terça-feira, outubro 14, 2014

‘É a economia, estúpido!’ - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 14/10

Há posições ideológicas em favor de ambos osconcorrentes, mas muitos votos são dos que temem perder conquistas


Em 1991, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, venceu a Guerra do Golfo e resgatou a autoestima dos americanos após a dolorosa derrota no Vietnã. Assim, era o favorito absoluto nas eleições de 1992 ao enfrentar o desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”

A 12 dias do segundo turno, os aspectos econômicos serão fundamentais, tanto para os que votarão em Aécio, quanto para os que pretendem reeleger Dilma.

Para os primeiros, a análise é conjuntural. O crescimento do PIB em 2014 chegará a 0,3%, se tanto. O superávit primário, mesmo com as mágicas contábeis, as pedaladas e as receitas extraordinárias, ficará perto de zero, se não for negativo. A inflação superou o teto da meta, alcançando 6,75% nos últimos 12 meses, apesar da Selic na casa dos 11% e do congelamento dos preços administrados. O Banco Central, que no começo do ano projetou em US$ 10 bilhões o superávit comercial, lamberá os beiços se o resultado atingir 25% do previsto. Dos 48.747 empreendimentos da segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento, apenas 15,8% estão concluídos, conforme dados oficiais de abril. Quase a metade das obras sequer saiu do papel a oito meses do fim do PAC 2.

Novo eventual rebaixamento do Brasil pelas agências de risco poderá ser a gota d’água para a chamada “tempestade perfeita", conjunção de diversos fatores negativos que tendem a agravar a crise econômica. No mercado financeiro, os que sempre tiveram receio do desconhecido, agora temem a continuidade.

Para muitos eleitores de Dilma, ainda que existam nuvens carregadas no horizonte, o importante é que — até agora — a chuva não caiu. A percepção econômica é pessoal. A taxa de desemprego beira 5%. O Bolsa Família atende a 14 milhões de beneficiários, abrangendo 56 milhões de pessoas. Cerca de um milhão de pescadores (haja pescador...) recebe a Bolsa Pesca, salário mínimo mensal por quatro ou cinco meses em que as espécies se reproduzem. Entre os esportistas, 6.715 recebem a Bolsa Atleta, inclusive os 157 da elite agraciados com a Bolsa Pódio, que pode chegar a R$ 15 mil. Muitos ainda são contratados pelas Forças Armadas e patrocinados por estatais.

Nos 39 ministérios e órgãos vinculados existem 97.048 ocupantes de cargos e funções de confiança/gratificações, dentre os quais 22.729 de Direção e Assessoramento Superior (DAS). O Minha Casa Minha Vida contemplou 1,5 milhão de novos proprietários. O Minha Casa Melhor já financiou milhares de móveis e eletrodomésticos. O crédito farto facilitou também as aquisições de automóveis, motos e outros bens de consumo. Os benefícios dos cinco milhões de aposentados, pensionistas, desempregados, idosos e deficientes foram reajustados com base no salário mínimo, em percentuais superiores à inflação, atenuando defasagem histórica.

Sem dúvida, há posições ideológicas em favor de ambos os concorrentes, mas certamente muitos votos são dos que temem perder as conquistas. O medo é explorado com terrorismo na propaganda eleitoral de Dilma, que tem 74% das intenções de votos entre os eleitores que recebem o Bolsa Família. Sob o prisma eleitoral, o dinheiro direto na veia é literalmente um prato cheio para a presidente-candidata.

É indiscutível o mérito dos governos Lula e Dilma na ampliação dos programas de transferência de renda e na política habitacional. Segundo as estatísticas, 22 milhões de brasileiros saíram da situação de miséria, superando os R$ 77 per capita/mês, o que, convenhamos, ainda é muito pouco. A má-fé consiste em não reconhecer heranças como a estabilidade da moeda, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o embrião das políticas sociais, bem como transformar políticas de Estado em favores partidários.

O problema é que a tempestade se aproxima. A inflação sobe, mesmo com a elevação da taxa de juros; as despesas crescem mais que as receitas; as famílias se endividaram e frearam o consumo; a dívida bruta aumentou e o superávit primário sumiu. A credibilidade das contas públicas está deteriorada e a corrupção — o lado podre da economia — atinge valores inimagináveis.

Em menos de duas semanas, conheceremos quem irá comandar o Brasil nos próximos quatro anos. Mais uma vez, os aspectos econômicos serão relevantes. O seu voto poderá ser decisivo. “É a economia, estúpido!”, diria Carville. Resta saber o quão “estúpidos” somos.

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