sexta-feira, agosto 08, 2014

O casamento do meu ex - TATI BERNARDI

FOLHA DE SP - 08/08


Se eu usasse cauda branca numa igreja, me peguei dizendo ao psiquiatra, eu teria um ataque de riso


Por mais desconexos que fossem o vestido roxo, a meia calça preta e os sapatos vermelhos, esses eram meus únicos acompanhantes no que deve ter sido a noite mais solitária da minha vida. O motivo da roupa não foi afronta, foi mesmo uma limitação: eu não sei me vestir direito. O cabelo e a maquiagem, eu mesma dei um "tapa" em casa --e eles sofreram com a violência doméstica gratuita. O motivo, mais uma vez, não foi vingança. Eu não sei me pentear e nem me maquiar e, desconfio, tenho dúvidas também de como existir. Me recuso a ir a um salão de beleza. Precisa ter a coluna muito boa e a cabeça muito ruim pra aturar esses lugares estranhíssimos, decorados por revistas e pessoas maldosas e atapetados por assassinados fios capilares de diversas cores e sebos.

A noiva, ao contrário de mim, sabia como afinar antebraços, sorrir sem o peso abissal do cinismo, ser feliz sem a obsessão cruel com autoironia e usar com leveza e maturidade saltos altos e joias. Ela é uma moça, uma princesa, uma dama, uma graça, uma dessas coisas que homens adoram adquirir pra adornar a vida. Estava frio e ela estava quentinha. Eu entendi tudo e quase desejei (ser eu a) estar casando com ela.

Ela não trazia os extremos --e, por isso, visíveis-- sinais da angústia: bafo, cervical invertida, vontade de sentar o tempo todo pra dar uma descansada de ter nascido, dedos sendo estalados com certo vício, queixo inseguro e uma vontadezinha de suicídio escondidinha láááá no último dente.

Se eu usasse (a sério) uma cauda branca numa igreja, me peguei dizendo ao psiquiatra no dia seguinte, eu teria um ataque de riso histérico. Eu me sentiria tão ridícula que teria medo do teto cair em minha cabeça caso eu não fizesse rapidamente alguma piada. Eu me rasgaria inteira e gritaria "nem atrás sou mais pura, tia Celinha". E nós rimos. Se eu chegasse numa limusine ou numa charrete ou numa jangada, imagine só as desgraças cômicas que eu proporcionaria aos convidados? Talvez eu morresse afogada ou, mais grave: o cavalo cagasse em mim.

Ele estava lindo. Lindo, lindo, lindo. A primeira vez que transamos (e eu não tive um orgasmo porque eu estava feliz demais pra ter um e ele me achou louca por ter dito isso e então tudo começou a desandar porque ele já tinha a ideia de casar com uma princesa quentinha e não uma louca que diz essas coisas) eu olhei seus cachos molhados de suor e pensei "taqueupariu que gato". Seus cachos agora estão grisalhos mas eu ainda tenho por volta de 35 ameaças de paradas cardíacas sempre que o vejo. E tive 135 ao vê-lo vestido de chumbo, no altar. Não sei se era essa a cor mas, certamente, era essa agora a palavra.

Quando lhe dei o abraço de "Seja feliz, querido" pensei em dizer "Te amo pra sempre eterno amor da vida, vamos tentar de novo? Talvez hoje, que eu não estou feliz, eu tenha um orgasmo e você se sinta homem e eu me sinta uma princesa", mas disse apenas "Pô, legal hein!?". Ele fez aquele carinho na minha cabeça que quer dizer "Ô, doidinha, te adoro" e eu pensei "Talvez eu morra mais tarde, te deixo uma carta", mas apenas disse "Agora vou atacar a comida".

Ao chegar em casa, dormi de conchinha com minha cachorra e chorei ouvindo Caetano. Pra que rimar amor com dor? Porque ele é lindo, ela é uma princesa e eu fiquei tão entupida, que tive que pingar Aturgyl.


Nenhum comentário: