segunda-feira, agosto 18, 2014

Energia e infraestrutura - JOSÉ GOLDEMBERG

O Estado de S. Paulo - 18/08


É difícil de imaginar um mundo sem os benefícios da eletricidade e do transporte motorizado. O progresso material da humanidade a partir do fim do século 19 e durante todo o século 20 foi baseado no seu uso crescente sob muitas formas.

Sem eletricidade viveríamos no escuro, sem motores e sem água canalizada, como ainda vivem milhões de pessoas em aldeias na África ou mesmo em algumas favelas brasileiras. Só para dar um exemplo, geladeiras, essenciais para a conservação de alimentos, não seriam possíveis. Sem transporte motorizado, trens, caminhões, automóveis e aviões, ainda estaríamos dependendo de cavalos para a movimentação de pessoas e de mercadorias. Sem ela nossa civilização voltaria ao nível da Idade Média, quando a vida era "curta e brutal", em contraste com a imagem romântica que alguns fazem - como é ainda nas áreas rurais de muitos países do mundo.

A produção de eletricidade e a motorização dos transportes são dois elementos essenciais das sociedades modernas em que vivemos. É preciso, portanto, garanti-los. Isso exige grandes obras de infraestrutura, uma vez que a energia elétrica é produzida, em geral, em usinas hidrelétricas ou térmicas (que queimam carvão ou derivados de petróleo); o combustível para veículos motorizados é também, na quase totalidade, derivado de petróleo.

No Sudeste e no Sul do Brasil, beneficiando-se de uma geografia favorável, a opção preferencial para a produção de eletricidade foi, até agora, a construção de grandes hidrelétricas, que durante um século garantiram energia elétrica abundante e barata. Itaipu é um excelente exemplo desse tipo de usina. Com o petróleo nossa geografia não foi tão favorável e só mais recentemente deixamos de importá-lo graças à exploração no pré-sal - a profundidades cada vez maiores, a grandes distâncias da costa e em depósitos que se situam abaixo de uma espessa camada de sal. Os dois sistemas de produção de energia no Brasil estão atravessando, contudo, uma séria crise, como também ocorre em outros setores da infraestrutura do País, como portos e estradas, e o governo tem-se mostrado incapaz de enfrentá-los, até agora.

No setor de eletricidade, a origem dos problemas foi o abandono gradual, nas últimas décadas, da construção de reservatórios de água que garantissem a sua produção nas usinas hidrelétricas em anos de seca, que, aliás, se estão tornando mais frequentes. Podem-se enumerar várias razões para tal, como a oposição dos ambientalistas, já que grandes reservatórios inundam áreas povoadas ou cobertas de florestas, criando problemas ambientais e sociais. Isso pode ser verdade em países como a Índia, com densidade populacional elevada, mas não é o caso do Brasil.

Mesmo quando os impactos são significativos, como é o caso da Hidrelétrica de Belo Monte, é preciso comparar os custos ambientais e sociais decorrentes dos reservatórios com os benefícios, em geral muito maiores, para populações que vivem a milhares de quilômetros das áreas afetadas.

Além de hidrelétricas, a solução dos problemas de produção de eletricidade passa pelo aproveitamento de outras formas de energia abundantes no País. O bagaço de cana, por exemplo, bem aproveitado, poderia gerar tanta eletricidade quanto a usina de Itaipu. A energia eólica também poderia contribuir com outra Itaipu, mas os problemas de interligação das máquinas às redes de transmissão teriam de ser resolvidos - tem ocorrido, frequentemente, que parques eólicos já construídos fiquem ociosos por falta de linhas de transmissão.

Mais ainda, o amplo sistema de transmissão que integra a rede interligada nacional tem pontos falhos que precisariam ser reforçados para evitar os frequentes "apagões", que se devem a acidentes, ou a erros humanos, ou à falta de manutenção. Muitos "apagões" poderiam ser evitados com a introdução de redundâncias no sistema, algumas de custo elevado, mas que protegeriam a população dos sérios inconvenientes das interrupções no fornecimento de energia elétrica, que atinge de forma particularmente grave certas indústrias e hospitais.

O sistema de leilões adotado pelo governo federal para o aumento da produção de eletricidade, em que todas as fontes (hidráulica, eólica, biomassa, solar) concorrem em igualdade de condições, é também uma das causas dos problemas. Garantir um custo final mais baixo da eletricidade, que é o objetivo dos leilões, revelou-se fruto de uma visão ideológica, e não técnica, da questão. A "modicidade tarifária", nominalmente destinada a proteger os mais pobres, também se revelou um obstáculo para os empreendedores que concorriam com opções novas, como energia eólica e biomassa, e só agora está sendo abandonada.

No que se refere ao suprimento de petróleo e derivados, novamente uma visão equivocada do que se entende por proteger a população de baixa renda se revelou desastrosa para a Petrobrás, que vende gasolina a preços inferiores aos que paga por ela ao importá-la do exterior, uma vez que a produção nacional não é suficiente - por causa dos atrasos nas refinarias - para atender à demanda.

Uma consequência desastrosa dessa política é que a manutenção do preço da gasolina sem reajuste desde 2007 - em nome do combate à inflação - tornou o álcool da cana-de-açúcar (etanol) pouco competitivo em quase todo o território nacional, sacrificando o que se havia tornado o maior programa de energia renovável existente no mundo.

Resolver esses problemas - o que está muito longe de ser impossível - exigirá mais planejamento e menos ideologia. E abriria caminho para a produção da energia necessária para sustentar um novo ciclo de desenvolvimento no País.

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