quarta-feira, julho 09, 2014

Sem palavras - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/07


Um espaço em branco. Sem palavras. E eu acordava assustada. Esse era o pesadelo que tinha há quase 30 anos quando comecei a ser colunista. Temia abrir o jornal e ver o espaço em branco. A de hoje, leitores, quase sai assim: sem palavras. Meu assunto é economia – posso me refugiar – mas em estado de choque, em que mais pensar? Nada nos preparou para esse placar.

Pode-se perder um jogo. Quantos perdemos? Foram 24 anos sem ganhar uma Copa depois de 1970.O Brasil sabe que tudo se pode esperar de uma Copa do Mundo. Glórias e derrotas. Euforia e tristeza. Mas humilhação como a de ontem é traumática, entra para a história.

Convenhamos, temíamos a derrota. Foi uma espera aflita, a de ontem. Entrar em campo, numa semifinal, como o azarão, o que tem menos chance, desfalcado e ferido é um sentimento estranho para um brasileiro. Amanhecemos nos apegando aos detalhes: mais estrelas no peito, menos peso sobre os ombros dos nossos jogadores já que a fatalidade nos atingiu. Ao mesmo tempo em que se preparava o coração das crianças avisando que nem sempre vencemos. Só não tínhamos avisado que existe uma coisa chamada goleada. E que ela pode acontecer contra nós, na nossa casa.

Vamos racionalizar, porque nada mais nos resta. Pelo menos não ouviremos novo silêncio no Maracanã. Aquele de 1950. Um silêncio que se carregou por 64 anos e que foi transmitido como trauma olímpico de geração a geração até entrar no DNA. O único povo que tem um silêncio impresso em seus genes. Foi o Maracanazo. Hoje ele parece pequeno porque conhecemos o sabor amargo do Mineiraço.

Quem analisava as chances, os jogos, os movimentos do treinador, os erros, as falhas, não acreditava numa vitória. Os alemães, que derrotamos em 2002, organizaram-se de forma metódica, paciente, disciplinada. Vieram para vencer. Nós, desorganizados, facilitamos. Amanhecemos ontem sabendo tudo sobre as vantagens, as táticas e o jogo do adversário e nada sobre o nosso próprio time. É desestabilizador.

O jeito desse meu pequeno time que faz coluna e blog foi olhar para a economia. Não falta serviço do lado econômico. O país estourou mais uma vez o teto da meta. Nesse campo, de novo, estamos fora do jogo da meta de inflação. Em junho o IPCA foi de 0,40% – exatamente a previsão feita aqui ontem pelo economista Luiz Roberto Cunha – e isso nos levou ao estouro do teto da meta.

Não foi um acaso. Nenhuma derrota o é. E acontece num momento em que os preços de alimentos estão ajudando, porque caíram após a alta do começo do ano. Mesmo assim, em 12 meses, a inflação estourou o teto da meta e continuará assim no mês que vem. Em julho do ano passado, a taxa foi de 0,07%. Isso dificilmente vai se repetir este ano, o que significa dizer que, quando for divulgado o IPCA de julho, a taxa anual vai subir mais ainda. A boa notícia é que há chance de cair no fim de 2014 porque em dezembro do ano passado o índice registrou 0,92%. Agora deve ser melhor.

Por que a inflação estourou o teto da meta? Fatalidade? Não. Certas derrotas são resultado de como se arma o jogo. E o governo, desde o começo, tem armado errado a sua estratégia nesse campo. No início, a equipe econômica considerava que uma inflação mais alta permitiria um crescimento maior. O governo chegou a declarar que não faria o combate à inflação à custa do crescimento. Essa tática jamais funcionou. A inflação não estimula o crescimento, ela faz o oposto. E pelo décimo primeiro mês a taxa fica acima do teto da meta no atual governo. Derrotas ensinam só se quisermos aprender.

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