sexta-feira, julho 04, 2014

Desperdício em grande escala - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 04/07

Como o projeto da Refinaria Abreu e Lima foi imposto à Petrobras?


Será lamentável se as irregularidades que vêm pautando a construção da Refinaria Abreu e Lima forem relegadas às páginas policiais. É importante que sejam também discutidas nas páginas de economia e de política. Há lições fundamentais a extrair, que vão muito além da questão da corrupção. O projeto propicia precioso estudo de caso sobre o enorme desperdício que vem marcando o parco esforço de investimento que o país tem sido capaz de manter.

É crucial ter clareza sobre as proporções do projeto. Inicialmente orçada em US$ 2,4 bilhões, a refinaria pode vir a custar US$ 20 bilhões. Mais de R$ 44 bilhões. Quase 1% do PIB. O suficiente para reforma e construção de 66 estádios similares aos que estão sendo utilizados na Copa. Ou o bastante para instalação de mais de 12.400 escolas.

Na opinião da Agência Internacional de Energia (AIE), o custo da refinaria será de duas a três vezes maior do que o padrão aceitável para unidades com capacidade de refino similar. “Se eu fosse dono da Petrobras, acho que não a faria, com esse custo”, foi a avaliação que fez o próprio José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, em depoimento no Congresso na semana passada (O GLOBO, 26 de junho).

A decisão de construir a refinaria, em sociedade com a estatal venezuelana PDVSA, foi tomada no primeiro governo Lula, num encontro do presidente com Hugo Chávez. A homenagem a José Inácio de Abreu e Lima — militar pernambucano que, há dois séculos, lutou ao lado de Simon Bolívar pela libertação da Venezuela — foi ideia de Chávez. Não obstante todo o entusiasmo inicial, os venezuelanos jamais puseram um centavo na refinaria. E os custos do projeto acabaram recaindo integralmente sobre a Petrobras.

Sabe-se agora que, bem antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento de R$ 10 bilhões do BNDES. Confrontado com esse fato constrangedor, o banco saiu-se com a alegação esfarrapada de que a classificação de risco e o “porte” da Petrobras haviam sido suficientes para a liberação do financiamento (“Valor”, 16 de maio).

A concessão de um financiamento prematuro de tal magnitude, nessas bases, bem evidencia quão mobilizada estava a cúpula do governo com o avanço do projeto. Já em 2009, contudo, o corpo técnico da Petrobras vinha alertando a diretoria da empresa que o projeto da refinaria não era economicamente viável. Mas a vontade política continuou prevalecendo. O estudo de viabilidade econômico-financeira foi convenientemente alterado, com adoção de hipóteses irrealistas, para que seus resultados passassem a justificar a realização do projeto (O GLOBO, 23 de junho).

O que ainda falta saber com mais detalhe é como a decisão política de ir em frente com o projeto da refinaria foi imposta à Petrobras e ao seu corpo técnico, apesar das evidências de que isso seria lesivo aos interesses da empresa. Por força dos cargos que exercia na época, a presidente Dilma é a figura chave para esclarecer essa questão. É preciso ter em mente que, no segundo mandato do presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff ocupava posição central em cada um dos dois elos cruciais da cadeia de comando com que o Planalto controlava os investimentos da Petrobras.

De um lado, como ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, estava incumbida de estabelecer prioridades e gerenciar o vasto leque de projetos que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), compunha o esforço de investimento federal, tanto no âmbito do governo como das estatais. De outro, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, vinha comandando, desde 2003, a representação do acionista controlador na gestão da empresa.

Em entrevista recente, perguntaram à presidente Dilma por que o país não cresce. Entre as várias razões que poderia ter mencionado, a presidente deveria ter esclarecido que, não bastasse o esforço de investimento ser muito baixo, parte substancial desse esforço vem sendo lamentavelmente desperdiçada.

A derrota da Seleção e a de Dilma - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 04/07

Se a Seleção Brasileira for campeã, haverá ainda mais gente de peito estufado. Torço para que aconteça


Sempre temi pelo dia em que isto aconteceria: a população demonstrar mais serenidade, bom senso e objetividade do que parcela considerável dos analistas políticos. Temia porque a "catchiguria" ainda tem lá a sua responsabilidade na formação da opinião e, em tese ao menos, dispõe de instrumentos para avaliar com mais precisão a realidade. Afinal, uma de suas tarefas é tentar revelar a essência sob a aparência das coisas, de sorte que o "véu diáfano da fantasia" (Eça) não esconda "a nudez forte da verdade". Sempre temi, sim, por este momento, mas também não sou do tipo que lamenta a sorte do mundo: bem-vindo, povão, às luzes! Já estava na hora de aposentar os que insistem em cegá-lo com a clareza das ideias mortas. Ah, os iluministas mequetrefes de anteontem! Enigmático? Nem tanto.

Pesquisa Datafolha publicada na edição de quinta-feira (3) desta Folha demonstra que o segundo turno na eleição presidencial continua uma realidade tão palpável quanto há um mês (38% de Dilma contra igual número dos adversários) e que a diferença da presidente (re)redisputante para seus adversários na rodada final variou na margem de erro, mas com distância numérica menor: 7 pontos contra Aécio Neves, do PSDB (46% a 39%), e 13 pontos contra Eduardo Campos, do PSB (48% a 35%). Ocorre que só 1% dos entrevistados não conhecem a petista, número que chega a 19% no caso do tucano e a 36% no do pessebista. Dizem conhecê-la "muito bem" 50% dos entrevistados --só 16% afirmam o mesmo sobre Aécio, e 7% sobre Campos. Se os petistas querem comemorar, por mim, tudo bem! Prefiro, por princípio, a euforia à depressão. Sigamos.

A Copa do Mundo se realiza sem maiores atropelos --este que escreve, felizmente, nunca disse o contrário, nem aqui nem em lugar nenhum. Também tratei como rematada tolice essa história de "Não Vai ter Copa", além de achar que a cadeia é um bom lugar para bandidos mascarados, sequelados pelo excesso de achocolatados e cereais matinais e pela falta de um pai e de uma mãe que os amem com mais severidade. Em Dois Córregos, "black bloc" não é ética, não é estética, não é tática; é só falta de cinta. O Datafolha constatou que 63% são favoráveis à realização do torneio no país (só 27% se opõem), embora 46% considerem que ele traz mais prejuízos do que benefícios (45%). Os protestos provocam mais vergonha (65%) do que orgulho (26%). A leniência oficial com a baderna, como se vê, teve o condão de tirar o povo da rua. Gilberto Carvalho não bate papinho com baderneiro porque seja burro. Sim, se a Seleção Brasileira for campeã, haverá ainda mais gente de peito estufado. Torço para que aconteça. A tristeza é má conselheira.

Começo a unir os fios deste texto. As antevisões mais pessimistas sobre a Copa não se cumpriram nem vão se cumprir, e, no entanto, a situação eleitoral de Dilma é mais difícil agora do que antes. Não seria difícil demonstrar que esta rodada do Datafolha lhe é mais negativa do que a anterior. Os eleitores, contra a pregação dos iluministas de farol baixo, dão sinais de distinguir muito bem uma bola em campo de uma eleição em jogo. E, se houver um resto de prudência lá pelas bandas do Palácio, a Copa do Mundo, mesmo com o hexa, será usada com parcimônia na campanha eleitoral. Mas não serei eu a lutar para que João Santana faça a coisa certa.

A vigarice intelectual tenta transformar o tal "pessimismo com a Copa" numa espécie de metáfora --ou metonímia-- do suposto "pessimismo com o Brasil". Também as críticas ao governo e o legítimo esforço para apeá-lo do poder segundo as regras do jogo seriam obra de pessoas de maus bofes, que saem por aí a espalhar o rancor e a amargura --coisa, enfim, de quem deveria deixar "estepaiz", já que se mostra incapaz de amá-lo... Com todo o respeito, a tese de que o Brasil precisa perder a Copa para Dilma perder a eleição é só uma trapaça intelectual de quem quer que Dilma vença a eleição, ainda que o Brasil perca a Copa

"Não tem mais bobo no futebol" - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 04/07


'Globalização' técnica e econômica dá cabo de times ingênuos e de certa graça das diferenças


A FRASE QUE está no título desta coluna tornou-se lugar comum faz tempo, como sabe qualquer um que acompanha futebol ao menos durante Copas.

Quando e por que começou a extinção dos "bobos", os seleções nacionais entre ingênuas e fracas?

Difícil saber quando se difundiu a percepção de que os jogos entre "potências" tradicionais e tradicionais azarões se tornaram regularmente mais difíceis --zebras sempre existiram. Observando as estatísticas de campeonatos internacionais de seleções, parece que os "bobos" começaram a desaparecer na primeira metade dos anos 1990.

Talvez não por acaso, foi também quando a dúzia de times europeus que ora comanda ou lidera o futebol mundial tornou-se negócio grande, de interesse de TVs, depois de conglomerados de mídia, muitas vezes. Grupos de mídia são donos de vários times, de contratos de transmissão, de estádios rentáveis etc. O caso notório de Silvio Berlusconi, sua Mediaset e seu Milan não é extravagância, apesar das aberrações políticas, econômicas, futebolísticas e policiais desse contubérnio.

Na virada dos anos 1980 para os 1990, os times europeus maiores, que já vinham tentando se transformar em "big business", passaram a assinar contratos de transmissão de jogos com valores estratosféricos, dezenas de vezes superiores àqueles típicos até os anos 80.

Difundiam-se então os serviços de TV por assinatura, "TV paga", por cabo ou satélite.

Ou seja, o início do consumo de massa de uma tecnologia de comunicação ampliou as oportunidades de negócio do futebol. Além do mais, o preço de ingressos passou a correr acima da inflação. O licenciamento em massa de produtos relacionados a clubes e jogadores, o marketing organizado, maciço, de dinheiro grosso, também explodiu por essa época.

Assim, aumentou muito o poder econômico dos clubes europeus, na verdade do consórcio clubes-mídia. Jogadores do resto do mundo passaram a ser importados em massa, o que foi ainda facilitado depois de 1995 por decisões judiciais a respeito do livre trânsito de jogadores (que são enfim trabalhadores) na União Europeia.

Atletas das seleções "bobas" passaram a ser treinados nos melhores campeonatos, com as melhores técnicas. Foram, de certo modo, aculturados, perderam alguns traços do modo de jogar "nacional", enquanto passavam a ser treinados de acordo com métodos científicos. As melhorias econômicas nos países "subdesenvolvidos" ajudam a dar cabo do modo tradicional, malabarista e fantasista, de jogar bola.

É verdade que a "globalização" do futebol corria também por outras pistas. A tecnologia permitiu o acompanhamento de campeonatos do outro lado do planeta --não haveria mais surpresas como a Holanda de 1974. Treinadores passaram a circular mais pelo mundo. Técnicos esportivos passaram a se formar em massa em cursos universitários e em outros centros de formação.

Assim, a tecnologia do esporte tornava-se disponível para o mundo inteiro, tanto nos seus aspectos puramente atléticos como nas táticas de jogo e na formação da mentalidade do profissional do esporte.

A "globalização" vai extinguindo os "bobos". E certa graça das diferenças.

Bola na trave - FERNANDO GABEIRA

O ESTADO DE S.PAULO - 04/07


A Copa do Mundo vai bem, dentro e fora dos estádios. Algumas previsões pessimistas, as minhas incluídas, baseadas em alguma evidências, não se confirmaram. Nesse sentido, Dilma tem razão em afirmar que a Copa, ao menos até agora, desmentiu os pessimistas. Mas enquanto o clima no País é de grande unidade, teoricamente favorável a falar dos anseios nacionais, Dilma aposta na fragmentação. Os dirigentes do PT iniciaram o discurso e ela o prolonga com verbos que me deixam perplexo.

Outro dia declarou que ninguém iria vergá-la. Na estrada nem sempre posso acompanhar tudo. Sinceramente, não conheço ninguém que queira vergar a presidente da República. Repassei os principais acontecimentos e não vi na oposição nada parecido com a ideia de vergar Dilma. Um verbo desse tipo é mais adequado, talvez, para relações hierárquicas ou na indústria de construção. Numa atmosfera democrática ninguém verga ninguém.

Um dirigente do PT lançou uma nota acusando nove jornalistas de disseminarem o ódio. Os textos desses jornalistas são públicos e o que há em comum entre eles é uma visão crítica do governo. A organização Repórteres sem Fronteiras protestou contra essa nota do dirigente do PT. E a reação dos parlamentares petistas foi afirmar que a Repórteres sem Fronteiras não deveria intrometer-se em assuntos internos do Brasil. Na verdade, eles estão propondo uma revolução que transformará a entidade em Repórteres com Fronteiras.

Os cubanos também pensam assim. Na leva de 70 intelectuais presos em 2004 havia muitos repórteres que cruzavam a ilha de bicicleta em busca de notícias. Acompanhei a trajetória de Raúl Rivero, poeta e escritor que dirigia a Cuba Press. Foi acusado daquelas coisas de sempre: ligações com o imperialismo, etc. Tive a oportunidade de escrever uma pequena introdução à edição em português do seu livro Provas de Contato. Rivero é um homem que ama Cuba e seu povo, no entanto, teve de se exilar na Espanha.

Não se trata de comparar a situação brasileira com a cubana. Mas de ter a noção de que esse desejo de controle da informação é típico de governos autoritários. Quem o conhece minimamente, como a Repórteres sem Fronteiras, se assusta e protesta ao ver a semente ser plantada.

Como explicar a reação do PT diante de um quadro que poderia favorecê-lo, uma vez que grande parte dos problemas previstos não ocorreu, ou bateu na trave? Isso não significa que não tenha havido problemas. Mas pesquisas com estrangeiros revelam um nível de satisfação e de críticas muito parecido com o dos turistas que nos visitam em épocas mais calmas.

Essa perda de contato com o momento da sociedade e a fixação numa áspera rivalidade política mostram também uma falta de horizonte que lembra o slogan dos punks em Berlim: "No future". Claro que os petistas não concordam com essa análise. O horizonte, para muitos deles, é aprofundar o controle e levar adiante os grandes destroços do socialismo, uma espécie de Titanic que no século 20 nos deixou, os sobreviventes, agarrados a precárias balsas no oceano da História.

Controlar o Parlamento não basta. Ter maioria no STF, também não basta. O discurso do ódio visa a transformar a campanha eleitoral em pancadaria e manter a imprensa sob a permanente ameaça de controle.

Mas o discurso do ódio vai bater na trave.

No momento em que escrevo o Brasil avançou para as quartas de final na Copa. O País mostrou-se hospitaleiro e despendeu enorme energia estimulando a seleção de futebol. Um vínculo nos uniu de ponta a ponta.

A tragédia é que a política se mostra incapaz de mobilizar parte dessa energia, achar novos vínculos nacionais em torno de grandes temas, como o combate à pobreza e à corrupção, a racionalização da imensa máquina que trava o País. Enfim, algumas Copas em que estamos lutando ainda pela classificação. Com otimismo de torcedor, ainda espero que este Mundial tenha reflexos na política e se aproveite o momento especial para discutir o futuro do Brasil. Por enquanto, com essa de vergar ou não vergar estacionamos na construção civil.

Sei que não é conveniente lembrar isto em período de festa, mas as contas do governo federal em maio foram as piores da História. Coligações e convenções desenrolaram-se no período e passaram quase em branco. Sorte delas. Não foi um bom espetáculo, sobretudo o das coligações. Pornopolítica, bacanal, foram chamadas de tudo e, apesar do apelo erótico, ninguém se interessou por elas.

Atacante do "pior time do mundo", o Íbis Sport Club, Mauro Shampoo disse-me numa entrevista: "O único título que ganhei na minha carreira é o de eleitor. O que fazer com ele?" Muita gente faz a mesma pergunta nas ruas. Não na expectativa de ouvir a sugestão de uma outra candidatura, mas apenas como pretexto para se lamentar, como se a esfera da política fosse algo fora de controle, marchando para um não acontecimento, sintetizado no "tudo dá no mesmo".

A sociedade quer mudanças, seria importante definir as principais e transformá-las num grande debate nacional.

Ainda faltam alguns jogos para o fim da Copa. Mas quando soar o apito final começa a contar o tempo para encarar este momento que a sociedade brasileira vive, empolgada com sua seleção, mas sem encontrar no universo da política outros motivos de orgulho de ser brasileiro. E com muito amor, porque o ódio não se encaixa na canção.

A Copa do Mundo trouxe tantas surpresas dentro de campo que o sentido do inesperado prevaleceu em muitas partidas, mostrando que no gramado tudo pode acontecer. Essa imprevisibilidade do futebol transplantada para nossa vida nacional é o que ainda alimenta a esperança de este país mudar.

Nota do autor: Este artigo foi escrito antes da queda do viaduto na zona norte de Belo Horizonte, cidade por onde passei no dia da queda, mas tarde para incluí-la. Isso constará do balanço da segunda fase da Copa.


Para a conta fechar - CLAUDIO SALES E RICHARD LEE HOCHSTETLER

FOLHA DE SP - 04/07

A melhor iniciativa para a real redução do custo de energia não poderá escapar da redução dos impostos sobre a conta de luz


Neste ano se interrompe um longo período durante o qual os reajustes da conta de luz ajudaram a conter a inflação. Segundo o IBGE, desde 2007, a variação dos preços de energia elétrica havia ficado abaixo da variação do IPCA.

O resultado positivo dos últimos sete anos foi fruto de vários fatores, entre os quais a concorrência nos leilões de geração e transmissão de energia, o repasse ao consumidor dos ganhos de produtividade na distribuição de energia e a redução do custo de capital. Entretanto, olhando para o futuro, é preciso cautela e novas iniciativas para a desoneração sustentável da eletricidade.

A cautela se deve ao fato de que o aumento do custo de geração de energia (causado pelo intenso despacho termelétrico), que está sendo parcialmente postergado em 2014, terá de ser incorporado às tarifas dos consumidores em 2015 e 2016. Na prática, o setor elétrico está suavizando o impacto tarifário que seria sentido em 2014 ao viabilizar um financiamento aos consumidores de energia.

Assim, a melhor iniciativa para a real redução do custo de energia não poderá escapar da redução dos impostos sobre a conta de luz, iniciativa que tem ocupado pouco espaço nos discursos políticos. Não faz sentido negligenciar o peso dos impostos porque os mesmos têm sido a parcela da tarifa que mais cresce.

Além disso, a eletricidade é uma das atividades mais tributadas na economia. Basta comparar a arrecadação advinda da tributação de energia elétrica com a sua participação na economia. A energia elétrica responde por apenas 2,2% do PIB, mas representa 5,2% da arrecadação da União com os tributos Pis/Cofins, e 8,4% da arrecadação dos Estados com o ICMS.

A elevada tributação também fica evidente quando são examinados os demonstrativos financeiros de 36 empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica: nada menos que 57% do valor adicionado por essas empresas em 2013 foi apropriado pelo governo na forma de impostos.

Em contrapartida, quase 43% do valor adicionado destinou-se aos que alocaram seu trabalho e capital para viabilizar o fornecimento de energia às nossas empresas e lares: trabalhadores (16%), investidores (10%) e financiadores (16%).

Tributar excessivamente a energia elétrica é prejudicial para a sociedade, tanto da perspectiva da eficiência, quanto da equidade.

A energia elétrica é o serviço público mais universalizado no país, o que faz com que sua tributação tenha fortes implicações distributivas. Os tributos sobre energia elétrica penalizam mais pesadamente as famílias mais pobres, pois o consumo de energia elétrica representa uma parcela maior de seus orçamentos. Mesmo considerando os descontos concedidos aos consumidores de baixa renda, a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE revela que a tributação da eletricidade é regressiva: a metade mais pobre da população gasta 15% a mais de sua renda em energia elétrica do que a metade mais rica. Somente os itens vestuário, fumo, cesta básica e gás de cozinha são mais regressivos.

Não há modicidade tarifária sem redução de tributação. Seja quem for o próximo presidente da República, essa questão precisará ser atacada.

As elites vermelhas - NELSON MOTTA

O GLOBO - 04/07

Como um Felipão atordoado, Lula volta ao velho ‘nós contra eles’, que o derrotou três vezes e o obrigou a fazer a ‘Carta aos brasileiros’ para ganhar a eleição



Lula inventou uma bizarra luta de classes, em que não são os pobres que odeiam os ricos por sua opressão, exploração e privilégios, são os ricos que não suportam que os pobres comam, tenham um teto e, suprema afronta, viajem de avião pagando em dez vezes. E não se contentam em explorá-los e desprezá-los, amam odiá-los, logo eles, que vão consumir os bens e serviços que os ricos produzem para ficarem ainda mais ricos. Isso não é coisa de rico, é de burro, e Lula, rico, de burro não tem nada.

Com o país vivendo uma era de prosperidade desde o Plano Real, os três governos petistas não só tiraram milhões da miséria e alçaram milhões da pobreza à classe média, como criaram uma nova classe de ricos, ocupando milhares de cargos no governo, nas estatais, nos estados e nas prefeituras. É o pleno emprego, partidário.

Apenas com os altos salários e vantagens, sem falar nas infinitas possibilidades de intermediações, roubos e achaques, são legiões de novos ricos que formam uma “elite vermelha” — que ama os pobres, mas adora o luxo porque ninguém é de ferro, e não xinga presidentes, a não ser Sarney, Collor e FH. Nos anos 60, havia a “esquerda festiva”, mas hoje a esquerda é profissional. É o povo no poder… rsrs.

Pior do que ser pobre, que pode ficar rico, é ser burro, que não vira inteligente, ou fanático, para acreditar nisso. Mesmo rico e inteligente, Lula não está percebendo que velhos truques não estão mais funcionando — e está difícil criar novos bordões e bravatas. Essa de odiar os pobres não colou, porque os ricos agora “é nóis”. Como um Felipão atordoado, Lula volta ao velho “nós contra eles”, que o derrotou três vezes e o obrigou a fazer a “Carta aos brasileiros” para ganhar a eleição.

Doze anos de governos de um partido, até de bons governos, de qualquer partido, produzem profundo e inevitável desgaste e provocam desejos de mudança no eleitorado que progrediu nesse tempo, que está mais informado e exigente, e quer mais e melhor. Mas quando um governo é mal avaliado, com crescimento baixo e inflação alta, vítima de seus próprios erros...

É o eles contra eles.

Alívio imediato - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 04/07


Em matéria de organização está dando tudo certo, o país vive um momento de alto astral com a Copa do Mundo. Portanto, nada mais natural que esse clima se reflita nas pesquisas de opinião e que o governo, na pessoa da presidente Dilma Rousseff, seja o maior beneficiário.

O instituto Datafolha faz a ligação direta entre a melhora das intenções de votos (de 34% para 38%) e da avaliação positiva do governo Dilma (de 33% para 35%) e a “mudança de humor geral dos brasileiros”. De fato não há como se atribuir a qualquer outra razão, porque nada aconteceu entre a última e a penúltima pesquisa a não ser a Copa.

Da mesma maneira como o governo teria sido responsabilizado se aquelas expectativas negativas a respeito do Mundial fora do campo tivessem se concretizado, muito justo que receba o reconhecimento pelo bom funcionamento daquilo que dependeu do poder público.

Fez a obrigação, mas de todo modo é mérito. E se as pesquisas não retratassem isso, aí é que seria de o governo se achar num beco sem saída. Fora aqueles pontos porcentuais a mais citados no início, o restante da pesquisa não leva boas notícias ao Planalto.

A saber: o aumento não foi proporcional à euforia que toma conta do país, os oponentes oscilaram para cima (ou seja, o astral favoreceu todo mundo), a rejeição da presidente é o dobro do segundo colocado que se aproxima dela na simulação de segundo turno e desapareceu a dianteira de Dilma frente aos adversários.

Até a pesquisa anterior ela dispunha de 34% das intenções de votos enquanto os adversários somavam 32%. Hoje há empate: 38% a 38%. Reflexo do alívio (temporário?) também é a redução daqueles que se diziam sem candidato. Eram 30% e agora são 24%.

A questão é: isso significa um repentino ganho de confiança da população na tão desprestigiada atividade política ou apenas quer dizer que a tendência geral é responder positivamente quando estão motivadas por estímulos igualmente positivos embora de natureza distinta?

Aqui não há como fugir do lugar comum: a resposta fica ao encargo do tempo. Depois de a vida voltar ao normal e a campanha começar é que poderemos conferir se o efeito é passageiro ou duradouro.

Nada a ver com a missão dos jogadores da seleção brasileira, nunca é demais repetir. Até para que sosseguem o facho aqueles que acham que o caminho da vitória da oposição está na derrota dentro de campo.

Bobagem abissal, exaustivamente desmentida pelos fatos nos últimos 20 anos em que a regra foi a desconexão entre o desempenho do Brasil nas Copas e o resultado das eleições.

Coincidência só em 1994. O Brasil ganhou a Copa e o governo a eleição. Só que o vencedor nas urnas não foi o futebol, mas o Plano Real.

Dilma não ganhará ou perderá a eleição porque o time foi mal ou bem na Copa. Se perdermos, ela não pode ser responsabilizada pelo que acontece dentro do campo.

Se ganharmos, nem por isso o eleitorado brasileiro vai votar no dia 5 de outubro fantasiado de Fuleco ainda sob os eflúvios do resultado de um jogo realizado há exatos 84 dias passados.

Não há emoção que tanto dure nem razão que uma hora não se imponha. De onde a direção dos votos acompanha a percepção do povo – que não é bobo – sobre qual dos candidatos considera com mais capacidade de enfrentar e resolver os problemas da vida como ela é.

Formiga. É consenso que Aécio Neves teve atuação pífia no Senado sob a ótica da expectativa de que assumiria o lugar de líder da oposição com ataques permanentes e contundentes ao governo.

Não fez nada disso e, para o público externo, foi uma decepção. Agora, quando surgem os acordos regionais do PSDB com vários partidos governistas é que surge a explicação: o tucano estava ocupado com a conquista do público interno, construindo pontes com os colegas senadores por intermédio dos quais iniciou o caminho rumo às alianças.

Sem fronteiras - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 04/07
Formação de profissionais no exterior é obviamente algo a ser estimulado e facilitado. Não merece ser prejudicada por picuinhas de autoridades


Como diz velho ditado, jamais desmentido, o inferno é calçado de boas intenções. Ou seja, resolver problemas e tomar iniciativas não dá certo quando está ausente um conhecimento vasto e profundo das circunstâncias e armadilhas da situação.

Parece ser esse o caso de uma inédita e curiosa briga entre estudantes universitários e autoridades da área de educação. Para quem não sabe, expliquemos. Temos um programa de méritos evidentes, batizado de Ciência Sem Fronteiras, que dá a estudantes de tecnologia, ciências biológicas e saúde a possibilidade de se aperfeiçoarem no exterior. Sem demérito para as escolas brasileiras, naturalmente. Sou testemunha: com uma bolsa de padrinhos generosos no Brasil e lá fora, fiz um ano de graduação em jornalismo na Universidade de Columbia, em Nova York - o que, com certeza e sem demérito para as escolas brasileiras, fez de mim um profissional um tanto mais adequado para seguir na profissão em que sobrevivo até hoje.

Na briga do momento, uma decisão de um tribunal federal de Brasília ajudou os estudantes brasileiros das áreas de tecnologia, ciências biológicas e saúde a completar sua formação no exterior: ela permite que eles aproveitem o programa Ciência Sem Fronteiras, nessas especialidades, para se aperfeiçoarem lá fora - e sem necessidade de aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio, que é do Ministério da Educação e existe desde o ano passado. E isso, como se poderia esperar, deixou o MEC muito triste.

É pena. Mas, para quem vê de fora, e com todo o respeito que merecem as autoridades federais, parece óbvio para a turma da arquibancada que é mais importante facilitar o aperfeiçoamento dos nossos jovens universitários do que satisfazer as magoadas autoridades de Brasília.

A briga ainda não terminou. A Advocacia-Geral da União já anunciou que vai recorrer contra a decisão do tribunal federal e, certamente, tão cedo não se chegará a uma decisão.

Do alto de minha ignorância sobre questões jurídicas, atrevo-me a palpitar: acredito que a formação de profissionais no exterior é obviamente algo a ser estimulado e facilitado. Não merece ser prejudicada por picuinhas de autoridades melindradas por terem sido atropeladas por um programa de óbvias virtudes como o Ciência Sem Fronteiras.


Magros resultados da distribuição da riqueza - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 04/07

Concentração de renda no Brasil é a mesma de 1960


Há algo de muito errado no gasto público do país. Com uma carga tributária de 36% do PIB, o índice de Gini, que mede o grau de concentração da renda, é hoje de 0,53, o mesmo o nível de desigualdade que havia no Brasil em 1960, quando a carga tributária era de apenas 17% do PIB.

Ao abordar os dois lados da equação fiscal, a tributação e o gasto público desde 2003, a economista Rozane Bezerra de Siqueira, da Universidade Federal de Pernambuco, mostra quão fraco é o desempenho do Estado brasileiro na redução da desigualdade de renda. A comparação com os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) deixa isso evidente.

No estudo "Notas sobre os Impactos Distributivos dos Tributos e Transferências Públicas no Brasil", ela constata que a magreza de resultados vem da má focalização do gasto e não de uma baixa mobilização de recursos.

As transferências públicas monetárias para as famílias reduzem a desigualdade de renda, medida pelo índice Gini (de zero a um), em seis pontos percentuais. Elas incluem o Bolsa Família, salário-família, abono, seguro-desemprego, benefícios para idosos, aposentadorias e pensões.

Os tributos diretos (imposto de renda da pessoa física e contribuição previdenciária dos empregados) levam a uma queda adicional na desigualdade de dois pontos. Já a tributação indireta (sobre o consumo) aumenta a desigualdade da renda em três pontos percentuais, mais do que anulando o impacto dos impostos diretos.

O efeito líquido dos tributos e transferências é uma redução de cinco pontos percentuais no índice de Gini, padrão muito aquém do registrado nos países da OCDE, onde a redução do Gini, nesse caso, é de 14 pontos, em média. Nos 17 países da União Europeia a queda é, em média, de 20 pontos percentuais.

Com carga tributária menor que a do Brasil, o Reino Unido, por exemplo, tem um desempenho redistributivo bem melhor. Lá as transferências reduzem o coeficiente de Gini em 15 pontos percentuais. Aqui a redução é de apenas seis pontos.

"Parece claro que o que explica o desempenho medíocre do Estado brasileiro na redução da desigualdade de renda é a má focalização das transferências monetárias, e não o sistema tributário", constata Rozane, que vê uma piora nos indicadores de 2012 para cá.

O Estado gasta muito, mas pouco chega aos 20% mais pobres. As transferências correspondem a cerca de 15% do PIB. Desses, 13% são destinados às aposentadorias e pensões - de longe a despesa mais pesada - e apenas 0,6% do PIB é gasto direto com o programa Bolsa Família, o mais eficiente instrumento de diminuição da desigualdade. Na comparação com os gastos da seguridade social, que não chegam aos mais pobres, os valores do Bolsa Família são irrisórios.

De 2003 a 2012, dois terços da redução da desigualdade no país decorreu do aumento da renda privada, produzida pelo mercado de trabalho, pela valorização do salário mínimo, dentre outras razões, e não das transferências públicas.

Os 20% mais ricos se apropriam de 49% das transferências, de 56% da renda bruta e pagam 55% dos tributos. Os 40% mais pobres ficam com 15% das transferências, 12% da renda bruta (renda privada mais transferências) e respondem por 15% dos tributos. Só a fração intermediária da população (o quintil do meio) não é contribuinte líquida do Fisco e isso se deve à forte presença, nesse grupo, de aposentados e pensionistas. "Há um substancial efeito deletério dos impostos indiretos sobre a pobreza", diz.

No Brasil, também é muito elevado o grau de "tax-welfare churn", processo em que o governo tributa, mas retorna os recursos para os mesmos indivíduos tributados na forma de transferências ou serviços. "Menos de um terço do Estado de bem-estar brasileiro redistribui dos relativamente ricos para os relativamente pobres. O restante é mero "churn": o governo dá com uma mão e tira com a outra", disse a economista. Há uma forte progressividade das transferências do Bolsa Família e forte concentração do gasto público com aposentadorias e pensões nas famílias de renda mais alta.

Rozane chega a importantes conclusões que deveriam ser objeto de profunda reflexão e revisão das políticas distributivas. Uma é que a redução da pobreza e a distribuição de renda poderiam ser alcançados com gasto público e carga tributária menores, como proporção do PIB, se o gasto fosse mais focado nos verdadeiramente pobres. Outra é que sem uma reforma da Previdência será difícil avançar mais e melhor na redução das desigualdades.

"O Estado brasileiro cresceu além de sua legitimidade, e a obscuridade do sistema tributário viabiliza seu financiamento. As reformas tributária e do gasto público devem ter como objetivo resgatar a legitimidade que permitirá ao Estado se financiar de forma transparente e eficiente", conclui.

O que se fez até agora, além de discursos, foi muito pouco. Há um mundo por fazer.

Momento bom - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 04/07

O momento captado pela pesquisa Datafolha divulgada ontem é bom para a presidente Dilma, que subiu quatro pontos percentuais e manteve a liderança na corrida presidencial. Mas a situação prospectiva é ruim: há um mês, Dilma tinha 34% contra 32% de todos os seus rivais somados. Agora, há um empate: 38% a 38%.

Se o primeiro resultado já previa a realização de um segundo turno, este mais recente confirma a tendência, com a anulação da diferença a favor de Dilma. A pesquisa, além disso, mostra que, a longo prazo, essa diferença vai se reduzindo também num cada vez mais provável segundo turno contra o candidato do PSDB, Aécio Neves: ela, que já foi de 19 pontos percentuais, hoje é de apenas sete pontos, o que, na realidade, quer dizer 3,5 pontos para haver um empate, já que o segundo turno se trata de um autêntico mata-mata, um candidato contra o outro.

Também a diferença num segundo turno contra o candidato do PSB, Eduardo Campos, caiu de 15 pontos percentuais para 13. Os tucanos puseram uma lente nos resultados de São Paulo, que consideram decisivos, e tiraram boas notícias para seu candidato. Nada menos que 39% dos eleitores paulistas consideram que o governo atual é ruim ou péssimo, enquanto o índice nacional é bem mais baixo, de 26%.

No segundo turno, o tucano Aécio Neves já derrota a presidente Dilma no maior colégio eleitoral do país por 46% a 34%, embora no momento apareçam empatados no primeiro turno. Não é à toa, portanto, que o governismo e seus agentes na mídia, especialmente nos blogs chapa-branca, não fizeram tanto estardalhaço com a pesquisa do Datafolha, que colocou a presidente onde ela já estava há 15 dias, de acordo com uma pesquisa do Ibope.

Há analistas que dizem mesmo que a pesquisa de um mês atrás do Datafolha, que derrubou os índices de Dilma e também de Eduardo Campos, teria sido um ponto fora da curva, em momento de maior tensão social, corrigida agora devido ao ambiente tranquilo, mesmo festivo, no país devido ao sucesso da Copa do Mundo de futebol.

Mas a realidade é que o alívio provocado pela festa do futebol não impediu, por exemplo, que Dilma continue sendo a mais rejeitada pelos eleitores, com 32%. Da mesma maneira, o índice de bom e ótimo de seu governo continua no limbo , de acordo com pesquisas realizadas pelo Instituto Análise, do cientista político Alberto Carlos Almeida.

Transpondo o resultado de uma pesquisa histórica com governadores em busca da reeleição, ele chegou à conclusão de que os candidatos com índice igual ou menor que 34% dificilmente se reelegem. Não há esse histórico para presidentes, mas, na correlação dos resultados, a presidente Dilma, com um índice de 35% de ótimo e bom, está no limite entre o céu e o inferno, podendo se reeleger ou não de acordo com o que aconteça na campanha.

A situação de estabilidade, é verdade, favorece quem está na frente da corrida, e um sinal de que os eleitores ainda não acharam o que procuram é que os demais candidatos cresceram três pontos neste último mês, reduzindo, assim, o nível dos indecisos. Desses, o Pastor Everaldo, do PSC, continua com 4% das intenções de voto.

A presidente Dilma lidera em todas as regiões do país, mas o Nordeste continua sendo seu grande reduto eleitoral, dando a ela 55% dos votos. Lá e no Norte, onde a presidente tem no momento 44% dos votos, Dilma obteve na eleição de 2010 uma diferença de 12 milhões de votos sobre José Serra.

No resto do país, a então candidata do PT venceu por apenas 0,5% dos votos, o que não terá desta vez, com a situação favorável ao PSDB no chamado triângulo das Bermudas , os três maiores colégios eleitorais do país: São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.

Não é por acaso, portanto, que a campanha do PSDB vai dedicar atenção especial ao Norte e ao Nordeste do país, para tentar reduzir a margem de vitória da petista. As situações políticas em estados como Maranhão, Bahia, Ceará e Pernambuco (pela presença de Eduardo Campos), hoje, são mais favoráveis às oposições do que em 2010.

A fotografia - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 04-07


BRASÍLIA - A corrida eleitoral chega neste domingo a uma nova etapa, com a abertura oficial da campanha que começou há vários meses, e a tessitura do quadro já permite algumas considerações.

No campo governista, o resultado da mais recente pesquisa do Datafolha, indicando o estancamento da queda de Dilma, está naturalmente sendo alardeado como um ponto de virada. Meia verdade.

O "feel good factor", como os britânicos apelidam o bom humor da nação, é evidente pela Copa brilhante nos estádios e sem hecatombes fora deles. Se isso será afetado por uma eliminação do Brasil, hoje ou depois, é pouco mensurável agora.

Num regime centralista como o brasileiro, quem está no topo é beneficiado nessa hora --ou prejudicado, como ocorreu em 2013. A exposição pela inauguração até de cartas de intenção também ajudou Dilma no período aferido pela pesquisa.

A má notícia para o governo é que todos se favoreceram por esse bom humor, opositores inclusos. Aos poucos, os indecisos vão aninhando-se, e o segundo turno soa inevitável.

O desafio para os oposicionistas é atrair os neutros e ganhar corações hoje dilmistas. Campanha negativa é uma coisa problemática, mas o fato é que os indicadores econômicos estão numa deterioração escamoteada pelo oba-oba da Copa.

Do lado propositivo, a coisa piora para a oposição. Aécio parece mais preocupado em mostrar-se um garantidor de direitos adquiridos, mas isso não ganha eleição. E a dupla Campos-Marina não logrou dar forma ao tal "novo" que sugerem.

Há mais. Aécio hoje é o adversário principal de Dilma, mas ainda há espaço para o crescimento de Campos. O temor real dos tucanos, contudo, é um Campos muito fraco, que acabe como linha auxiliar do PT.

A fotografia deste momento sorri para Dilma, mas é apenas isso: um registro instantâneo. O jogo está apenas no começo, e será duro.

O impasse argentino - CELSO MING

O ESTADÃO - 04/07

Em decisão contra os interesses da Argentina, no dia 16 de junho a Suprema Corte dos Estados Unidos exigiu que um grupo de portadores de títulos da dívida argentina que não aceitara os termos da renegociação de 2001 (holdouts) fossem pagos integralmente.

Nesse mesmo dia, autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiram que essa decisão cria precedente perturbador no mercado financeiro internacional.

Nas duas últimas semanas, três analistas expuseram ponderações na mesma direção: Martin Wolf, do Financial Times; Nouriel Roubini, que escreve para um pool de diários; e Alexandre Schwartsman, da Folha de S. Paulo. A questão de fundo é que não existem mecanismos que prevejam saída ordenada de um processo de falência de Estados soberanos, nos moldes das leis que em todos os países norteiam processos que se abrem com a súbita incapacidade de empresas e instituições de honrarem seus compromissos.

A decisão da Corte dos Estados Unidos cria dois problemas práticos. O primeiro é o de que encoraja a não aceitação por parte dos credores de eventuais processos de reestruturação de dívidas soberanas que se abrirem daqui para a frente. Em outras palavras, ficou atestado que passou a valer a pena recorrer aos tribunais previstos nos contratos para garantir o pagamento em condições melhores do que aquelas a que se submetem os outros credores.

O segundo problema é o de que as condições favoráveis concedidas aos holdouts têm de ser estendidas aos demais credores. Assim, podem desmoronar-se os termos de qualquer reestruturação de dívidas soberanas. Ou seja, o país devedor continua sem condições de resgatar seu passivo.

No caso da dívida argentina, o contrato prevê que o foro encarregado de dirimir conflitos é o de Nova York. Mas, pelo ocorrido, esse tipo de solução leva a um impasse se as decisões não forem favoráveis ao país devedor ou se criar conflitos novos entre credores, como aconteceu.

Proposta feita em 2002 pela então vice-gerente-geral do FMI, Anne Krueger (foto), previa que se criasse um organismo supranacional que determinasse saídas ordenadas de um processo de default de países soberanos. Era o Mecanismo de Reestruturação de Dívidas Soberanas, que não foi adiante porque não encontrou acolhida nos grandes países, que viram aí risco de interferência na sua soberania por um organismo controlado sabe-se lá por quem.

Não é o único problema enfrentado por esse tipo de solução. A criação de um mecanismo assim levaria tempo para ser discutido e aceito por um número mínimo de países. Além disso, ainda que tomadas com critérios universalmente aceitos, as decisões poderiam não ser observadas pelos Estados soberanos, como tantas vezes ocorre com as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, com a agravante de que aí, as ações envolvem apenas Estados, enquanto um processo de renegociação de uma dívida soberana, além de outros Estados ou instituições multilaterais, envolve interesses privados diferentes entre si.

A encrenca não tem solução fácil. Qualquer saída poderia ser precedente para o bem ou para o mal. No mais, parece inevitável que o aumento do risco das dívidas soberanas também seja repassado para o preço dos títulos. A conferir.

Oligarquias locais e eleições presidenciais - VITOR PEIXOTO

VALOR ECONÔMICO - 04/07
Partidos põem poder dos antigos "mandões" em xeque
Nas eleições de 1989, houve quem contasse os apoios dos prefeitos aos candidatos às eleições presidenciais como forma de mensurar o poder de cada qual. Os municípios brasileiros, principalmente os menores, mais pobres e localizados no Norte e Nordeste, eram ainda interpretados como locais de fragilidade do sistema partidário e propício à reprodução dos desmandos dos "coronéis", tais quais eternizados por Victor Nunes Leal na obra "Coronelismo, Enxada e Voto". O interior brasileiro foi tomado pelos analistas políticos como terras férteis para os "mandões" exercerem seus desígnios sem limites na ausência completa de competição e dominarem os votos advindos destas localidades, normalmente denominada por "grotões eleitorais".

O país está prestes a comemorar três décadas do processo democrático legislativo que culminou na Constituição de 1988. Podemos pensar que este poder ainda existe? Qual seria a influência dos prefeitos nas eleições presidenciais? Na perspectiva histórica, 30 anos podem parecer um período relativamente curto. Entretanto, intensas transformações marcaram profundamente as estruturas sociais, políticas e econômicas brasileiras. A descentralização político-administrativa, sem sombra de dúvidas, é uma das principais marcas desse período. O incremento da autonomia das unidades locais foi seguido de uma intensa e abrupta criação de unidades administrativas municipais. Entre 1988 e 2001, foram criados nada menos do que 1.439 novos municípios - ou aproximadamente duas unidades a cada semana!

Se por um lado, a criação de municípios causa preocupação dadas as dificuldades de sustentabilidade econômico-fiscal, por outro, é inegável que aumentou a representatividade do sistema político no nível local. Este último ponto pode parecer um tanto duvidoso. No entanto, caso se leve em conta que o aumento do número de vereadores tornou cidadãos de longínquas localidades mais próximos de seus representantes, salta aos olhos o argumento tão propalado pela literatura que defende esta proximidade como uma forma de incrementar os sistemas de controle (accountability).

Outro aspecto positivo diz respeito exatamente à "desoligarquização" dos sistemas políticos locais, posto que a competição eleitoral aumenta gradativamente por todo o território brasileiro. A perda do monopólio do poder municipal é sentida em todas as regiões do país, assim como em municípios de todos os tamanhos. Ainda que se possa afirmar que a simples multiplicação de partidos não significa necessariamente a diversos grupos competindo, dado que um ou poucos grupos podem dominar as diferentes legendas (e isto realmente ocorre com certa frequência), não se pode negligenciar que a existência de instituições partidárias formais influenciam sobremaneira na estabilidade dos acordos entre as lideranças. Dito de outra forma, é fato que um político local pode controlar vários partidos, mas o seu domínio estará muito mais suscetível a defecções em sistemas que haja saídas institucionais para os que não cooperarem. Portanto, a simples existência de partidos organizados localmente colocam o poder dos antigos "mandões" em xeque.

Há diversas formas de se mensurar a competitividade dos sistemas políticos, dos mais simples aos mais complexos indicadores, e em todos eles os sistemas políticos locais apresentam maior competitividade. Destarte, há uma enorme proliferação de partidos políticos no nível municipal nas últimas duas décadas, cresce em todas as regiões e em todos os tamanhos de municípios. Há, portanto, uma enorme competitividade institucional partidária nos municípios brasileiros. Ainda que estes partidos possam ser considerados "legendas de aluguel" pelos mais pessimistas, representam importante avanço na quebra do monopólio oligárquico no Brasil, o que possibilita que novos grupos políticos possam surgir e se institucionalizar em sistemas muito fechados até bem recentemente.

Em resumo, podemos afirmar que do início da década de 1990 até hoje a política municipal sofreu grandes alterações:

1) Aumentou significativamente o número de competidores nos municípios pela nacionalização do sistema partidário, principalmente, nas eleições proporcionais (para vereadores);

2) O fator institucional (sistema eleitoral majoritário) é o maior limitador da competição eleitoral para prefeitos, no que concerne ao número de competidores, muito maior do que fatores socioeconômicos dos municípios, esta conclusão baseia-se na comparação entre as variações da competitividade dos sistemas eleitorais - majoritário e proporcional, muito maior neste último em todos os municípios.

3) Nas eleições proporcionais, a competição, menos restringida pela variável institucional, está associada a fatores econômicos tais como industrialização, taxa de analfabetismo, PIB, profissionalização da administração municipal e estrutura de comunicação.

4) Diante de pulverização da competição, o domínio dos prefeitos sobre os eleitores vê-se diminuído dado os riscos de concentrar recursos nas eleições nacionais e perder o apoio ao próprio grupo nas eleições seguintes.

Destarte, ainda que haja diversas formas de se mensurar a competitividade dos sistemas políticos, dos mais simples aos mais complexos indicadores, em todos eles os sistemas políticos locais apresentam maior competitividade hoje do que há 25 anos. E uma evidência cabal desse processo é o fato que, nas eleições de 2006 e 2010, os candidatos do PT e PSDB tiveram em média menos (ou igual) votos nos municípios em que administravam a prefeitura do que nas administradas por seus adversários. Compreender o Brasil de hoje é uma tarefa impossível sem analisar a política local, ainda que seja para afirmar que ela pouco trará influência nas eleições presidenciais.

O enigma americano - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 04/07

Dias depois de sair um dado fortemente negativo do PIB do primeiro trimestre, a economia americana comemorou um excelente número de criação de empregos em junho e a mais baixa taxa de desemprego desde o terrível setembro de 2008.O enigma é se a maior economia do mundo está definitivamente na rota da recuperação ou se há sinais de fraqueza.

Opaís crescerá este ano numa taxa que o Brasil adoraria exibir. Há previsões de 3% de alta do PIB. Mas existem dúvidas sobre se a queda do desemprego é criação de novos postos ou redução da procura de vagas por desalento do trabalhador. E mais, se os novos empregos têm a mesma qualidade e renda do período anterior à crise de 2008.

Há mais sinais de recuperação. Mas há também razões para dúvidas. A criação de emprego em junho foi maior do que a expectativa, porém, grande parte das vagas que têm sido oferecidas é em meio período. A População Economicamente Ativa, que soma os que estão trabalhando com os que estão em busca de nova colocação, permanece num nível baixo.

Vejam o gráfico com dados que o repórter Marcelo Loureiro, do blog, apurou com o economista Daniel Cunha, da XP Investimentos. Ele mostra os dados do BLS (Bureau of Labor Statistics) — pesquisa diferente da payroll, que é mais conhecida. Indica que em junho havia 7,5 milhões de americanos trabalhando em período parcial, muito acima da média pré-crise, na casa de 4 milhões. São pessoas que querem vagas em período integral, mas não encontram. Isso cresceu muito desde a crise e permanece alto. Em junho, das 407 mil vagas criadas, 275 mil foram parciais.

Mas há outros dados importantes mostrando a melhoria do clima no país. Um deles está na bolsa, que atingiu o nível histórico de 17 mil pontos. O economista Rodolfo Oliveira, da Tendências, explica que há uma série de bons indicadores sustentando o otimismo e a alta das bolsas. O desemprego, depois de bater em 10% em outubro de 2009, caiu para 6,1%, número mais baixo desde 2008. A confiança dos consumidores está em nível recorde e a criação de vagas tem sido forte desde fevereiro, depois que os efeitos do inverno rigoroso sobre a economia ficaram menos intensos.

Apesar disso, o percentual de trabalhadores desempregados por mais de 15 semanas ainda está alto, em 2,9%. Melhorou em relação ao pico, de 5,9%, de abril de 2010, mas continua acima do que era antes da crise, 1,5%. O indicador de subutilização de mão de obra, que contabiliza os desalentados e os que trabalham menos do que gostariam, também está alto, em 12,9%.

— A economia dos EUA dá vários sinais de crescimento forte e isso tem impulsionado as bolsas. Mas o mercado só vai ter certeza de que a recuperação realmente acontece quando for divulgado o PIB do segundo trimestre — explicou Rodolfo Oliveira.

A consultoria inglesa Capital Economics prevê alta de 3% no PIB do segundo tri e acredita que os números mais fortes podem antecipar a alta de juros no país, para o início de 2015. Mas analistas ouvidos pelo “Financial Times” acham que isso só ocorrerá no meio do ano que vem. E, claro, se a economia continuar em recuperação. Esta semana mesmo, a presidente do Fed, Janet Yellen, disse que não terá pressa em elevar a taxa, após a conclusão da retirada dos estímulos. Portanto, a resposta do enigma é: sim a economia americana está mais forte, mas há sinais de fragilidades. Ainda não estão superados todos os efeitos da crise imobiliária que abalou a economia americana.

Espetacularmente ridículo - RENATO FERRAZ

CORREIO BRAZILIENSE - 04/07
O Brasil vai sediar no próximo ano uma conferência das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre segurança no trânsito. A instituição, com o comprometimento formal de vários países, tem como meta reduzir em 50% a quantidade de acidentes até 2020. É um sonho bem ousado: cerca de 1,3 milhão de pessoas morrem por ano nas estradas e ruas do planeta, em situações muitas vezes evitáveis. É a nona causa de mortes. Outros milhões ficam mutilados, incapazes. O problema é que o próprio Brasil, a depender dos resultados até agora, não vai ajudar muito. A taxa de mortandade por aqui é assustadora, na faixa de 22 por 100 mil habitantes, ou 2,5 vezes mais do que a dos EUA e quase quatro vezes a da União Europeia.
Continuamos a ver o trânsito como um caminho para faturar - e tudo aumenta, não só a já imensa quantidade de mortos e feridos: frota, quilometragem de asfalto, número de viadutos, preço de seguro, quantidade de hospitais privados... O governo é leniente. O legislador, omisso. Os partidos políticos, covardes. O cidadão, passivo. E aí entram os espertos. As eleições, por exemplo, estão à nossa porta - e não vejo nenhum candidato (tanto na esfera local quanto na nacional) trazer à tona o assunto. Os pardais proliferam, enchendo os cofres de Detrans - instituições que hoje parecem se importar apenas com formas de arrecadar.

Enquanto no Distrito Federal se festeja o flagrante de uns 100 motoristas em um fim de semana, um número espetacularmente ridículo, lobistas mobilizam o Estado (há quase 10 anos) para impor a obrigatoriedade de rastreadores em veículos, empurrando mais um custo ao contribuinte e violando a privacidade dele. Na pior das hipóteses, o Estado reconhece que é incompetente no combate ao crime. Enquanto isso, como lembra o colunista Fernando Calmon, o país continua a oferecer carros sem pelo menos dois cintos retráteis e dois apoios de cabeça no banco traseiro como equipamentos de série. Sem falar que o automóvel brasileiro é dos mais caros do planeta - e não apenas em função dos impostos, vale ressaltar.

P.S.: Nosso Detran, por sinal, deveria se chamar Conetran. Uma amiga lembra que Brasília é conhecida por não ter indústrias, mas hoje pode-se dizer que tem: a de cones. Os fabricantes devem estar felizes...

Lentes do futuro apontam sombras - WASHINGTON NOVAES

O ESTADO DE S.PAULO - 04/07


Não é preciso ser profeta para antever a alta possibilidade de manifestações de descontentamento, protestos, até distúrbios, no País com o término da Copa do Mundo e a intensificação das campanhas eleitorais. Basta olhar o noticiário.

Pode-se começar pela inflação. O último relatório trimestral do Banco Central (BC) indica que este ano ela deve ficar em 6,4%, próxima do teto previsto pelo governo, 6,5% (Estado, 27/6). De março a junho subiu 0,3%. E ainda faltam seis meses até o fim do ano. Paralelamente, a dívida federal chegou (1.º/7) a um acumulado de R$ 2,052 trilhões (28/5) - equivale a 56,8% do produto interno bruto (PIB). O déficit nas transações externas já crescera em abril. Aumenta a participação do consumo interno nas importações, que foi de 22,5% nos primeiros meses do ano (17/5) - e talvez por isso diga o BC que "a alta nos preços de alimentos está se dissipando", o que poderia levar a uma baixa de preços no atacado (2/7). Mas na balança comercial, pela primeira vez desde 1980, o setor primário responde por mais de 50% das vendas ao exterior. A redução das exportações totais tem influência forte da Argentina em crise - menos 19,8% comprados do Brasil no primeiro semestre. Com isso a participação de manufaturados no comércio exterior baixou 10,2% e a de semimanufaturados, 8,1%.

O quadro social também é preocupante, com taxas de violência próximas de 30 por 1.000 habitantes (Correio Braziliense, 22/6), nada menos que 56,3 mil mortes em um ano. E 70% dos que deixam a prisão voltam ao crime, segundo artigo de Fernando Schüler, do Projeto Fronteiras do Pensamento (Aliás, 29/6). Temos perto de 100 milhões de processos em andamento (ou parados) na Justiça, mais de 700 mil pessoas encarceradas. E não se faz a tão pedida reforma do Judiciário.

É inacreditável que o País ainda tenha quase 50 milhões de pessoas em nível de pobreza ou miséria, incluindo os 40 milhões que se beneficiam do Bolsa Família, que incluiu 13,8 milhões de famílias e reduziu a extrema pobreza em 28% (O Globo, 16/10/2013). Mas a faixa da extrema pobreza abrange ainda 3,6% da população. E as desigualdades de renda no País são constrangedoras. Só 58% dos alunos matriculados concluem o ensino médio (Estado, 2/7) e 85% destes são dos segmentos de maior renda. E a maioria dos que abandonam a escola, entre 13 e 15 anos de idade, segundo análise do BID, o fazem porque "não acreditam que a educação vai lhes proporcionar mais qualidade de vida" (Estado, 2/7).

Embora os condutores de nossas macropolíticas só deem importância real a taxas de crescimento da economia - sem levar em conta fatores sociais, recursos naturais, serviços públicos, etc., que as reduziriam -, a previsão de economistas varia entre 0,8% e 1,9% do PIB em 2014. Segundo o ministro da Fazenda, esses índices baixos são culpa da seca, da inflação, da recuperação lenta da economia mundial, do baixo crescimento da Europa, da volatilidade cambial - nenhuma culpa nossa (Estado, 31/5), apesar de a revista britânica The Economist (13/6) dizer que passamos de Belíndia para Italordânia (mistura de Itália com Jordânia). O fato é que nossa indústria, tão acalentada pelos adoradores da economia, se reduziu em 0,9% no último trimestre, 1,4% no primeiro. A da construção civil reduziu sua participação no PIB em 0,9%. A melhor situação ficou nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Estado, 29/6).

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), não teremos como fugir a "reformas estruturais" se quisermos continuar a crescer (13/6). Basta ver o nível de vendas de veículos nos seis primeiros meses do ano, que é o pior desde 2010 e com queda de 7,6% em relação ao primeiro semestre.

E tudo isso ocorre no 20.º aniversário do Plano Real, que ajudou a baixar a inflação de 2.477,1% em 1993 para menos de 6% (Estado, 2/7), da mesma forma que reduziu o desemprego, mas aumentou os impostos (de 25% para 35% do PIB). Ainda assim, economistas consultados pelo BC (Folha de S.Paulo, 29/6) acham que o aumento do PIB, de 1,6% este ano segundo cálculos governamentais (que chegou a falar em 6%), deverá ser de apenas 1,2%.

Não bastasse, autoridades insistem em velhos caminhos, como redução de impostos para setores como a indústria automobilística, sem sequer mencionar quanto o aumento do número de veículos nas ruas significa para os gigantescos problemas urbanos e para perdas não contabilizadas de tempo pelos usuários; 253 mil unidades foram vendidas em junho, quase 10% menos que em maio. E com tudo isso retornamos à antiga posição de o setor agropecuário ser o maior fator de crescimento econômico e de nos tornarmos importadores de cada vez mais produtos, principalmente da Ásia. E ainda sem levar em conta que a agropecuária, segundo estudo de Embrapa, Unicamp e WRI, está se tornando a principal fonte de emissão de poluentes.

Mas talvez o fator mais poderoso de inquietação seja a mais recente taxa de crescimento do emprego formal, a pior em 22 anos, com apenas 58,8 mil vagas criadas (Estado, 29/6), apesar de a taxa de desemprego ainda estar em 4,6%, o menor nível histórico (Folha, 29/6). Nesse quadro, quem ousa propor mudanças profundas em nossa sociedade?

Prestações de contas do Congresso querem fazer parecer que vivemos no melhor dos mundos. Mas os congressistas só trabalharão em quatro dias durante dois meses. Empreiteiras continuam a ser a maiores contribuintes de dinheiro para campanhas eleitorais.

"Não esperem nada do Congresso", diz o senador Pedro Simon, que está deixando a vida pública. "Vivemos uma crise de gestão", acrescenta o ministro Gilmar Mendes, do STF. Nossas instituições "estão num processo de erosão", segundo o recém-aposentado ministro Joaquim Barbosa. De onde virão soluções, se a sociedade não se organizar, não exigir a descentralização de tudo, sua participação em tudo na administração pública - é preciso insistir?

Sinais de desaquecimento econômico - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/07

Erro de diagnóstico coloca o Brasil na contramão do mundo: inflação em alta e esfriamento da economia, enquanto EUA e Europa se recuperam, sem elevação de preços


A economia brasileira, como todas as outras, enfrentou forças recessivas durante muito tempo, desde a propagação pelo mundo das ondas de choque decorrentes da quebra financeira do mercado imobiliário americano, em fins de 2008. A paralisia do sistema global de crédito, com a falência do Lehman Brothers, em Wall Street, teve o efeito de uma colisão de frente de um trem-bala. A desaceleração das economias foi abrupta, e levou tempo para o sistema ser restabelecido.

Quase seis anos depois, o Brasil, infelizmente, está em sentido contrário ao do mundo: os Estados Unidos já se recuperam — 288 mil empregos foram criados apenas em junho —, e, por isso, aumentam as especulações sobre quando o Fed (banco central) fará o primeiro aumento de juros desde 2008. Na Europa, a tendência é a mesma, mais forte ou menos, a depender do país, e não tão firme quanto a americana.

Já o Brasil está em desaceleração. E pior: com inflação elevada, no limiar do rompimento do teto da meta (6,5%). Em contraposição, forças da deflação ainda atuam em grandes economias. Outra contramão brasileira.

Até mesmo o Banco Central, em seu último relatório trimestral, reduziu de 2% para 1,6% a estimativa de expansão do PIB para este ano. Já os analistas ouvidos periodicamente pelo próprio BC (Relatório Focus) estimaram, na última rodada de previsões, apenas 1,1% de crescimento. No início do ano, esperavam 2,28%.

Os dados sobre o setor industrial divulgados quarta-feira pelo IBGE confirmam o pessimismo: retração de 0,6% em maio, comparado com abril, a terceira queda mensal consecutiva. Em relação a maio de 2013, queda de 3,2%.

Há outros sinais de desaquecimento. Mesmo no mercado de trabalho, trunfo usado pela campanha à reeleição de Dilma. Embora a taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas se mantenha na faixa de 5% (7% na Pnad contínua), já há desaceleração na geração de empregos formais. Muito em função de problemas da indústria automobilística — a crise na Argentina atinge de frente o setor —, ocorreu o pior mês de maio em termos de geração líquida de empregos formais desde 1992 (58.836 novas vagas contra 28.533 demissões).

O cenário recessivo é confirmado por uma arrecadação tributária fraca, ainda que se considerem desonerações e fatores sazonais. De janeiro a maio, recolheu-se em impostos federais apenas 0,31% a mais que o mesmo período de 2013.

A razão básica de o Brasil estar na contramão do mundo é o erro na escolha da terapia para se contrapor à recessão: incentivo ao consumo, em vez dos investimentos. E o governo insiste, ao manter os gastos públicos em alta, numa velocidade superior à da arrecadação: de janeiro a maio, as despesas aumentaram em 11,1% e as receitas líquidas, 6,5%. A situação, em geral, é insustentável.

O abuso da maioria - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 04/07


Incomodado, o Planalto usa de todos os meios para tentar conter a repercussão das denúncias envolvendo a Petrobrás e abusa de sua maioria no Congresso para barrar qualquer investigação mais séria sobre a estatal nas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) - a do Senado e a mista -, cujo desenrolar é um contínuo atropelo da transparência, como se viu nas sessões de quarta-feira.

A Constituição estabelece que, para a instauração de uma CPI, basta que a proposta tenha o apoio de um terço de uma Casa legislativa. É um mecanismo para evitar que a maioria bloqueie investigações de interesse público. Foi com base nesse dispositivo que, em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de decisão liminar, determinou que o campo de investigação da CPI da Petrobrás fosse "apenas" as denúncias relativas à estatal de 2005 a 2014, conforme proposta de senadores da oposição.

A decisão do STF parecia pôr fim a uma batalha política, na qual o Planalto tentava de todas as formas bloquear uma investigação mais profunda sobre as denúncias envolvendo a Petrobrás durante os governos Lula e Dilma. Sob o argumento de que a oposição tinha apenas intenções políticas com a CPI, o Planalto pretendia fazer o mesmo, incluindo no campo de investigação da CPI outros casos, sem nenhuma conexão com as denúncias contra a Petrobrás, mas que envolvessem governos da oposição. Aplicava a máxima de que a melhor defesa é o ataque.

No entanto, o STF decidiu que a tentativa de inflar a CPI, com assuntos estranhos à proposta original, feria o direito previsto na Constituição de uma minoria instalar uma CPI, desde que respeite as regras para esse caso. Com a decisão, a CPI teria como objeto principal três denúncias contra a Petrobrás: suspeitas de superfaturamento e evasão de divisas na compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos; indícios de superfaturamento na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; e indícios de pagamento de propina pela companhia holandesa SBM Offshore a funcionários da estatal.

O Planalto, entretanto, não se deu por vencido. Com maioria para dominar as duas CPIs criadas, esvaziou-as completamente. Ao invés de âmbitos de investigação, transformou-as em sessões de amigáveis (e intermináveis) entrevistas, de modo que nenhum dano lhe fosse causado. Já passaram pelas CPIs Paulo Roberto Costa - que um dia após um depoimento absolutamente morno (e satisfatório aos governistas) voltou a ser preso pela Polícia Federal -, Nestor Cerveró - que vem fazendo uma ginástica hercúlea para não se indispor com Dilma e ao mesmo tempo salvar a sua pele - e Graça Foster. A esta o relator Marco Maia (PT-RS) fez nada menos do que 70 "perguntas", impedindo que fosse ouvida qualquer novidade.

O episódio mais recente foi a omissão de qualquer referência à compra da refinaria em Pasadena durante a sessão de perguntas à diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Magda Chambriard, na quarta-feira, na CPI do Senado. E não se pode dizer que o assunto estava esquecido: no mesmo dia, o Estado havia revelado pareceres do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontam os equívocos da compra da refinaria americana e mostram ser insustentável a tese governista de que foi um "bom negócio".

Por essa razão, os aliados do Planalto estão tramando, conforme revelou reportagem do Estado, incluir mais um tema na CPI: a operação entre a Petrobrás e a empresa ibero-argentina Repsol YPF, realizada em 2001, no governo FHC, quando José Jorge, atualmente ministro do TCU e relator do caso Pasadena, era ministro de Minas e Energia e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás. Encontraram um caso para tentar diminuir o impacto das denúncias de irregularidades ao longo dos governos Lula e Dilma. No entanto, o negócio entre Petrobrás e Repsol YPF já está na Justiça, e os réus foram absolvidos em maio de 2005, havendo atualmente apenas um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O Planalto abusa da sua maioria no Congresso, impondo o que deseja, ainda que à revelia de legítimas decisões da Justiça. Acha-se no direito de fazer o que bem entende no Legislativo. Não poderá reclamar se, nas urnas, o eleitor também fizer o que bem entender.

A indústria perde fôlego - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 04/07
Restava uma esperança de que a indústria esboçasse no segundo trimestre uma reação que permitisse projeções menos pessimistas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014. Por isso mesmo, os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao desempenho do setor em maio são motivo de preocupação e não serão responsáveis qualquer tentativa de desprezar sua importância.
Com um recuo de 0,6% em relação a abril, a atividade industrial do país completou o terceiro mês consecutivo em queda na margem (sobre o mês anterior). Depois de um começo de ano tímido, mas com desempenho positivo, o setor teve perda de 0,5% em março e igual percentual negativo em abril. E essas perdas se espalham por 15 dos 24 ramos industriais pesquisados mensalmente pelo IBGE.

As maiores perdas em maio foram registradas na indústria automotiva (12,5%), na siderurgia (8,8%), nas indústrias química e petroquímica (6,4%). Com isso, o resultado acumulado de janeiro a maio é 1,6% menor que o de igual período do ano passado. Maio de 2014 comparado com maio 2013 revela recuo de 3,2%. Parece fora de dúvida que este será mais um ano ruim para a indústria brasileira.

Mas não é tudo. Os dados revelam também que os empresários do setor guardaram na gaveta seus projetos de expansão dos negócios e, não menos grave, de modernização de seus equipamentos para aumentar a competitividade. É o que revela a queda na produção de bens de capital, segmento que já recuou 5,8% no acumulado do ano. Essa queda poderia ter sido compensada pela importação de máquinas e equipamentos tecnologicamente avançados, mas não é o que está ocorrendo. Os dados das importações brasileiras do semestre já estão disponíveis e revelam que os US$ 21,1 bilhões referentes a bens de capital representam queda de 5,1% na comparação com o primeiro semestre de 2013.

É o resultado de uma postura que já deixou de ser cautelosa para refletir um estado de falta de confiança do empresário na economia. Ante o recuo do crédito e o esfriamento geral do consumo, a indústria reluta em aumentar a produção, evitando estoques de matéria-prima e de produtos acabados.

Em outra ponta, a falta de competitividade, duramente atingida pelas deficiências de infraestrutura, pela carga tributária elevada e pelos entraves burocráticos que contribuem para elevar o custo de se produzir no Brasil, e a aposta em parcerias comerciais menos rendosas dificultam a compensação desse esfriamento com exportações. É o que comprova a participação cada vez maior dos produtos básicos na pauta brasileira de exportações. No primeiro semestre, esses produtos representaram, pela primeira vez em 34 anos, mais da metade do valor exportado: 50,8%.

Nessa situação, baixa a disposição de investir, já que não se vislumbra retorno em tempo razoável para o capital, que vai em busca de alternativas mais seguras. Confirma-se, assim, a necessidade de se rever a orientação das políticas econômica e de relacionamento comercial do país, sob pena de se comprometerem empregos e inclusões sociais conquistados pela sociedade.

A cultura do edital - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/07

Com a presença de atores e cineastas, a presidente Dilma Rousseff (PT) lançou nesta semana o programa Brasil de Todas as Telas, com o objetivo de destinar recursos para o setor de audiovisual.

Apesar de algumas novidades pontuais, trata-se da ampliação de um pacote de fomento que já existia. O fundo desse segmento, que já contava com R$ 413 milhões para o apoio à produção e R$ 310 milhões voltados para a digitalização e a ampliação da oferta de salas de cinema, receberá um acréscimo de R$ 480 milhões.

A iniciativa, ainda assim, chama a atenção para o mercado de audiovisual brasileiro, que tem crescido de forma expressiva. O número de novos filmes nacionais saltou de uma média anual de 64, de 2003 a 2010, para 104, de 2011 a 2013.

Também registrou-se incremento da arrecadação em bilheteria, cuja renda bruta subiu de R$ 854 milhões, no primeiro semestre de 2013, para R$ 1,02 bilhão neste ano, de acordo com a Ancine (Agência Nacional do Cinema).

Na TV paga, os dados são igualmente alentadores desde que entrou em vigor, em 2011, a legislação que obriga canais a destinarem três horas e 30 minutos de sua programação a produtos brasileiros.

Não há dúvida de que o Estado tem um papel a cumprir no desenvolvimento da produção e difusão do audiovisual. Isso é o que já se observou e ainda se observa mesmo em centros desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa.

As políticas públicas brasileiras, porém, têm se caracterizado ao longo de décadas por serem mais pródigas no amparo do que na criação de condições que estimulem um mercado sustentável, menos dependente de benesses oficiais.

Impõe-se hoje no país a "cultura do edital", com artistas e produtores pendurados em concursos para a obtenção de verbas estatais.

Tal modelo, embora propicie a realização de inúmeros projetos, tende a desincentivar o investimento privado e a limitar as alternativas dos produtores culturais.

O que falta são mecanismos fiscais e legais que induzam empreendedores a dar sua contrapartida e a participar tanto dos riscos como dos lucros da indústria audiovisual --reservando a atuação pública para a formação e o apoio de iniciativas menos talhadas para o êxito comercial.

Iraque em desintegração - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 04/07

O autoproclamado califado do grupo Estado Islâmico indica o grau de sectarismo do Iraque de hoje, alimentado pelos seus governantes e pela omissão do Ocidente



Quando as tropas norte-americanas deixaram o Iraque em 2011, após quase uma década de ocupação, o presidente Barack Obama afirmou que os Estados Unidos deixavam “um Iraque soberano, estável e autossuficiente”. Se ainda havia alguma dúvida sobre o engano dessa afirmação, a ação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) comprova que o país está mergulhado em um caos comparável ao da Síria, seu vizinho cuja guerra civil já se estende por anos. O EIIL, de inspiração sunita, já controla quase todo o norte do Iraque e o nordeste da Síria e passou a se chamar apenas Estado Islâmico.

A segunda maior cidade iraquiana, Mossul, está nas mãos dos jihadistas, que chegam perigosamente perto de Bagdá e anunciaram, nesta semana, a criação de um califado (Estado religioso), com um convite a todos os muçulmanos para se juntassem ao grupo. O fato de até mesmo a Al-Qaeda e outros rebeldes sírios consideraram o EIIL violento demais diz o suficiente sobre seus métodos – uma demonstração da selvageria dos militantes sunitas ocorreu em 8 de junho, quando três jovens foram crucificados em Aleppo, na Síria, por ajudar grupos rivais.

Toda essa sede de sangue cresceu alimentada por uma mistura de omissão e decisões equivocadas, especialmente por parte dos governos sírio e iraquiano. O ditador sírio, Bashar al-Assad, viu no EIIL uma maneira de desacreditar os rebeldes que tentavam derrubá-lo, e por isso pouco fez para conter o grupo; pelo contrário, libertou vários jihadistas que estavam presos, ajudando os extremistas a derrotar opositores rivais, alarmando o Ocidente, que recuou em seu apoio aos rebeldes por medo de financiarem o extremismo islâmico.

No Iraque, Nouri al-Maliki, primeiro-ministro interino do país desde 2006, cometeu o mesmo erro grave que levou à queda do presidente egípcio Mohammed Mursi, derrubado em 2013: achar que podia governar só para os seus. Maliki é xiita, assim como a maioria dos iraquianos, e com a saída das tropas norte-americanas passou a reprimir os sunitas, tendo inclusive ordenado a prisão do vice-presidente Tariq al-Hashimi, que precisou fugir e acabou condenado à morte em 2012 por um tribunal que o julgou à revelia (Hashimi vive hoje na Turquia). Maliki já chegou ao ponto de mandar dispersar manifestações pacíficas de sunitas usando munição real. Tudo isso criou o caldo de ressentimento que alimentou o jihadismo no norte iraquiano, onde os sunitas são maioria.

Os Estados Unidos, que tinham se distanciado de qualquer possibilidade de intervenção na Síria, também não agiram para conter o Estado Islâmico no Iraque, nem mesmo quando Maliki solicitou a ajuda de ataques aéreos norte-americanos. Membros da inteligência norte-americana afirmam que o governo tinha conhecimento da ameaça jihadista, e ainda assim não tomou nenhuma atitude. Em 20 de junho, Obama anunciou o envio de 300 conselheiros militares ao Iraque, para colaborar com o governo, mas até o momento não parece haver mostras de que haverá um maior envolvimento norte-americano na luta contra o Estado Islâmico.

Segundo a imprensa turca, um membro do grupo jihadista teria dito pelo Twitter que o Estado Islâmico destruiria a Caaba, em Meca, a cidade sagrada do Islã, na Arábia Saudita. E o autoproclamado califa Abu Bakr al-Baghdadi prometeu conquistar Roma em uma mensagem aos muçulmanos de todo o mundo. Analistas acreditam que os jihadistas, por não serem tantos, não teriam condições de conquistar e manter um território muito maior que o dominado atualmente pelo Estado Islâmico, o que faz das promessas mera bravata. O problema está no que pode acontecer caso o grupo não seja enfraquecido: a desintegração de dois países e o surgimento de uma nova nação movida por um fundamentalismo religioso extremamente violento.

Divergências no chavismo ameaçam Maduro - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/07

Militares e setores ortodoxos do chavismo começam a mostrar descontentamento com medidas ‘liberalizantes’ que presidente é obrigado a tomar diante da crise



Após a demissão do ministro do Planejamento, Jorge Giordani, as divergências dentro do chavismo a partir da morte de seu criador, esperadas mas encobertas pelo presidente Nicolás Maduro, começaram a se tornar públicas. Mestre ideológico de Chávez, Giordani ocupou postos estratégicos em seu governo e foi o artífice do controle cambial e das políticas estatizantes. O veterano político caiu atirando em Maduro, a quem acusou, em carta aberta, de não exercer liderança, de gerar uma sensação de “vazio de poder” e de ceder às pressões do setor privado.

Maduro respondeu duramente a Giordani e a outros chavistas que o apoiaram, com destaque para o ex-ministro da Educação Héctor Navarro, afastado da direção do partido do governo (PSUV). Os críticos reagem às tentativas de Maduro de flexibilizar a economia venezuelana, em meio a uma inflação anual de 60%, escassez de produtos básicos e queda significativa do consumo de alimentos (a inflação dos alimentos chegou a 76% em um ano, até maio). Para o secretário-geral da Ação Democrática (AD, na oposição), Henry Ramos Allup, “as divergências podem crescer caso Maduro tome medidas que divirjam do modelo original de Chávez”, como o férreo controle de câmbio vigente desde 2003. Ineficaz, diga-se, diante da crise cambial.

Segundo o jornal “Miami Herald”, começam a surgir críticas de militares, antes próximos a Chávez, em relação à política econômica, com alguns pedindo a renúncia de Maduro. O caudilho tinha controle absoluto sobre o chavismo, tanto civil como militar, e suas decisões, em política econômica e social, não eram contestadas. Mas Maduro, um ex-motorista de ônibus e sindicalista, não tem o mesmo poder.

Os problemas aumentam numa nação à deriva. Na semana passada, um enorme apagão afetou grande parte do país, complicando o transporte de milhões de pessoas, cortando as comunicações e interrompendo um discurso de Maduro em cadeia nacional de TV. Por falta de recursos para investir em infraestrutura, pela administração caótica e populista da economia, embora seja um país rico em petróleo, a Venezuela tem sofrido há anos frequentes apagões. Uma conjuntura climática desfavorável e, segundo críticas, a falta de planejamento, têm causado falta de água em Caracas, metrópole de 6 milhões de habitantes, do tamanho do Rio.

É o dilema de Maduro: aprofundar ainda mais a política chavista, para acalmar os militares e os setores mais duros do movimento; ou iniciar reformas para estimular a produção, abrir a economia e atrair investidores nacionais e estrangeiros? Sem a liderança e o carisma de Chávez, Maduro tende a ser engolido pela crise, e o futuro se torna imprevisível.

Muitos não querem esperar para ver. Segundo estudo da Universidade Católica Andrés Bello, entre 2000 e 2010, cerca de meio milhão de venezuelanos emigraram.

Muita promessa, pouca obra - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 04/07


Embora se esforce para parecer otimista na avaliação de sua administração, que já completou um ano e meio, o prefeito Fernando Haddad não consegue esconder as graves dificuldades que enfrenta - e que conhecia muito bem antes de ser eleito - para cumprir seu ambicioso programa. A distância entre a realidade e as promessas, à qual ele parece ter preferido fechar os olhos durante a campanha, surge com muita clareza em entrevista por ele concedida ao jornal Valor.

O cenário que se delineia para o restante de seu mandato não é animador, porque, se por um lado os obstáculos são inquestionáveis, por outro os principais elementos de que Haddad pode se valer para superá-los estão fora de seu alcance. As despesas da Prefeitura estão crescendo mais rapidamente do que as suas receitas - 16% no primeiro quadrimestre deste ano ante apenas 5,5%. Quanto às medidas que podem eliminar tal diferença e reverter essa tendência, como ele próprio reconhece, são uma decisão favorável da Justiça sobre o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que renderia R$ 800 milhões; a aprovação da reforma do Imposto sobre Serviços (ISS), que traria mais R$ 350 milhões; e a mudança do indexador da dívida da Prefeitura com a União, que garantiria recursos para investimentos.

"Sobre o IPTU estamos aguardando a decisão judicial, que entendo que será favorável. Estou bastante confiante", diz Haddad. Ele tem todo o direito de ser otimista. Mas sobre decisão da Justiça só ela mesma tem controle. Tanto pode ser como o prefeito espera como o contrário disso. Não é muito diferente o caso do ISS. Está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei, já aprovado pelo Senado, que estabelece uma nova relação de serviços tributáveis que pode render R$ 350 milhões para a Prefeitura paulistana.

Sua aprovação não depende só da vontade de Haddad e de outros prefeitos, mas também dos interesses dos parlamentares e do governo federal, que não coincidem necessariamente com os deles. Mais complicado ainda é o caso da mudança do indexador da dívida, porque ele envolve tanto capitais e Estados que têm acordos com a União como, é claro, o governo federal. Todos eles pesarão na decisão que a propósito tomarão deputados e senadores. E, como se viu até agora, o fato de Haddad e a presidente Dilma Rousseff pertencerem ao mesmo partido não garante um alinhamento automático entre os dois. Também o desfecho dessa questão é incerto.

Enquanto navega nesse mar de incertezas - de cuja existência sabia perfeitamente quando se lançou à conquista da Prefeitura -, Haddad se complica nas tentativas de justificar sua apagada administração. Ele se atrapalha até mesmo quando trata de algumas realizações que tem a seu favor. É o caso da economia de R$ 800 milhões que assegura ter feito com repactuação de contratos para cobrir o buraco de R$ 700 milhões deixado pela redução da tarifa de ônibus e o consequente aumento do subsídio pago às empresas do setor.

Outras realizações de que se vangloria é a construção de uma central de triagem mecanizada de lixo e a inauguração de seis hospitais-dia (sem pernoite), sem falar na projetada Parceria Público-Privada (PPP) - cujo contrato espera assinar até o começo do ano que vem - para trocar todas as lâmpadas do sistema de iluminação pública por equipamentos LED, o que vai permitir economia de 50% de energia. Finalmente, quanto ao novo Plano Diretor, é preciso ressalvar que se trata de obra coletiva, da qual participou também a oposição.

Mas nada disso - queixa-se ele - é noticiado pela imprensa. Nem mesmo seus correligionários petistas, que dela dependem para se informar, ficam sabendo do que faz, acrescenta. É muito fácil transformar a imprensa no bode expiatório de seu magro desempenho administrativo, seguindo o exemplo de outros petistas ilustres, a começar pelo ex-presidente Lula. Não dá para levar isso a sério, quando se sabe que a Prefeitura gasta milhões para divulgar tudo o que faz, em geral de forma exagerada, em todos os meios de comunicação.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Vou fazer do meu jeito. Se não gostou, vá para o inferno”
Luiz Felipe Scolari, sobre sua conversa reservada com um grupo de jornalistas



PSDB QUER KASSAB COMO VICE NA CHAPA DO PMDB

Temendo que o tucano José Serra sofra nova derrota em São Paulo, a cúpula do PSDB tenta convencer o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) a abrir mão da candidatura ao Senado e convencer seu aliado Paulo Skaf (PMDB), candidato a governador, a colocá-lo no lugar de José Roberto Batochio (PDT), como vice. Apesar da ligação a Serra, Kassab resiste à ideia de abandonar a candidatura ao Senado em favor do padrinho.

ASSIM NÃO DÁ

Kassab contou a dirigentes tucanos que Serra garantira, no fim de semana passado, que não disputaria vaga ao Senado, mas à Câmara.

ESTICOU A CORDA

O ex-prefeito negociou tanto que saiu prejudicado: perdeu a vice de Geraldo Alckmin (PSDB) e dois cargos majoritários na chapa de Skaf.

NOS ACRÉSCIMOS

O PSDB também tenta negociar junto ao PMDB do vice Michel Temer a mudança na chapa de Skaf, que só deve ser registrada neste sábado.

ARROGÂNCIA

A pressão tucana sobre Kassab provocou gargalhadas na turma de Paulo Skaf, pela arrogância de tentar escolher o vice até de adversário.

GANA CONFIRMA ‘CANO’

O presidente da Associação Ganesa de Futebol, Kwesi Nyantakyi, pôs saia-justa nas autoridades brasileiras, afirmando que entraram “limpos” no Brasil os US$ 3 milhões enviados de jatinho para impedir a “greve” de jogadores antes do jogo contra Portugal, em Brasília. O ministro da Justiça chegou a confirmar a cobrança de impostos, semana passada, depois negada pela Receita, que “não comenta assunto específico”.

LÍNGUA DE TRAPO

Nyantakyi, o cartola de Gana, também desmentiu o ministro dos Esportes do seu país, que mandou o vice e comitiva curtirem a Copa.

HISTÓRIA DA CAROCHINHA

O prêmio de US$ 100 mil para cada jogador da seleção de Gana será pago pela Fifa, que deverá declarar à Receita. Mas ela é isenta.

CONTA OUTRA

A Fifa retém 10% de imposto dos prêmios até o país-anfitrião, no caso o Brasil, cobrar os impostos, diz o dirigente de Gana Kwesi Nyantakyi.

SÓ O COMEÇO

O presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE) minimiza a pesquisa do Datafolha em que aparece com 9% contra 38% da presidente Dilma e 20% de Aécio Neves (PSDB). “O jogo está só começando...”.

ENERGIZANDO A CAMPANHA

Aspirante ao Palácio do Planalto, o candidato a presidente Eduardo Campos esteve ontem em proveitosa reunião com a Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica.

VAI VENDO

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB) vive um terrível dilema: a desculpa para continuar vivo, após prometer se matar, caso a Argentina vença a Copa do Mundo.

ELIXIR DA IGNORÂNCIA

O presidente cocaleiro boliviano Evo Morales revelou que bebia urina para curar doenças. Não funcionou contra o mal da petulância com o Brasil e contra a irrefreável necessidade de dizer besteira igual a essa.

MAIS O QUE FAZER

É grande na Câmara a indignação com o presidente Henrique Alves (PMDB-RN), que, ao contrário de Renan Calheiros no Senado, faz os deputados comparecerem no esforço concentrado para inglês ver.

SOLTANDO FOGOS

O presidente da Fifa, Joseph Blatter, não esconde a satisfação com o sucesso da Copa do Mundo no Brasil. Ao encontrar Marco Maia (PT-RS) em hotel no Rio, elogiou o povo brasileiro e os jogos.

PROLONGADO

Deputados têm um motivo a mais para torcer pelo Brasil contra a Colômbia nesta sexta. Caso saia vitoriosa, a Seleção Brasileira terá novo jogo na terça-feira, cancelando trabalhos legislativos semana que vem.

SÓ O NOME

O deputado João Paulo (PT-PE) garante que em sua propaganda para senador haverá referências à presidente Dilma. Mas a verdade é que, até agora, ela não é citada em lugar algum. Nem mesmo no jingle.

PENSANDO BEM...

...se a aprovação de Dilma cresce com a Copa, “habemus presidente” na final no domingo, 13 de julho, no Maracanã?



PODER SEM PUDOR

TARADO NA CADEIA

Político às vezes passa cada vexame...

O vereador Jorge VI, líder do bairro de Bebedouro, em Maceió, certa vez foi procurado por uma família em desespero implorando socorro ao filho, jovem de 23 anos, "trabalhador e estudioso", preso por seduzir uma menor. O então vereador foi chegando e tentando convencer o irredutível delegado:

- O senhor sabe, delegado, as moças de hoje não são mais ingênuas...

O vereador se dirigiu à mãe do preso, que não parava de chorar:

- Quantos anos tem essa moça?

A mãe do tarado respondeu, com sua expressão de súplica:

- Dois anos, doutor.

Jorge VI foi embora, torcendo para que o pedófilo mofasse na cadeia para sempre.