terça-feira, abril 01, 2014

A destruição da Petrobras - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA VEJA

O prejuízo bilionário na suspeita compra de uma refinaria no Texas pela Petrobras é apenas a ponta do iceberg. O caso deve ser investigado a fundo, claro, mas estamos diante de algo bem mais grave: a gradual destruição da maior empresa nacional, que pertence a todos nós por meio da União.

A perda de valor da estatal tem se acelerado bastante desde que a presidente Dilma assumiu o poder. Vários números podem comprovar a gravidade da situação. O principal deles é, sem dúvida, o preocupante patamar de endividamento da empresa. A Petrobras terminou 2013 com 221,6 bilhões de reais de dívida líquida, contra 62 bilhões de reais em 2010. Um crescimento de 257% em apenas três anos! Já a produção se encontra estagnada no mesmo período, e o Brasil precisa importar derivados de petróleo, a despeito da propaganda mentirosa de autossuficiência feita por Lula. Apesar de um gigantesco programa de investimentos, não houve contrapartida alguma, até agora, na produção de óleo e gás. Com dívida bem maior e produção parada, além do preço do combustível congelado pelo governo, o resultado é que o lucro por ação e o valor de mercado caíram pela metade durante a gestão Dilma.

É verdade que muitos desses problemas foram plantados na gestão de Sérgio Gabrielli, durante o governo Lula, mas Dilma já era presidente do conselho de administração da empresa nessa época, e decisões dela também ajudaram a agravar o quadro. O fenômeno é fruto da crescente politização da Petrobras, capturada pelo PT no pior tipo de "privatização" que existe: transformar a "coisa pública" em "cosa nostra". O PT sempre acusou o PSDB de "privatista", e chegou a levantar a hipótese, durante as eleições, de que os tucanos iriam vender a nossa maior estatal, o que seria coisa de "entreguista". O próprio PT realizou, ainda que de forma incompetente, importantes privatizações, como a dos aeroportos e rodovias. No caso da Petrobras, preferiu transformá-la em um instrumento de uso político e de combate à inflação. Os interesses econômicos de seus milhões de acionistas, incluindo todos os contribuintes, foram sacrificados em prol dos objetivos eleitoreiros. O mesmo aconteceu na Venezuela com a estatal PDVSA. Ocorre que o populismo, somado à incompetência, acaba matando a galinha dos ovos de ouro. Nem mesmo uma empresa de petróleo aguenta ser tão maltratada por muito tempo.

Por que, então, essa destruição visível de um patrimônio nacional vem acontecendo sem alarde? Em primeiro lugar, temos o ufanismo daqueles nacionalistas que ainda acreditam no velho slogan "o petróleo é nosso". O petróleo, na verdade, é deles, daqueles que mamam nas tetas da Petrossauro, como a chamava Roberto Campos. O que nos leva ao segundo motivo do silêncio: são muitos grupos de interesse organizados que se beneficiam com a gastança enorme e sem tanta transparência da Petrobras. Para começar, seus quase 90 000 colaboradores. Claro que há, entre eles, críticos da atual situação que prefeririam ver a empresa gerida pela meritocracia. Mas os 27,6 bilhões de reais gastos com pessoal em 2013, um aumento de 51% em relação a 2010, servem como forte estímulo ao apoio dos funcionários. Além disso, temos todos os empresários que fornecem produtos e serviços para a estatal, felizes da vida com a cláusula nacionalista imposta pelo governo, que obriga a empresa a comprar mais da metade dos equipamentos de exploração dentro do país. A presidente Graça Foster chegou a reclamar do atraso na entrega das sondas, ameaçando importá-las.

Artistas e ONGs dependem das gordas verbas de patrocínio cultural da Petrobras. A estatal "investiu", apenas em 2013, 520 milhões de reais em 830 projetos sociais, ambientais e de esporte educacional. É uma montanha de recursos capaz de testar a independência do mais íntegro dos seres humanos. Por fim, temos os próprios políticos, que adoram a ideia de usar a estatal como moeda de troca ou fonte de recursos. Basta lembrar o deputado Severino Cavalcanti pedindo à área da Petrobras que "fura poço" que selasse aliança política com o então presidente Lula.

O derretimento de Dilma - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Em 2002, no auge de sua popularidade, com índices de aprovação batendo no teto, o então presidente Lula tinha tudo para ganhar sua terceira eleição consecutiva. Mas, como a Constituição não permite três mandatos seguidos a um chefe do Executivo, essa alternativa não existia. Lula tinha de se despedir de seu domicílio no Alvorada. Tudo o que podia fazer era indicar um nome para lhe suceder.

Foi assim que o nome de Dilma Rousseff entrou para a história do Brasil. Foi assim que a imagem de Dilma Rousseff começou a ser milimetricamente construída. Sem nunca ter passado por eleição alguma, sem liderar um único militante do PT, sem carisma dentro ou fora do partido, a então ministra da Casa Civil virou sinônimo de gestora genial, além de ter virado também a "mãe do PAC" (alguém ainda se lembra dessa sigla?). Sua figura austera e severa, avessa a conchavos, convescotes e tapinhas nas costas, ganhou a aura de suprassumo da competência administrativa, numa proeza notável do marketing político. Que funcionou direitinho. O eleitorado comprou essa imagem, e Dilma venceu o pleito de 2002, como a gerente ideal para tomar conta do Brasil.

A expressão "tomar conta" não é assim tão aleatória. Na cabeça de muita gente, aquele terceiro mandato vetado pela norma constitucional seria mais ou menos o mandato em que Lula sairia de férias. Alguém tomaria conta da casa, para que ele pudesse voltar quatro anos depois.

Agora, quando os quatro anos se passaram, o nome de Lula continua em alta (estratosférica) em todas as pesquisas. Ele tem tudo para regressar. Basta uma palavra, e o PT vai sagrá-lo candidato oficial. Não há nada a impedir esse caminho. Nada, a não ser a imagem de Dilma Rousseff. A titular da caneta que, no dizer de um jornalista arguto, é o mais poderoso partido político deste país quer permanecer no emprego. Se ninguém demovê-la dessa determinação, Lula, mesmo tendo tudo na mão, ficará de mãos atadas. A não ser...

A não ser que a imagem de Dilma derreta. Se sua fama de gerente ultracompetentíssima entrar em combustão, se ela não mais conseguir agregar os líderes da base aliada, se expoentes do PT aumentarem o volume das críticas que já fazem a ela, bem, nesse caso, ela poderia espontaneamente pedir para sair. Aí, então, abriria o caminho para Lula voltar nos braços dos cabos eleitorais. Sem desgaste. Ele estaria de volta não como um chefe ingrato e deselegante que desalojou do emprego a primeira mulher a presidir o Brasil, mas como o soldado que diz sim a uma convocação do povo. Ninguém lhe daria mais apoio que a própria Dilma.

A conjectura talvez pareça irrealista, mas é bom não desprezá-la. O cenário improvável começou a ganhar viabilidade concreta quando o PMDB se rebelou ferozmente contra ela. Bem se sabe que o PMDB, esse peculiar partido de centro no qual o centro está em toda parte, é o lastro da nau da governabilidade. Se ele pular fora, a coisa aderna. Por enquanto, os peemedebistas só ameaçaram, não produziram estragos maiores, mas já foi o suficiente para adensar o coro do "volta, Lula". Em seguida, estourou o escândalo da Petrobras, que vem aniquilando a reputação de gestora eficientíssima que Dilma segurou até aqui, meio aos trancos. Ainda em seus tempos de ministra, quando presidia o Conselho da estatal, ela deu aprovação expressa a um negócio que custou à Petrobras mais de US$ 1 bilhão. Não poderia haver notícia pior para uma gerente competente. Estamos falando, portanto, de uma imagem em franco derretimento.

Quem ganha com isso? Não, não são os opositores. Quem ganha é a coalizão que já está no poder e que, em caso de necessidade, tem na manga a melhor carta de todas: Lula lá de novo. Eis a sinuca em que se encontra a oposição. Se o mundo sorrir para Dilma, ótimo para o governo. Se, no entanto, Dilma derreter, tanto melhor.

Por um caminho ou por outro, o isolamento é o que mais se fortalece na órbita dela. A solidão aumenta à medida que a temperatura sobe. Dilma olha para os lados e não vê ninguém - a não ser o rosto onipresente de seu maior apoiador, também seu maior pesadelo, o único que pode destroná-la.

Para encerrar a história, uma ironia (sempre existe uma): a imagem de Dilma vai se desfazendo não pelos defeitos que ela tem, mas pelas virtudes que ninguém lhe tira. Deixando de lado os erros administrativos, indiscutíveis, é por ter dito um ou outro não aos caciques narcisistas, de reputação pouco ilibada, que ela agora tem de gerenciar seu próprio derretimento.

A polícia, o bem e o mal - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA  

Pode ser uma coisa que muita gente acha desagradável ouvir, e por isso é melhor dizer logo, para não gastar o  tempo do leitor com prosa sem recheio. E o seguinte: os brasileiros fariam um grande favor a si mesmos se tomassem a  decisão de ficar, com o máximo de clareza e na frente de todo mundo, a favor da polícia. Isso mesmo: a favor da polícia,  e da ideia de que cabe exclusivamente a ela. numa democracia que queira continuar viva, o direito de usar a força bruta  para manter a ordem, cumprir a lei e proteger o cidadão. Tem. também, a obrigação legal de fazer tudo isso. Algum  problema? É exatamente assim em todos os regimes democráticos. Eis aí, na verdade, uma afirmação evidente em si  mesma; pode ser entendida sem a menor dificuldade após um minuto de reflexão. Mas estamos no Brasil, e no Brasil o  que parece ser um círculo, por exemplo, é muitas vezes considerado um triângulo, ou um quadrado, ou qualquer outra  coisa que não seja o diabo do círculo.  

No momento, justamente, passamos por um desses surtos de tumulto mental. Segundo o entendimento de boa  parte daquilo que se considera o "Brasil pensante", "civilizado" ou "moderno", nosso grande problema não é o crime,  mas a polícia. Parece bem esquisito pensar uma coisa dessas, num país com mais de 50 000 assassinatos por ano e  índices de criminalidade que estão entre os piores do mundo. Onde esses pensadores estão vendo o problema de que  tanto falam? Vai saber. Os verdadeiros mistérios desse mundo não são as coisas invisíveis, e sim as que se podem ver  muito bem. No caso, o que se pode ver com a clareza do meio-dia é a fé automática de boas almas e mentes num  mandamento que ouvem desde crianças: o criminoso brasileiro é sempre "vítima das desigualdades sociais", e o policial  está errado, por princípio, quando usa a força contra ele. Seu dever, como agente do Estado, seria tratar os bandidos  como cidadãos que precisam de ajuda, para que tenham oportunidade de entender por que não deveriam matar, roubar,  estuprar e assim por diante. Será que esse jeito de pensar é alguma tara que nos sobrou do regime militar, quando  polícia e liberdade eram coisas opostas? De novo: não se sabe.  

Praticamente todos os dias há exemplos claros desse curto-circuito geral na capacidade de separar o certo do  errado. O cidadão é assaltado, brutalizado, ferido — e no dia seguinte lê, ouve ou vê mais uma reportagem denunciando  a polícia por algum erro, real ou imaginário. Ainda há pouco, o país teve oportunidade de testemunhar políticos,  intelectuais e "celebridades" em geral, com a colaboração maciça da mídia, colocando a polícia no banco dos réus por  reprimir bandos de marginais que vão para a rua decididos, treinados e equipados para destruir. Segundo essas  excelentes cabeças, a polícia cria um "clima de violência" e de "provocação" que "força os ativistas" a se defenderem  "previamente". Para isso, veem-se obrigados a incendiar bancas de jornal, destruir carros, quebrar vitrines de loja e por  aí afora. Esse tipo de julgamento vai se tornando mais e mais aceitável no Brasil de hoje. Deve ser maior do que se  pensa o número de pessoas que não querem ter a tranqüilidade de sua fé perturbada por fatos ou por conhecimentos:  além disso, cabeças em que não há ideias são sempre as mais resistentes a deixar alguma ideia entrar nelas. Quanto à  imprensa, rádio e TV, acreditem: o que mais gostam de fazer é falar as mesmas coisas, pois se sentem mais seguros  quando um repete o outro e todos atiram nos mesmos alvos. Alguém já viu, por exemplo, algum jornalista arrasando o  técnico do Olaria?  

Não há sete lados nesse debate. Só há dois. um que está a favor da lei e o outro que está contra — e aí o cidadão  precisa dizer qual dos dois ele realmente apoia. O primeiro é a polícia. O segundo é o que leva o crime para a rua. A  única pergunta relevante, num país que tem uma Constituição em vigor, é: de que lado você está? Não vale dizer  "depende", ou declarar-se a favor da ordem, desde que a tropa se comporte com altos níveis de civilidade, seja muito  bem-educada, fale inglês e não bata nunca em ninguém, nem cause nenhum incômodo físico a quem esteja jogando  coquetéis molotov na sua cara, ou sacando armas contra ela. A questão real é apoiar hoje a polícia brasileira que existe  hoje — não dá para chamar a polícia da Dinamarca, por exemplo, para substituir a nossa, ou tirar a PM da rua e só  chamá-la de volta daqui a alguns anos, quando estiver suficientemente treinada, preparada e capacitada a ser infalível.  É mais do que sabido que a polícia do Brasil tem todos os vícios registrados no dicionário, de A a Z. Mas, da mesma  maneira como não é possível fechar todos os hospitais públicos que funcionam mal. e só reabri-los quando forem uma  maravilha, temos de conviver com a realidade que está aí. É indispensável transformá-la, mas não dá para exigir, já,  uma corporação armada que precise ter virtudes superiores às nossas.  

A polícia, por piores que sejam as condutas individuais dos seus agentes e seus níveis de competência, é uma  peça essencial para manter a democracia no Brasil e impedir a tirania daqueles que só admitem as próprias razões. É a  polícia, na verdade, o que a população brasileira tem hoje de mais concreto na garantia de seus direitos. Alguém pode  citar alguma força mais eficaz para impedir que o Congresso, o STF e o próprio Palácio do Planalto sejam invadidos,  metidos a saque e incendiados? A PM está do lado do bem — goste-se ou não disso. No mundo das realidades, é ela a  principal defesa que o cidadão tem para proteger sua vida. sua integridade física, sua propriedade, sua liberdade de ir e  vir, o direito à palavra e tudo o mais que a lei lhe assegura. A autoridade policial já erra o suficiente quando falha ao  cumprir quaisquer dessas tarefas. Não faz nexo criticá-la nas ocasiões em que acerta. 

 Não serve a nenhum propósito útil, igualmente, dar conforto ao inimigo — o que nossa elite pensante, como dito  anteriormente, faz o tempo todo. O inimigo não vai deixar de ser seu inimigo; você não ganhará sua admiração, nem  será deixado em paz. É um desafio à lógica, neste sentido, achar que delinqüentes teriam a licença de armar-se para  assegurar seu direito de "legítima defesa" contra a repressão policial. A lei brasileira, com todas as letras, diz que só a  polícia tem o direito de portar armas, e de utilizá-las no combate ao crime e na defesa do cidadão — salvo em casos  excepcionais, que exigem licença específica. Dura lex sed lex. claro. Mas não é só uma questão legal. Trata-se de  simples sensatez. No caso dos atos de protesto — qual o propósito de levar para a rua mochilas com bombas  incendiárias, estiletes, barras de ferro e outros artefatos desenhados unicamente para machucar? Por que alguém  precisaria de qualquer dessas coisas para expressar suas opiniões em praça pública?  

O Brasil vem se acostumando nos últimos anos à ideia doente de que mostrar simpatia diante da delinqüência e  hostilidade diante da polícia é uma questão de princípio — uma atitude socialmente avançada e politicamente  progressista. Quem não pensa assim é visto como um homem das cavernas, extremista e inimigo da democracia. Mas é  o contrário: qpor-se ao crime e apoiar a polícia é ficar a favor da liberdade. Está na moda denunciar, com apoio da caixa  de amplificação da imprensa, delitos como a "pregação do ódio", "apologia do crime" ou "incentivo ao racismo". Esse  mesmo tribunal, entretanto, aplaude como uma forma superior de cultura popular os rappers que pregam abertamente,  em suas músicas, o assassinato de policiais. Há alguma coisa muito errada nisso aí. Está na hora de deixar claro: é falso  acusar çle "histeria" e outros pecados mortais quem não acredita, simplesmente, que no Brasil de hoje existe algum  assaltante que rouba e mata porque está com fome ou tem de sustentar sua família; o que há é gente que quer  satisfazer todos os seus desejos sem ter de trabalhar ou de respeitar o direito alheio. Em Cuba, regime-modelo para  nosso governo, são chamados de sociopatas e enterrados na cadeia mais próxima, sem que a "sociedade" seja  chamada a "debater" coisa nenhuma.  

Deus não precisou da ajuda dos brasileiros para criar o Brasil. Mas, como diria Santo Agostinho, só poderá nos  salvar se tiver o nosso consentimento. 

Serviço público profissional: uma reforma política - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

A recente crise entre o governo e o PMDB tem a ver, era última análise, com espaço de poder e cobiça por empregos públicos.

Não desvalorizo a política partidária, mas creio que a demanda por melhor tratamento na indicação de ministros reflete o interesse do PMDB por nomeações para cargos que carreiam votos e financiamento de campanhas. Na área federal, mais de 20 000 deles são preenchidos por indicação política.

O primeiro serviço público profissional surgiu na China. A dinastia Qin (221-207 a.C.) selecionava funcionários à base de rigorosos concursos públicos, que depois serviam também para promoções. A dinastia Song (960-1279) proibiu altos funcionários de se relacionarem com parentes; membros da família real não podiam assumir cargos públicos. A dinastia Ming (1368-1644) estabeleceu a rotatividade de cargos a cada três anos. A ascensão da China muito deveu a esse profissionalismo, que viria a ser abolido em 1905, na dinastia Qing, em um dos momentos finais do longo declínio do país.

No Ocidente, as ideias de profissionalização apareceram na Revolução Francesa (1789), mas o paradigma do serviço público moderno nasceu na Inglaterra vitoriana. Escândalos de incompetência, fisiologismo e corrupção deram origem à comissão Northcote-Trevelyan (1853), cujo relatório foi a base das mudanças. Entre as distorções identificadas estava a presença de analfabetos em empregos públicos. A comissão recomendou a criação do serviço público profissional, politicamente neutro e escolhido por mérito. Outras propostas foram adotadas ao longo do tempo, incluindo o estabelecimento, em 1855, de um órgão independente, ainda existente, para supervisionar a seleção de funcionários. Os servidores ficaram impedidos de concorrer a cargos eletivos. Dirigentes passaram a ser nomeados com o auxílio de consultorias independentes (headhunters). Hoje, pouco mais de 100 cargos dependem de indicação política, incluídos os ministros. A recente designação do novo presidente do Banco da Inglaterra (o banco central) foi precedida da publicação de edital para atrair candidatos. O escolhido foi um canadense.

Nossas origens são outras. Herdamos tradições de Portugal patrimonialista, cujo serviço público era composto de fidalgos. Como disse Raymundo Faoro (1925-2003), comerciantes buscavam ser funcionários para se tornar nobres e obter benefícios pessoais. Aqui não foi diferente, segundo João Francisco Lisboa (1812-1863), para quem "indivíduos há que abrem mão de suas profissões, deixam ao amparo suas fazendas, desleixam o seu comércio, e se plantam na capital anos inteiros à espera de um emprego público". Para Joaquim Nabuco (1849-1910), "o funcionalismo será a profissão nobre e a vocação de todos. Tomem-se, ao acaso, vinte ou trinta brasileiros em qualquer lugar onde se reúna a nossa sociedade mais culta: todos eles ou foram ou são. ou hão de ser, empregados públicos; se não eles, seus filhos".

No livro Caráter e Liderança (Editora Mameluco, 2013), Luiz Felipe DÂvila informa que dom Pedro II (1825-1891) defendia "a institucionalização da meritocracia no serviço público", mas o primeiro esforço de modernização esperou até 1938, quando se criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) com a função de melhorar a máquina pública, assessorar o presidente da República e elaborar a proposta orçamentária. Muito se evoluiu desde então, mas o vasto número de cargos preenchidos por indicação política só aumentou.

Já é hora de profissionalizar o serviço público, elegendo o mérito como critério único da escolha dos funcionários. Dirigentes de órgãos e entidades públicos, inclusive empresas estatais, deveriam ser nomeados com base em métodos competitivos. A melhoria da eficiência dos serviços públicos, a redução do potencial de corrupção e a moralização dos costumes seriam as conseqüências mais relevantes dessa verdadeira revolução, que eqüivaleria a uma ampla reforma política.

Tudo isso contribuiria para a eficácia das políticas de governo, e estas reforçariam a estabilidade e a legitimidade da democracia brasileira. Espera-se surgir um candidato presidencial que empunhe essa bandeira.

Os limites da CPI - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 01/04

A oposição avalia que já venceu o primeiro round com a criação da CPI da Petrobras: o de desgastar a imagem de gestora dedicada e infalível da presidente Dilma. Considera que colocou em dúvida a eficiência da "faxina" prometida pela presidente. Mas não acredita que tenha êxito se quiser colar em Dilma a imagem de corrupta. Com a CPI, a oposição espera consumir energias do Planalto, que estariam concentradas na luta pela reeleição.

Cid nega apoio a Eunício
O governador Cid Gomes (CE) comunicou, na sexta-feira, ao líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, que não pode assumir o compromisso de apoiar sua candidatura ao governo. "Há outros partidos, inclusive o meu (PROS), que alegam ter um tamanho maior para pleitear o principal cargo em disputa", afirmou Cid. Sem referir-se ao favoritismo do ex-senador Tasso Jereissati (PSDB), Cid defende que seu irmão, Ciro Gomes, dispute o Senado. "Temos grande dependência de Brasília e o Ceará precisa de um senador que tenha acesso ao governo federal", justifica. Cid pretende ficar até o fim do mandato, mas caso Ciro aceite concorrer ele renuncia nesta semana.


“Os partidos de oposição acham que CPI nos olhos do governo é refresco”
Paulo Bernardo
Ministro das Comunicações, sobre o fato do PSDB não ter aberto uma CPI sobre o esquema Alstom, na Assembleia Legislativa de São Paulo; e, ter criado uma CPI da Petrobras no Senado

Alto impacto fiscal e político
O Planalto tem uma lista de 28 projetos que não quer votados na Câmara. Entre eles: o piso dos agentes de saúde; o piso de policiais e bombeiros; carreira única de médico de Estado; extinção do fator previdenciário; e a PEC da Reforma Política.

O artista
O ministro do TCU, José Múcio Monteiro, se prepara para gravar seu primeiro CD musical. Violonista, o disco será autoral e terá duas músicas em parceria com Nando do Cordel. Este é um dos autores de "De volta pro aconchego", sucesso nacional na voz de Elba Ramalho. A gravação começa em julho e o nome do CD será "De quem eu gosto".

Strike
A primeira reunião de ontem foi no Planalto e, a segunda, na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O governo procura formas e elementos para "embolar o jogo", "misturar tudo" e "colocar mais gente na roda". Eureca!

Uma no cravo, outra na ferradura
A CTB, central sindical do PCdoB, não terá candidato no primeiro turno. Vai liberar seus sindicalistas para pedir votos para Dilma, apoiada pelos comunistas, e para Eduardo Campos, do PSB. A Força Sindical, do deputado Paulo Pereira da Silva (SDD-SP), está com Aécio Neves (PSDB). E a CUT, central do PT, vai de presidente Dilma.

Qual é o critério?
Sobre o Brasil ter sido rebaixado pela S&P´s, o economista João Sicsú diz: "O governo não pode dar atenção para estas agências". O Planalto dá crédito às agências de risco quando a nota é boa e denuncia o imperialismo quando perde pontos.

Registrado
O chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pede para registrar que ele foi inocentado pelos 11 ministros do STF e pelos ex-procuradores-gerais da República Antônio Fernando e Roberto Gurgel no chamado escândalo dos Aloprados.

COZINHANDO. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), jogou para o final do mês a definição sobre quem será seu candidato ao governo do Rio.

Bomba congelada - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 01/04

Com a expectativa de alta da inflação, o núcleo político do governo admite desistir do reajuste da gasolina e do diesel negociado com a Petrobras para junho. O objetivo é evitar a pressão sobre preços no ano eleitoral, mas assessores acreditam que o congelamento pode se estender até 2015. Apesar de a estatal alegar que o valor da gasolina está defasado, a equipe de Dilma Rousseff argumenta que o preço no Brasil supera o de outros países. "Que defasagem?", resume um auxiliar.

Bumerangue O PT vai ao Conselho de Ética da Câmara e à Procuradoria-Geral da República contra Antonio Imbassahy (PSDB-BA). Quer que o tucano esclareça a acusação de que recebeu envelope violado com respostas a pedidos de informação sobre a Petrobras e o vazamento de dados sigilosos desses papéis.

Premonição 1 A compra da primeira metade da refinaria de Pasadena pela Petrobras, concluída em setembro de 2006, já era citada como fato consumado no relatório anual da estatal referente ao ano de 2005.

Premonição 2 O documento diz que "a Petrobras adquiriu 50% da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, um investimento da ordem de US$ 370 milhões". O conselho de administração da estatal só aprovou a operação em fevereiro de 2006.

Outro lado Via assessoria, a Petrobras disse que não se pronunciará "até que sejam concluídas as apurações".

Solto Ricardo Berzoini assume hoje a articulação política do governo com carta branca para agendar reuniões de Dilma com líderes na Câmara e no Senado e para reativar encontros do conselho político da petista, que inclui presidentes de siglas aliadas e o vice Michel Temer.

Calendário De um tucano de alto coturno, sobre queda na avaliação de Dilma: "No PT, já deve ter começado o bolão de quando se dará a troca do candidato".

Mãozinha 1 O ex-presidente Lula vai antecipar sua segunda participação na caravana de Alexandre Padilha. Depois de comparecer à abertura da jornada, ele só deveria voltar a viajar na fase final, mas estará na etapa desta semana, em Osasco.

Mãozinha 2 Trata-se de uma tentativa de dar fôlego à pré-campanha do petista, alvo de crítica de parcela do PT que acha as viagens caras e inócuas como parte do esforço para tornar o candidato a governador conhecido.

Vacina Eduardo Campos (PSB) deve recorrer a um discurso escrito na cerimônia de despedida do governo de Pernambuco, na sexta-feira. A estratégia será usada para evitar exageros que possam caracterizar campanha antecipada na cerimônia oficial.

Fico Após meses de indefinição, a cúpula do PMDB passou a tratar a candidatura ao Senado de Gastão Vieira como o cenário mais provável para a disputa no Maranhão. Nesse caso, Roseana Sarney permaneceria no governo e não seria candidata.

Quase lá O partido, no entanto, corre risco de passar por uma briga interna. O senador Lobão Filho, suplente do ministro Edison Lobão, quer disputar a vaga.

Batismo... O presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, defende que todos os nomes, feriados nacionais e símbolos que remetam à ditadura militar sejam trocados. "Torturas, assassinatos e desaparecimentos não podem ser objeto de homenagens."

... democrático Ele cita como exemplos o município de Presidente Médici, em Rondônia, e a ponte Rio-Niterói, que leva o nome do ex-presidente Costa e Silva.

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

tiroteio
"O reajuste de Haddad no valor para calcular imposto de imóveis chega a 173%, mas seu governo é, cada dia mais, uma gestão 171."

DO DEPUTADO ESTADUAL ORLANDO MORANDO (PSDB-SP), sobre o aumento do valor venal de imóveis em SP, base para imposto sobre transmissão de bens.


contraponto


Cabeça a cabeça

No início do almoço com o presidenciável Aécio Neves (PSDB), o empresário João Doria Jr., organizador do evento, anunciou a presença de 518 convidados. O número, segundo Doria, superou a plateia de Dilma Rousseff, que reuniu 496 pessoas quando era ministra e pré-candidata, e a do ex-presidente Lula, com 508 presentes.

--É um recorde. Não sei se é um prenúncio, mas, que é muito bom, é --disse Doria.

Em sua fala, Aécio brincou, arrancando risos:

--Agradeço a presença de todos, mas especialmente a dos 10 que me fizeram superar a marca anterior.

Os vencedores - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 01/04

Nesse primeiro round pré-CPI da Petrobras, um dos destaques vai para o PMDB. O partido de Michel Temer e do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi o maior vitorioso desse processo até agora. Em menos de um mês, eles conseguiram deixar a presidente e, por tabela, o PT, reféns das suas manobras na Câmara e no Senado. Não por acaso, até a leitura do pedido de CPI em plenário, marcada para hoje, na sessão do Congresso, a ordem no Poder Executivo é ainda tentar retirar as assinaturas e tirar o governo do canto em que ficou encolhido por conta da perspectiva de CPI da Petrobras.

Outro que “se deu bem” foi o PSDB. Ao sair na frente com as cobranças, Aécio Neves conseguiu colocar, pela primeira vez, na testa da presidente Dilma — não sem a ajuda dela própria — um forte arranhão na imagem de gestora. A partir de hoje, se sair a CPI, o jogo entra na segunda temporada: quem terá controle sobre o colegiado? Essa, entretanto, é outra história.

Tapete vermelho
A GDF Suez — uma megaempresa do setor de energia com sede na França e controladora da Tractebel, que doou recursos à campanha de Dilma Rousseff em 2010 — não esperava um segundo sequer quando precisava contatar as autoridades da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Um dos acionistas da companhia é o belga Albert Frère, o mesmo da Astra Oil.

Lá vem
Se o governo não conseguir juntar outros temas à CPI da Petrobras — e nada indica que conseguirá —, há outras formas em curso para que tente emparedar o PSDB. Faltam 20 assinaturas para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) completar as 171 para requerer a CPI da Alstom Siemens para investigar os trens de São Paulo.

Jogo triplo
Quem quiser ver como a realidade local fala mais alto do que o plano nacionalista, basta prestar atenção nos candidatos a vice-governador apresentados pelo PMDB. No DF, Tadeu Filippelli segue ao lado do petista Agnelo Queiroz, enquanto, em Pernambuco, o partido fará dobradinha com o PSB, de Eduardo Campos. Em Roraima, terra do ex-líder do governo Romero Jucá, os peemedebistas serão aliados do PSDB.

Refluiu
Diante da posse de Ricardo Berzoini, hoje, na Secretaria de Relações Institucionais (SRI), a turma do “volta, Lula” evita voos mais altos. Os maiores representantes têm dito que o momento é de “defesa do nosso governo”. Pela entonação com que dizem “nosso governo”, parece que passaram a tratar Dilma como da mesma turma. Pelo menos, até a próxima crise. Só tem um probleminha: Berzoini tem espaço no PT, não na base aliada.

CURTIDAS 
Coelhinho da Páscoa, Papai Noel…/ O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, garantiu ao deputado Cândido Vaccarezza, do PT-SP, que em maio votará a reforma política. Em ano eleitoral, dizem alguns, nem com a ajuda das fadas.

Por falar em Vaccarezza…/ Está na comissão de regulamentação dos artigos da Constituição de 1988, presidida por ele, um projeto para evitar que as greves paralisem todos os serviços essenciais à população. Há quem diga que, em alguns casos, mesmo sem greve, é preciso apertar nesse terreno. Hoje, se alguns serviços funcionarem 80% em períodos de normalidade, já é uma grande coisa. Quem precisa de atendimento sabe do que se trata.

Memória/ Paralelamente à sessão solene para marcar os 50 anos do golpe militar, a Câmara inaugura, às 17h, no hall da taquigrafia, o busto de Rubens Paiva, torturado e desaparecido em janeiro de 1971, durante o regime militar. As filhas dele, Vera e Beatriz, estarão presentes.

Enquanto isso, no marco civil…/ O PMDB promete não criar problemas para votar o Marco Civil da Internet a toque de caixa, mas os outros partidos querem discutir. Ou seja, este mês, dificilmente sai. Talvez em maio, mês das mães e das noivas.

O atraso dos preços - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 01/04

O ex-presidente do Banco Central (BC) professor Affonso Celso Pastore calcula que o custo do represamento de apenas dois preços administrados, o da energia elétrica e o dos combustíveis, ultrapassa R$ 34 bilhões, somente para evitar um ponto porcentual na inflação anual.

Pastore pode estar sendo generoso com o governo Dilma. O custo certamente é maior do que esses R$ 34 bilhões se, além da conta a ser paga pelo custo adicional de energia elétrica e da perda de arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) cobrada sobre os combustíveis, forem computadas as perdas dos Estados e municípios apenas com receitas de ICMS. É que esses impostos cobrados sobre a energia elétrica e sobre os combustíveis são importante fonte tributária, especialmente para os Estados do Norte e do Nordeste.

Ainda teriam de ser aferidos os prejuízos do setor privado com esses achatamentos. Há, por exemplo, os do setor do etanol, uma vez que o congelamento dos preços da gasolina impõe, também, um teto para os preços do seu produto.

No último Relatório de Inflação, o BC adiantou outros estragos causados pelo represamento dos preços administrados, que correspondem a 23% dos praticados na economia. E aí se incluem as tarifas dos transportes urbanos, da telefonia fixa e os preços dos remédios.

Todo governo que cede facilmente a tentações populistas fica propenso a cair nesse tipo de armadilha. Dureza é sair dela depois. As tarifas de energia elétrica estão atrasadas entre 15% e 25%, calcula Pastore. E as da gasolina, entre 10% e 15%. A correção é inevitável por duas razões. Primeira, porque, além das perdas fiscais, produzem distorções. A principal delas é induzir ao consumo excessivo. É o que está acontecendo mais claramente com a gasolina, fator que provoca aumento das importações e, portanto, abre um rombo nas contas externas. O mesmo pode-se dizer da energia elétrica. Tarifas baixas não ajudam a racionalização do consumo e exigem o acionamento das termoelétricas a óleo diesel, a custos muito mais altos, que, por sua vez, contribuem para o aumento das importações. Portanto, o reajuste dos preços é necessário para conter o consumo.

Em segundo lugar, a correção dos preços tem de ser feita para restabelecer o equilíbrio dos preços relativos dentro da economia, de modo a eliminar algumas das distorções já mencionadas.

O BC já chamou a atenção para o fato de que a falta de reajustes nos preços relativos é, por si só, fator que amontoa inflação, na medida em que leva os agentes econômicos a remarcações defensivas de seus próprios preços, porque esperam reajustes de insumos importantes para qualquer momento.

O governo Dilma vai sendo pressionado para apressar os reajustes, mais porque o atraso de alguns preços inviabiliza objetivos estratégicos do governo - caso dos investimentos da Petrobrás e da Eletrobrás - do que por apelos por racionalidade econômica. Mas resistirá até onde puder, porque teme por pesados custos eleitorais que seriam deflagrados por reajustes dos combustíveis e da energia elétrica. E nessa área, quanto mais tarde forem feitas, mais caro sairão as correções.

Salvar a indústria? - SÉRGIO LAZZARINI

O Estado de S.Paulo - 01/04

A perda de competitividade da indústria brasileira tem recebido a atenção de empresários, acadêmicos e do próprio governo. O diagnóstico mais comum envolve um conjunto de fatores em nível agregado: impostos elevados, infraestrutura precária, altos juros e escassez de mão de obra. Os que defendem maior proteção da indústria oferecem remédios também no nível agregado: desvalorização do câmbio, tarifas de importação, incentivos tributários e subsídios.

Mas esse diagnóstico e conjunto de remédios ignoram um fato crucial: não só as várias indústrias diferem em termos do seu potencial competitivo, como também, dentro da mesma indústria, firmas diferem em termos de lucro e produtividade. Estudos em estratégia empresarial têm mostrado que quase a metade do retorno econômico das firmas é explicada por fatores específicos de cada firma, em vez do fato de pertencer a um dado setor e até mesmo país. Da mesma forma, é comum encontrar firmas que conseguem produzir, com os mesmos insumos, o dobro do que conseguem as empresas menos produtivas do mesmo setor.

Ou seja, sem desconsiderar a importância de fatores sistêmicos, que prejudicam a economia como um todo, há ganhos de competitividade que podem e devem ser perseguidos dentro das próprias empresas, independentemente do setor em que elas estão. Vejamos alguns exemplos de estratégias empresariais que têm sido adotadas.

A primeira se refere a como a empresa posiciona o seu negócio. Exceto no caso de grandes empresas em setores de commodities, com fontes naturais de vantagem competitiva e alta escala produtiva, é muito difícil para empresas industriais no Brasil competir com base de custos. Em geral, o Brasil não tem vantagens naturais em diversos setores de manufatura, especialmente os mais intensivos em mão de obra.

Para contornar esse problema, algumas empresas têm seguido estratégias de diferenciação: produtos inovadores, marca distinta e nível de serviço superior ao da concorrência. Ao oferecer produtos diferentes e melhores, as empresas conseguem diluir o impacto dos maiores custos por meio de um maior valor adicionado. Empresas como a Alpargatas e a Dudalina seguiram exatamente essa estratégia e conseguiram se destacar em setores que têm, no geral, perdido competitividade.

A segunda estratégia, ao contrário do que defendem muitos industrialistas, é inserir-se agressivamente em cadeias globais de produção. Grande parte do sucesso da Embraer se deve a uma eficiente articulação de supridores de classe mundial e à busca incessante de conquistar mercados exigentes no exterior. Não é difícil de imaginar o que teria acontecido caso a empresa tivesse colocado foco no mercado doméstico com uma abordagem de "conteúdo local".

Embora seja mais cômodo clamar por mais proteção, uma maior abertura via cadeias globais de produção permite obter competências distintas onde quer que elas estejam. Até a China, que agora vê seus salários domésticos aumentarem, passa a deslocar parte da sua manufatura para países da Ásia e da África com menor custo de mão de obra, preservando no país atividades mais sofisticadas de design e serviços.

Terceira, e não menos importante, estudos têm mostrado que a produtividade em nível de firma é muito afetada pelo uso de práticas gerenciais complementares como metas de desempenho, pagamento com base nessas metas e maior autonomia para os gestores otimizarem suas decisões. A Ambev, por exemplo, é conhecida por adotar esse conjunto de práticas, que ela busca disseminar e implantar em aquisições no exterior.

Obviamente, toda essa discussão não implica que nossos problemas sistêmicos devam ser esquecidos. O governo continua com a sua pendente lição de casa. Mas certamente os que desenharem estratégias inteligentes no nível de firma deixarão para trás aqueles que apenas ficarem de braços cruzados esperando por "balas de prata" para salvar a indústria.

Mundo pequeno - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 01/04

Acumulam-se evidências de enlaces entre o mensalão e as traficâncias milionárias sobre o caixa da Petrobras


Numa etapa de adversidades, o Partido dos Trabalhadores recebeu uma boa notícia do Judiciário: vai economizar R$ 170 milhões. É bolada expressiva, equivalente a três anos de participação do PT no Fundo Partidário, mantido com recursos públicos.

O partido livrou-se do pagamento de empréstimos dos bancos BMG e Rural, assumidos pelas empresas de Marcos Valério, condenado a mais de 40 anos de prisão como operador do mensalão. Agora, o pagamento é problema de Valério e seus credores.

BMG e Rural ajudaram a ocultar o dinheiro público desviado para os partidos aliados ao governo Lula, em 2003 e 2004. Resultado: as bancadas federais do PTB e do PL dobraram de tamanho, e a do PP aumentou em 30%.

Com empréstimos simulados, BMG e Rural foram essenciais, por exemplo, na “lavagem” dos recursos extraídos do caixa da Visanet, do Banco do Brasil, sob autorização de Henrique Pizzolato, ex-diretor do BB que está preso na Itália.

No fim do ano passado o Supremo remeteu à Justiça Federal, em Minas Gerais, o processo sobre a participação do BMG na lavagem de dinheiro do mensalão. É ação penal com mais de uma dezena de envolvidos — alguns já condenados no processo principal, como Valério, o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. Como Genoino renunciou ao mandato de deputado, o STF mandou o caso à primeira instância do Judiciário, assim como fez com o mensalão tucano.

Quatro executivos do BMG (Ricardo Annes Guimarães, João Batista de Abreu, Márcio Alaôr de Araújo e Flávio Pentagna Guimarães) agora serão julgados por crimes financeiros.

O banco contribuiu com R$ 74,8 milhões (valor atualizado) nos negócios do mensalão, em benefício do PT e aliados. É soma equivalente a 15% do lucro líquido que obteve no ano passado.

Quando o BMG entrou na teia do mensalão, em 2003, Lula contava apenas 47 dias na Presidência. Três dias depois do primeiro empréstimo simulado, Valério levou o banqueiro Ricardo Annes Guimarães para uma audiência com o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Os créditos ao valerioduto aumentaram.

Em 2004, dias depois de Lula assinar um decreto estendendo o crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS, o banco se candidatou a esse mercado. Seu pedido teve tramitação recorde, uma semana. Concorrentes precisaram de mais de um mês para obter igual acesso. Nos dois anos seguintes o lucro do BMG cresceu 320%.

Nas operações de lavagem de dinheiro via BMG também foram usados intermediários. Entre eles destacou-se a Bônus Banval, do corretor do mercado de capitais Enivaldo Quadrado e do doleiro paranaense Alberto Youssef. Ambos prestavam serviços a políticos como José Janene, então líder do PP na Câmara dos Deputados.

Na esteira dos acordos com Lula e Dirceu, o líder do PP indicou em 2004 o engenheiro Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras. Polícia e procuradoria colecionam evidências dos múltiplos enlaces entre o mensalão e as traficâncias milionárias sobre o caixa da estatal de petróleo. Costa, Youssef e Quadrado estão presos. São provas vivas de como esse mundo é mesmo pequeno.

48 horas - RICARDO FERRAÇO

CORREIO BRAZILIENSE - 01/04
Quarenta e oito horas. Tempo de sobra para executar um assassinato a sangue frio, postar a "façanha" na internet, assistir a uma partida de futebol e ir ao dentista. Uma eternidade para mãe e pai desesperados, em busca da filha desaparecida. A senha da impunidade para o assassino, que só completaria 18 anos dois dias depois do crime.
Como explicar para dona Rosemari que 48 horas fazem toda a diferença entre uma infração cometida por um menor de idade e um crime hediondo praticado por um bandido? Que por 48 horas o assassino confesso de sua filha se livrou de até 30 anos na cadeia para ficar no máximo três anos numa instituição para menores infratores?

A morte estúpida da menina Yorrali é mais um desses crimes bárbaros que fazem a gente questionar não só o conceito de justiça, mas também o de proteção à infância e à adolescência. Estamos de fato protegendo nossas crianças e nossos jovens ao insistir numa legislação desconectada da realidade? Temos de fato alguma ilusão de que as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são capazes de recuperar um menor capaz de torturar, estuprar ou matar alguém sem demonstrar qualquer arrependimento?

Vale chamar atenção para o fato de que o assassino de Yorrali já era figura conhecida da polícia, com passagens por lesão corporal, ameaças e porte de arma. Uma ficha parecida com a do Champinha, que também escapou da cadeia porque tinha 16 anos quando comandou a gangue que sequestrou, torturou e matou um casal de namorados em São Paulo.

O debate sobre a redução da maioridade penal não pode flutuar ao sabor das notícias - cada vez mais frequentes - de um ou outro crime cometido por menores de idade. O Congresso Nacional tem a obrigação de votar a matéria o quanto antes. Diante da omissão do Estado e da indefinição política sobre a questão, a sociedade tem tomado para si decisões que deveriam ser pesadas com cautela, com equilíbrio. Chegamos a um limite perigoso. Basta lembrar a imagem do adolescente infrator espancado por populares e acorrentado pelo pescoço a um poste no Rio de Janeiro.

 A intolerância da sociedade cresce paralelamente ao radicalismo por parte do grupo que não aceita qualquer mudança na legislação atual e do que insiste em reduzir a maioridade penal a todo custo. Tratar crianças e adolescentes como adultos, do ponto de vista penal, não é, nem de longe, solução para a criminalidade juvenil. Até porque cadeia, como todo mundo sabe, costuma ser escola do crime e o tráfico tem poder de fogo para aliciar garotos e garotas cada vez mais jovens.

Deixar tudo como está, por sua vez, é ignorar a banalização da violência juvenil e atropelar o mais elementar senso de justiça. É fechar os olhos para a ineficácia das medidas socioeducativas previstas no ECA e para o índice impressionante de reincidência de menores infratores.

Sem uma decisão equilibrada, a tendência é a pressão por medidas cada vez mais radicais. Em abril passado, pesquisa do Datafolha já indicava que 35% dos entrevistados apoiavam a redução da maioridade penal para até 13 anos; 9% achavam que mesmo menores de 13 anos deveriam ser punidos como adultos.

Cada caso é um caso e é assim que precisa ser analisado. É esse caminho do meio que decidi apoiar ao acolher, no relatório que apresentei na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a Proposta de Emenda Constitucional nº 33/12, do senador Aloysio Nunes. A proposta abre brechas para a redução da maioridade para 16 anos só nos casos mais graves, de homicídio, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, reincidência em lesões corporais graves ou roubo qualificado.

Mais: ela só permite que um menor seja julgado e punido como adulto com o parecer de um promotor da área de infância e juventude e com autorização da Justiça, que terá de levar em conta a capacidade de compreensão do jovem infrator sobre o caráter criminoso de sua conduta.

É insensatez votar um tema tão importante movidos pela comoção popular diante de um ou outro crime, por mais cruel que ele seja. Mas também é ingenuidade imaginar que vivemos num mundo ideal, em que o ECA, por si só - por mais bem intencionado que seja - dá conta do avanço da criminalidade juvenil.

PEC nº 33 não é, certamente, uma solução milagrosa para o problema da criminalidade juvenil. Não vai trazer Yorrali de volta nem aplacar a dor de dona Rosemari. Mas é um avanço. Uma resposta sensata e pautada pela razão, não pela emoção.

Marxistas ou bolivarianos? - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 01/04

Bolívar foi descrito como um membro da rica elite local, aristocrata educado no exterior, inapto como comandante militar, vaidoso ao extremo


‘Era filho de uma das famílias mantuanas que, no período da supremacia espanhola, constituíam a nobreza crioula da Venezuela. Em consonância com o costume dos americanos ricos da época, ele foi mandado para a Europa aos 14 anos de idade. Da Espanha, seguiu para a França e residiu em Paris por alguns anos.

“De pé sobre um carro triunfal, puxado por doze jovens vestidas de branco e enfeitadas com as cores nacionais, todas escolhidas entre as melhores famílias de Caracas, Bolívar, com a cabeça descoberta e uniforme de gala, agitando um pequeno bastão, foi conduzido por cerca de meia hora, desde a entrada da cidade até sua residência. Proclamando-se ‘Ditador e libertador das Províncias Ocidentais da Venezuela’, formou uma tropa de elite que denominou de sua guarda pessoal e se cercou de pompa própria de uma corte. Entretanto, como a maioria de seus compatriotas, ele era avesso a qualquer esforço prolongado, e sua ditadura não tardou a degenerar numa anarquia militar, na qual os assuntos mais importantes eram deixados nas mãos de favoritos, que arruinavam as finanças públicas e depois recorriam a meios odiosos para reorganizá-las.

“Bolívar tornou a se reunir com os outros comandantes na costa de Cumaná, mas, ao ser recebido com rispidez e ameaçado por Piar de ser levado a julgamento na corte marcial por deserção e covardia, retrocedeu prontamente para Los Cayos.

“Piar, o conquistador da Guiana, que outrora havia ameaçado levar Bolívar à corte marcial como desertor, não poupava de ironias o ‘Napoleão das retiradas’ e, por conseguinte, este aprovou um plano para se livrar dele. Sob as falsas acusações de ter conspirado contra os brancos, planejado um atentado contra a vida de Bolívar e aspirado ao poder supremo, Piar foi levado a julgamento por um conselho de guerra presidido por Brion, condenado, sentenciado à morte e fuzilado em 16 de outubro de 1817.

“Com um tesouro de uns 2 milhões de dólares, obtidos dos habitantes de Nova Granada mediante contribuições forçadas, e dispondo de uma tropa de aproximadamente nove mil homens, um terço dos quais compunha-se de ingleses, irlandeses, e outros estrangeiros bem disciplinados, coube-lhe então enfrentar um inimigo despojado de todos os recursos e reduzido a uma força nominal de 4.500 homens, dois terços dos quais eram nativos e, por conseguinte, não podiam inspirar confiança nos espanhóis. [...] Se Bolívar tivesse avançado com arrojo, suas simples tropas europeias teriam esmagado os espanhóis, porém ele preferiu prolongar a guerra por mais cinco anos.

“Bolívar já não julgou necessário manter a aparência de ser o comandante supremo, delegou toda a condução dos assuntos militares ao general Sucre, e se restringiu às entradas triunfais, aos manifestos e à promulgação de constituições. Por meio de sua tropa de guarda-costas colombianos, manipulou a votação do Congresso de Lima, que, em 10 de fevereiro de 1823, transferiu para ele a ditadura. [...] Ali, onde as baionetas de Sucre imperavam, Bolívar deu livre curso a suas inclinações para o poder arbitrário, e introduziu o ‘Código Boliviano’, numa imitação do Código Napoleônico.

“O que Bolívar realmente almejava era erigir toda a América do Sul como uma única república federativa, tendo nele próprio seu ditador. Enquanto, dessa maneira, dava plena vazão a seus sonhos de ligar meio mundo a seu nome, o poder efetivo lhe escapou rapidamente das mãos.”

Um membro da rica elite local, aristocrata educado no exterior, inapto como comandante militar, vaidoso ao extremo, dependente da ajuda dos próprios “imperialistas” para “libertar” seu povo, tirano e covarde: assim essas linhas retratam Simón Bolívar. Quem teria escrito uma biografia tão negativa do herói (ou mito) latino-americano? Algum conservador reacionário? Um golpista de direita, talvez?

Nada disso. Trata-se da biografia que Karl Marx escreveu para atender a um pedido (pago) de Charles Dana para a “New American Cyclopaedia”, em 1857. O tom do texto, excessivamente ríspido, despertou a atenção do contratante, que chegou a reclamar com o autor. Em carta a seu amigo Engels, Marx explicou seus motivos: “No que concerne ao estilo preconceituoso, certamente saí um pouco do tom enciclopedístico. Seria ultrapassar os limites querer apresentar como Napoleão o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas.”

O problema é que nossos marxistas não leem Marx. Bolivarianismo e marxismo são como água e óleo: não se misturam. É preciso escolher: ou um, ou outro. Defender ambos é impossível.

Futuro ao bem pertence - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 01/04

Sobre os 50 anos da quartelada que, com apoio civil, instituiu o regime militar e jogou o Brasil num retrocesso institucional ainda não recuperado, impossível oferecer ao leitor abordagem original que não tenha sido feita nos últimos meses sobre data tão mexida e remexida.

Vamos em frente, portanto. Sem, contudo, desviar a atenção do retrovisor - que é para a memória servir de obstáculo a que a História um dia volte a fazer uma falseta.

Hoje estamos razoavelmente imunes a riscos desse tipo. O tranco foi forte demais. O recurso a golpes caiu em desuso. Se ainda frequentam alguns discursos para intimidar adversários políticos, é justamente porque a democracia brasileira ainda está cheia de defeitos praticamente às vésperas de completar 30 anos do início de sua reconstrução.

Paralelamente às análises sobre os acontecimentos que levaram à derrubada do governo de João Goulart e posteriormente a um regime de opressão e perseguição, daqui em diante teremos de nos dedicar ao exame da trajetória do Brasil de 1985 para cá.

O mais longo período ininterrupto de democracia durante o qual o País avançou. Não tanto quanto poderia ou deveria, mas avançou em diversos aspectos, isso levando em conta governo e sociedade. Na política, porém, ficou parado no tempo do onça.

O Brasil é politicamente "démodé". Não inova, recorre aos mesmos métodos há décadas e deles não desgruda por mais que o esgotamento seja uma evidência. É quase como se o País tivesse reconquistado a democracia mas não soubesse direito o que fazer com ela.

Há o comportamento errático dos políticos. Mas, eles não seriam um reflexo do comportamento da sociedade? Os eleitores mais informados gostam de se mostrar indiferentes, acima dos políticos, a quem se referem como "essa gente de Brasília". Gente esta que, quanto mais deixada de lado for, mais livre fica para agir como bem entender.

Os menos assistidos ainda olham aos políticos como fontes de benefícios e com eles estabelecem uma relação de compra e venda semelhante à que o Legislativo mantém com o Executivo e à qual se dá o nome de governo de coalizão.

Guardadas as proporções, na essência governos continuam cometendo os mesmos erros. Os militares não reconhecem o mal que fizeram ao Brasil, mas os governos civis, de Fernando Collor a Dilma Rousseff, tampouco reconhecem os respectivos danos causados ao País. Onde carece a autocrítica, viceja a repetição, quando não o esquecimento.

Os militares interditaram o direito ao voto. Os civis liberaram, mas o mantêm obrigatório sob o argumento de que o eleitorado não está "preparado" para escolher se vai ou não às urnas. Semelhança tutelar que não se coaduna com a plenitude democrática.

Conviria, para o bem do aperfeiçoamento do sistema, que os políticos e partidos da atualidade se distanciassem das velhas práticas. Indispensável, porém, que a sociedade reveja seu olhar sobre a política.

Se continuar achando que é com as mãos sujas que se faz, assim será. Se não, o jeito é ir à luta para mudar. Se no passado deu certo para o mal, o futuro ao bem pertence.

Careca de saber. Chega a ser inacreditável que a Câmara dos Deputados considere necessário fazer uma campanha publicitária para melhorar a imagem da instituição e mais: precedida de uma pesquisa para detectar qual a avaliação do público sobre a atuação do Parlamento, suas qualidades e defeitos.

A brincadeira vai custar R$ 10 milhões, mas poderia custar um tostão. Todo mundo, suas excelências inclusive, sabe qual é o problema e onde está a solução. Basta o Poder Legislativo cumprir sua função de instância representativa dos interesses da população, andar na linha, não cometer abusos, não se valer de privilégios e cumprir à risca a Constituição.

Nesse caso o exercício do mandato pode não ser atividade tão atrativa, mas no que tange à preocupação com a imagem estaria tudo resolvido.

Um legado de mortes - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 01/04

BRASÍLIA - Enquanto o Brasil discute as origens, os descaminhos e as barbáries do golpe de 1964, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse à Folha que a culpa pela tragédia do seu país, 50 anos depois, é da direita golpista.

Vá lá que a direita radical venezuelana não é flor que se cheire, mas é lamentável que o presidente da República tente reduzir a monumental crise política, econômica e social puramente à ação desses radicais.

Maduro diz que a direita quer o golpe, mas o que a esquerda, o centro, a direita e boa parte da intelectualidade, do empresariado, das igrejas e das Forças Armadas querem é estabilidade, liberdade de expressão, respeito às oposições, controle da inflação --e papel higiênico!

Maduro atua com um tirano, por trás da prisão dos ex-prefeitos Leopoldo López, Enzo Scarano e Daniel Ceballos e da cassação sumária da deputada Maria Corina Machado.

E ele não explica e nem mesmo admite a perseguição a TVs, jornais e jornalistas e desconversa sobre as quase 40 mortes e as dezenas de feridos e de presos. Convenhamos, não foi a "direita golpista" que fez tudo isso sozinha.

Imagine-se se, aqui no Brasil, prendessem e cassassem os prefeitos de cidades onde houve manifestações e/ou "black blocs"? E o argumento de Maduro de que foram os tribunais que puniram os opositores não vale. No Paraguai, foram as instituições que cassaram o presidente Lugo, mas o país acabou punido pelo Mercosul e pela Unasul.

Se em 1964 os EUA efetivamente lideraram os golpes no Brasil, no Uruguai, no Paraguai, na Argentina e no Chile, não faz muito sentido imaginar que, hoje, estejam empenhados num único golpe: na Venezuela.

Faltou a Maduro um mínimo de humildade: ele deu um passo maior que a perna; é o homem errado, na hora errada. E seu mandato vai até 2019, sem chance de melhorar. Qual o rastro de mortos, feridos, presos e cassados que deixará na Venezuela até lá?

Tempos de Guerra Fria - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 01/04
No terceiro e último ciclo sobre o golpe de 64 promovido pela Casa do Saber/O Globo, coube-me fazer, ontem, a mediação do debate sobre as lutas ideológicas e a geopolítica internacional do qual participaram o jornalista, escritor e ex-deputado federal Fernando Gabeira, o escritor Mário Magalhães, autor da biografia de Marighella, e Celso Castro, diretor do CPDOC da Fundação Getulio Vargas e especialista na história dos militares brasileiros. Discutimos como o cenário internacional interferiu nos acontecimentos que antecederam e culminaram no golpe militar, a partir da Guerra Fria, a disputa entre os dois grandes blocos, divisores do mundo à época depois da 2ª Guerra Mundial: o capitalismo representado pelos Estados Unidos e o comunismo representado pela União Soviética.
Fernando Gabeira destacou o que chamou de "ilusões" dos dois lados dentro desse conjunto da Guerra Fria. "Os militares achavam que os brasileiros não sabiam votar e que enquanto houvesse eleição os demagogos venceriam. Achavam que podiam ensinar o povo a votar, e roubaram a principal motivação para o aprendizado, que é a liberdade".

Mas também a esquerda, lembrou Gabeira, sobretudo a armada, acreditava que poderia servir de guia aos cidadãos. Os dois lados de certa maneira achavam-se dirigentes dos destinos do país, comentou Gabeira, e se afastavam "da ideia de que o povo, através de seu desenvolvimento, poderia se aperfeiçoar". Na verdade, comentei, nenhum dos lados acreditava na democracia.

Havia ilusões também por parte da esquerda armada, lembrou Gabeira, ressaltando que a ideia que vinha de Cuba e se baseava no livro do Régis Debray era a chamada "teoria do foco", que dizia que o movimento revolucionário acabaria atraindo o apoio das populações.

"As ações armadas teriam um cunho pedagógico, multiplicando as ações, e isso não aconteceu".

O escritor Mário Magalhães ressaltou que os movimentos armados sofreram uma derrota política, pois, por mais que a tortura tenha sido decisiva para desmantelar os grupos guerrilheiros, eles estavam isolados.

Celso Castro, do CPDOC, ressaltou que na época, além do aspecto político da disputa entre dois polos "havia também a questão dos valores culturais, que teve importância crucial". Ele lembra que os militares consideravam que os jovens estavam influenciados pelos comunistas, pregando amor livre, drogas, subversão dos costumes.

"Hoje esse tema parece antiquado, mas naquela época você podia ser preso e torturado por essas questões. Éramos uma sociedade profundamente conservadora, e se hoje esses comportamentos são triviais, naquele momento essa dimensão cultural era importante e gerou a censura às artes e a prisão de intelectuais. Como doutrinação militar essa questão moral e bons costumes era muito clara para não deixar o comunismo tomar conta da juventude".

Gabeira lembrou que a esquerda tinha problemas de valores. "Os que abandonavam a luta nós chamávamos de "desbundados", alguns passaram a ser hippies, e achávamos que eles estavam traindo a causa". De certa maneira, eram "produto de uma propaganda capitalista com o objetivo de dissolver a moral de nossos potenciais revolucionários".

Com relação à tortura, tanto Celso Castro quanto Mário Magalhães chamaram atenção para o fato de ela ter sido um instrumento institucional do regime militar.

Gabeira lembrou que no Tribunal Bertrand Russell sua tese sobre a tortura era muito semelhante à de Hannah Arendt, cujo livro com a tese da banalização do mal provocou muita controvérsia.

"Ainda não havia lido o livro da Hannah Arendt, mas de certa maneira eu tinha consciência da sua tese", comentou Gabeira, falando sobre "a organização burocrática, a tentativa de controlar racionalmente aquele processo e fazer uma repressão científica que existia também na repressão brasileira".

Eles não eram simplesmente brutamontes que iam torturar por gosto, ressaltou Gabeira. "Tirando um ou outro sádico, o que havia era um processo controlado por um imenso escritório burocrático que orientava as torturas que eram feitas nos porões da ditadura". 

É hora de fiscalizar de verdade - ALVARO DIAS

GAZETA DO POVO - PR - 01/04

O declínio da Petrobras, com sua trajetória descendente, jamais foi ignorado pelo bloco oposicionista. Em 2009, requeremos a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar irregularidades envolvendo a Petrobras e a ANP. Era inaceitável, sob qualquer ângulo republicano, assistir de forma indiferente à maior empresa estatal brasileira frequentando com assiduidade as páginas policias da imprensa. Uma realidade que, obrigatoriamente, deve ser objeto de máxima atenção por parte do Poder Legislativo em sua competência de fiscalização sobre o Poder Executivo. Uma agravante sobrepunha-se: o fato de o braço auxiliar do Poder Legislativo – o Tribunal de Contas da União (TCU) – considerar essa estatal uma das mais fechadas e resistentes ao repasse de informações, havendo, inclusive, registro de casos de fornecimento de dados incorretos e informações desencontradas.

Foi nesse contexto, em face de inúmeras denúncias de irregularidades e desvios de recursos feitas por Polícia Federal, Ministério Público Federal e TCU, bem como das dificuldades desses órgãos em obter as informações necessárias para concluir as investigações, que fomos compelidos a investigar os fatos por meio de uma CPI.

A partir de sua instalação, o governo encarregou sua base de apoio de preparar as exéquias desse colegiado. Sem condições de impedi-la, já que o STF asseguraria à minoria o direito de instalar a CPI, o governo a dominou de forma absoluta, desrespeitando as mais caras tradições do Senado Federal. Em reação, a oposição anunciou, no dia 10 de novembro de 2009, sua retirada definitiva da comissão, sem, no entanto, abdicar do dever de apurar as denúncias que ensejaram a criação da CPI. Nesse sentido, 18 representações foram encaminhadas ao Ministério Público, enfeixando uma espécie de relatório final paralelo antecipado da oposição, com o intuito de contribuir para o esclarecimento de pontos tão controvertidos da gestão da Petrobras na época.

A rumorosa compra da refinaria em Pasadena havia sido objeto de representação de minha autoria em 2012. A declaração da presidente Dilma (então presidente do Conselho da Petrobras), alegando que a decisão da compra da refinaria, em 2006, se deu com base em um relatório falho, irradiou o movimento em torno da instalação imediata de uma CPI. A denúncia anterior, envolvendo o pagamento de propina a diretores da companhia por uma empresa holandesa – US$ 30 milhões para fechar contratos de aluguel de plataformas do pré-sal –, já era um rastilho no paiol da Petrobras. A indignação popular impôs ao parlamento uma postura compatível com os anseios de transparência e, sobretudo, de combate à impunidade da população.

A decisão dos partidos de oposição e parlamentares independentes de vários partidos de colher assinaturas para a criação da CPI não foi picuinha ou revanchismo. Agimos em absoluta sintonia com os ditames republicanos. Trata-se de uma investigação política que complementa a investigação judiciária e colabora com ela.

A Petrobras já foi a 12.ª empresa no mundo e hoje, em poucos anos, tornou-se a 120.ª empresa no mundo, sendo a petroleira mais endividada internacionalmente. Que a gestão administrativa foi temerária e claudicante é inquestionável. É hora de debater a Petrobras na plataforma que nos cabe: o Congresso Nacional.

Nortão de Mato Grosso - XICO GRAZIANO

O Estado de S.Paulo - 01/04

Município situado a 400 km ao norte de Cuiabá, Sorriso não carrega apenas a simpatia do curioso nome. Seu território lidera a produção de soja no Brasil e seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é campeão estadual, atingindo 0,824. Quer dizer, a elevada produção agropecuária garante qualidade de vida. Naquelas paradas inexiste passado, brilha o futuro.

O chamado Nortão de Mato Grosso caracteriza um polo de desenvolvimento, formado por vários municípios, todos muito recentes, estabelecidos ao longo da BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Belém, no Pará. Destacam-se Lucas do Rio Verde, Sorriso, Alta Floresta e Sinop, esta a capital regional, centro político onde pulsa o progresso limpo do interior brasileiro. Vale conhecer.

O nome, mais uma vez, chama a atenção. Sinop é um acrônimo advindo da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, empresa responsável pela abertura inicial daquelas longínquas terras. Seu então proprietário, Ênio Pipino, legendário colonizador, adquiriu a Gleba Celeste, com 645 mil hectares, destinando parte dela às famílias de pioneiros que, na época, demoravam sete dias para vencer a distância do Paraná até as margens do Rio Teles Pires, criando um fluxo migratório cujo auge ocorreu em 1975. Quatro anos depois, o povoado de Sinop seria elevado à categoria de município. Hoje abriga 130 mil habitantes.

Nessa história se compreende a origem dos agricultores situados no Nortão de Mato Grosso. Foram inicialmente os paranaenses, gaúchos e catarinenses que ficaram atraídos por aqueles solos planos ou levemente ondulados, ainda cobertos com mata virgem. Vieram abrir fronteiras e encontraram um exuberante ecossistema cheio de segredos. Por ali se dá a transição entre o bioma do Cerrado e a Floresta Amazônica. Quanto mais ao sul, próximo de Cuiabá, mais se destaca a vegetação baixa e retorcida do Cerrado na paisagem original; quanto mais se caminha para o norte, rumo ao Pará, mais se impõe a selva elevada e úmida. Por cerca de 500 km se percebe tal gradação verde.

A grande maioria dos brasileiros - estrangeiros nem se fala - desconhece que existem no Brasil duas "Amazônias": a Amazônia Legal, um território geopolítico, e a Amazônia bioma, palco da típica rain forest. A primeira mede 5,2 milhões de km2 e inclui a segunda (4,2 milhões de km2), pois seus limites geográficos foram estabelecidos pelas divisas dos nove Estados que a compõem, incluindo parte de Mato Grosso, do Maranhão e do Tocantins. Isso significa que a Amazônia Legal abarca grandes áreas de vegetação do Cerrado do Centro-Oeste. Já a Amazônia bioma se forma, óbvio, apenas pela densa floresta original. Pouca gente sabe dessa diferença, que confunde muitos analistas desavisados.

Voltando ao Nortão, as características do solo e do clima permitiram amparar com força total o modelo tecnológico, e tropicalizado, de grande escala no campo. Ali a agronomia se excedeu, garantindo excepcionais níveis de produtividade nas lavouras e nas pastagens - 100% dos agricultores tiram duas safras por ano. As fazendas, totalmente mecanizadas, baseiam-se na gestão familiar. Filhos de sitiantes sulinos progrediram na vida.

Tudo reluz na cidade de Sinop. Inexiste velhice, quer de coisas ou de pessoas. A sede da prefeitura, a igreja central, as lojas do comércio, as moradias, as largas e planejadas avenidas, os automóveis, por onde se enxerga se vê modernidade. Nas ruas o povo parece ser mais alto, aloirado, de olhos claros, palavreado cantado, traços próprios de descendentes dos imigrantes europeus.

Assim também se mostra a reluzente Sorriso. Com 80 mil habitantes, a intitulada "capital do agronegócio" erigiu-se apenas nas últimas duas décadas, transformando a planura dos campos de Cerrado, que cobriam a maioria de seu território natural, em lavouras verdejantes. O brilho dessas cidades impressiona quem está acostumado com o padrão mais antigo da sociedade urbana no País.

É impossível entender a economia de Mato Grosso sem considerar a crescente produção de grãos obtida nessa região. Em consequência desse sucesso agrário, o Estado já responde atualmente por 25% da safra nacional de grãos, ultrapassando o Paraná (19%) e o Rio Grande do Sul (16%) no ranking da safra nacional. O êxito agropecuário, entretanto, não resultou no desmatamento total do território nem gerou depredação ecológica. Nada disso.

Ao contrário das zonas tradicionais de ocupação, que avançaram sobre as matas ciliares e mantiveram poucos remanescentes florestais, ali, nessa região de Mato Grosso, se preservaram 100% das áreas ribeirinhas, mantendo-se sempre as reservas florestais obrigatórias, dentro das propriedades rurais, na razão de 35% onde era Cerrado e 80% na floresta alta. Só vendo para crer.

Viajando pela rodovia, ou observando pelas janelas do avião, veem-se as lavouras contrastando harmoniosamente com as reservas florestais, formando um mosaico de cores e espaços que mais parece um lindo quebra-cabeça da natureza. Há dados objetivos. Segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola (Imae), nessa região oficialmente denominada "Centro-Norte", a agropecuária explora apenas 27% da área total. O restante continua preservado.

Eduardo Godoy, jovem economista que trocou as praias de Santos pela agronomia em Mato Grosso me relata, viajando de Sorriso para Sinop, que os norte-americanos se encantam com essa convivência lavoura-floresta. Mas não entendem por que os agricultores brasileiros arcam sozinhos com a reserva ambiental. Lá, nos EUA, áreas subtraídas da produção recebem fortes subsídios do governo.

Ninguém sabe explicar.

A matriz econômica de Dilma - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 01/04

Elevar o padrão de bem-estar de toda a população é um objetivo nacional importante, uma meta com a qual concordam governo e sociedade. Em um país com as características do Brasil, isso significa aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) a taxas superiores ao crescimento populacional, melhorar a distribuição da renda, retirar da pobreza os 20% mais pobres da população, melhorar os níveis educacionais, elevar o padrão de assistência à saúde e criar uma rede de proteção social aos que não conseguem sustentar a si mesmos (caso dos desempregados, dos inválidos e dos idosos sem renda).

Ainda que haja divergências quanto aos caminhos para alcançar o objetivo, há consenso sobre os principais males a combater: o baixo crescimento do PIB, a inflação e o desemprego. O fraco avanço do PIB por si só dificulta a geração de empregos e, se persistir, provoca desemprego mais adiante. Como a população brasileira cresce em torno de 2,2 milhões de habitantes por ano, a luta pelo aumento do PIB é objetivo de todos os agentes sociais. A presidente Dilma consignou em seu plano de governo que dois de seus principais objetivos seriam o crescimento econômico e o programa “Brasil sem Miséria”, porque a presidente entendeu que esse é o rumo desejado por todo o país. Quanto à inflação, somente por seu potencial de corroer o poder de compra e de empobrecer a todos, em especial os que vivem da renda do trabalho, o combate constante a esse mal é prioridade sobre a qual não se discute. Além disso, a inflação causa outras consequências negativas, como inibir os investimentos privados nacionais e estrangeiros, jogando contra o crescimento do PIB e do emprego.

Após eleita, Dilma anotou, de próprio punho, em seu plano de governo que uma de suas metas seria elevar a taxa de investimentos como proporção do PIB, atualmente em 18%. Os investimentos totais do país em infraestrutura física, empresarial e social deveriam ser elevados para 25% do PIB, como meio de viabilizar o crescimento do PIB em 5% ao ano de forma constante. Olhando em retrospecto, o plano da presidente no momento de sua posse estava no rumo certo; é difícil achar quem discorde de suas pretensões. Os problemas e as divergências começaram a aparecer nas políticas específicas necessárias para o país atingir o objetivo de elevar o padrão médio de bem-estar social, com eliminação da miséria e redução da pobreza. Nesse ponto começaram as diferenças entre o caminho escolhido por Lula e o caminho escolhido por Dilma, este último denominado “a nova matriz macroeconômica”.

A tal “nova matriz” de Dilma é baseada em juros mais baixos, câmbio mais desvalorizado em relação ao dólar e superávit primário conforme as necessidades da economia; ou seja, o superávit deve cair quando o governo julgar necessário aumentar as desonerações tributárias e deve subir quando achar recomendável reduzir a aceleração da demanda. Na visão do governo Dilma, o tripé adotado por Lula – superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação – estava adequado aos rumos da economia na primeira década deste século, mas seria inadequado ao mundo (e ao Brasil) depois da grave crise de 2007/2008.

Se hoje o humor dos mercados melhora quando a presidente cai nas pesquisas de popularidade, é o caso de examinar onde estão os erros de Dilma e de sua política econômica. Uma das explicações está naquilo que autores consagrados – como Adam Smith, Karl Marx e Friedrich von Hayek – avaliaram como sendo “as consequências não intencionais da ação humana”. No momento em que a realidade social é examinada e determinada política é traçada para enfrentá-la, as medidas definidas podem parecer corretas. Entretanto, nos sistemas abertos (como é o caso da economia nacional) e em um mundo globalizado, o cenário muda, turbulências aparecem e as políticas de outras nações podem pôr a perder políticas internas inicialmente corretas.

A piora da situação da China, a queda na demanda mundial por commodities e a crise europeia estão entre os fatores que contribuíram para provocar furos na política econômica do atual governo brasileiro. A mudança na política dos Estados Unidos – que passaram a atrair dólares do mundo em alta escala – e os tropeços na gestão econômica do ministro da Fazenda se somaram aos problemas internacionais, como resultado, a “nova matriz macroeconômica” não funcionou. A dúvida é: se ganhar as eleições, Dilma vai mudar de rota?

Desespero diante da CPI - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 01/04

Tendo fracassado em impedir que, em um punhado de dias, 29 senadores - entre eles 3 da base aliada - apoiassem a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o escândalo da Refinaria de Pasadena e outras presumíveis irregularidades da Petrobrás de 2005 em diante, o Planalto partiu para melar o jogo. Enquanto já se põe a chantagear alguns dos signatários do pedido para que voltem atrás, a fim de privar a iniciativa do quórum mínimo de 27 nomes (1/3 dos membros do Senado), o governo escancarou de outro modo ainda o desespero em que o êxito oposicionista o mergulhou.

Consiste na manobra, inaceitável a qualquer título, de contrabandear para dentro do texto em torno do qual a oposição se uniu dois "aditivos" que não guardam a menor relação com o fato determinado que a lei exige para uma proposta ser acolhida pela direção da Casa do Congresso em que tiver sido concebida (ou por ambas, quando se tratar da chamada CPI mista). Eles se juntariam aos quatro itens que embasam o pedido - a compra, a preço extravagante, da usina de refino no Texas; o suposto recebimento de propinas por funcionários da Petrobrás, pagas pela empresa holandesa SBM Offshore, em negociações para a locação de plataformas à estatal; a denúncia de descumprimento de normas elementares para a segurança dos trabalhadores em instalações marítimas; e indícios de superfaturamento na construção de refinarias.

Os dois acréscimos que o Planalto quer ver incluídos no rol das apurações, obviamente para que nada seja apurado em relação ao que tira o sono da presidente Dilma Rousseff - as falcatruas e mazelas varridas para debaixo do tapete na megaempresa aprovada pelo Conselho de Administração que ela chefiou quando ministra -, tratariam, um, das evidências de formação de cartel em licitação de trens em governos do PSDB em São Paulo; e outro, de indeterminadas irregularidades no Porto de Suape, em Pernambuco. O golpe baixo, que não teria chance de prosperar em nenhum Parlamento sério do mundo, tem dois objetivos também. O primeiro, voltar os holofotes para o entorno político do senador e pré-candidato presidencial tucano, Aécio Neves, e para o outro adversário de Dilma, o ex-governador pernambucano Eduardo Campos.

O segundo intento é o de que as investigações sobre os malfeitos paulistas precedam as da Petrobrás, "por serem mais antigos". Para tanto, os governistas contam com a maioria que terão na CPI, a qual deve espelhar o tamanho das bancadas na Casa. O governo trabalhará ainda para que os dois postos-chave da comissão, o de presidente e o de relator, fiquem com o PMDB e o PT. No Senado, o PMDB continua leal à presidente. Apenas 3 dos 20 senadores eleitos pela sigla apoiaram o inquérito. O presidente da Casa, o peemedebista Renan Calheiros, declarou-se abertamente contrário. Diante da força dos fatos, disse que "não há mais o que fazer". Longe disso, pode-se apostar. Por via das dúvidas, a oposição já começou a colher assinaturas na Câmara para estender a CPI ao Congresso todo.

Tem-se, em suma, muito jogo - e jogo pesado - pela frente. No entanto, as tóxicas substâncias que vazam da caixa-preta da Petrobrás praticamente dia sim, o outro também, precisam ser levadas ao microscópio. A sua presidente, Graça Foster, se declarou surpresa ao ficar sabendo (não disse como) que o acordo de acionistas com a parceira belga de Pasadena criava um "comitê de proprietários" mais poderoso até do que o Conselho de Administração da estatal - o que ela não podia ignorar, porque a cláusula figura logo no artigo 3.º do documento, revelou a Folha de S.Paulo. O representante da petroleira no comitê era ninguém menos que o seu então diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, preso na semana passada sob a acusação de lavagem de dinheiro.

Sobram motivos, portanto, para se ir além da responsabilização administrativa (via Tribunal de Contas da União) e penal (via Polícia Federal e Ministério Público) de altos escalões da Petrobrás. Sendo o que ela é e representa, a responsabilização política, a cargo da CPI, é igualmente imprescindível - e deve abarcar os obscuros enlaces da empresa com quem nela dá as cartas, o governo federal.

Falta de projeto pune socialistas na França - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/04

Eleitor se mostra descrente da capacidade da esquerda de fazer reformas necessárias para tirar o país da estagnação econômica



A manchete da primeira página do jornal esquerdista “Libération” cravou “Punição” ao se referir à perda, pelo Partido Socialista (no governo), de 155 cidades das 500 que controlava, no segundo turno das eleições municipais francesas de domingo. Os eleitores dessas cidades castigaram o governo do presidente François Hollande e elegeram candidatos da União por um Movimento Popular (UMP), de centro-direita. Por sua vez, a Frente Nacional (FN, extrema-direita), de Marine Le Pen, obteve seu melhor resultado até hoje, passando a controlar 11 cidades (ganhara quatro em 1990).

Punição esperada, pode-se dizer, já que Hollande é o presidente recordista em impopularidade da Quinta República. Uma pesquisa BVA para o diário “Le Parisien” mostrou que 74% dos franceses queriam se ver livres do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault. Conseguiram: Hollande substituiu-o pelo ministro do Interior, Manuel Valls, cuja postura é de firmeza contra o crime e apoio à iniciativa privada.

Um problema para Hollande foi ter ganho a eleição, em 2012, num período em que a Europa passava por grave crise e a França precisava de austeridade para enfrentar desequilíbrios nas contas públicas e de reformas para aumentar a eficiência da economia, engessada por burocracia e demandas sindicais. Medidas difíceis para o Partido Socialista, adepto do estado forte e da proteção social.

A dois meses de completar dois anos de mandato, Hollande pouco conseguiu, principalmente em relação ao desemprego de mais de 10%. Ele garantira que começaria a baixar até o fim de 2013, o que não ocorreu. O déficit público, que o governo prometera à UE reduzir a 4,1% do PIB no ano passado, bateu nos 4,3%. A dívida pública passou de 90,6% em 2012 a 93,5% do PIB em 2013 — Hollande planeja cortar os gastos públicos em €50 bilhões até o fim do mandato, em 2017. O número mais assustador talvez seja a queda de 77% do investimento externo direto na França no ano passado, segundo a ONU.

Após o péssimo resultado da esquerda no pleito municipal, Hollande tem pela frente a votação no Parlamento, em meados deste mês, do “pacto de responsabilidade”, um pacote de €30 bilhões em corte de impostos para estimular as empresas. A 25 de maio, haverá eleições para o Parlamento Europeu e o tempo disponível parece insuficiente para a esquerda reverter o resultado do voto municipal.

A França, como quase todos os países, se ressente da baixa credibilidade dos políticos e da falta de líderes de expressão. Os partidos franceses, por sua vez, carecem de um projeto nacional capaz de tirar o eleitorado da apatia — foi recorde a abstenção de 38% nas municipais. Daí talvez o bom desempenho da FN, que não esconde de ninguém sua firme postura anti-UE e de linha dura com os imigrantes.