 2011 e Prêmio Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda, Parra tem 99 anos (completa os 100 anos em 5 de setembro). A casa onde mora, no povoado de Las Cruces (2 mil habitantes), traz na porta a inscrição "antipoesia". O repórter Guilherme Freitas, de O Globo, esteve com ele recentemente. No ótimo relato desse encontro (publicado em 7 de junho), o jornalista lembra que há um bom tempo o autoproclamado "antipoeta" já tratou de explicar o que vem a ser essa tal de "antipoesia": "um tapa na cara do presidente da Sociedade de Escritores"; "um sacerdote que não crê em nada"; "um bailarino à beira do abismo"; "um vagabundo que ri de tudo, até da velhice e da morte".

É mais ou menos esse o espírito que assalta o leitor nestes versos (convém repeti-los): "La izquierda y la derecha unidas/ jamás serán vencidas". Há neles um humor silencioso que corrói o entorno. Podemos dizer que são um tapa na cara dos caudilhos. São, também, o militante que se equilibra à beira do túmulo das ideologias (esse abismo linguístico), ou o comunista perseguido pelas patrulhas (e pelos governos) dos comunistas.

Há uma gargalhada ácida por trás dessas palavras, mas não é tão fácil escutar a risada do (anti)poeta centenário, sobretudo porque aqui, no Brasil, o que ele escreveu como piada mortífera alguns leem como receita de aliança eleitoral. O que ele escreveu como (anti)poesia parece ter sido tomado, de modo inconsciente ou ladino, tanto faz, como o manual prático da (anti)política.

É mais ou menos assim, sob o dístico de Nicanor Parra, que evolui a momentosa campanha eleitoral. Isso não é difícil de perceber. O difícil é saber por onde começar a registrar as evidências, que são tantas.

Poderíamos apontá-las, vejamos, no PMDB, essa gigantesca ameba gelatinosa indefinida que já foi chamada de fiel da balança na ciência inexata da governabilidade e hoje atua abertamente como o infiel da balança. O PMDB é um ser que consegue avançar e recuar em todas as direções e todos os sentidos ao mesmo tempo sem que nada o tire do mesmo lugar. Se nada dá conta de movê-lo, nada será capaz de vencê-lo. Sua força emana da portentosa aptidão para a infidelidade, e é essa infidelidade que repõe algum fio de equilíbrio num jogo que, em tudo, apontaria inercialmente para a "inalternância" do poder. Se há esperança de uma disputa mais acirrada no horizonte de outubro, ela se deve a esse traço definidor do PMDB, sua infidelidade incorrigível, infidelidade ao que quer que seja, inclusive a si próprio. À infidelidade da ameba continental nós devemos a competitividade de algumas candidaturas.

Eis que, finalmente, o PMDB presta um serviço não bem à democracia, mas à temperatura da disputa, e isso pelo que tem e sempre teve de pior. Em nenhum lugar como nas entranhas do PMDB a provocação estética de Nicanor Parra se tornou lei universal da (anti)política. Ali dentro, como em nenhuma outra parte, a esquerda e a direita se uniram para não serem vencidas jamais. Uniram-se a tal ponto que você não será capaz de apontar onde começa uma e onde termina outra, isto é, você não será capaz de dizer o que é direita e o que é esquerda lá dentro. Ser PMDB é ser feito de uma matéria outra, matéria que não entra na composição dessas categorias antiquadas de direita, esquerda, ora, por favor.

O PMDB está com Aécio Neves, com Dilma Rousseff, com quem mesmo? Alguém sabe? Alguém viu? E ainda dizem que os nanicos é que são partidecos de aluguel. Se os nanicos são isso - e o pior é que são mesmo -, o PMDB é uma verdadeira corretora de imóveis, que, tudo bem, não aluga a sigla, mas empresta apoios aos mais variados locatários. E quem é diferente? Existe algum partido, nessa matéria, que seja melhor que o PMDB? Basta olhar para as agremiações que se aliam aos múltiplos, versáteis e simultâneos PMDBs que variam de palanque conforme variam as unidades federativas. Os aliados do PMDB - que são todos, é bom lembrar - por acaso são mais coerentes? Ou mais puristas? Ou mais de esquerda? Ou mais de direita? Também eles, os aliados do PMDB, acreditam que jamais serão vencidos. Afinal de contas, estão unidos (ao PMDB).

Mas, assim como corroem o entorno, assim como denunciam a política como uma antipolítica, os versos de Nicanor Parra parecem tentar promover a demolição de sua própria estrutura interior. O que há de mais perturbador nesses versos é a multiplicidade de sentidos que mora dentro deles. São sentidos que se contradizem sem se anular, que ficam lá, embora não sejam capazes de dominar, de monopolizar os versos que habitam. Podemos ler "la izquierda y la derecha unidas/ jamás serán vencidas" como um comando para que as duas se unam numa coisa só. Ao mesmo tempo, podemos lê-los como um comando oposto, como se propusessem em tom heroico que a esquerda e a direita se separem de vez e lutem, por toda a vida, uma contra a outra. "Unida", a direita enfrentaria a esquerda até o fim dos tempos e não seria vencida jamais, pois estaria bem "unida". De seu lado, a esquerda poderia ficar tranquila e inabalável, já que seria combatida duramente, mas não seria vencida jamais, pois esta também estaria "unida" em torno de seu próprio eixo.

Nesse outro sentido, os versos zombam de si mesmos, como "um vagabundo que ri de tudo". Desnudam o caráter de crença vã que há no âmago (e no ânimo) de toda militância. Quem é que garante que alguma coisa não será vencida? A união? Não. Quem garante é a crença, a crença de que a "união faz a força". Mas união com quem? Ora, e isso por acaso importa? É aí que entra o PMDB, entendeu?

Tática agressiva - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/07


O governo tem motivos de sobra para comemorar a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de isentar o Conselho de Administração da Petrobras - e, por conseguinte, a presidente Dilma Rousseff, que, na qualidade de ministra-chefe da Casa Civil, o presidia - da responsabilidade pelos prejuízos que denunciou na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

Agindo assim, o relator do TCU, ministro José Jorge, assumiu a versão da própria presidente, que admitiu que, se tivesse todas as informações a seu dispor, não autorizaria a compra, que se mostrou um negócio desastroso para a Petrobras.

O problema político criado pelo sincericídio da presidente Dilma, que desmontou a tese que vinha sendo defendida pela direção da Petrobras de que a compra fora um bom negócio, não encerra, porém, a questão, pois, por unanimidade, o TCU considerou os 11 integrantes da diretoria da estatal na ocasião da compra como culpados por um prejuízo de quase US$ 1 bilhão - que deverá ser devolvido aos cofres públicos por esses antigos servidores da estatal, entre eles o ex-presidente José Gabrielli e o ex-diretor Paulo Roberto Costa, preso por lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público.

É claro que, se a presidente Dilma fosse responsabilizada pelo prejuízo, sua candidatura à Presidência da República seria afetada diretamente. Com a culpa sendo jogada para a diretoria da Petrobras, o escândalo continua do mesmo tamanho na gestão petista, o que afeta indiretamente sua campanha, mas, na avaliação do Palácio do Planalto, é uma crise mais fácil de ser manejada, ou, pelo menos, que não foi ampliada.

Aliás, a campanha da presidente Dilma está vivendo um momento em que a preocupação é estancar sua imagem negativa, com o objetivo de chegar a meados de agosto, quando começa a campanha eleitoral pelo rádio e pela TV, a uma distância dos opositores que possa ser ampliada pela campanha propagandística, na tentativa de ganhar já no primeiro turno.

Estancar os sangramentos e, se possível, fazer os adversários sangrarem neste período pré-televisão são os objetivos estratégicos deste momento específico da campanha de reeleição.

Este período, aliás, é fundamental para repercutir as denúncias contra seus adversários, enquanto eles não são muito conhecidos pelos eleitores. Como na propaganda oficial ela terá três vezes mais tempo que o candidato mais próximo, o tucano Aécio Neves, mas a oposição terá espaço no rádio e na televisão para se defender dos prováveis ataques, a artilharia petista está voltada para ampliar a repercussão de acusações, como as do aeroporto de Cláudio, em Minas, por meio das redes sociais e dos blogs oficiais e oficiosos da campanha.

O pedido de investigação ao procurador-geral da República é uma maneira de fazer o caso repercutir nacionalmente, embora pareça apenas uma jogada publicitária, pois o Ministério Público de Minas Gerais já havia investigado o caso a pedido da oposição, e arquivou o processo por não existir irregularidades na desapropriação do terreno para ampliação do aeroporto, que já existia.

Como estratégia de campanha, essa tentativa de encurralar os adversários para retirar o foco da fragilidade do governo parece ser o caminho escolhido pelos governistas, depois do embate entre o grupo do ex-ministro Franklin Martins e o marqueteiro João Santana, que defende uma atuação menos agressiva.

Os fatos, no entanto, fizeram com que o papel das mídias sociais e dos blogs, comandados por Franklin, ganhasse relevo na divulgação de denúncias, e esse, parece, será o tom da campanha, pelo menos enquanto a propaganda oficial não chega.

O governo deveria saber que o Estado não recua - OLIVEIROS S. FERREIRA

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


A crise do Estado, a que me refiro com frequência, pode dar-se como explosão. Na França, o pavio foi aceso na greve da Gendarmeria sob o governo Guy Mollet. A bomba explodiu na ação dos paraquedistas na Argélia, em 1958. Depois, enfrentando outra revolta, o general De Gaulle proclamou: "O Poder não recua!" - e venceu!

A crise pode também dar-se silenciosamente, como no Brasil de hoje, ainda que o pavio tenha sido aceso na renúncia de Jânio, em 1961, e um petardo haja explodido em 1964 sem grandes efeitos: o velho edifício social e político permaneceu intocado, afora pequenas emendas para tornar sua fachada mais bonita. Hoje a crise, silenciosa, corrói lentamente não apenas as instituições, mas também - o que é mais grave - as mentalidades.

Muito bem. Foi um general quem disse que o poder não recua. Mas De Gaulle não era só um general; era, sim, presidente da República, eleito pelo voto popular. Sufragado para manter o Estado uno e indivisível - soberano! No Brasil não se pensa no Estado, cuida-se do governo e de como conservar o pequeno poder que ele dá a qualquer presidente que se instale no Planalto.

Tomemos dois casos que, aparentemente desconexos, traduzem idêntica realidade.

O secretário-geral da Presidência da República resolveu parlamentar com os black blocs para tentar evitar outras manifestações no estilo que esse grupo adota. O resultado - afora o rolo de papel higiênico que lhe jogaram para que entrasse no Itaquerão - foi nulo. Mas, se somos o governo, aplaudiremos que se tenha evidenciado que respeitamos as manifestações populares, somos contra a repressão da Polícia Militar (PM) de São Paulo e queremos resolver o problema com negociação civilizada. Os black blocs pensarão diferente: o poder recuou e podemos continuar nossa atividade, pois contaremos sempre com boa vontade!

O fato em si, teorias à parte, é que o Poder Executivo negociou com particulares que violaram a lei e provocaram, com sua organização, não só a perturbação da ordem e do sossego públicos, como danos ao patrimônio privado e público. Ao negociar com particulares que deveriam ter sido autuados pela Polícia Civil e processados pela Justiça, o secretário-geral não apenas deixou claro que o poder recuou, mas que o crime pode compensar. Ou as ações dos black blocs não estão capituladas como crime no Código Penal?

O outro fato, talvez mais grave, pois denota que quem deveria, para sua segurança, cuidar da ordem se deixou levar pelo que hoje parece ser a moda politicamente correta: se a livre manifestação é livre, a PM que se recolha aos quartéis até que seja fundida com a Polícia Civil (e seria fundida sem hierarquia?). Trata-se de folheto editado por Protestos.org sob a chancela da FGV - veementemente repudiado por esta instituição - ensinando aos manifestantes em geral como proceder para evitar serem identificados pela repressão e processados - que usem máscaras! Como a lição fosse questionada, um professor de Direito Penal de uma universidade federal opinou: o livreto está amparado pela Constituição - livre manifestação do pensamento - e as manifestações igualmente, pois são a manifestação do que pensam os manifestantes. Pt - viva a Constituição!

Em 1946, o general Góes Monteiro escrevia a Sobral Pinto que o Estado Novo - que construíra juntamente com Vargas - não pudera realizar as reformas reclamadas em 1930 por efeito de o ditador ter-se deixado guiar pelo que ele, Góes, chamou de castilhismo-borgismo - organização política que vigorara no Rio Grande do Sul desde a proclamação da República. Ainda que Júlio de Castilhos não perfilasse ideias corporativistas, o Estado Novo construiu não apenas um Estado corporativo (Carta de 1937), mas buscou, com algum êxito, organizar a sociedade segundo iguais princípios (a organização sindical que criou pela Consolidação das Leis do Trabalho é disso a prova).

Cuidando das relações de trabalho, dividiu a sociedade em "categorias profissionais". Esse tipo de organização da sociedade, isolando uns de outros na sua atividade profissional, contribuiu para reforçar o individualismo e, ao mesmo tempo, impediu que os grupos sociais - quaisquer deles - tivessem uma visão do Brasil como um todo e formulassem, a partir dessa consciência, sua concepção de como deveria ser o processo político. Em suma, que tivessem uma visão do Estado, que, em si, traz uma visão do mundo.

Enumerar as causas para essa crise do Estado seria um nunca mais acabar. Poderíamos fixar-nos numa delas: a ausência de um grupo que procurasse responder aos anseios de boa parte da sociedade, muitas vezes não claramente expressos. Em outras palavras, um grupo ou uma individualidade singular que tivesse ideias claras a respeito do Estado nacional e formulasse, do processo político e social, e também cultural, uma concepção correspondente a uma ideia moderna de Estado que consubstanciasse uma concepção do mundo.

Para mal de nossos pecados, nem temos o grupo nem a individualidade. Conclusão: no Brasil, o Poder do Estado não recua - está inerte na UTI, se não morrendo, tentando escapar de uma infecção hospitalar...

A ser correta a interpretação que Oliveira Viana fez do Brasil, a desorganização da sociedade com certeza contribuiu para que, caso um grupo ou uma individualidade desse tipo tivesse existido no passado, não encontrasse ressonância na sociedade e murchasse, não se desenvolvesse. Mas para que o Estado não morra é preciso recuperá-lo. Ou perceber o que a falta dele provoca e tentar criá-lo, sabendo que o mundo não é o de 1939, antes da Grande Guerra que tudo transformou em matéria de fé, usos e costumes. E que o Brasil não é mais o de 1950, predominantemente rural, 50 milhões de habitantes, ainda a caminho da urbanização anárquica.

Desafios para além das eleições - ELIMAR PINHEIRO DO NASCIMENTO

CORREIO BRAZILIENSE - 24/07


Encerrou-se o frustrante espetáculo da Copa, inicia-se outro, talvez igualmente decepcionante. Inicia-se o espetáculo teatral das eleições. Ficará desapontado quem quiser saber as propostas distintas de um e outro candidato. Eles seguirão a cartilha dos marqueteiros, em função dos votos a ganhar independentemente do que pensam realmente fazer.

A situação deverá enfatizar as conquistas do presente, mas, sobretudo do passado recente: a redução da pobreza, o baixo índice de desemprego, a luz para todos, a expansão da moradia. A oposição enfatizará os fracassos da atual gestão e os riscos de sua permanência, citando PIB reduzido, deficit na balança comercial, desequilíbrio nas finanças públicas, queda nos investimentos e decrescimento da produção industrial.

Não sabemos quem será o vencedor, mas sabemos o que nos espera. A curto prazo, será necessário equilibrar a economia, introduzir melhorias na oferta dos serviços públicos, em particular nas áreas de saúde e segurança pública, e, assim, reduzir a desconfiança dos brasileiros nas instituições.

A médio prazo, os desafios são outros. O primeiro deles será o de retomar o desenvolvimento, o que implicará superar o modelo de crescimento econômico baseado apenas no consumo. Para tanto, será necessário, sobretudo, estimular os investimentos e a competitividade da economia. O segundo refere-se à substituição, vagarosa, do modelo assistencialista de inserção social pelo de inserção socioprodutiva, na medida em que o primeiro não tem condições de consolidar o curso da redução da pobreza.

O terceiro desafio, e talvez o mais difícil, deverá ser o de iniciar o processo de reformas institucionais que poderão dar legitimidade maior às nossas instituições, em fase de perigoso desgaste. E a medida mais urgente seria a reforma política, com foco claro de reduzir os custos eleitorais e aproximar os representantes dos representados. Isso pode ser obtido com três mudanças simples, embora trabalhosas: o fim das alianças eleitorais no primeiro turno, a eliminação do abuso da TV em programas eleitorais e a adoção do sistema eleitoral distrital ou misto.

Esses desafios de médio prazo, que ultrapassarão um mandato presidencial, implicarão dois movimentos simultâneos, que funcionarão como alavancas das mudanças: a negociação política e social, com o parlamento e a sociedade, e a melhoria da gestão pública, incluindo forte desburocratização do aparelho de Estado.

O problema maior, contudo, reside nos desafios estratégicos, de longo prazo. Nossos governantes pecam por não terem visão de futuro, nossos políticos não sabem o que é visão estratégica de nação. Na China, qualquer servidor público sabe quais são os desafios e as metas a serem cumpridas nos próximos 10 anos.

Entre nós, alguns ministros não sabem nem quais são os nossos interesses nacionais. Os desafios estratégicos assim o são porque têm o poder de mudar estruturalmente a sociedade. Mas, para serem resolvidos, devem ser enfrentados desde já, pois demandam tempo, muito tempo de maturação.

Os desafios estratégicos podem ser resumidos, de forma simples, na criação de um modelo de desenvolvimento que esteja conectado com o futuro. E este tem dois nomes: conhecimento e sustentabilidade. O primeiro remente à criação de um sistema de educação de qualidade. O que só se pode obter com a federalização da educação, não no sentido de federalizar a gestão das escolas, o que seria ridículo, mas o de certificar nacionalmente os professores, adotar uma base comum (curricular) de aprendizagem, ter instalações e equipamentos modernos em todo o país. Com procedimentos similares, como o Banco do Brasil, por exemplo. Assim, poderemos ter uma escola pública de qualidade, com chances iguais para todos.

O outro componente é mais complexo. Há que criar uma sociedade sustentável, por meio de mudanças diversas, sobretudo culturais e institucionais, difíceis de serem alcançadas. Isso implica adotar novo padrão de produção e de consumo, novos valores e estilo de vida, normas claras e estáveis. Aqui, o foco da mudança é menos o governo do que a sociedade. Contudo, os governos têm papel relevante se adotarem sistemas fiscais que estimulem a produção sustentável e inibam os impactos sobre o meio ambiente. Indubitavelmente uma longa agenda, cujo cumprimento pressupõe, sobretudo, um pacto suprapartidário, um pacto pela nação.

‘Centros sociais’ negam a democracia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/07


O clientelismo distorce a representatividade política, e se a votação do candidato depender de sua capacidade de distribuir benesses, corrói-se o regime



Assim como ocorreu nas eleições de 2010, a Justiça e o Ministério Público Eleitorais fluminenses empreendem ações para coibir talvez uma das mais deletérias ações clientelistas da política local, os chamados “centros sociais”.

Sem nada a dever a esquemas semelhantes existentes nas regiões mais atrasadas do país, em que o voto é trocado por favores e até mesmo dinheiro, esses centros são instalados por políticos para atender eleitores carentes e, assim, obter seu voto. Subúrbios do Rio e a Baixada Fluminense são as áreas mais visadas pelo clientelismo.

Oferecem-se tratamento dentário e consulta de clínica geral, pediatria, ortopedia, entre outras especialidades médicas. Até mesmo a oferta de assistência jurídica serve para atrair votos.

´É árduo o trabalho da Justiça Eleitoral. No início do mês, O GLOBO constatou que pelo menos cinco centros sociais de políticos já processados devido à prática clientelista continuavam a operar na Zona Norte e Baixada Fluminense. Pertenciam aos deputados estaduais candidatos à reeleição Dionísio Lins (PP), Márcio Panisset (PDT) e Dica (PMDB). Os processos se encontravam no gabinete da juíza Laurita Vaz, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proverbial lentidão da Justiça brasileira no julgamento de processos torna o problema ainda mais sério, por estimular a impunidade.

O clientelismo é sintoma de um estilo degradado de se fazer política. No caso dos ditos centros sociais, há peculiaridades hediondas. Por eles existirem devido às deficiências na prestação de serviços públicos, principalmente na Saúde, é certo que ao político beneficiário desses centros não interessa qualquer melhoria no SUS, por exemplo.

Elegem-se, portanto, agentes públicos que não trabalharão para que serviços essenciais melhorem de qualidade, um tremendo contrassenso. Se puderem, farão o oposto. Não é incomum se encontrar nesses centros material médico desviado de unidades públicas.

Outra séria distorção é que o dinheiro usado nos centros não aparece na prestação de contas do candidato. Imagina-se que parte do clássico caixa dois sirva para bancar esses guichês de compra de votos.

O clientelismo é um eficaz instrumento de distorção da representatividade, cuja qualidade é essencial para a democracia. Se a votação do candidato passa a depender de sua capacidade de distribuir favores, a democracia representativa é negada.

A demagogia e o clientelismo têm raízes fundas num sistema partidário distorcido. Mas, independentemente disso, a Justiça Eleitoral e o MP precisam continuar a atuar contra este mercado de trocas. Mesmo que a prática do “toma lá, dá cá" também exista em altos escalões do poder. Não se deve ficar à espera de reformas.

Gestão de erros - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/07


Acúmulo de problemas na economia decorre da falta de compreensão do governo Dilma Rousseff acerca dos reais desafios a enfrentar


De certa forma, trata-se de uma proeza: o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) chega ao período eleitoral com a pior combinação entre crescimento (pífio) e inflação (alta) dos últimos anos.

Políticos de variados matizes sabem que a eles convém, embora não seja do interesse público, apertar os cintos no início do mandato com vistas a fomentar a economia no ano do pleito. Devido a seu intervencionismo atabalhoado, e não por causa de elevadas considerações morais, nem isso a administração petista conseguiu fazer.

Economistas estimam que o PIB avançará menos de 1% em 2014; os preços dão pouca trégua; a indústria se retrai; a confiança de empresários e consumidores despenca. Não era difícil antever esse cenário, mas só agora a equipe da presidente emite sinais de que ela reconhece equívocos e pretende corrigi-los se for reconduzida ao cargo.

Se o mea-culpa tardio for sincero, que seja bem-vindo. Com o país à beira da recessão, porém, a estratégia não parece denotar súbito arroubo de lucidez. Antes, soa como uma tentativa quase desesperada de reconquistar apoios ou, no mínimo, reduzir a rejeição a Dilma.

Tenta-se passar a impressão de que as intenções, sempre boas e corretas, foram comprometidas na fase da execução. O caso mais citado é o do setor elétrico. Segundo a narrativa oficial, o governo apenas queria reforçar a competitividade da indústria e errou na mão.

A realidade, contudo, é menos rósea. Num gesto populista, a presidente decidiu que as tarifas deveriam cair 20%. Todas as decisões subsequentes tiveram de se adaptar a essa premissa.

O "erro" desorganizou o setor e deixou a Eletrobrás em situação falimentar. A conta, que já chega a dezenas de bilhões de reais, um dia será repassada aos consumidores.

Até a desoneração da folha de pagamento começa a ser vista como um benefício excessivo. Estendida a uma infinidade de segmentos, pesou demais para o Tesouro. Se o governo se arrepende da iniciativa, no entanto, por que a presidente decidiu torná-la permanente a poucos meses do pleito?

Perdeu-se, ademais, muito tempo em debates ideológicos sobre regras dos leilões de concessões. Disso resultou a estagnação dos investimentos em infraestrutura --que deveriam ter sido fonte importante de dinamismo econômico.

Longe de ser acidental, o acúmulo de problemas decorre da falta de compreensão acerca dos reais desafios a enfrentar. Evidenciou-se, há muito, que o governo nunca teve um plano; perdeu-se nas emergências do dia a dia.

Mais do que se desculpar, Dilma Rousseff precisa mostrar que tem algo de novo a dizer --e a fazer.

Haja criatividade - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


A presidente Dilma Rousseff completará quatro anos de mandato com um vergonhoso balanço econômico, se estiverem certas as novas projeções do Ministério do Planejamento: inflação acumulada de 26,78% e crescimento de apenas 8,23%. A inflação média terá superado 6% ao ano e o avanço anual da produção terá ficado em miseráveis 2,05%. O crescimento de 1,8% estimado para o PIB neste ano será um dos mais baixos do mundo e o segundo pior dos últimos quatro anos no Brasil (em 2012 ficou em 1%). Até as economias mais abaladas pela crise entraram em recuperação nos últimos anos, algumas com muita dificuldade. Nenhuma delas, ao contrário da brasileira, retrocedeu. Mas o resultado efetivo para o Brasil poderá ser pior. Economistas do mercado financeiro baixaram para 0,97% a expansão esperada para 2014. A previsão do Banco Central (BC) já caiu para 1,6%, em seu último relatório trimestral sobre a economia.

Os efeitos da fraqueza econômica são evidentes, há meses, na evolução da receita federal. Em junho, a arrecadação total, de R$ 91,39 bilhões, foi apenas 0,13% maior que a de um ano antes, descontada a inflação. No semestre, o governo arrecadou R$ 578,59 bilhões, 0,28% mais que entre janeiro e junho de 2013. O aumento real, quando se comparam os dados mensais deste ano e do anterior, tem sido cada vez menor, desde março. Isso se explica principalmente pelo baixo nível de atividade e pela deterioração do poder de consumo.

Fechados os números do mês passado, o Ministério do Planejamento pôde realizar a terceira avaliação bimestral de receitas e despesas federais e refazer as estimativas orçamentárias para o ano. As novas projeções de crescimento econômico e de inflação foram usadas como base para o novo panorama fiscal. Com base nessa revisão, o governo decidiu manter os limites de empenho e de gastos fixados na avaliação do segundo bimestre. Se a previsão de aumento do PIB fosse menos otimista, as autoridades teriam de programar despesas menores para a segunda metade do ano - uma perspectiva muito ruim para um governo gastador, especialmente quando a presidente se empenha em ser reeleita.

Mas esse risco foi afastado, por enquanto. A nova estimativa de receita líquida, depois das transferências a Estados e municípios, apontou, segundo um relatório, acréscimo de R$ 714,5 milhões. Por extraordinária coincidência, esse é o valor do aumento previsto para as despesas primárias de execução obrigatória. As despesas primárias são calculadas sem os juros e amortizações da dívida pública.

Há pontos misteriosos na nova revisão orçamentária. Um deles é o aumento de R$ 3 bilhões na receita estimada para o Refis, o programa especial de parcelamento de dívidas tributárias. A estimativa inicial, divulgada há meses, apontava arrecadação de R$ 12,5 bilhões. Com as últimas inovações no programa, divulgadas há poucas semanas, a arrecadação prevista subiu para R$ 15 bilhões. Com o relatório bimestral houve nova mudança: o valor subiu para R$ 18 bilhões.

O documento menciona, entre as receitas extraordinárias, o pagamento de R$ 2 bilhões pela Petrobrás, valor que corresponde ao bônus de concessão direta - sem licitação - de quatro áreas do pré-sal.

As projeções incluem R$ 27,02 bilhões de receitas extraordinárias. Não há referência, pelo menos explícita, à previsão de dividendos pagos pelas estatais. Esses dividendos, juntamente com a receita do Refis e os bônus de concessões de infraestrutura, têm sido importantes para a formação do superávit primário, o dinheiro separado anualmente para o serviço da dívida pública.

Neste ano está programado um resultado primário de cerca de R$ 80 bilhões para o governo central. Esse resultado parece agora muito difícil. A estimativa de crescimento real de arrecadação já foi reduzida de 3% para 2%. No primeiro semestre, o aumento da receita em relação a um ano antes, de 0,28%, ficou muito longe da meta. Para fechar as contas, o governo provavelmente precisará de mais criatividade contábil que nos anos anteriores.

ECA e Caje: dois fracassos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 24/07

Vinte e quatro anos depois da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é de perguntar-se o que tem feito o Estado para cumpri-lo. Afinal, onde estão as "políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência"? Onde estão o "direito a proteção à vida e à saúde"? Fracassadas essas etapas, onde estão os alojamentos de ressocialização "em condições adequadas de higiene e salubridade", com acesso a escolarização, profissionalização e atividades culturais, esportivas e de lazer?
Como tantas outras no país, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é uma ficção. Embora das mais avançadas do planeta relacionadas à juventude, foi posta pelas autoridades no rol das legislações que não pegaram - um direito, na prática, inexistente. Seja por omissão, seja por má vontade, é solenemente ignorada, quando não invocada de maneira errônea, com o propósito único de desmoralizá-la. É o caso do policial que, diante de infração grave cometida por um menor, alega nada poder fazer, por se tratar de "protegido do ECA". Faz de conta que, embora penalmente inimputável, o jovem está, sim, sujeito a medidas socioeducativas.

A questão é que, mais uma vez, o Estado é omisso. Sem condições de cumprir a lei, por não dispor de ambientes em número e condições adequados para atender às exigências ali implícitas, abusa da esfarrapada e conveniente desculpa. Num círculo vicioso, o ECA vai caindo no descrédito, criticado inclusive pela sociedade, que, descrente, em vez de cobrar sua plena implantação, contribui para manter o status quo, com famílias desestruturadas, sistema educacional fracassado, estabelecimentos de reeducação ineficazes.

No Distrito Federal, o pesadelo de quase quatro décadas denominado Caje (Centro de Atendimento Juvenil Especializado) foi demolido apenas quatro meses atrás. Mas, como um fantasma, sustentado no macabro histórico de 30 adolescentes e dois servidores mortos em suas dependências, segue ameaçador. É que, apesar do pouco tempo de vida, seus sucessores - unidades de internação distribuídas entre o Plano Piloto e outras regiões administrativas - já apresentam os velhos problemas de sempre, com superlotação, fugas, estrutura inadequada e corpo de funcionários aquém das necessidades.

Em outras palavras, o Caje mudou de endereço. Módulos sem ventilação, quartos sem saída de emergência, ausência de hidrantes, falta de acesso a viaturas e superlotação são problemas apontados pelo Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo. A Secretaria da Criança nega que as unidades estejam superlotadas e que faltem funcionários. Mas informa contar com a Vara da Infância e da Juventude no quesito lotação e admite precisar de reforço de pessoal para atividades suplementares e educacionais. O fato é que, no curto tempo de vida, as unidades de internação registram fugas e planos de evasão abortados. Daí para rebeliões e mortes pode ser um pulo.

Um novo 7 a 1 - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 24/07


Banco Central revisa suas previsões de crescimento, que continuará baixo, e de inflação, que seguirá alta: uma combinação terrível para o país



Assim que terminou a Copa do Mundo, a presidente Dilma Rousseff se apressou para tripudiar sobre aqueles que haviam feito previsões pessimistas a respeito da realização do evento no Brasil, já que, de fato, não houve o desastre temido. Em várias outras ocasiões, ela também criticou o pessimismo em relação à economia brasileira, mas esse está se mostrando um jogo bem mais difícil de virar. Cada novo dado e cada nova previsão soam como um gol a mais do adversário, enquanto o relógio corre, veloz, dando cada vez menos tempo para a recuperação.

Desta vez, não se trata de previsões de analistas ou do mercado internacional, dos “loiros de olhos azuis” que, na expressão do ex-presidente Lula, causaram e fomentaram a crise internacional: é o próprio governo que toca o alarme. O Boletim Focus, divulgado na segunda-feira pelo Banco Central, reduziu a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, de 1,05% (o que já é razoavelmente medíocre) para 0,97%. O Ministério da Fazenda, muito mais otimista, também reviu para baixo suas expectativas: em vez de 2,5%, o Brasil deve crescer 1,8% neste ano. Em comparação com o dado do BC, até que não parece tão ruim assim, mas sempre é bom lembrar que as habilidades de previsão de Guido Mantega e sua equipe já se tornaram piada até mesmo na imprensa internacional.

Como mostrou a Gazeta do Povo de ontem, caso a previsão do BC se mostre acertada, Dilma terminará seu mandato com o pior desempenho médio entre os últimos presidentes. O crescimento médio de 1,8% ao ano seria mais fraco apenas que a queda de 1,3% na época de Fernando Collor – o que faria de Dilma a presidente com o pior crescimento médio desde a estabilização promovida pelo Plano Real.

Mas, ao contrário das épocas de bonança, em que o governo toma para si todos os méritos, quando a situação piora Dilma tira o corpo fora e coloca a culpa na crise internacional, como tem feito em praticamente toda entrevista que vem concedendo a veículos estrangeiros de imprensa. Mas a presidente não explica como, então, outros emergentes devem crescer tanto ou mais que o Brasil em 2014: segundo a versão mais recente do World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional, publicada em abril (uma atualização está prevista para hoje), o Brasil cresceria 1,8%. Considerando apenas os Brics, o país ficaria apenas à frente da Rússia (1,3%), mas atrás da China (7,5%), da Índia (5,4%) e da África do Sul (2,3%). E, por fim, o Brasil ainda estaria abaixo da média mundial (3,6%) e dos próprios emergentes (4,9%).

E antes nosso problema fosse apenas o baixo crescimento: o mesmo Boletim Focus que coloca o crescimento do PIB abaixo de 1% em 2014 também prevê uma inflação perigosamente perto do teto da meta, com 6,44% neste ano, o que torna surreal uma afirmação feita por Lula na terça-feira: “Estabelecemos a meta de 4,5% e cumprimos. Ou seja, é plenamente possível manter 12 anos, como nós mantemos”, disse. Na verdade, nos 11 anos completos com o PT no Planalto, o IPCA esteve abaixo do centro da meta apenas três vezes (2006, 2007 e 2009). Em 2005, ficou a meio caminho entre o centro e o teto da meta. E, em todos os demais anos, ou a inflação ficou mais perto do teto que do centro da meta, ou estourou o teto, como em 2003 (em 2011 só o arredondamento impediu que o limite máximo fosse novamente superado). Se considerarmos que ainda há preços represados única e exclusivamente graças a políticas governamentais, as perspectivas para a inflação futura não são nada boas.

Mesmo com a ameaça de um novo 7 a 1 contra o Brasil (7% de inflação com 1% de crescimento), Lula se diz “tranquilo” em relação à economia, porque a ação governamental estaria resolvendo o problema do baixo investimento, outra das travas que emperram o país. Ou seja, o ex-presidente e mentor de Dilma perpetua o preconceito ideológico contra a iniciativa privada e ainda vê a solução para o Brasil no protagonismo do Estado. Menos mal que, ainda que por mero pragmatismo, o governo venha reconhecendo que não consegue dar conta de setores como os de rodovias e aeroportos e esteja avançando lentamente nas concessões. Afinal, a receita de Lula, se seguida à risca, mais cedo ou mais tarde levaria nossa infraestrutura ao apagão que não veio na Copa.

Emprego, preço e voto - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/07


A presidente Dilma Rousseff escolheu um evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na quinta-feira da próxima semana, para iniciar efetivamente sua campanha à reeleição. Afora o fato de que uma entidade do gênero, receptora de fundos públicos, não poderia se prestar a isso, tivessem o PT e seus tentáculos sindicais um mínimo de decoro - e que a escolha representa a plena retomada do estratagema lulista em 2006 de dividir o País entre "nós" e "eles" -, o desafio que pode tolher o avanço da candidata rumo às urnas consiste precisamente no mal-estar que poderá se difundir nas classes que ela chamaria "nossas".

Os sintomas iniciais de desconforto, capazes de se transmutar em pessimismo, decerto não foram inoculados nos que os experimentam pela mídia "a serviço das elites". Se Dilma quisesse de fato descobrir o que os origina, bastaria que ousasse estabelecer uma relação de causa e efeito entre os seus quatro anos no poder e o sombrio quadro econômico atual. Trata-se, sem exagero, do pior dos mundos: produção - logo, emprego - rolando ladeira abaixo e custo de vida nas alturas. Essa combinação perversa não é uma abstração estatística: é uma ameaça aos assalariados.

Os prognósticos oficiais de um PIB minimamente decente - de novo revistos para menos - se desmancham no ar. O risco real e presente é o de se fechar o ano com uma variação abaixo até de 1%. Isso se traduz evidentemente em queda da oferta de trabalho. Tanto em junho como no acumulado do primeiro semestre, o crescimento do emprego foi o mais baixo desde 2008. No que foi o carro-chefe da economia, a indústria hoje em recessão, o que há é desemprego mesmo: 16,5 mil vagas fechadas em junho, 96,5 mil no ano, a caminho de reprisar 2009, quando 112,5 mil vagas foram decepadas. Quem continua empregado tem justa causa para inquietação. Não raro saberá de alguém que foi demitido e desocupado está.

E, se não souber, será informado pelos telejornais. O que terá a lhe dizer a candidata? Que tudo não passa de um surto transitório de "expectativas negativas" a desestimular o investimento, enquanto a alta dos preços já fura o limite superior da meta, passando dos 6,5% ao ano? Não é por "torcida contra" - que o Planalto, tomado de paranoia, parece enxergar por toda parte - que o índice de confiança do consumidor brasileiro é o mais raso dos últimos 11 anos. A aflição que a presidente talvez não revele a ninguém é que desempregados e desconfiados também votam. Com o tempo e a persistência da virtual estagnação econômica, esses contingentes tenderão a aumentar - assim como a possibilidade de voltarem os seus votos contra Dilma.

A defesa inspirada nos feitos imaginários do Barão de Münchausen a que Dilma se agarra poderá se revelar mais porosa que a da seleção brasileira no jogo com a Alemanha. Além de acusar bisonhamente os adversários de serem "aves de mau agouro", ela argumenta que o emprego, a inflação e os juros nos últimos anos foram melhores do que nos tempos do PSDB. Maltratando os números, a presidente soma ao seu mandato os oito anos de Lula para se achegar à sua popularidade. É um desrespeito à inteligência do eleitor: é supor que ele se apegue a melhoras passadas para exorcizar as pioras presentes.

Não obstante as nuvens que vão se adensando - e apesar dos 36% do eleitorado que diz que não votará nela em hipótese alguma -, a presidente continuará a ser uma candidata temível. A pesquisa Ibope/Estado/TV Globo publicada ontem revela uma situação de estabilidade, com Dilma pouco aquém dos 40% e Aécio pouco além dos 20%. Já nas simulações de segundo turno, a sua vantagem (41% a 33%) encolheu, sinal de que ela praticamente não agrega eleitores que preferiram outros nomes, ou nenhum, no primeiro turno. E subiu de 64% para 70% a parcela dos brasileiros que querem mudanças na condução do País.

A petista, em suma, precisa liquidar a fatura na rodada inicial. Mas é duvidoso que obtenha então a metade mais um dos votos válidos. Nem Lula conseguiu isso nas duas vezes em que ganhou a Presidência.

Abastecimento de água é uma questão nacional - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/07

Crise de abastecimento em São Paulo deve servir de alerta para a falta de programas eficazes de racionalização da distribuição e do consumo em todo o país



A pior crise de abastecimento da história de São Paulo, com o maior reservatório do estado virtualmente seco, derruba o mito de que a água não é um problema no Brasil. Principalmente, expõe a preocupante evidência de que o país — poder público, órgãos/empresas do setor e mesmo a população — é relapso com seus recursos hídricos. A água, um bem vital que escasseia em boa parte do planeta, ainda não é tratada como tal, e a sombra da seca — até aqui flagelo associado quase unicamente ao Nordeste — sobre as regiões metropolitanas da capital da mais rica unidade da Federação ameaça sair do terreno de impensável pesadelo para a realidade dos paulistanos e paulistas. Mas o risco de desabastecimento não é um problema localizado; é uma questão nacional.

O mito da água em abundância até pode ter um quê de verdade, em razão das gigantescas bacias hidrográficas da Amazônia. Mas grandes reservas não implicam, necessariamente, abastecimento eficaz. Na mesma Região Norte que concentra os maiores mananciais do Brasil registram-se (junto com o Nordeste) os piores índices de distribuição de água. Alguns estados chegam a conviver com um índice absoluto de intermitência — ou seja, na região mais rica em recursos hídricos do país todos os domicílios ligados às redes de água sofrem interrupção do fornecimento pelo menos uma vez por mês.

A razão do risco de desabastecimento em São Paulo pode, no máximo, ser dividida com a ocorrência de apagões climáticos, como baixos índices pluviométricos — fatais para o sistema Cantareira, mas não exclusivos. Dez anos atrás, a Agência Nacional de Águas (ANA) já apontava para a necessidade de se fazer obras que pudessem reduzir a dependência do sistema. Por sua vez, a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo enviou em 2009 à empresa responsável por captar, tratar e distribuir a água no estado um relatório sobre o Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O documento apontava um déficit de grande magnitude em Cantareira e aconselhava o governo estadual a tomar medidas para evitar o colapso. As chuvas abundantes dos dois anos seguintes afogaram o alerta.

A leniência com que se trata a questão da água tem também raízes culturais. Órgãos da administração pública, não raro, não têm projetos eficazes de racionalização, e quando os têm não os implantam. A transposição do São Francisco, por exemplo, e uma série de outros programas de aproveitamento sustentável do rio não andam. A população, por sua vez, costuma ser perdulária. A junção desses comportamentos (planos oficiais escassos de racionalização e perdas com mal uso, vazamentos e ligações clandestinas) resulta numa previsão sombria: segundo a ANA, 55% das cidades brasileiras correm o risco de não manter o atual nível de abastecimento já em 2015. Já passou da hora de se encarar a questão com seriedade.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

OPOSIÇÃO CENTRA FOGO EM CERVERÓ

De olho no estrago eleitoral que o escândalo da Petrobras poderá causar à reeleição de Dilma, partidos de oposição decidiram voltar a centrar fogo em Nestor Cerveró, diretor internacional da estatal na época da compra da refinaria de Pasadena (EUA). O ex-diretor foi tomado por bode expiatório pelo Planalto e está entre os condenados pelo TCU a devolver US$ 792 milhões pelos prejuízos ao erário.

HOMEM-BOMBA

Cerveró chegou a avisar a membros da CPMI interesse em abrir o bico, mas recuou. A aposta é que, agora, já não tem para onde correr.

O DIA D

Acusado pelo Planalto de redigir “parecer falho”, que teria induzido a erro a presidente Dilma, Cerveró vai depor no dia 13 de agosto.

DÉJÀ VU

O líder do SD, Fernando Francischini (PR), acredita que Cerveró corre o risco de pagar pelos pecados alheios e “virar um Marcos Valério da vida”.

PODE SE REDIMIR

Para Rubens Bueno (PR), líder do PPS, o TCU isentou Dilma, mas terá nova chance para cumprir a lei na Tomada de Contas Especial instalada.

ABANDONAM O PUDOR

Empresas aéreas agora embolsam dinheiro da clientela sem o menor pudor. Um casal de Brasília comprou passagens de ida e volta para a final da Copa, mas chegou ao Rio antes, por outro meio. A TAM cancelou o retorno sem avisar e não devolveu o dinheiro. Por que? “Normas da empresa”, disse o funcionário, frio como um cadáver. O casal ludibriado teve de comprar outros bilhetes de volta para casa.

IMPUNIDADE

A TAM embolsou a grana das passagens adquiridas 3 meses antes da final da Copa, e o dinheiro dos novos bilhetes. Ninguém foi preso.

AMIGAS DO ALHEIO

Empresas aéreas alegam cinicamente que clientes perdem direito a restituição de passagens compradas em promoção. A Anac nada faz.

INUTILIDADE

O casal tentou se queixar na Anac contra a TAM, mas foi inútil. A Agência Nacional de Aviação Civil não aparece em aeroportos.

LICENÇA PROGRAMADA

O presidenciável Aécio Neves (PSDB) não quer dar margem a críticas e já prepara o discurso para despedida do Senado no dia 5 de agosto. Assumirá a cadeira o suplente Elmiro Alves do Nascimento (DEM-MG).

JOGO DUPLO

Coordenador da campanha de Aécio Neves, o presidente do DEM, José Agripino, ficou de defenestrar do comando do Nordeste o vice-governador Thomaz Nonô, que estaria jogando também com Eduardo Campos (PSB).

PAGA PRA VER

O presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE) apostou com prefeitos, em ato na Zona da Mata Sul, no sábado (19), que o socialista Paulo Câmara terá um milhão de votos a mais que Armando Monteiro (PTB) ao governo.

DENTRO DOS CONFORMES

O MEC esclarece que a licitação aberta nesta quarta (23) para contratar empresa de eventos obedece a todos os procedimentos legais. Em nota, informou que os dados estão disponíveis no site Comprasnet.

CIUMEIRA

A cúpula do PMDB colocou na conta da Câmara o vazamento da notícia de que receberia R$ 40 milhões do PT. Segundo dirigentes, os deputados estão inseguros com o estreitamento das relações do Senado com Dilma.

A ORIGEM

O PMDB suspeita ainda que a história dos R$ 40 milhões tenha sido alimentada pelo próprio presidente do PT, Rui Falcão, para já inviabilizar uma eventual doação e estimular a briga da Câmara com o Senado.

SÓ NA PROMESSA

Prefeitos se dizem enganados por Cid Gomes (CE), que teria prometido R$ 140 milhões em troca de apoio a Camilo Santana (PT), mas cancelou os convênios assinados após 5 de julho, como manda legislação.

RIR É O REMÉDIO

A repercussão nas redes sociais do encontro entre Dilma e executivos da TIM foi bem-humorada. Internautas avaliaram que tal como a petista nas pesquisas, ligações da operadora continuam só caindo.

APATIA GERAL

O PSOL e o PV identificaram que o principal desafio nesta eleição será convencer o eleitor qualificado – do dito voto de opinião – a votar.



PODER SEM PUDOR

CRAÚNA É MELHOR

Foi uma beleza o período em que estudantes de Engenharia curitibanos, ligados ao Projeto Rondon, mudaram a face da cidade de João Câmara, no Agreste do Rio Grande do Norte (RN). Reformaram o coreto, a praça principal, alguns prédios e até construíram um chafariz. Quando foram embora, deixaram saudades. Meses depois, o prefeito Chico Bomba recebeu um recado: perto da colação de grau, os estudantes precisavam de croquis das obras que ajudaram a realizar. O prefeito não entendeu: por que eles queriam o tal "conquis"? Solícito, foi ao prédio dos Correios e ditou uma resposta por telegrama:

- Impossível encontrar conquis, mas segue a melhor craúna da região.

Os estudantes mal acreditavam, em Curitiba, quando receberam um pássaro preto, ao invés do esboço esquemático solicitado.