quarta-feira, outubro 15, 2014

No papel de mocinho - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 15/10


Delação premiada tem sido tão eficaz que muitos achavam que se tratava de uma invenção recente, quando, na verdade, surgiu nos EUA nos anos 60


Por ironia da história, um dos personagens mais repulsivos durante a ditadura militar, o dedo-duro, tornou-se hoje o protagonista da luta contra a impunidade, graças ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que popularizou a delação premiada, um expediente segundo o qual o criminoso passa a colaborar com as autoridades e recebe em troca benefícios como perdão ou diminuição da pena. O mesmo acordo foi assinado um mês depois pelo doleiro Alberto Youssef, acusado pela polícia de ser o chefe do esquema bilionário investigado pela Operação Lava-Jato. Agora, foi a vez de um militar ajudar a desmantelar um dos maiores casos de corrupção na PM do Rio de Janeiro ao se dispor a revelar os ilícitos cometidos pela quadrilha a que pertenceu. O instrumento tem sido tão eficaz e com tanto sucesso que muitos achavam que se tratava de uma invenção recente, quando, na verdade, surgiu nos EUA nos anos 60, na época em que a máfia imperava e seus membros presos se negavam a colaborar por fidelidade ou medo de represália dos comparsas. Para furar esse pacto de silêncio, a Omertà, a Justiça americana criou esse sistema, que oferece, além do perdão ou redução da pena, prisão diferenciada e proteção da família em troca de informações privilegiadas.

Como se sabe, na série de depoimentos que prestou sobre propinas e desvios de dinheiro na Petrobras, Paulo Roberto Costa denunciou o envolvimento de 30 políticos, entre os quais os presidentes da Câmara e do Senado, três partidos, PT, PMDB e PP, um ministro e três governadores, e nove das grandes empreiteiras. Só da Odebrecht, ele disse ter recebido no exterior US$ 23 milhões. E US$ 1,5 milhão para não atrapalhar a compra da Refinaria de Pasadena, em 2006. Sem falar nos R$ 500 mil que disse ter embolsado do presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Por tudo isso e por ter concordado em abrir mão de contas na Suíça e nas Ilhas Cayman, além de devolver à Justiça R$ 80 milhões obtidos em atividades criminosas, o escândalo da estatal está sendo considerado um marco, pois seria a primeira vez que um réu concorda em devolver aos cofres públicos tanto dinheiro e em denunciar tantos personagens importantes do cenário político nacional.

Os atingidos direta ou indiretamente, como a presidente Dilma, se voltaram não contra os acusados, mas contra os acusadores, alegando “vazamento seletivo” e “golpe eleitoral”. As críticas levaram a Associação de Juízes Federais a sair ontem em defesa do juiz Sérgio Moro, afirmando que a atuação da PF, do MP e do Judiciário foi “estritamente técnica, imparcial e apartidária”.

Em suma, a delação premiada é a chance que o bandido tem de agir como mocinho.

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