quarta-feira, janeiro 22, 2014

Abrindo os armários - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 22/01

O público já esqueceu as maldades de Félix, continua achando graça emseus trejeitos, está aceitando como natural sua redenção


Uma das diferenças entre Barack Obama e Bill Clinton, ou melhor, entre a época de um e a de outro, pode ser observada na última declaração do atual presidente sobre drogas. Em termos de costumes, a geração do marido de Hillary usava a meia verdade para confessar pecados do passado. Quando admitiu ter fumado maconha na juventude, fez logo a ressalva hipócrita: “Fumei, mas não traguei.” Ah, bom, então tudo bem. Já Obama revelou com todas as letras ter fumado, tragado a outrora chamada “erva maldita” e, pior, cheirado cocaína. Fernando Henrique, que hoje encabeça uma corajosa campanha pela descriminalização do uso das drogas, teria dito o mesmo. Mas ele nega, até porque, garante, nunca usou nem cigarro comum (na campanha para a prefeitura de SP, em 1985, Jânio Quadros difundiu o boato devastador de que seu adversário, se eleito, o que não aconteceu, iria promover a distribuição de maconha nas escolas públicas).

Agora são tempos de abrir os armários. Veja outro tema tabu, a homossexualidade, cuja defesa não é mais apenas uma bandeira dos militantes. Depois que o STF reconheceu por unanimidade a união gay como legal (com direito a herança, pensão e adoção) e depois que o Papa Francisco recusou-se a estigmatizar os homossexuais (“Quem sou eu para julgá-los?”), a condição deixou de ser uma doença ou uma patologia social para ser o que é, uma opção sexual, com visibilidade cada vez maior em filmes, peças e novelas. Apenas um exemplo. O personagem mais carismático de “Amor à vida” é uma bicha — e bicha má, como ele mesmo se classificava, de jogar criancinha em caçamba. O público já esqueceu essa e outras maldades de Félix, continua achando graça em seus trejeitos, está aceitando como natural sua redenção e torce para ele ficar com Nico, a bicha do bem. Se isso não acontecer, não será pela vontade popular, mas talvez porque, tecnicamente, a solução se mostraria impraticável. Segundo me ensinou um entendido, os dois só conjugam na voz passiva, o que tornaria a união homoafetiva inutilmente redundante. A conferir. Cartas para a coluna do Ancelmo.

Pode-se alegar que esse liberalismo só acontece na arte, já que na vida real, aqui e lá fora, continua havendo preconceito e violência homofóbica. Ou seja, mesmo num mundo ideal, sem intolerância, haverá sempre resíduos, como um Marco Feliciano e um Putin, para lembrar Shakespeare: “O mal que os homens praticam sobrevive a eles.”

Já tenho minhas divas do verão. São elas Soraya Ravenle, do musical sobre Chico Buarque; Laila Garin, de “Elis”; Dira Paes e Patrícia Pillar, de “Amores roubados"; Maya Gabeira, das ondas gigantes; e, mais formosa e irresistível do que todas, Alice, que dispensa justificativa.

Metrossexualidade para todos - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 22/01

Não estão livres da vaidade os velhos que não cuidam dos pelos na orelha e no nariz


A velhice tem suas injustiças, e não me refiro apenas à comparação que possamos fazer com as pessoas mais moças. Surgem desequilíbrios internos, que a ciência por certo há de explicar. Um caso me intriga especialmente.

Você já reparou nas canelas dos senhores de mais idade? Para meu espanto, são em geral lisas e cerosas como as de uma noviça.

Ainda mais se, como se torna ademais um curioso hábito dos idosos, eles passam a usar bermudas no verão, combinando com o velho par de meias sociais dos tempos de escritório, e o humilhante tênis sem cadarço da Rainha, cor azul-marinho.

Trata-se de um hit da terceira idade, talvez porque amarrar o sapato dê muito trabalho, e porque o mocassim de couro tradicional não mais se adapte ao inchaço dos tornozelos.

Sim, mas onde está a injustiça? Está no fato de que, enquanto caem os pelos das canelas, os de outros lugares não param de crescer. Falo de orelhas, narizes e sobrancelhas.

Fosse algum decréscimo hormonal em todo o organismo, por que então essas orelhas de lobisomem, os pelos como labaredas, crepitando em torno de ouvidos surdos? Será para disfarçar melhor o aparelho auditivo?

Passo bem na ausência desse problema, mas tenho reparado, nas minhas sobrancelhas, aparições esporádicas de verdadeiras cerdas de javali. Uma ou duas por semana, como as baionetas de algum soldado em desespero a destacar-se de seus camaradas na trincheira.

Aprendi a utilidade da pinça.

Bom, mas por que você não deixa sua sobrancelha quieta, e que os pelos nasçam com a liberdade dos bambus? É que passei a vida inteira desconfiando daqueles varões de velha cepa, homens de Estado, capitães da indústria, professores de direito, os quais gostava de reunir imaginariamente no "clube dos sobrancelhas grossas".

Quem não os encararia sem estremecimento? No mundo mais pacífico das ideias e da música, o sociólogo Zygmunt Bauman e o compositor Hans-Joachim Koellreutter são as figuras que me vêm à memória, acrescentando furiosos escovões brancos às eriçadas consoantes de seus nomes.

Quantos mais membros desse clube havia! Um rigoroso e lacônico ministro da Indústria e Comércio, um pertinaz e tradicionalíssimo jornalista, o dono imperturbável de um cartel do aço ou do cimento.

Seriam, quem sabe, os prussianos paulistas; por natureza sérios e enérgicos, ganhavam com aquela marquise cabeluda um suplemento de severidade que acentuava, temivelmente, a vivacidade de um olhar imune aos avanços do tempo.

Não; melhor arrancar esses pelos um a um, antes de me transformar num articulista com ar de porco-espinho. Pois aqui vai um segredo. No salão que passei a frequentar, quase uma casa de repouso para a terceira idade, o barbeiro (não mais jovem que os fregueses) perguntou-me se devia aparar também as sobrancelhas.

Presumo que seja o usual naquele ambiente, tão distante dos metrossexuais quanto a navalha do raio laser. Uma vez ele aparou; senti-me esquisitíssimo, uma espécie de Cristiano Ronaldo que tivesse entrado no corpo do técnico Felipão. Esse ainda precisa, aliás, de sobrancelhas mais espetentas.

Fico de fora. Mas não há saída; a vaidade masculina existe o tempo todo. Mário de Andrade dizia que publicar livros é vaidade, mas não publicar também é. Vaidoso também, lá com seus botões, é o sexagenário que faz da orelha o seu pequeno casaco de vison; o que expulsa de suas narinas dois pincéis da marca "Tigre" (para acabamento em verniz); o que cultiva sobre os olhos um canteiro de cactos.

Vaidade. Por isso cresce também o mercado dos hidratantes, dos cremes antirrugas, das "fórmulas anti-idade" para o público masculino. O processo é sutil, mas poderia ser mais ainda.

Tudo começa com o filtro solar, indicado na prevenção contra o câncer de pele. O uso do pós-sol também é recomendado nesta época. Uma vez achei um produto, não direi que era um creme de beleza, que fez maravilhas não para a minha estética facial, mas para abolir a sensação de calor na pele durante o dia.

Disseram-me depois que todo hidratante era capaz disso. Ótimo, desde que não tenha cheiro de jasmim ou de goiaba. Ah, conhece a nossa linha masculina? Pronto; eu estava a um passo da metrossexualidade.

A sutileza que ainda falta é a de deixar esses produtos mais ao alcance da mão. As farmácias em geral protegem seus cremes de beleza atrás de vidros, em redutos exclusivos. Ponham-nos ao lado dos barbeadores e das loções --e ninguém mais haverá de segurar os marmanjos deste Brasil na corrida no caminho da, hum, saúde facial. E sebo nas canelas.

Um comentário e dois fatos (final) - ROBERTO DAMATTA

O Estado de S.Paulo - 22/01

Na semana passada, meu amigo Richard Moneygrand comentava como a vida imita a arte a partir de um conto de O. Henry - um dos mais aguçados observadores da vida americana dos 1900.

Era a história de um sujeito que havia escolhido um estilo de vida marginal. Fugia do trabalho, morava nos parques e, por isso, passava os invernos na prisão.

Tal como o sujeito que se entregou à polícia diante do tenebroso inverno americano estampado nos jornais de hoje, o personagem da ficção de ontem planejava passar o inverno no agasalho de um xadrez

O interessante é que O. Henry revela como pode ser complicado ser preso, diz Moneygrand, retomando a história. Ele tenta todas as rotinas e quando, no limite, decide assediar uma moça para ser posto na cadeia, ela lhe oferece um programa!

Desesperado pela frustação, o malandro descobre a paz de uma igreja onde se ouve um cântico religioso. Comovido pela música, ele decide mudar de vida. Quando caminha em direção ao seu novo destino, encontra cara a cara com um guarda. "O que você está fazendo?", pergunta o homem da lei. "Nada!", responde o regenerado, recebendo voz de prisão pela vagabundagem que o levou, tal como ele planejava, à contraditória segurança de uma prisão (americana, é claro!).

Renovamos as bebidas.

- E o caso de Lady Gaga salvando o rapaz que queria suicidar-se? Pergunto ao meu amigo.

Aqui - diz Moneygrand -, a vida surge na potência dos encontros entre os extremos sociais. De um lado, a celebridade na qual projetamos tudo de bom (ela existe precisamente para isso); e, do outro, alguém vivendo a terrível experiência de chegar ao fundo do poço.

Quando os extremos se encontram, você testemunha o drama das relações polares: os gênios encontrando os pobres de espírito; os poderosos encontrando os comuns; os muito ricos diante dos miseráveis. Os santos (que vivem a paz da eternidade) aparecendo para os puros de coração (que, entretanto, convivem com a mortalidade e o sofrimento).

O mundo real treme e soluça nesses encontros.

*

Se você visitar, prosseguiu o meu amigo, na Universidade de Nova Caledônia o Bar dos Veteranos, lá - depois de uns copos de cerveja - todos vão lhe explicar "a teoria do sucesso". Ela tem três proposições ou princípios:

1. Você sabe que tem algum sucesso quando alguém o reconhece em algum lugar. 2. Você sabe que tem muito sucesso quando todos o reconhecem em todos os lugares. 3. Você sabe que é uma celebridade quando as pessoas duvidam que você esteja no lugar onde elas estão!

Isso ajuda a compreender o desejo de tocar no ídolo e o arrebatamento dos "fãs". Uma palavra que vem de fanático - aqueles que aderem a uma divindade e por ela se consideram inspirados. Ora, o fanzoca de hoje é uma encarnação do velho devoto.

Aquele que situa o seu ídolo numa esfera superior. Daí a convulsão do encontro pessoal que suprime a distância. Supressão sempre delicada porque se ao famoso é atribuído aquilo que nos falta; pode também acontecer a descoberta que, de perto, a celebridade é uma besta quadrada.

Contaram-me que quando o "artista de cinema" Errol Flynn veio ao Rio, uma mulher escondeu-se no seu guarda-roupa e o assediou quando ele queria dormir. A celebridade não tinha a posse de si mesmo.

Um outro folclore cerca a mãe do cantor Tony Bennet. Ela estava gravemente enferma num hospital quando, no rádio, ouviu uma entrevista de Frank Sinatra que era indagado sobre quem seria o maior cantor dos Estados Unidos. Quando a moribunda ouviu Sinatra responder: Tony Bennet! -, ela imediatamente ficou boa e deixou o hospital.

Finalizo, disse o prof. Moneygrand, com uma parábola verdadeira, escrita pelo próprio santo no seu diário. No caso, o grande ator shakespeariano Richard Burton, que foi casado com Elizabeth Taylor (considerada a atriz mais linda do mundo), conforme ele próprio conta no livro The Richard Burton Diaries publicado pela Yale University Press em 2012.

R. Burton fazia um passeio de iate pelo lado mais pobre da Sardenha quando ele e seu grupo resolveram assistir a uma pelada de futebol jogada pelos jovens do local. Foram para a praia até que um dos jogadores, muito excitado, disse para os amigos: "É Richard Burton. É ele! É verdade, é verdade!". Felizmente, diz o autor, não acreditaram nele e o grupo ficou em paz. Mas um residente incrédulo comentou, certamente movido pelo quilate do santo, "O que, afinal de contas, Richard Burton, poderia estar fazendo naquela merda de lugar?".

Revelação profunda de como a celebrização e o vagabundo que não põe a coroa de espinhos do pobre explorado são feitas pelas pessoas banais que, afinal de contas, tocam o mundo. E, ainda por cima, amam os oprimidos pelo poder, pelo dinheiro e pelo talento.

CBF! Como Bagunçar o Futebol! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 22/01

E o ministério da Dilma não é um ministério, é uma rave! Plataforma da estação de metrô da Sé às 18h!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Aniversário de SP: Caminhada no Tatuapé". E uma amiga falou que o Galeão inventou um novo tipo de aeroporto, o AEROFORNO! Você compra uma passagem e ganha uma sauna. Ela estava se sentindo uma costela no bafo! Aeroporto Costela no Bafo!

E tô adorando o François Hollande, presidente da França, ser amante da atriz Julie Gayet! Ele só pega gatas, e com aquele cara de bolacha Maria! E isso é notícia? Já viu algum francês sem amante? E Gayet é "galho" em francês? Rarará!

E o próximo ministro da Casa Civil vai ser o Mercadante, com aquele bigode estilo rodapé de periquita! Ministro Rodapé de Periquita! Rarará!

A Dilma tá reformando o cemitério! Ops, o ministério. Ops, o Sinistrério! Ministério dos Sinistros! A Dilma Grande Chefe Touro Sentado tem uns 800 ministros! Duvido ela lembrar o nome de todos! Sabe como ela vai dar posse pro próximo ministro? "Tenho orgulho de empossar no ministério... que ministério é esse mesmo?". Qualquer um!

Parece aquela funcionária no aeroporto de Salvador: "Atenção, passageiros da Gol, voo número 9789, portão... qual é o portão mesmo, Rosângela?". E o aeroporto caiu na maior gargalhada, é verdade!

E o ministério da Dilma não é um ministério, é uma rave! Plataforma da estação de metrô da Sé às 18h!

A próxima reunião ministerial será no estádio Mané Garrincha. Tá vendo pra que serve estádio multiuso? Rarará!

E continuo estarrecido com esse escândalo da CBF: "CBF oferece R$ 4 milhões para a Lusa continuar na série B e calada". Se fosse o Vasco, eles iriam oferecer um caminhão-pipa. E se fosse o Flamengo eles iriam oferecer 4 milhões de tijolos pra construir um estádio. Rarará! E se fosse o Corinthians eles iam usar o dinheiro pra pagar as fianças.

E CBF quer dizer Como Bagunçar o Futebol! Rarará.

É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Sábia pichação num muro em São Paulo: "Não pise em ninguém para subir de DREGAL!". Rarará! E essa aqui em Conde, na Bahia: "Pastelaria Vai Demorar". Não resta a menor dúvida. E se pedir caldo de cana, é só pra 2015! Rarará! E em Porto Alegre tem uma acompanhante travesti chamada Bruna MASTROnelli! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Caçadores da credibilidade perdida - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 22/01

Diante do fracasso de sua política, o BC tenta, tardiamente, recuperar a credibilidade perdida


O BC surpreendeu os analistas ao elevar a taxa Selic para 10,50% ao ano na semana passada, enquanto a projeção da maioria (e minha também) era 10,25% ao ano. Só não chegou a ser uma surpresa completa porque os preços prevalecentes às vésperas da reunião do Copom embutiam uma probabilidade grande (mas não a certeza) do aumento de meio ponto percentual.

Com esse resultado, é bastante provável também que a Selic, ao final deste ciclo de aperto monetário, atinja 10,75% ao ano, o mesmo nível observado no início do atual governo, se não ainda um pouco mais elevada (talvez 11% ao ano).

Descontadas as (elevadas) expectativas para a inflação nos próximos 12 meses, a taxa real de juros se encontra ao redor de 4,5% ao ano, bastante superior aos 2% ao ano estabelecidos pela presidente como objetivo para seu governo, mas insuficiente para domar a inflação, que teima em permanecer na casa dos 6% (ou mais).

Precisamente em razão da resistência da inflação se espera que o BC seja forçado a um segundo ciclo de elevação da taxa de juros, devidamente passadas as eleições.

Para um governo que se propôs a fazer o país crescer forte, com inflação na meta e juro de 2%, os resultados observados nos últimos anos (todos sabemos, mas vale repetir: crescimento medíocre, inflação alta e sendo forçado a voltar atrás no seu objetivo de juros) deveriam levar a uma reflexão profunda acerca dos rumos de política econômica. Como não há a menor chance de que isso ocorra, ofereço as minhas ponderações, sem, é claro, nenhuma esperança de que sirvam para o aprendizado dos (ir)responsáveis de plantão.

Conforme alertei quando o BC promoveu o "cavalo de pau" na gestão da política monetária, em agosto de 2011, a redução na marra das taxas de juros nos custou muito. Mesmo com o "apito amigo" (a mudança no cálculo do IPCA, que reduziu o índice em 0,7% em 2012 e, mais recentemente, os contro- les dos preços administrados), a inflação não convergiu à meta. Pelo contrário, a tendência tem sido de aceleração.

Ademais, ao continuar reduzindo taxas de juros com a inflação em alta, o BC conseguiu demolir a credibilidade conquistada em anos anteriores. As expectativas de inflação, que antes se agrupavam ao redor da meta, hoje se situam confortavelmente acima dela, algo como 1,5 ponto percentual em 2014 e 1 ponto percentual no ano que vem. Apenas esse desenvolvimento já forçaria o BC a trabalhar com uma taxa de juros entre 1 e 1,5 ponto percentual a mais do que seria requerido caso tivesse mantido as expectativas sob controle, mas o impacto não se encerra aí.

Ninguém sabe o valor preciso, mas estima-se que, para trazer a inflação de volta à meta (e apenas ao fim de 2015), o BC teria que elevar a Selic para mais de 12% anuais ainda no primeiro semestre deste ano. Em contraste, se tivesse feito seu trabalho quando havia tempo e credibilidade para tal, hoje muito provavelmente poderia manter a Selic abaixo de 10% ao ano com a inflação controlada.

Não o fez por subserviência a um governo voluntarista que acredita dominar todos os botões necessários para controlar o funcionamento da economia, da taxa de juros ao retorno requerido pelos empresários na operação dos seus negócios, passando, é claro, pela taxa de câmbio "Cachinhos de Ouro", nem quente o suficiente para acelerar a inflação nem fria o bastante para desestimular a indústria nacional.

Diante do fracasso retumbante de sua política, o BC tenta, tardiamente, recuperar a credibilidade perdida. No entanto os limites à sua ação ficam claros na própria comunicação aos mercados. Ao sugerir que sua atitude mais dura se limita ao atual momento e evitar um compromisso mais forte com a meta de inflação, o BC revela não dispor da autonomia para fazer o necessário no campo da política monetária.

Da mesma forma que em 2011, tal política ainda há de nos custar caro, mas certas lições parecem nunca ser aprendidas.

A alta da maré - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 22/01

Velho ditado inglês diz que é na maré baixa que aparecem aqueles que estão nadando pelados.

Ao longo dos últimos três anos, o governo Dilma atribuiu o baixo crescimento da economia brasileira à crise mundial, ou seja, à maré baixa. Pois ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou seu novo relatório sobre as perspectivas da economia mundial, com a boa notícia de que, depois de seis anos vazante, a maré está subindo. A previsão é a de que o crescimento global será de 3,7%, acima dos 3,0% de 2013, para o qual apontam os cálculos mais recentes (veja o gráfico).

Seria boa oportunidade para que o Brasil escondesse o bumbum exposto, porque, afinal, a melhora dos negócios implica aumento das encomendas, avanço das exportações e tal.

E, no entanto, mesmo com a melhora das promessas de recuperação global, as projeções para a economia brasileiras continuam decepcionantes. Em vez de crescer 2,5% e 3,2%, em 2014 e 2015, como projetado pelo FMI em outubro, o PIB do Brasil não avançará mais do que 2,3% e 2,8%, respectivamente, como consta no documento.

Ainda assim, são números melhores do que os apontados aqui pela Pesquisa Focus, o levantamento semanal feito pelo Banco Central com mais de cem institutos de análise do Brasil. O mais recente, divulgado dia 20, projeta um avanço do PIB de apenas 2,0% em 2014 e de 2,50% em 2015.

A informação mais preocupante não é a repetição de um desempenho baixo em mais dois anos. É o desempenho pior do Brasil não apenas em relação ao resto do mundo, mas, também, em relação aos emergentes. O México, por exemplo, deverá se expandir neste ano 3,0% e a África do Sul, 2,8%.

Até mesmo outro provérbio inglês sobre o mesmo tema ("quando a maré sobe, todos os barcos sobem junto") não é aplicável ao Brasil. O barco, bem mais pesado, não sobe com os demais.

O ritmo dos investimentos continua insatisfatório; o mercado de trabalho está esticado demais; a inflação alta e o rombo externo crescente são obstáculos para a melhora; e o ambiente reflete um desânimo bastante disseminado, o que também não ajuda.

De todo modo, as projeções ontem divulgadas não foram elaboradas pelos redatores de relatórios tupiniquins, supostamente atacados pela síndrome do pessimismo, como vem insistindo o governo. Foram elaboradas pelos analistas do FMI. Eles podem estar errados, como algumas vezes estiveram, mas são avaliações levadas em consideração pelos grandes centros globais de investimento e tendem a piorar a percepção, que já não é boa, a respeito do comportamento da economia brasileira.

Se o governo quer convencê-los do contrário terá de fazer mais do que simplesmente reforçar uma ofensiva de relações públicas, como a que está fazendo agora no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Terá de mostrar resultados, o que é mais difícil enquanto prevalecer a atual orientação do governo de não aprofundar soluções para não colocar em risco as eleições deste ano.

Retratinho do Brasil no FMI - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/01

Fundo faz alerta de riscos para 'países emergentes' em 2014; carapuça cabe bem no Brasil


NA REVISÃO das estimativas do FMI para a economia mundial, publicada ontem, há uma espécie de retratinho do Brasil. As perspectivas para 2014 estão ainda melhores para a média do mundo inteiro, mas não para o Brasil. Para piorar, vários dos trechos do pequeno relatório encaixam como uma carapuça puída na nossa cabeça.

Dado o histórico de erros, quando não perversidades, a gente tende a ler os textos do FMI com o pé atrás. Mas, sob o excelente e ponderado Olivier Blanchard (economista-chefe do Fundo), pode-se economizar nos grãos de sal.

De mais interessante, há o alerta de riscos para "economias emergentes". Em geral, os alertas não estão associados explicitamente ao Brasil. Porém, o retrato falado parece nos descrever. De resto, no caso do Brasil a revisão da estimativa de crescimento foi para baixo.

"Muitas outras economias emergentes e em desenvolvimento começaram a se beneficiar de uma demanda externa mais forte em economias avançadas e na China [que passaram a consumir e importar mais]", escreve o pessoal do FMI, não pensando no Brasil. Em muitas economias, porém, "incertezas de política [econômica]" e "gargalos" prejudicam os investimentos --como aqui.

Até agora, segundo o FMI, as reações à mudança da política monetária dos Estados Unidos, que começou em dezembro, foram pequenas. Mas realocação de investimentos financeiros e saídas de capital provavelmente devem ocorrer como resultado do fim do despejo de dinheiro do banco central (Fed) na economia americana. Isto é, o dinheiro deve migrar de "emergentes" para os EUA.

"Quando combinada com fraquezas domésticas, as consequências [da mudança nos EUA] podem ser saídas agudas de capital e ajustes da taxa de câmbio ("fuga" de dólares e desvalorização do real, como já temos visto)."

Não se trata de novidade que a banca mundial tem colocado o Brasil no grupo de meia dúzia de países mais sujeito a tais problemas.

Quais são essas "fraquezas domésticas"? Governos que suscitam dúvidas sobre sua capacidade de controlar suas dívidas (que têm déficits demasiados), além de inflação e deficit externos chatinhos.

O Brasil não apresenta números dramáticos nesses quesitos, mas as contas públicas pioraram nos últimos três anos, a inflação é persistente faz quatro e o deficit em conta-corrente cresceu rapidamente por meia década. Economias com tais deficiências "precisam administrar o risco de potenciais reversões do fluxo de capital".

O que fazer, na visão do FMI? Permitir que o real se desvalorize (o que tende a reduzir do deficit externo). Mas desvalorizações aceleram a inflação. O que fazer? Apertar a política macroeconômica (reduzir gastos do governo, elevar a taxa de juros), diz, para não variar, o FMI.

Enfim, isso tudo quer dizer que o Brasil está à beira de enfrentar uma fuga atropelada de dólares? Não. Além do mais, ninguém sabe do ritmo da mudança na política econômica americana, menos ainda da reação que tal mudança vai suscitar.

Ainda assim, mesmo que os EUA não nos causem tumulto maior, o diagnóstico a respeito das fragilidades brasileiras continua valendo. Enfim, no momento, grosso modo não temos alternativa à receita-padrão do Fundo.

A perda de eficácia da política monetária - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO -22/01

Uma das conquistas macroeconômicas do Brasil na última década e meia foi ter aumentado a eficácia da política monetária. À medida que ficou claro o compromisso das autoridades com a desinflação, menor se tornou o esforço do Banco Central (BC) para conter reajustes de preços e colocar o IPCA na meta ou próximo dela.

A má notícia é que isso não está ocorrendo no atual ciclo de aperto monetário, iniciado em abril do ano passado. Desde então, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) de 7,25% para 10,50% ao ano e, mesmo assim, já considerada a defasagem dos efeitos do aperto sobre a atividade econômica, estimada em algo entre seis e nove meses, a inflação não cedeu.

Na verdade, nas últimas semanas o IPCA acelerou. O resultado de dezembro (0,92%) surpreendeu negativamente e as primeiras prévias de janeiro confirmam aceleração de preços. O IPC-Fipe registrou alta de 0,83% na segunda quadrissemana de janeiro e o IPC-S, da Fundação Getúlio Vargas, avanço de 0,85% na segunda prévia do mês.

Quando o Copom iniciou o ciclo de alta da Selic, em abril, o IPCA em 12 meses acumulava variação de 6,49%. Nos meses seguintes, o índice subiu, estourou o limite superior do intervalo de tolerância em junho - 6,70% -, recuou nos meses seguintes, mas aumentou em seguida, fechando o ano em 5,91%. Decorridos, portanto, nove meses, a inflação, em vez de cair, voltou a subir.

Não foi sempre assim. Uma análise dos últimos cinco ciclos de aperto monetário mostra que a eficácia da política de juros aumentou ao longo do tempo (ver gráfico). Os ciclos se tornaram menores em duração e intensidade.

No primeiro ciclo, o Copom começou a aumentar a Selic em outubro de 2002, num ambiente de grande turbulência. Os mercados reagiam exasperados à possibilidade de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição e, por isso, a taxa de câmbio sofreu forte desvalorização, o país esteve à beira de dar um calote na dívida e o IPCA foi a 12,53% nos 12 meses concluídos em dezembro.

Naquele ciclo, o juro saiu de 18% em setembro de 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e foi a 26,50% em plena gestão Lula. Foi o que se pode chamar de choque de juros. E deu certo. Depois de chegar a 17,24% nos 12 meses até maio, a inflação recuou nos meses seguintes, caindo a 5,15% em maio de 2004.

Na sequência, o IPCA voltou a acelerar, o que levou o BC a iniciar, em setembro de 2004, novo ciclo de alta da Selic. Desta vez, o processo foi mais longo que o anterior, embora menos intenso - a elevação limitou-se a 3,75 pontos percentuais.

Mais uma vez, o ciclo funcionou. A inflação, observada nove meses à frente, recuou. O ciclo foi o mais bem-sucedido: o IPCA terminou 2006 no menor patamar do regime de metas (3,14%) e no segundo menor desde o lançamento do Plano Real, em 1994.

O BC foi criticado por derrubar a inflação abaixo da meta (4,5%). É bom lembrar, entretanto, que isso foi feito sem perda dramática de atividade econômica. Depois de variar 5,71% em 2004, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 3,16% em 2005 e 3,96% em 2006. Em 2007, cresceu 6,09% e a inflação ficou na meta (4,46%).

No início de 2008, porém, o IPCA voltou a acelerar, pressionado pelos preços das commodities e pelo crescimento da economia acima do potencial. Em abril, o Copom iniciou novo aperto monetário, que durou pouco porque, em setembro, eclodiu a fase mais aguda da crise mundial, com a quebra do banco Lehman Brothers.

O BC mostrou que estava certo. Mesmo com a crise, que paralisou a atividade no último trimestre, o IPCA de 2008 chegou a 5,90%. No ano seguinte, o país passou por uma recessão e a inflação ficou um pouco abaixo da meta (4,31%). Diante de fortes estímulos fiscais, a economia saiu rapidamente da crise, acelerou o passo do crescimento e a inflação voltou a ficar pressionada, obrigando o Copom a iniciar novo ciclo de alta dos juros.

Aquele ciclo foi interrompido na segunda metade de 2010 - claramente, por causa da eleição -, em meio à ocorrência de choques de oferta que, assim como o crescimento acima do potencial, pressionavam os preços. O ciclo foi reiniciado já na gestão Dilma Rousseff e interrompido em agosto, sob a justificativa do recrudescimento da crise na Europa.

Com exceção do atual, em todos os ciclos os juros subiram, a atividade recuou e a inflação caiu. No atual, os juros aumentaram, o produto, que já vinha andando de lado, continuou recuando, mas a carestia não diminuiu.

Há várias explicações para a resistência inflacionária neste momento. Uma delas é que, nos ciclos de aperto monetário anteriores, o esforço do BC foi acompanhado por uma política fiscal contracionista, que ajudou a diminuir a demanda agregada. Não é o caso agora, o que torna desafiadora a tarefa do Copom.

Há dois anos, o governo Dilma implantou deliberadamente uma política fiscal expansionista e não pretende abrir mão dela. O resultado é este: o BC eleva os juros, piora o resultado fiscal por causa do aumento da despesa do governo com o serviço da dívida e, mesmo com o PIB rodando baixo, não consegue segurar o IPCA. O juro real (descontada a inflação) já está em 4,67% ao ano, quase três vezes o patamar de nove meses atrás, quando o Copom decidiu iniciar o atual ciclo de aperto monetário, que, nessas circunstâncias, pode vir a ser o mais severo desde 2002.

Meu interesse nacional, seu interesse nacional - MARCELO DE PAIVA ABREU

O Estado de S.Paulo - 22/01

O senador Aécio Neves deu a partida na definição de seu futuro programa de governo com o documento Para mudar de verdade o Brasil. Confiança. Cidadania. Prosperidade. Suas ideias quanto à economia brasileira se limitam, a esta altura da partida, ao diagnóstico dos muitos equívocos do atual governo e de incitações à mudança, sem grandes propostas quanto a correções de rumos.

O documento concentra a atenção na falta de transparência de políticas públicas, na perda de competitividade da indústria e no isolamento do Brasil em relação ao resto do mundo, com nova política externa que preserve adequadamente o "interesse nacional, acima de todo e qualquer interesse partidário".

A perda de competitividade das exportações brasileiras merece ocupar posição central nas preocupações do candidato. As carteiras de empréstimos e transferências a fundo perdido dos órgãos públicos devem ser transparentes e refletir ênfase absoluta em inovação. A condução de políticas industriais, de inovação e correlatas deve ser centralizada e coordenada com a política de comércio exterior, abandonando-se o modelo atual de "colcha de retalhos".

Que o isolamento do Brasil em relação à economia mundial se deve à "partidarização" da política externa e suas implicações sobre a política econômica externa é sabido. Mas é preciso meditar sobre as razões que explicam a imposição de um claro viés ideológico à política externa brasileira desde 2003. O sucesso da triangulação Garcia-Amorim-Guimarães na imposição desse viés sugere grande fragilidade institucional do Itamaraty quanto a qualquer ambição de ter influência efetiva na formulação da política externa.

O PT, vitorioso nas eleições desde 2002, naturalmente pretendeu implementar suas ideias sobre política externa. O que talvez tenha surpreendido tenha sido a débâcle das correntes críticas do viés ideológico aplicado à política externa. É claro que a capacidade de resistência a pressões do Planalto sempre será modesta, mas a diplomacia brasileira terá dificuldades em manter a reputação de excelência se abdicar de sua influência na formulação da política externa. Que há algum espaço de manobra, mesmo em condições adversas, é sugerido pelo contraste entre as gestões Figueiredo e Patriota no passado recente.

É necessário que se pense um formato institucional alternativo capaz de atenuar a amplitude das flutuações da política externa de acordo com o governo do dia. Talvez um conselho efetivamente representativo das diferentes correntes de opinião, inclusive com representação da sociedade civil. Mas que se afaste do modelo petista de assegurar representação aos que pensam igual ou aos que dependem da cornucópia de benesses distribuídas pelo governo. Isso, é claro, repugnará o Itamaraty, cioso de suas atribuições nominais que se vão mostrando obsoletas, mas, pelo andar da carruagem, talvez seja melhor aceitar o formato e abandonar o papel de simples executor de instruções de assessores presidenciais.

A afirmação de que o Itamaraty deve defender o interesse nacional é trivial. Os responsáveis pela política externa petista dirão que defenderam o interesse nacional.

O problema é como definir interesse nacional. Fora os temas não controversos, em geral associados à defesa da soberania, interesse nacional resulta da interação de interesses setoriais. Cabe ao governo assegurar que a assimetria entre diferentes atores não resulte em definição deformada do que seja interesse nacional. O governo brasileiro tem sido tradicionalmente ineficaz na intermediação requerida por razoável definição do que seja interesse nacional. É uma distorção a corrigir.

O Brasil, hoje mergulhado na mediocridade e satisfeito, está precisando de uma sacudidela política. Alternância política é bom, mas um bom programa de governo seria muito melhor. Esperemos.

Entre juros e inflação - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/01

Três empresários entrevistados pela coluna não tiveram dúvidas ao responder o que é pior: juros altos ou inflação? Todos acham que, para o setor produtivo, o que mais atrapalha é a inflação, que aumenta o custo das empresas. Por isso, entendem a necessidade de o Banco Central subir a Selic. O problema, dizem, é que também é preciso que o governo corte gastos e faça reformas. Isso não tem acontecido.

Há algumas diferenças entre a visão do empresariado e a do sistema financeiro sobre a economia brasileira. O pessimismo ficou maior nos bancos e nas consultorias; já o empresário, embora reconheça um cenário mais difícil, tenta manter a expectativa de que o futuro vai ser melhor e cita as baixas taxas de desemprego e o consumo forte.

— O Brasil não estava nem tão bem quanto muitos achavam em 2010 nem está tão mal agora. Nosso faturamento continua crescendo a taxas de dois dígitos. O natal veio abaixo do esperado, mas houve o black friday pouco tempo antes e as liquidações de janeiro foram boas — avalia o presidente da Positivo Informática, Hélio Bruck Rotenberg.

— Para a nossa indústria, 2013 não foi um desastre. Não foi um ano excelente, mas foi um bom ano, lançamos 180 produtos novos, o plano de investimentos foi mantido e o Brasil continua sendo o segundo maior mercado da nossa empresa no mundo — disse João Carlos Brega, CEO da Whrilpool Latin America.

Quem destoa desse cenário é o diretor-secretário da Abimaq, Carlos Pastoriza. Ele explica que a alta dos investimentos medida pelo IBGE — 9,6% de janeiro a novembro — não reflete a situação do setor de máquinas porque é a produção de caminhões que tem puxado o indicador para cima. Ele explica que o segmento de máquinas-ferramenta acumula queda de 50% em cinco anos, e que apenas as máquinas agrícolas estão com
vendas aquecidas.

— Nosso setor teve qu 3,4% em 2012 e de 5% em 2013. Esperamos nova retração em 2014. Há um processo silencioso de desindustrialização no Brasil. As empresas estão virando importadoras e maquiladoras. O déficit comercial do setor de máquinas chegou a US$ 20 bi em 2013.

Pastoriza é cético em relação ao baixo desemprego. Acha que o país tem gerado muitas vagas de baixa qualificação, e isso explica porque há tanta gente trabalhando e ainda assim o PIB continua fraco.

— Não temos criado vagas em setores importantes, que têm efeito multiplicador e geram valor agregado para a economia. São milhares de empregos em call centers, por exemplo, setores ligados a serviços que exigem baixa capacitação — disse.

De qualquer maneira, o número forte de empregados mantém o comércio aquecido e isso favorece empresas ligadas ao consumo. O que realmente tem incomodado o empresário, de qualquer segmento, é a inflação alta e o aumento dos juros. Ainda assim, tendo que escolher, os empresários ouvidos acham que é melhor subir os juros para combater a alta dos preços.

— Sempre vamos reclamar da Selic, que encarece o custo do capital. Mas, com a inflação crescendo, não há outro jeito. O ideal seria subir juros, no curto prazo, e fazer reformas e cortar gastos públicos. Com inflação de 6%, 7%, há aumento de salário que chega a 10%. A produtividade não acompanha — disse Rotenberg.

Sem saber o que havia dito Rotenberg, a resposta de João Carlos Brega foi semelhante:

— A inflação preocupa, principalmente a indexada, que está mais ligada aos salários, como o mínimo. Aumento de produtividade de 7% em um ano não existe, e há salários crescendo nessa magnitude — afirmou.

O dólar alto, como já dissemos aqui, tem sempre duas faces. Se ele ajuda as empresas ligadas à Abimaq, fazem mal à Positivo e a Whirlpool, que trabalham com componentes eletrônicos de preços internacionais, mesmo se foram fabricados no Brasil.

Política - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 22/01

Um voo rápido sobre as notícias que encerraram 2013 revela uma curiosa dicotomia. Aparentemente, nossos analistas não se distinguem pela objetividade, mas pelas crenças que cultivam e que insistem em apresentar como resultado de "suas ciências". Grosseiramente podemos reduzi-los a dois grupos.

De um lado, os que se consideram "certinhos" e que se creem neoliberais. No fundo, acreditam que há uma ordem "natural" na organização econômica da sociedade através de "mercados". Ela pode ser "revelada" pela análise da ação dos agentes em resposta aos incentivos que aqueles lhe proporcionam.

Caberia ao Estado apenas garantir o desimpedido funcionamento dos mercados (propriedade privada) e providenciar o fornecimento de bens públicos (segurança, justiça, valor da moeda etc.) que não podem ser eficientemente produzidos por ele. A combinação (de mercados com Estado) levaria à utilização "ótima" dos fatores de produção e à satisfação máxima dos agentes. E, naturalmente, ao nível "natural" do desemprego. A intervenção do Estado é, portanto, dispensável e, no limite, perturbadora do equilíbrio "natural".

Do outro lado, a fauna é mais interessante e se crê heterodoxa. Inclui toda sorte de contestadores da existência daquela "ordem": keynesianos e marxistas em todos os seus infinitos matizes, neodesenvolvimentistas, ecologistas, politicólogos, historiadores, geógrafos, niilistas, anarquistas e "tutti quanti". Cada um deles com seu próprio diagnóstico dos problemas e, obviamente, com receita infalível para resolvê-los desde que lhes seja dado ilimitado "poder" para implementá-la. Felizmente eles não o têm. Quando o tiveram, produziram os desastres do século 20.

Se, de um lado, é evidente que não existe ordem "natural" no universo econômico, do outro é também evidente que não é possível superar impossibilidades físicas (como distribuir o que não foi produzido) com medidas que pareçam "politicamente corretas". O fracasso do "poder" é sempre justificado pela falta de "mais poder", até atingir o "poder absoluto".

O caminho mais custoso para enfrentar problemas é o de ruptura com o sistema vigente e de entrega a um ente "sobrenatural", portador da santíssima trindade: a onipotência, a onipresença e a onisciência do partido incontestável, como sugerem nas entrelinhas alguns dos nossos contestadores...

Um exemplo da divisão é o respeito sacrossanto do primeiro grupo e o desprezo do segundo pela opinião das agências de "ratings". Nem uma coisa nem outra, mas é inútil ignorá-las, porque o "mercado" não as ignora...

Como insistiu o grande J. K. Galbraith, "a política não é a arte do possível. É a escolha entre o desagradável e o desastre".

No campo anuncia-se o silêncio - ZANDER NAVARRO

O Estado de S.Paulo - 22/01

Novos estudos internacionais vêm revelando os impactos da recente crise econômica mundial na agropecuária e nas sociedades rurais. São conjunturas dramáticas sob as quais se impõe a lei da selva, pois os governos hesitam e as estruturas de proteção social se enfraquecem ante os inevitáveis conflitos em torno do acesso aos recursos. Corroída a legitimação da autoridade, a instabilidade econômica e a insegurança política se aprofundam. É quando os mais fortes tendem a prevalecer.

As pesquisas demonstram tendências similares em curso na agricultura dos Estados Unidos e no conjunto dos 27 países da União Europeia. São regiões que realizaram censos agrícolas pós-2008, permitindo avaliações comparativas dos efeitos do trauma econômico no mundo rural. Entre inúmeras conclusões, eis algumas: concentração da produção, o peso da tecnologia se torna decisivo, o assalariamento quase desaparece e, também, os chamados produtores médios vão sendo encurralados, diante do avassalador domínio das propriedades de larga escala. O rural encolhe e, com a escassez da mão de obra, discute-se até o uso de robôs no ciclo produtivo. Mas nas duas regiões cresce o número de micropropriedades, em razão de entrantes que não são agricultores, mas cidadãos urbanos que aspiram a ter um "pé na natureza" - ou, então, porque fogem da crise.

E o Brasil? Estaria o País observando as mesmas mudanças? As pesquisas não são conclusivas nem temos ainda os censos para comparação. A crise econômica, no caso específico da agropecuária, não produziu efeitos negativos, pois os preços dos alimentos no geral subiram ao longo dos últimos anos, beneficiando os produtores, assim como expandimos nossas exportações e cresceu a demanda interna. Cada vez mais concentrada, a agricultura brasileira afirmou-se como uma operosa máquina de produção e acumulação de riquezas, salvando os saldos comerciais e contribuindo decisivamente para a manutenção da estabilidade macroeconômica, mesmo nos momentos mais graves da crise.

Se o desempenho produtivo, tecnológico e financeiro foi espetacular nesse período, também teria sido assim sob outros focos? De fato, o principal desafio no campo brasileiro é social, pois em todos os Estados é alarmante o abandono da atividade, sobretudo pelos moradores mais jovens. A pobreza persistente, o acirramento concorrencial que concentra a produção, a atração do emprego urbano e as facilidades migratórias são alguns fatores que têm contribuído para o êxodo do campo. O resultado é a gradual reconfiguração de uma nova sociedade rural. Quem estaria permanecendo nessas regiões?

Primeiramente, o maior grupo social: um conjunto envelhecido formado pelos "pobres do campo" com acesso à terra. Constituem a vasta maioria, mas parte expressiva dos membros jovens das famílias foi embora, deixando para trás, quase invariavelmente, um casal de idosos que vive de aposentadoria ou de algum auxílio estatal. Talvez em um decênio, contudo, é geração que passará, deixando imensa lacuna demográfica e promovendo a desertificação populacional em nosso vasto interior.

Numericamente, o segundo agrupamento mais expressivo é formado por uma típica classe média de pequenos produtores com algum grau relevante de integração econômica e moderna atividade produtiva. Se os primeiros, em maior proporção, moram no Nordeste rural, esse segundo grupo ocupa propriedades, particularmente, no Centro-Sul. Respondem pela maior proporção da produção de diversos ramos, da avicultura à floricultura, da suinocultura à produção de vários tipos de frutas, da horticultura à fumicultura. Mas atenção: embora agricultoras, essas famílias já moram em grande número nas cidades e encontram bloqueios crescentes na sucessão familiar, pois seus filhos nem sempre querem assumir o negócio.

O terceiro conjunto a destacar é formado pelos assalariados rurais, usualmente sem terra. São trabalhadores que vivem uma situação curiosa: os salários estão subindo, mas também crescem as exigências do ofício, cada vez mais especializado, pois a agricultura tecnologicamente avançou muito. Como são trabalhadores de baixíssimas escolaridade e capacitação profissional, a maior parte vai engrossando as correntes migratórias que deixam o campo. E assim, com a redução da oferta de mão de obra, os salários sobem ainda mais e os empregadores, gradualmente, vão trocando por máquinas o trabalho manual que antes prevalecia. A consequência é uma notável onda de mecanização que vai transformar ainda mais a face agrícola do Brasil.

Há ainda um reduzido estrato: são os endinheirados, mas não necessariamente os super-ricos, como às vezes se apregoa. Parte é uma classe média rural com rendas mais altas e parte, a burguesia agrária. Moram nas cidades, mas supervisionam seu negócio. São produtores que enfrentam iguais problemas de sucessão na atividade, pois seus filhos, quase sempre educados em outras profissões, não se interessam pelo campo.

Sobrariam outros grupos menores, como comunidades indígenas e quilombolas. E há os assentados, que deveriam ser expressivos. Afinal, seria um conjunto de 1,25 milhão de famílias em 8,8 mil assentamentos, ocupantes de 88 milhões de hectares, quase equivalentes à área total de Mato Grosso. Mas a reforma agrária é um rotundo fracasso: boa parte dos beneficiários desistiu, deixando rarefeitos os assentamentos, em especial do meio do País "para cima", sobretudo no Nordeste e no Norte.

Confrontado com esse inquietante contexto de mudanças, surpreende o imobilismo governamental e espanta a omissão do sindicalismo que deveria representar os mais pobres. Ignoram a nova urgência social - "salvar a pequena produção"! - e parecem concordes com a tendência de esvaziamento do campo e o inchamento das cidades brasileiras. Cada vez mais, as regiões rurais perdem vozes e ganham o silêncio.

Condenada à mediocridade - ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

FOLHA DE SP - 22/01

Para melhorar a gestão das universidades brasileiras, é preciso coragem política para adotarmos a fórmula da Organização Social


Desde seus tribulados primeiros passos, talvez em Bolonha (Itália), a instituição que hoje chamamos de universidade teve uma missão monolítica, a saber, gerar e difundir conhecimento. Embora ainda haja equívocos quanto à sua missão, um grande progresso foi alcançado quanto à compreensão da sua importância para a civilização.

Após 40 anos de proselitismo, parece que algumas verdades finalmente se tornaram autoevidentes. Hoje todos reconhecem que sem capacitação tecnológica não há desenvolvimento econômico, como também que sem atividade de pesquisa em ciência não há inovação. Concluímos que sem universidades de qualidade não há desenvolvimento econômico e social.

Pois bem, enfrentemos a trágica realidade. O ranking de universidades de maior credibilidade do mundo, o "Times Higher Education", examinou as 400 melhores. A USP ficou entre a 226ª e a 250ª posição. A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) entre a 301ª e a 350ª.

A humilhação é maior quando se compara universidades de países em desenvolvimento. O Brasil não está entre as dez primeiras e possui apenas uma entre as 20 primeiras, a USP. Já a Turquia, por exemplo, cujo PIB é um terço do brasileiro, tem três universidades entre as dez primeiras e cinco entre as 20 melhores.

Entre as cem melhores, o Brasil tem à sua frente a China, Taiwan, Turquia, África do Sul e Rússia. Não é uma vergonha? A universidade brasileira se tornou um organismo em que quem decide não são os neurônios, mas o tecido adiposo.

Resta-nos, pois, a tentativa de identificar as razões do fracasso. Alguns vão dizer que é a falta de apoio de governos. Não conheço um projeto qualificado que tenha ficado sem financiamento. Conheço, sim, vários projetos medíocres que apenas desperdiçam recursos preciosos.

O desempenho de nichos de excelência no Brasil e de pesquisadores brasileiros no exterior mostra que aptidão para a pesquisa não é problema. É possível que a razão fundamental seja a gestão. Vamos, pois, comparar as características institucionais das universidades brasileiras com as das melhores do mundo.

Aqui, elas costumam ser estatais. Lá, em geral, são instituições privadas ou autarquias independentes. Aqui, o funcionário, por ser público, tem estabilidade prematura. Lá, a estabilidade é precária e só é obtida no final da carreira. Aqui, o Conselho Universitário é corporativo e gigantesco. Lá, o Conselho de "Trustees" tem representantes da sociedade civil, externos à universidade. Aqui, o processo de escolha de dirigentes se dá por eleição interna. Lá, é mista. Aqui, ocorre uma proliferação de comissões e comitês. Lá, o número é limitado, concentrando o poder.

Uma solução, mantendo-se a administração direta, é impossível. Portanto, só resta uma possibilidade: a adoção da fórmula Organização Social, já testada com sucesso no setor de pesquisas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, cujas características de gestão são idênticas àquelas das melhores universidades do mundo. Todavia, essa iniciativa não depende apenas de vontade política, mas, antes, de coragem política.

A solução está com o povo - MARIO CESAR FLORES

O Estado de S.Paulo - 22/01

Duas estruturas institucionais controlam hoje o Brasil. A primeira, o governo de coalizão - um modelo imposto pela existência de dezenas de partidos programática e doutrinariamente amorfos, mais propensos à participação no poder e seu usufruto do que aos grandes projetos nacionais -, em que a repartição de cargos e a liberação de recursos de interesse paroquial eleitoreiro dos congressistas asseguram o apoio ao viés populista-voluntarista do Executivo. A segunda, a burocracia administrativa preenchida (aparelhada...) menos pelos critérios de capacitação e mérito e mais pela conveniência política.

Como em qualquer esquema de poder, o funcionamento do brasileiro depende da competência e da consistência ética de sua base estrutural - o poder político eleito. Poder político lato sensu: a responsabilidade estende-se aos Legislativos da União, dos Estados e municípios, embora nosso povo, indiferente à (ou desconhecendo a) dinâmica completa da democracia, só se interesse (quando se interessa) pela eleição dos Poderes Executivos. Em destaque a do presidente da República, que, na mão inversa à Federação sadia, a centralização tributária transforma no agente de nossa ilusão cultural de que o Estado pode tudo.

O pecado original do esquema está, portanto, na formação (na eleição) de sua base estrutural, que, prejudicada pela vulnerabilidade do povo à ilusão, não assegura valor adequado ao produto. Políticos dos vários partidos "surfam" na onda do brasileiríssimo "me engana que eu gosto", valendo-se da publicidade inebriante e fantasiosa (a propagada pela televisão impacta sem precisar ler e entender) orquestrada por marqueteiros hábeis na criação de imagens míticas, no travestir meias-verdades e fantasias em verdades e fatos e no "vender" ao povo boas intenções tão óbvias quanto vazias (alguém é contra reduzir a pobreza...?). E políticos já no poder acrescentam à psicose publicitária a exploração demagógica de programas assistencialistas que, a par de pertinentes - mas nem sempre aplicados corretamente -, são formadores de imensos currais eleitorais dependentes da máquina estatal controlada politicamente. A publicidade esfuziante e o uso demagógico do assistencialismo criam versões contemporâneas do "pão e circo" romano; em evidência, hoje, as bolsas disso e daquilo e a Copa do Mundo de Futebol, com seu hexa (?) e suas "arenas" à Coliseu, onde teremos futebol para divertir e anestesiar.

A dissonância entre o potencial e a realidade socioeconômica do Brasil evidencia as limitações do modelo de governo de coalizão com pandemônio partidário, conduzido pelo produto de processo eleitoral viciado e operado por burocracia politicamente aparelhada, carente de competência e firmeza ética. Dissonância transparente em projetos fantasiosos e comumente inacabados, inflação teimosa, carga tributária alta, crescimento pífio do produto interno bruto (PIB), industrialização marcando passo e balança comercial tropeçando, 85.º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, da ONU) entre 186 países, caos na saúde, transporte público e (hoje muito citado) sistema carcerário, infraestrutura logística e educação insatisfatórias. E transparente já à beira da pandemia dramática, na delinquência generalizada, da corrupção política e administrativa, sonegação de impostos e desordem e violência epidêmicas, à rotina do crime abjeto e dos delitos banais, já assimilados na cultura popular.

Um cenário dessa natureza conduz naturalmente à desmoralização da (e à desesperança na) democracia clássica. Processo já sensível no Brasil, seus sintomas estão claros na indiferença e na descrença crescentes pela política. Em particular pelos Poderes Legislativos, bem refletidos ao estilo lúdico (e no caso, irresponsável) brasileiro na eleição de personagens exóticas: Tiririca foi eleito deputado federal (votação expressiva) por seus méritos políticos ou como demonstração de insatisfação e desesperança...?

Na História a fraqueza sempre induziu a tentação do milagre. Corremos o risco de emersão da ideia - vem emergindo, sem força expressiva, embora não nula - de que em países ainda em desenvolvimento, de populações enormes, grande parte delas em déficit cultural e socioeconômico, a democracia em sua integralidade anglo-saxã não resolve, há que adaptá-la à respectiva realidade nacional. O que seria isso varia com a propensão ideológica.

Não existe a ameaça de nosso quadro melífluo desembocar no autoritarismo explícito, só imaginável com saturação social e "rolezões" nacionais de alto risco, que exigissem controle autoritário. Mas são plausíveis as alternativas "mais ou menos" democráticas. Uma delas já se instilando no Brasil: a democracia populista de tendência voluntarista (o modelo esboçado no início deste artigo) protagonizada por lideranças que, simultaneamente, falam pela grande massa e se harmonizam com o grande capital - uma mistura confusa de Getúlio do paradigma "trabalhadores do Brasil", Rousseau adaptado à multidão (minorias militantes interpretando a "vontade geral") e Marx inautêntico (socialista-capitalista). Como em qualquer regime de fisionomia voluntarista, também a moderada versão brasileira precisa de inimigos. Na moda, hoje, a liberdade de imprensa e expressão, cujo controle já foi aventado aqui e está instalado nas "democracias" (?) chavista e kirchnerista, bem vistas pelo nosso populismo voluntarista.

Resumindo: vivemos um quadro nacional confuso, à moda sul-americana. A "cambalhota institucional" é implausível, mas não a paulatina e camuflada ascensão, sem traumas e à sombra de sistemática eleitoral viciada, do modelo em que a visão voluntarista-populista do governo precede o interesse do Estado e o rigor democrático: um chavismo tupiniquim ao gosto de parte do nosso mundo político e aceito sem ponderada avaliação por parcela expressiva do povo, apático e/ou iludido.

A solução? Voltando ao início: ela depende do poder político e este, do voto do povo...

O rolezinho pode acabar em rolão - ELIO GASPARI

O GLOBO - 22/01

O neto saiu para um rolezinho. O pai lembrou-se: "Eu fui ao comício das Diretas". O avô acrescentou: "E eu, à Passeata dos Cem Mil". Se há algo de novo na praça é a degradação do que se considera como manifestação. O rolezinho é a manifestação em torno do nada. Contrapôs-se a ela uma visão policial da ordem pública.

Na sua origem, os rolês podiam ser chamados de divertimento. No século passado os Mamonas Assassinas já cantavam:

"Esse tal Chópis Cêntis
É muicho legalzinho
Pra levar as namoradas
E dar uns rolezinhos"

No último fim de semana dois deles foram claramente instrumentalizados. Em São Paulo, 150 pessoas mobilizadas pelo Uneafro levaram o shopping JK Iguatemi a fechar suas portas. Uneafro é o nome da "União de Núcleos de Educação Popular para Negros". Em Niterói, um rolê de 50 pessoas, liderado por um ex-candidato a vereador do PSOL, zoou o Plaza Shopping. No Leblon, um evento foi enfeitado por dois cidadãos que se vestiram de Batman e Coringa.

Quem vai aos shoppings é o povo e quem atende nas lojas são trabalhadores, quase sempre remunerados por comissões sobre suas vendas. Um domingo de shopping fechado custa milhões de reais aos comerciantes e aos seus vendedores.

Se de um lado há manifestações em torno do nada, do outro, o da liderança da guilda dos shoppings, há uma postura tonitruante, inútil. Primeiro chamaram a polícia. Deu em pancadaria. Depois foram à Justiça buscar liminares e ameaças de multa. Deu em nada. O doutor Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, pediu uma reunião com a doutora Dilma para "proibir que façam esse tipo de convocação, caso sejam menores, responsabilizar os pais". Faltou explicar como. Talvez, chamando o companheiro Xi Jinping, que tem brigadas de chineses vigiando a internet, prende quem quer e solta quando quer.

Nesse diálogo de canibais com antropófagos, veio de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, uma palavra de sensatez, numa entrevista ao repórter Marcelo de Moraes. Ele diz que é preciso conversar, procurar entender: "Se eu falar que tem uma resposta é bobagem".

Enquanto rolavam rolês, um grupo de trabalhadores foi barrado num centro comercial da Barra da Tijuca porque traziam "poluição visual e mau cheiro". Isso na cidade onde o Réveillon da praia teve tenda VIP para convidados e, uma passeata, cercadinho para celebridades. Nos últimos anos pelo menos três correntistas de banco foram assassinados por seguranças. A maior rede de lojas de varejo do país classificou de "incidente" o assassinato de um freguês. No Rio, uma rede de supermercados tinha convênio com a quadrilha do tráfico da Cidade de Deus. Em Campinas e Salvador, cidadãos foram mortos por seguranças de shoppings depois de atritos banais. Nenhuma guilda empresarial pronunciou-se.

O melhor ponto de partida para lidar com os rolês é o descarte das soluções que agravam o problema. Em junho passado a polícia de São Paulo jogou gasolina no fogo durante uma passeata e incendiou o país. Pode-se pensar numa solução policial, afinal, a ordem precisa ser mantida. Tudo bem, troca-se o rolezinho pelo rolão.

"Um ministério de Chioros" - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 22/01

BRASÍLIA - Depois de ganhar a eleição de 1994, FHC prometeu que teria um "ministério de Jatenes", referência a Adib Jatene, sumidade no campo médico que trouxe para a Saúde. Criou involuntariamente uma piada: apenas o próprio Jatene acabou no time, só para sair depois por bater cabeça com a área econômica e o Congresso.

Desde então, a pasta virou ora trampolim, ora depositário de ilustres desconhecidos. José Serra foi único: político famoso e reconhecido no cargo, ainda que ele não lhe tenha servido na eleição de 2002.

Alexandre Padilha sai cacifado devido ao Mais Médicos, mais um golpe de marketing do que programa de gestão de saúde pública. Entrará na campanha mais encarniçada de 2014. Não tem a perder: sairá ou coroado como outro "poste do Lula", ou endurecido para embates futuros.

Seu sucessor é, hoje, uma incógnita. Isso é potencialmente até bom: Arthur Chioro pode mostrar-se um técnico sério e conhecedor dos problemas do sistema em sua ponta.

Neste momento, seu currículo não inspira grandes expectativas. Tirado da cartola por Lula, sempre ele, tem na defesa enfática do Mais Médicos a sua principal credencial pública. De quebra, um caso ainda a esclarecer sobre uma empresa com contratos na área de saúde municipal que, segundo o Ministério Público, é dele.

Autor de livros esotéricos, também verá críticas na corporação médica. Se não misturar crenças com política pública, contudo, sem problemas.

Chioro, é claro, pode ser apenas mais um ministro-tampão de ano eleitoral --embora petistas digam que não. A impressão que fica ao fim é a de que a impermanência domina a condução da saúde no país.



Falando em pasta poderosa, soa falsa a questão sobre o autocontrole de Aloizio Mercadante nos limites da Casa Civil. Não se trata de "se", mas de "quando" ele irá extrapolá-los.

O Brasil com o passo errado - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 22/01

O Brasil derrapa enquanto o mundo se recupera. Com a melhora das condições no mundo rico, a economia global deve crescer 3,7% neste ano e 3,9% no próximo, bem mais que a brasileira, de acordo com as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Grande parte do impulso virá, como nos anos anteriores, dos países emergentes e em desenvolvimento, apesar do ajuste na China. Para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro a previsão é de um modesto crescimento de 2,3% em 2014 e de 2,8% em 2015. Detalhe significativo: a nova estimativa geral é pouco melhor que a de outubro, enquanto a do Brasil foi reduzida. O diagnóstico tem sido feito por analistas privados e por especialistas de instituições multilaterais.

O Brasil foi muito menos prejudicado pela crise internacional do que pelos erros políticos acumulados em muitos anos. Foram menos perceptíveis no segundo governo Lula, embora graves, e tornaram-se indisfarçáveis nos três primeiros anos da presidente Dilma Rousseff.

Antes do FMI, o Banco Mundial já havia divulgado projeções piores para o Brasil do que para a economia global. Segundo o banco, a produção brasileira aumentará 2,4% neste ano e 2,7% em 2015, enquanto o crescimento mundial poderá chegar a 3,2% e 3,4%. Há diferenças entre os dois conjuntos de números, mas existe uma notável coincidência quanto à incapacidade do Brasil de acompanhar o ritmo geral de atividade.

Durante anos, o presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff e o ministro Guido Mantega fizeram bravatas, comparando o estado da economia nacional com a dos países mais desenvolvidos. Além de bravatear, deram conselhos aos governos do mundo rico a respeito de como enfrentar a crise e promover o crescimento. Teriam feito melhor se cuidassem mais de suas tarefas.

A recuperação no mundo rico foi dificultada pelo duro ajuste das contas públicas. Os governos poderiam, segundo alguns críticos, ter obtido resultados melhores se invertessem a ordem da política. Adotando compromissos críveis de arrumação fiscal, poderiam ter deixado o ajuste mais duro para depois, dando mais espaço para o crescimento na fase inicial. Esta recomendação foi repetida muitas vezes pelos economistas do FMI. Nos Estados Unidos a oposição republicana dificultou a política econômica, mas o recente acordo sobre os limites do orçamento deve produzir benefícios neste ano. Em síntese: os políticos do mundo rico podem ter errado no enfrentamento da crise, mas erraram tentando corrigir outros erros e omissões. No Brasil, os erros e omissões apenas se acumularam.

Nos países desenvolvidos, a política monetária expansionista compensou, embora apenas parcialmente, o aperto excessivo da gestão orçamentária. Como a inflação continua muito baixa, os bancos centrais poderão manter políticas mais ou menos frouxas por algum tempo, para ajudar no esforço de recuperação. A situação brasileira é muito diferente.

Não há, no caso do Brasil, espaço para afrouxamento monetário, porque a inflação já é muito alta. Também há pouco espaço para estímulos fiscais, por causa do crescimento da dívida bruta do setor público. Além do mais, o uso da contabilidade criativa desmoralizou a política fiscal e reduziu a confiança nas decisões do governo brasileiro. Esses problemas têm sido apontados por instituições oficiais, entidades privadas e agências de classificação de risco.

Sem espaço para mais estímulos monetários e fiscais, o governo brasileiro deve ainda cuidar da retomada dos investimentos. O problema dos gargalos econômicos - na infraestrutura, por exemplo - também tem sido apontado nas análises feitas por entidades multilaterais e instituições privadas. O governo demorou, em parte por inépcia gerencial, em parte por limitações ideológicas, a se esforçar seriamente para atrair capitais privados para investimentos em logística e em energia. O atraso nos enormes investimentos da Copa do Mundo e o consequente aumento de custo complicam esse quadro. Para usar a linguagem da moda: é um caso emblemático de país perdedor na competição econômica mundial.

Reformas na China e precauções no Brasil - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/01

Para reduzir a dependência de exportações de commodities, o país precisa dar um choque de eficiência na indústria, abrindo-se às cadeias globais de produção



Tem sido quase um mantra autoridade brasileira explicar as agruras econômicas por supostas dificuldades ocorridas fora das fronteiras. Mas, com os EUA se movendo para sair do atoleiro, e a própria União Europeia com a boa notícia de que, pelo menos, parou de piorar, a justificativa das “causas externas” perde ainda mais veracidade. Não que o país seja blindado contra impactos de fora. Apesar da dimensão do seu mercado interno e do ainda relativamente baixo coeficiente de abertura da economia, o Brasil ou qualquer outro país estão imunes a impactos externos. Mas a inflação e a lentidão no crescimento, duas das graves mazelas nacionais, têm causas preponderantes internas, de erros na política econômica.

Ameaça externa a ser acompanhada é a derivada das mudanças em andamento na economia chinesa, a segunda maior do mundo, e o principal mercado para commodities brasileiras (minério de ferro, grãos, principalmente). No ano passado, a China liderou a lista de destinos das exportações brasileiras com 46% de tudo o que o país vendeu no exterior, à frente do mercado americano, com 24,9%.

A informação, dada segunda-feira, de que o PIB chinês cresceu “apenas” 7,7% em 2013 — mesma taxa do ano anterior —, o índice mais baixo em 14 anos, forçou a queda da bolsa brasileira.

Estima-se até uma retração de 1% nas exportações nacionais de commodities, em função da China. Mas um crescimento acima dos 7% não é uma catástrofe. O que alimenta preocupações diante da China são as inevitáveis trepidações decorrentes da profunda mudança de modelo de crescimento, atrelando-o mais ao consumo interno e menos aos investimentos — projeto estratégico a cargo da nova geração no poder, à frente dela o novo presidente, Xi Jinping. Nesta espécie de outra Longa Marcha, em que, acena Jinping, mais mecanismos de economia de mercado serão adotados, o governo chinês terá de manejar com uma parte do sistema bancário que opera submerso em sombras. Não se sabe ao certo o tamanho do risco que paira neste grande segmento financeiro.

Precisaria entrar na agenda de Brasília a necessidade de se reduzir ao máximo a dependência do mercado chinês, mesmo que não sejam amplas as margens de manobra. A questão reforça, para o Brasil, a necessidade de restaurar a competitividade das exportações de produtos manufaturados. A política industrial, portanto, terá de ser repensada, para o Brasil não perder o bonde da história das cadeias globais de produção, forma mais eficiente de absorver novas tecnologias e se manter competitivo no exterior — o que o Brasil deixou de ser na indústria. A precaução aconselha, então, uma economia menos protecionista, mais aberta ao mundo. Neste sentido, será inexorável resolver o impasse do Mercosul, para o Brasil poder tratar de acordos bilaterais sem amarras.

Não se trata de tema de campanha eleitoral. Mas ele estará à espera do próximo presidente, no dia 1° de janeiro, no Planalto.

Missão difícil em Davos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 22/01
Se era acertada a decisão da presidente Dilma Rousseff de aceitar o convite para comparecer e falar aos participantes do Fórum Econômico Mundial, que se reúne em Davos, na Suíça, de hoje até sábado, as últimas notícias sobre a economia brasileira tornaram a viagem simplesmente fundamental. Desde que tomou posse em 2011, a mandatária tem encontrado motivos para evitar se expor naquela que alguns de seus companheiros de partido e colegas de mando na América Latina consideram uma espécie de festim diabólico do capitalismo.
Depois que os números da economia brasileira deixaram de encantar o mercado financeiro internacional, apresentando baixo crescimento do Produto Interno Bruto, inflação alta para os padrões do mundo civilizado e persistentes quedas na geração de superavits primários, o governo acabou compreendendo que não poderia continuar com o conto de fadas do consumo para sempre. Aceitou que era preciso focar no investimento.

Mas, para isso, deveria ter feito o dever de casa de reduzir gastos e gerar poupança. Restou, então, reconhecer que não há como destravar o crescimento da economia sem contar com o capital e a agilidade da iniciativa privada. Até então, o Brasil perdeu tempo precioso. Não soube se valer da escassez de opções para os investidores internacionais depois da crise de 2008, nem do grau de investimento concedido ao país, graças aos penosos ajustes feitos nos anos 1990.

O resultado é que, hoje, o país se apresenta em hora menos favorável para tomar crédito e atrair capitais de risco necessários à expansão de sua produção e à modernização de sua infraestrutura econômica. Certamente terá de pagar mais caro pelo financiamento e ser mais concessivo para trazer o capital de risco, no momento em que a poupança mundial retoma o caminho dos Estados Unidos.

Não é outro o cenário descrito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu Panorama Econômico Mundial, divulgado ontem, revelando expectativas otimistas para as economias desenvolvidas e temores em relação aos emergentes. Para o FMI, a economia mundial deve crescer 3,7% este ano e 3,9% no próximo, puxada, principalmente, pelos Estados Unidos e pelo início de retomada da União Europeia.

É hora de os países emergentes que estiverem preparados aumentar suas exportações para essas economias, que têm condições de comprar bem mais do que commodities. Mas o FMI coloca o Brasil na contramão dessa recuperação, baixando as previsões de crescimento do país: de 2,5% para 2,3% em 2014, e de 3,2% para 2,8% em 2015. Motivos: além da concorrência com os EUA pelos capitais, o país foi obrigado a aumentar os juros - o que prejudica o investimento e pode atrasar a solução dos gargalos estruturais de oferta.

O governo brasileiro pode não dar muito crédito ao FMI, mas não é essa a postura do mercado internacional de capitais. A posição de Dilma e equipe em Davos não precisa e não deve ser a de pires na mão. Mas terá de ser convincente de que o Brasil continua sendo destino confiável para o capital, garantindo que o governo não abandonou os paradigmas da política econômica que o levou a ter boa cotação no mercado. Tomara que consigam.

A Copa na corda bamba - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 22/01

Seria trágico que Curitiba ficasse de fora da Copa, mas não podemos aceitar pagar qualquer preço para manter as partidas na Arena


Em 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, o então presidente Lula, principal cabo eleitoral do país, garantiu que não haveria dinheiro público nos estádios que receberiam a competição. “Tudo será bancado pela iniciativa privada”, prometeu em 30 de outubro daquele ano. Pouco mais de seis anos depois, às vésperas da competição, as verbas públicas estão bancando a maior parte dos gastos com os estádios, vários dos quais com as obras atrasadas. O pior caso é justamente o de Curitiba, visitada ontem pelo secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, que levantou a hipótese de a cidade não ser uma das sedes da Copa se até 18 de fevereiro não houver garantias de que a Arena da Baixada estará pronta a tempo.

Que haveria dinheiro público, e muito, nas obras da Arena (como, aliás, em quase todos os demais estádios da Copa) ficou claro desde a previsão inicial do custo das reformas do estádio, em 2009: R$ 135 milhões, com a conta dividida igualmente entre prefeitura, governo estadual e Atlético Paranaense. O valor não parou de crescer, chegando a R$ 265 milhões. Em 17 de janeiro, o presidente do Atlético, Mário Celso Petraglia, apresentou um orçamento com um gasto adicional de R$ 15 milhões, necessários para bancar o aumento de 50% no número de operários que trabalham na Arena, sugerido pelo consultor de estádios da Fifa, Charles Botta, para garantir o cumprimento dos prazos.

Como resposta ao ultimato da Fifa, prefeitura e governo do estado resolveram deixar de simplesmente despejar dinheiro na Arena e decidiram entrar na gestão da obra. Uma intervenção que, dados o volume de recursos públicos investidos (só a prefeitura informou à Fifa ter gasto quase R$ 220 milhões com a Arena e seu entorno) e o ritmo preocupante das obras, até demorou para ocorrer. Não há dúvidas de que teria sido muito melhor que a promessa de Lula tivesse sido cumprida e que os estádios não demandassem dinheiro dos impostos pagos pelos brasileiros. Infelizmente, não foi o que ocorreu, e agora a prioridade é impedir o desperdício. Seria uma tragédia que, a essa altura, Curitiba ficasse de fora da Copa por incompetência coletiva – não apenas pelo que já foi investido na Arena, mas também pelos ganhos que a cidade deixaria de ter com a redução drástica no fluxo de turistas-torcedores. Mas não é por isso que se aceitará pagar qualquer preço para manter na Arena as quatro partidas previstas. Não vemos o acréscimo de mais dinheiro público nas obras do estádio, por exemplo, como uma solução correta. Uma alternativa adequada seria que a iniciativa privada bancasse eventuais novos aportes.

De qualquer forma, com Curitiba confirmada ou excluída da Copa, o episódio precisa servir de aprendizado. O presidente que em 2007 garantia que tudo seria feito pela iniciativa privada fechou os olhos quando começaram a surgir as demandas por dinheiro público nos estádios. Lula, assim, surge como o primeiro, mas não o único responsável. Dirigentes esportivos pediram, e gestores públicos concederam grandes somas para levar a Copa não só a Curitiba, mas a outras cidades. Considerando a qualidade dos serviços públicos, longe do “padrão Fifa”, é preciso perguntar: terá valido a pena? Houve mau uso do dinheiro? Este é um novelo que tem de ser desfiado.

É preciso ressaltar que a situação dos estádios é mero espelho da situação do país. Desde 2007 se sabia que o Brasil sediaria a Copa. Em julho daquele ano já havia uma lista de 18 potenciais cidades-sede. Mesmo com a definição das sedes ocorrendo apenas em maio de 2009, a presença de várias delas era certa, e Curitiba estava na lista final de muitos especialistas. Ainda assim, tudo foi deixado para a última hora. É possível que os torcedores estrangeiros encontrem vários aeroportos em obras. Em 2009, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometia que o trem-bala entre São Paulo e Rio estaria funcionando antes da Copa – até agora não há um dormente instalado. No último dia 5, reportagem da Gazeta do Povo mostrou que nenhuma das obras de mobilidade previstas para Curitiba estava pronta. Projetos foram alterados ou suprimidos, prejudicando o chamado “legado” que a Copa traria.

Em março de 2012, Valcke disse que o país precisava de um “chute no traseiro” para acelerar os preparativos da Copa. Em vez de reconhecer que o francês tinha razão, a maioria dos brasileiros entrou em um surto nacionalista de repúdio às declarações. Àquela altura, ainda faltavam mais de dois anos para a Copa. Agora, faltando menos de cinco meses para o pontapé inicial, pode-se desculpar até a deselegância nos termos usados por Valcke. Afinal, se mesmo com palavras duras os brasileiros deixaram a situação chegar aonde chegou, onde estaríamos se a Fifa recorresse apenas a advertências suaves?

Menos mortes - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/01

Após conseguir queda expressiva da letalidade policial, governo de São Paulo anuncia bônus para reduzir homicídios e roubos


São expressivos os dados recém-divulgados em São Paulo acerca da queda do número de mortes causadas por policiais militares. Em um ano, as ocorrências diminuíram 39% no Estado (de 546 para 335) e 47% na capital (de 230 para 121). Trata-se do melhor resultado dos últimos 15 anos.

Embora outros fatores possam ter colaborado para o recuo, parece evidente o papel desempenhado pela resolução 5/2013, da Secretaria da Segurança Pública. Implantada há um ano, a norma recomenda a policiais que não prestem socorro a feridos e aguardem pelo atendimento especializado.

A ideia de assegurar atenção profissional às vítimas também foi, sem dúvida, um meio de coibir ações violentas por parte de agentes de segurança, bem como alterações de cenas de crimes feitas com o intuito de forjar confrontos.

A medida foi lançada na sequência da crise que se abateu sobre a segurança pública do Estado em 2012. Após uma escalada de assassinatos de policiais e embates sangrentos entre a PM e marginais do crime organizado, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), em novembro daquele ano, substituiu Antonio Ferreira Pinto pelo atual titular, Fernando Grella Vieira.

A mudança representou uma reorientação na secretaria, que tem demonstrado maior empenho em controlar as ações da polícia e alcançado bons resultados práticos.

São Paulo já registra oito meses consecutivos de redução nos índices de homicídios dolosos. Sua taxa, pouco acima de 10 casos por grupo de 100 mil habitantes --patamar que se considera aceitável internacionalmente--, está entre as mais baixas do país.

É preocupante que o desempenho não se repita em relação aos roubos. São seis meses seguidos de alta nos indicadores desse crime, que, à diferença do furto, envolve violência ou ameaça contra a vítima. Por essa razão, ajuda a explicar a sensação difusa de insegurança que se verifica em São Paulo.

O governo do Estado parece atento ao problema. Primeiro, aprovou lei para regulamentar os desmanches, no intuito de restringir o comércio de peças de veículos roubados. Agora, anunciou o pagamento de bônus de até R$ 2.000 por trimestre a policiais, condicionados à redução de homicídios, latrocínios, roubos e furtos.

O estímulo é bem-vindo, desde que se exerça rigoroso controle sobre as estatísticas, a fim de impedir manipulações, e não se descure da melhoria, mais ampla, de salários e condições de trabalho.

Ter uma polícia eficaz, preparada para enfrentar o crime e respeitar a lei, é um objetivo que não apenas São Paulo, mas todo o Brasil precisa perseguir.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“É uma decisão individual”
Deputado André Vargas (PT-PR) sobre a renúncia do mensaleiro João Paulo Cunha


PMDB QUER MINISTÉRIO PARA OBTER APOIO NO CEARÁ

A cúpula do PMDB aposta que Ministério da Integração pode servir de moeda de troca para costurar apoio do governador Cid Gomes (PROS) ao senador Eunicio Oliveira na disputa pelo governo do Ceará. O vice Michel Temer já pediu ao ex-presidente Lula para conversar com os irmãos Gomes para reeditar a aliança PMDB-PT, sinalizando que o próprio Cid Gomes poderia ocupar pasta da Educação em 2015.

EXPECTATIVA

PT e PMDB esperam a conversa de Lula com Cid e Ciro Gomes até o fim deste mês, quando será arrematada a reforma ministerial.

PERDE NADA

Para o PMDB, Cid Gomes só teria vantagens. Além da Integração e da Educação, ele ganharia secretarias e o vice de Eunicio no governo.

UNIFICA O PT

Eunicio unificaria o PT de Luizianne Lins e José Guimarães, candidato ao Senado. Mas ele tem conversado com o tucano Tasso Jereissati.

SOB CONTROLE

Apesar das alegações do PMDB, o PT cearense duvida que Cid Gomes venha a abrir mão de indicar seu próprio candidato ao governo.

ELES VÃO, ELES VÊM, O DINHEIRO PÚBLICO TAMBÉM

Além dos cartões corporativos, que bateram recorde no governo Dilma, em 2013, gastos com passagens e diárias do Executivo, Legislativo e Judiciário não ficaram atrás, atingindo os R$ 2,4 bilhões. A União torrou R$ 1,3 bilhão em passagens. Já a conta das diárias, que garantem bons sonhos em luxuosos hotéis (como o St. Regis de Nova York, onde Dilma pagou R$ 25 mil por noite), foram gastos R$ 1,1 bilhão.

SÓ PROMESSA

Ministro Guido Mantega (Fazenda) havia prometido reduzir gastos com diárias para viabilizar corte de R$ 10 bilhões no orçamento federal.

PREÇO DO LUXO

A União torrou com diárias, de 2001 a 2013, a cifra de R$ 26,2 bilhões, considerados os valores constantes atualizados pela inflação.

RECORDE DOS RECORDES

O Ministério da Educação lidera os gastos com diárias, com exatos R$ 413,5 milhões, R$ 90 milhões a mais que em 2012.

REENCARNAÇÃO E CARMA

O futuro ministro da Saúde, Arthur Chioro, sanitarista como Alexandre Padilha, é médium e autor de vários livros, como Neoliberalismo e Espiritismo. É investigado por ser sócio na empresa Consaúde, que presta serviços à Prefeitura de São Bernardo (SP), onde é secretário.

SIGA O DINHEIRO

Tem caroço nesse angu de sites de mensaleiros recebendo doações. Se a Receita ou a PF se interessarem pela lista de “doadores”, talvez encontrem grana do mensalão reaparecendo por caminhos tortuosos.

OS FAVORES DA LEI

A Advocacia-Geral da União fez uma interpretação particular da lei para abrigar em sua sede a entidade privada Unicred/Asacred, com aluguel simbólico. Alega que a “cessão” foi aprovada por sua área jurídica.

ROLÊ CUBANO

Fontes independentes de Cuba relatam violenta repressão a protesto, ontem, de pequenos negociantes autorizados em Holguín, a 700 km de Havana. Um dos líderes está preso em local ignorado.

BACON AND EGGS

O presidente da Câmara Legislativa do DF, Wasny de Roure (PT), aceitou convite para tomar café da manhã coletivo com o americano Barack Obama, no dia 6. Mas as despesas são por conta de Wasny.

OLHO GRANDE

TVs internacionais estão revisando planos da cobertura da Copa diante dos preços abusivos e custo das distâncias, diz o jornal Gulf News. Operadores de câmera e tradutores triplicaram o preço do trabalho.

FORA DA VAGA

Eles fazem leis, mas raramente as cumprem. Suplente do cadeirante Benício Tavares, o deputado distrital Robério Negreiros (PMDB) estaciona o carro na vaga de deficiente, na Câmara Legislativa do DF.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

As 16 clínicas conveniadas de oftalmologia em Natal (RN) decidem esta semana se interrompem o serviço. O calote do SUS, do Ministério da Saúde, atinge 40 clínicas de outras especialidades há quatro meses.

PERGUNTA NA LIVRARIA

Lula voltou a usar barba para lembrar o apelido “Barba”, que tinha no Dops, como revela Romeu Tuma Jr em Assassinato de Reputações?


PODER SEM PUDOR

ESPLANADA DAS INTRIGAS

Um pouco antes de ser demitido por telefone do cargo de ministro da Educação do governo Lula, Cristovam Buarque escreveu e-mail a um amigo prestes a iniciar uma viagem de barco ao Caribe:

- Sinto inveja da sua aventura, mas não do perigo: nestes tempos de intrigas, é mais arriscado atravessar a Esplanada dos Ministérios...

A resposta do amigo velejador só chegou a Cristovam depois da sua humilhante demissão do cargo de ministro:

- Eu sobrevivi, você perdeu...